Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 27
Capítulo 27: POV Gabrielle DeChamps




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"Então, ela é uma estudante de uma escola estilo internato. Ela tem que usar aquelas saias pregadas xadrez e dormir em um quarto só de meninas. A parte da escola dos homens é separada. E ela acaba se apaixando por um carinha de lá, e eles tem que se ver escondidos no meio da madrugada," eu falava e Abigail só escutava, concordando com a cabeça de vez em quando.
Não parecia muito convencida, mas tinha certeza de que ia gostar quando lesse de verdade.
"Que legal," ela disse, por educação.
"Então, acho que você poderia ler e talvez você vá curtir! Eu juro que é legal, juro," juntei minhas mãos à frente do meu rosto, quase que suplicando para que ela aceitasse.
"Claro, claro. É só me dar que eu leio, mesmo que demore," ela sorriu e para mim foi como se estivesse assinado um contrato.
Dei pulinhos de alegria e rapidamente corri de volta para a minha mesa para pegar o primeiro exemplar. Estava impresso, mas não publicado. Ainda não tinha conseguido publicar nenhum livro, mas já tinha escrito vários.
Voltei correndo para a mesa dela, história na mão.
"E se você gostar, eu super aceitaria uma ajuda para conseguir transformar em um roteiro. Só preciso do contato," expliquei, "porque o trabalho todo é por minha conta."
Ela sorriu, tímida, pegando o bloco de papéis da minha mão.
"Muito, muito obrigada," falei. "Você não sabe como isso significa para mim!"
Ela levantou as sobrancelhas, quase como se estivesse surpresa, mas eu entendi como se ela não tivesse mais o que comentar. Resolvi que qualquer minuto a mais do seu lado só poderia atrapalhar minhas chances de conseguir que ela me ajudasse.
Então a agradeci mais uma vez e voltei para a minha mesa. Ficava pensando na minha cabeça, 'por favor, goste, por favor, ame!'. Mas estava feliz só de ter tido essa chance, mesmo que não chegasse a lugar nenhum.
Estava começando a empilhar vários dos meus manuscritos quando uma criada entrou pela porta e andou diretamente até mim.
"Lady Gabrielle?" Ela me chamou e eu parei o que estava fazendo na hora.
Quando nossos olhos se encontraram, eu a reconheci e soltei um gritinho.
"Emily!" Falei, mordendo o lábio. "Prazer."
"Não se preocupe, já fui informada sobre as razões pelo incidente," ela falou, fazendo uma reverência.
"Não precisa fazer isso para mim," falei, levantando uma mão.
Mas ela não diz mais nada sobre isso.
"Príncipe Charles requer sua presença," falou, e eu vi várias meninas à minha volta levantando a cabeça para ver e ouvir melhor o que estava acontecendo.
Pronto, pensei. Ele mudou de ideia e vai me eliminar.
"Como assim, ele requer minha presença?" Perguntei, querendo que ela me desse uma dica de que tipo de coisa ele estava planejando para mim.
"Ele não pode entrar nesse salão, Lady. Ele está pedindo que o encontre lá fora," ela falou.
As meninas à minha volta trocaram olhares que eu vi com o canto dos olhos. Quando me virei para soltar meus manuscritos de volta na mesa, percebi que as expressões delas variavam de inveja para preocupação. Mal sabiam elas que eu tinha mais chances de ser eliminada aqui do que qualquer outra.
Cada passo que eu dei em direção à porta pareceu como um passo em falso. Eu tinha um grande pressentimento que nada de bom estava para acontecer. Eu sabia no fundo do meu coração que ele não ia me perdoar por ter ido até seu quarto antes mesmo de conhecê-lo. Eu nunca devia ter levado aquilo em diante. Por que eu fiz aquilo mesmo? Por que essa curiosidade de saber como é estar no lugar das outras pessoas?
Quando fechei a porta atrás de mim, ele se virou para me olhar. Estava de pé perto da janela e parecia muito nervoso. Foi aquilo que me fez sentir um vazio de rejeição. Ele estava nervoso por ter que me eliminar. Depois do que a Beatriz nos tinha contato, ele devia estar com medo de eu dar a louca igual aquela menina.
Coloquei minhas mãos atrás das costas, para tentar esconder o meu próprio nervosismo. Apertava os dedos de uma com a outra, tentando fazer a dor daquilo me distrair da dor do que estava prestes a acontecer.
"Alteza," falei, fazendo uma reverência desajeitada pelas minhas mãos escondidas.
Ele parecia que estava prestes a desmaiar de tão nervoso.
"Gabrielle," ele falou, como se a menção do meu nome o deixasse enjoado.
Na minha cabeça de escritora, já imaginei a cena em que eu levava minhas malas para fora do castelo, olhava para trás e me lembrava do primeiro dia que tinha passado ali.
Maltido dia.
"Você queria falar comigo?" Perguntei, franzindo a sobrancelha.
"Sim," ele disse, passando a mão pelos cabelos, esfregando a testa.
Não dava para eu aguentar aquilo. Eu precisava poupá-lo de tanto sofrimento.
"Eu entendo," falei do nada, e ele me olhou surpreso. "Eu entendo, não se preocupe. Eu só quero que saiba que eu agradeço do fundo do meu coração pelo tempo que passei aqui," juntei minhas mãos no peito para enfatizar o quão grata estava. "Vou para o meu quarto agora fazer minhas malas. Mas muito obrigada, de verdade."
Comecei a me virar para as escadas, mas ele me segurou pelo braço.
"Não estou te eliminando," ele disse quando me virei para ele. Foi só nossos olhos se encontrarem para ele soltar meu braço como se o toque da minha pele tivesse doído. "Não quero que vá embora, não é isso."
"Não?" Perguntei, observando enquanto ele esfregava sua nuca.
O que mais poderia estar deixando-o tão nervoso?
"Não, longe disso," falou, me olhando nos olhos. "Eu queria saber se você gostaria de ir em um encontro comigo."
"Fala sério!" Soltei sem pensar, o que o assustou. "Não que isso seja ruim," falei, tentando consertar. "Pelo contrário, é ótimo, super aceitaria!" Ri da minha própria loucura. "Desculpa, é que eu realmente achava que você estava para me eliminar e na verdade você só queria passar um tempo comigo!"
"É," ele falou, mas logo o cortei.
"Claro, né? Você seria louco de eliminar uma menina tão linda e incrível quanto eu assim sem nem poder me conhecer direito," joguei meu cabelo por cima do ombro, para tentar ilustrar quão incrível eu era.
Ele me olhou como se eu fosse louca, provavelmente pensando que eu não tinha nenhuma razão no universo para me chamar de incrível, mesmo que brincando.
Senti meus ombros ficarem rígidos de novo. Mas ele só balançou a cabeça e mudou a conversa de direção.
"Então você aceita?" Perguntou, como se houvesse a mínima dúvida.
"Claro! Quando quer ir?"
"Pode ser agora?" Ele perguntou e eu concordei com a cabeça, animada. "Quer assistir um filme?"
"Quero, adoro filmes," falei, seguindo-o, começando a andar na direção oposta das escadas.
"Eu não sei bem o que você gosta, mas eu sou mais dos clássicos," disse, me oferencendo o braço.
Eu o devo ter olhado durante horas, pensando que aquilo era uma coisa linda e incrível e que eu devia guardar na minha cabeça. Lentamente coloquei meu braço em volta do dele, aproveitando a sensação de bem cuidada que aquilo me trazia.
Era engraçado como algo tão simples me deixava tão bem, rápido assim.
Fomos andando, conversando sobre os filmes mais clássicos e antigos. Ele me disse que tinha uma versão especial do filme "Casablanca" e eu simplesmente pirei! Estava quase o apressando para chegar lá mais rápido, para começar a ver o mais cedo possível!
Quando chegamos lá, ele foi fazer pipoca em uma máquina no canto da sala enquanto eu andava por ela, tentando não me impressionar muito com tudo ali.
Mas era praticamente impossível! Tinha mil poltronas grandes e confortáveis e a tela era enorme! Não pude evitar imaginar os mil filmes que gostaria de ver ali, com a cara enorme de cada ator. Imagina só, Victor Parize ficaria lindo naquela tela. Dava para eu me girar vinte vezes de um lado dela até o outro. Imagina sentar ali, vendo o meu filme preferido!
E Charles não fazia a pipoca rápido o suficiente! Eu estava praticamente me coçando para começar o filme, estava louca para ver o Humphrey Bogart grandão, com seu blazer branco.
"Você já foi para lá?" Perguntei, indo me apoiar na bancada onde ficava a máquina de pipoca.
"Onde?" Ele perguntou, sem me olhar.
"Marrrocos," expliquei. "Já foi para lá?"
"Não," ele parecia que ia falar mais alguma coisa, mas quando olhou para cima e encontrou meus olhos, só abriu a boca.
Eu fiquei esperando ele completar, mas depois de alguns segundos desconfortáveis, resolvi mudar de assunto.
"E a pipoca, tá pronta?" Estava tentando me distrair.
"Quase," ele falou, voltando ao que estava fazendo.
Ele pegou um pote grande e colocou embaixo da máquina, que fazia barulhos altos de milho estourando. Nós assistimos enquanto a pipoca caía sem falar outra palavra.
Será que todos os nossos encontros seriam esquisitos assim?
"Você gosta de viajar?" Perguntei para quebrar o silêncio.
"Adoro," ele falou, sem tirar os olhos do pote.
Sabe, eu estava esperando uma frase um pouco maior.
"Qual seu lugar preferido?" Insisti.
"Para falar a verdade?" Ele olhou para mim, finalmente. "A França."
Mus lábios se abriram em um sorriso.
"Sério?" Perguntei.
"Sim," ele concordou com a cabeça, sorrindo com a minha felicidade. "Tem alguma coisa nas cidades pequenas da França que eu acho irresistível!"
"Você conhece Amboise?" Perguntei, animada.
"É aquela do Leonardo Da Vinci?" A pipoca tinha ficado pronta e ele dava a volta na bancada até mim.
"É sim!" Falei, feliz de ele conhecer. "É a minha favorita. Também, meus pais são de lá, então eu sou um pouco suspeita."
Ele riu, me guiando até as poltronas onde nos sentaríamos.
"Lá é lindo mesmo, mas não sei se diria que é a minha favorita," ele falou.
"Qual então?" Perguntei, me sentando confortavelmente no meu lugar.
"Das cidades do Vale do Loire, acho que Blois," disse, também se sentando.
"Como você pode achar Blois mais bonita que Amboise?" Eu perguntei, inconformada.
"Eu gosto de que é uma cidade mais alta, menos plana," ele explicou. "E o castelo é um pouco diferente, não sei. É minha preferida."
"Não existe nenhum universo onde o castelo de Blois é mais bonito do que o de Amboise!" Falei, um pouco alto demais.
Ele riu. Gargalhou, quase.
"Quê?" Eu perguntei, completamente virada para ele na minha poltrona.
"É legal como você se importa," ele falou, no meio do seu riso. "Você leva super para o pessoal, faz maior drama."
"Ei, é claro que eu levo pro pessoal! Faz parte da minha história!" Me defendi.
"Eu sei, eu sei," ele sorriu, divertido. "Achei legal mesmo assim."
Seus olhos me olhavam como se ele estivesse me vendo pela primeira vez, o que me deu um frio na barriga e uma vontade de sair correndo. Não me leve a mal, eu gostava daquilo. Por um segundo eu até tinha esquecido do "Casablanca". Mas de certo modo, aquilo também me assustava.
Ele quebrou o clima falando que o filme ia começar. Me virei para a frente, lembrando que estava animada para assistir de novo o meu filme preferido.
"Quer ficar com a pipoca no seu colo?" Ele perguntou, e eu concordei com a cabeça, pegando o pote e deixando-o o mais perto possível dele.
Devo dizer, aquela foi a melhor versão do filme! A imagem era bem melhor do que qualquer outra que eu já tinha visto. Depois de tantos anos, era difícil um filme como aquele ter sobrevivido tão bem, mas acho que a realeza tinha acesso ao melhor do melhor.
Apesar de tudo isso, apesar de estar tentando quase adivinhar todas as falas na minha cabeça (coisa que eu sabia bem que conseguia fazer), não consegui prestar muita atenção no filme. O tempo todo eu ficava pensando que o braço dele estava logo ali, do meu lado. Se eu mexesse o meu um pouquinho, tocava nele. E quando ele se esticava para pegar a pipoca, eu não conseguia não olhar para a mão dele! Estava completamente roubando minha atenção.
Nem sabia direito em que parte estava, mas ainda era o começo, quando eu me mexi de leve, tentando me ajeitar em uma posição em que a chance de eu relar nele fosse menor. Eu só queria me forçar a parar de pensar naquilo. Eu tinha coisas mais importantes para assitir.
O meu movimento me fez levar o pote um pouco para a direita, só o suficiente para eu me ajeitar. Mas bem na hora que eu resolvi fazer isso, ele foi direto com a mão ao pote, que não estava lá, fazendo seus dedos encontrarem minha coxa ao invés da pipoca.
Eu soltei um grito de surpresa pelo seu toque em um lugar que eu realmente nunca tinha pensado que ele iria me tocar naquele primeiro encontro. Meu grito e as pipocas voando por cima da gente devem ter sido os grandes fatores que o levaram a entender o que tinha acabado de acontecer.
"Ai meu deus," ele falou, se inclinando para a esquerda, o mais longe que podia de mim. "Desculpa, era você? Eu achei que a pipoca estava aí!"
"Não," eu falei, louca para soltar aquele pote em qualquer lugar para poder usar minhas mãos para esconder meu rosto. "A culpa é minha, eu a mudei de lugar sem te falar."
"Mas eu devia ter olhado, perdão," ele falou.
Quando olhei para ele - contra todas as células no meu corpo que me mandavam nunca mais encará-lo, - vi que ele estava mais envergonhado com aquilo do que eu. Estava claro nos seus olhos que se ele pudesse, já tinha cavado um buraco para se esconder.
A imagem dele fazendo isso bem ali, e depois enfiando a cabeça dentro veio direto na minha cabeça. Por que que a minha imaginação precisava ser tão fértil?
Só de imaginar a cena, senti uma vontade enorme de rir. Tentei olhar para outro lado para segurar a risada, mas não funcionou. Quando meus olhos encontraram o chão, imaginei de novo ele ali, de pá na mão, terra afastada e buraco no chão. Soltei uma risada alta pela sala, quase cuspindo no meu próprio vestido.
Ele deve ter achado que eu estava rindo da situação, o que, de certo modo, era um pouco verdade. Logo ele se juntou a mim, rindo sem parar. Era ainda mais engraçado vê-lo gargalhando daquele jeito. Era como se toda a sua pose se derretesse, seus ombros relaxando e ele quase se soltando completamente. Jogou a cabeça para trás, rindo como um menino e aquela imagem me divertiu ainda mais, pensando que aquilo era a coisa mais graça que eu já tinha visto em toda a minha vida.
Senti um impulso de abraçá-lo, mas não me deixei levar. Nossa risada foi cessando e ele olhou para mim, satisfeito, de novo daquele jeito que fazia eu sentir como se ele estivesse me olhando pela primeira vez.
Eu ia perguntar se ele não achava melhor a gente começar a pegar as pipocas, mas ele começou a balançar a cabeça antes que eu pudesse, ainda me olhando, como se estivesse negando algum pensamento.
"Que foi?" Perguntei, sem saber o que ele poderia estar pensando.
"Nada," ele falou, seu sorriso crescendo.
Isso não me convenceu.
"Quê? Fala!" Insisti e lhe dei um empurrãozinho, que fez ele rir mais ainda.
"Nada, é que você é engraçada," falou, dando de ombros.
"Eu que sou, né? Você que finge aí que queria pegar a pipoca só para me molestar e eu sou a engraçada," cruzei os braços na minha frente.
Sua expressão ficou um pouco mais séria, mas seus lábios ainda estavam levemente curvados para cima.
"Me desculpa," ele falou, suas sobrancelhas franzindo.
Aproveitei aquele momento por um segundo, guardando-o com carinho na minha cabeça.
"Desculpado."


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