Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 132
Capítulo 132: POV Enny Knout




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Quando Charles tinha ido até meu quarto para me dizer que estava me eliminando e, ao mesmo tempo, me dando o melhor dos presentes do mundo, eu quis recusá-lo. Não porque eu não queria, mas porque querer era assustador. Querer entrar na aeronáutica me deixava doente de medo. Pelo meu pai, pelo fim que eu sabia que poderia estar me esperando. Mas ainda mais por dar certo. Pensar que talvez algum dia eu pudesse me tornar tudo aquilo que eu sempre tinha sonhado, tudo que eu tinha já planejado desde pequena era assustador. Eu já conseguia me ver sendo comandante de avião, tendo até um marido, feliz com todos os desafios diários da minha carreira. E só de imaginar isso, eu já sentia meu estômago embrulhado.
Mas eu tinha decidido não correr. E quanto mais eu sentia o medo tomar conta de mim, mais eu continuava. Fui embora do castelo no dia seguinte para me inscrever. Me inscrever! E depois fazer reconhecimento de onde eu ficaria, do curso que faria. Eu entraria no exército e ao mesmo tempo, eu teria que fazer um curso básico de piloto. E depois eu iria para a aeronáutica, onde eu seguiria os passos de meu pai.
Mas eu não estava sozinha. Quando Charles me disse que um guarda real me acompanharia, eu achei que era uma coisa ótima, uma coisa que ameaçava acabar com o meu medo. Mas a verdade era que o medo era bom. E o que o ameaçasse poderia ser uma indicação de um caminho fácil. Enquanto ainda íamos até a base de Angeles, eu via Loric como um problema. Eu não queria que ele facilitasse nada para mim. Se era para eu morrer de medo, se era para eu encarar tudo aquilo que me deixava nervosa, eu teria que fazer direito. Eu não queria que ele me desse a mão e me levasse a lugar nenhum. Se eu tinha que chegar em algum lugar, eu tinha que chegar lá sozinha.
Mas ele sabia disso melhor do que eu. E o jeito que ele me tratava era estranho. Por um lado, parecia que ele me tratava super bem, como um cavalheiro. Mas toda vez que falávamos sobre o exército, ele não fazia a mínima questão de facilitar as coisas para mim. Ele mesmo que me mostrou toda a base, me apresentou às pessoas e eu fiquei esperando um tratamento especial, mas não veio. Ele foi seco, formal e direto. E eu até comecei a gostar mais dele por isso. Ainda mais quando nós saímos de lá e fomos para o bar do outro lado da rua e ele começou a me tratar de novo como um cavalheiro. Era um contraste que me deixava um pouco encabulada, mas era bem-vindo. E se não fosse por isso, talvez eu não estivesse com ele ali.
Ali, digo, o castelo. Era a primeira vez que eu voltava ali. E eu só o fazia porque a princesa da França tinha ameaçado acabar com a minha carreira se eu não aparecesse. Eu não sabia que ela estava tão desesperada por convidados, mas fui mesmo assim. Eu não precisava dela como pedra no meu caminho. Eu sabia bem como ela podia atrapalhar a felicidade dos outros.
Loric me acompanhou. E eu o tinha considerado como uma vantagem, quase como um escudo. Até que nós saímos para o jardim do castelo e o rei e a rainha nos avistaram.
Aquela tinha sido uma péssima ideia! Eu não queria que eles pensassem que eu já estava correndo atrás de outro cara logo depois da Seleção! E muito menos um cara como Loric, dez anos mais velho do que eu! Eu não podia ficar com cara da menina que entra no exército só para encontrar um marido! Eu não misturaria as coisas. Nunca. E não queria que pensássem que era isso que eu estava fazendo.
Mas eu também não podia simplesmente explicar para o rei e a rainha tudo isso. Então assim que nós terminamos de cumprimentá-los e começamos a andar em direção à porta da igreja, eu fiz questão de me afastar o quanto podia de Loric sem tirar o meu braço do seu.
"Enny, eu quero que você conheça alguém," a voz de Loric me falou assim que eu senti o gelado das paredes de pedra da igreja tomarem conta de mim.
Só aquelas poucas palavras já me fizeram entrar em pânico, eu tinha medo de quem ele queria que eu conhecesse! E se fossem seus pais? E se fossem seus melhores amigos? E se ele estivesse pensando em coisas erradas?
"Esse é Aspen e Lucy," ele disse, me puxando para o canto do fundo da igreja, onde um casal esperava. A mulher tinha feições delicadas e ainda era muito bonita, apesar dos sinais de cansaços que insistiam em aparecer em seu rosto. Já o homem usava um uniforme simples e discreto de exército, um uniforme para eventos formais. E contrastando com o preto de seu uniforme e as várias medalhas que brilhavam em seu peito, estava um pequeno vestido rosa e botinhas que balançavam no ar. "E essa é Elsa," Loric completou, já se esticando para cumprimentar com um dedo toda a mão da menininha.
Eu senti todas as minhas preocupações desaparecerem. Ela era tão preciosa! Estava dormindo confortavelmente no colo do pai, agarrada com um mão a ele, balançando seus pezinhos conforme sonhava. Eu não podia pensar em nada mais graça no mundo inteiro. A vontade de pegá-la no colo, roubá-la para mim ou até mesmo só fazer carinho em sua cabecinha delicada era enorme! Mas eu não a conhecia. Eu tão pouco conhecia seus pais. Então me atrevi a só olhá-la com toda a admiração que eu guardava dentro de mim.
"Aspen," Loric disse, e eu vi pelo canto do olho quando ele apertou sua mão de leve, tentando não acordar Elsa. "Essa é Enny Knout," ele continuou. "A grande promessa da aeronáutica."
Eu senti meu estômago dar voltas quando ele falou isso. Poderia ter me enterrado ali mesmo se conseguisse, só para não ter que olhar para aquele que parecia ser bem importante no exército como a novata.
Mas assim que meus olhos procuraram o chão de vergonha, Aspen disse, "Então essa é Enny Knout!"
"Você sabe quem eu sou?" Eu perguntei, levantando meus olhos para encará-lo.
"Eu conheci seu pai," ele disse, já presente na sua voz o pesar do assunto. "Quando ouvi dizer que você ia se juntar a nós, eu sabia que seria uma honra."
Do seu lado, a sua mulher sorriu para ele, como se tivesse orgulho dele só pelo que ele dizia. Por um segundo, eu me distraí, me perguntando se existia a possibilidade de algum dia eu olhar para alguém assim que não fosse o meu pai.
"O senhor é piloto?" Eu perguntei, fazendo-o rir de leve.
"Não precisa me chamar de senhor, não aqui," ele disse, descontraído. "Não sou piloto, nós provavelmente mal vamos cruzar nosso caminho."
"Oh," eu soltei, já desanimada de saber que eu tinha um amigo a menos.
"Mas você estará em boas mãos," ele completou. "Pode confiar."
"Eu confio," eu falei.
"Pai," um garoto que não parecia ter mais do que dois anos de diferença de mim se aproximou de nós sem cerimônias, indo direto atrás de Aspen. "America precisa falar com você." Ele esperou uma reação do pai e, enquanto isso, virou seus olhos para mim. "Perdão, não queria interromper."
"Não tem problema," eu disse, já me sentindo inapropriada. Era a família dele ali, eu e Loric éramos os intrusos.
"Eu sou Gustave," o garoto falou, me oferecendo sua mão para apertar. Foi quando eu percebi que ele usava luvas. E subindo meus olhos de volta até seu rosto eu percebi que não eram só as luvas que ele usava. Ele estava todo vestido de guarda real. Era estranho, pois eu nunca o tinha visto ali.
"Enny Knout," eu disse, colocando minha mão na sua, pronta para balançá-la. Mas ele a levou à boca e a beijou devagar, tão leve que eu mal senti seus lábios na minha pele.
Enquanto isso, seu pai entregou sua irmã para a sua mãe e nos pediu licença.
"Eu acho melhor nós irmos nos sentar," Loric disse, cortando o olhar que Gustave mantinha em mim. Eu aceitei na hora, não queria alguém me olhando daquele jeito.
E depois de pequenos acenos de cabeça, eu andei com Loric até um dos bancos que tinha sido reservado para as selecionadas.
Ótimo, eu pensei assim que os avistei. Eu teria que passar o casamento inteiro como uma das meninas que tinha ido para o castelo tentar ganhar o coração do príncipe. Na época, não me parecia nada mal. Pelo contrário, eu tinha me inscrito voluntariamente. Mas naquela hora, na posição que eu estava, eu me sentia até um pouco ridícula de admitir que algum dia eu tinha entrado em uma competição tão romântica e sentimental.
Loric não pareceu se importar, o que me acalmou. Se ele, vestido todo com o seu próprio uniforme formal do exército, estava bem em se sentar do lado das meninas que competiam pelo CORAÇÃO do príncipe, por que eu me importaria?
O banco onde nós sentamos estava vazio e eu agradeci por isso. Mas não demorou para alguém se juntar a nós. Eu mantinha meus olhos no altar, e assim que eu senti a presença da pessoa, eu a ignorei. Ainda estava tentando me decidir como reagiria com cada selecionada que encontrasse, como eu ia cumprimentá-las, se aproveitaria para falar tudo aquilo que eu nunca tinha falado, se ia pedir para mantermos contato ou se só ia sorrir. Até que eu ouvi uma voz que reconhecia. Mas não era de uma delas, não. Era de meu irmão.
"Você acha que vai demorar muito?" Ele perguntou, assim que eu me virei para olhá-lo. Abigail Neumann, ninguém menos, estava sentada entre nós dois. "Ei, Enny!" Ele disse quando me percebeu ali. Ele se esticou por cima de Abigail, que também se virou para me olhar, e me deu um beijo no rosto. "Como você tá?"
"Bem," eu disse, um pouco confusa. "E você?" Olhei dele para ela e ele fez o mesmo.
"Estou ótimo," respondeu, voltando seus olhos para mim. Ele realmente não parecia conseguir sorrir mais. Mesmo assim, parecia tentar encaixar um sorriso maior em seu rosto, loucamente. E por alguma razão, aquilo me incomodou.
"Será que eu posso falar com você em particular?" Eu perguntei, já me levantando e não esperando por uma resposta.
Ele era o MEU irmão. Ele tinha que ir falar comigo.
Eu andei até o fundo da igreja, já considerando a possibilidade de sair de lá. Eu só queria ficar o mais longe possível dela.
Ele me seguiu, apesar de um pouco apreensivo.
"Algum problema?" Ele perguntou quando chegou até mim.
"Sim," eu disse. "Sim, vários. Primeiro, porque você não me falou sobre vocês dois? Eu escrevi uma carta enorme contando da minha vida-"
"Que está muito bem encaminhada, eu posso ver."
"...E você nem para me contar que ia aparecer aqui com uma das selecionadas?"
Ele cruzou os braços à sua frente, como se estivesse cansado do jeito que eu falava com ele. Mas eu não ia tentar esconder o quanto aquilo me irritava.
"Eu contei. Na próxima carta. Isso daqui," ele apontou para ele e Abigail de longe várias vezes, "acabou de acontecer. Felizmente. Pode esperar que logo chega uma carta para você contando sobre como eu e Abbie estamos namorando."
"Abbie?" Foi o máximo que eu consegui falar.
"É, Abbie," ele repetiu. "Qual é, você costumava ser a maior fã dela no planeta!"
"Sim, mas eu tinha 14 anos!" Eu me defendi. "E nunca, nunca na minha vida, eu tinha imaginado que isso," eu apontei dele para ela também, freneticamente, "fosse acontecer."
"Desculpa aí se te incomoda me ver feliz," ele disse, levantando as mãos no ar como por rendição.
"Não estou falando que me incomoda," eu suspirei, querendo muito esfregar meu rosto, mas com medo de estragar minha maquiagem. "Eu só achei que você fosse me contar se você decidisse começar a namorar alguém."
Eu dei de ombros, também cruzando meus braços. Duck me olhou por um tempo, como se estivesse tentando me entender. Até que ele abriu um sorriso.
"Espera," ele disse, satisfeito com a conclusão à qual ele tinha chegado, "você está com ciúmes?"
Eu mesma soltei uma risada sem humor. "Claro que não, Duck! Eu só acho que talvez você não saiba bem o que está fazendo. Quer dizer, você já se perguntou se consegue namorar alguém com uma vida tão pública? O que isso vai significar para o hotel? E como você vai explicar isso para Elliot? Você se lembra de que você é um exemplo para ele, não é?"
Mas ele só riu mais ainda. "Enny, não se preocupe, eu não vou aparecer em tabloides dando vexame."
"Engraçado, porque eu já consigo imaginá-lo," eu o cortei.
"Te garanto que você só vai ver isso na sua cabeça," ele me segurou pelos ombros e me mirou. "Elliot olha muito mais para você do que ele olha para mim. E você é o melhor exemplo que alguém poderia pedir."
Eu dei de ombros.
"E também," ele continuou, "não existe garota no mundo que faça eu me esquecer de você," suas palavras atraíram meus olhos para os seus. "Você sempre será a minha garota, En."
Eu queria empurrá-lo e dizer que ele estava sendo louco, que eu não me importava com tudo aquilo. Mas eu queria mais ainda que ele me abraçasse, porque eu realmente me importava com tudo aquilo.
E foi o que ele fez, rindo de um jeito que me fazia sentir um pouco idiota, mas até um pouco amada.
"Agora vamos," ele disse, depois que se afastou de mim. "Você precisa dar uma segunda chance para a sua futura cunhada."
Eu fiz uma careta quando ele falou 'cunhada', mas andei de volta com ele até o banco onde Loric e Abigail nos esperava.
"E eu," ele continuou, se virando para me olhar um segundo antes de nós chegarmos perto o suficiente para eles nos ouvirem, "preciso conhecer o MEU futuro cunhado."


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