Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 101
Capítulo 101: POV Charles Regen




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"Eles chegaram," tenente Klaus disse, olhando para a tela do computador.
Nós estávamos em uma sala secreta do lado do escritório do meu pai. Eu, ele e mais dois guardas.
"Como você sabe?" Perguntei.
"A câmera que colocamos do outro lado da rua," ele explicou. "Olha," ele apontou para a tela e eu vi o pequeno movimento atrás de uma árvore.
E então esse movimento cresceu e um cara saiu de lá, andando rápido até chegar à guarita dos guardas, colocando alguma coisa perto do telhado.
"Cole, eles estão logo atrás de você," o tenente falou em um walkie-talkie. "Eles estão carregando dardos, não acho que vão atirar, mas se preparem."
"Entendido," Cole falou e o tenente se concentrou na tela do computador.
Então eu fiz minha parte.
"Sebastian, como estão as coisas aí?" Eu perguntei pelo meu rádio.
"Calmo, nada ainda," ele disse.
"E Thomas?"
"Idêntico a você," ele falou. "Quer dizer, o máximo que dava, né? E aí?"
"Estão chegando. Qualquer coisa-"
"Pode deixar," ele me cortou. "Boa sorte aí."
"Para você também," eu disse e então desliguei.
Eu assisti conforme Gregor e seus parceiros apagaram Cole e Kane e os deixaram dentro da guarita, entrando no jardim. Eles fecharam o portão como dava, mas ainda parecia um pouco aberto.
"E as câmeras?" Eu perguntei, me levantando e indo até o tenente.
"As do jardim já saíram do ar," ele disse. "Mas as escondidas ainda estão funcionando," nós fomos para outra tela que estava ao lado e mostrava vários ângulos do jardim. "Pronto, eles mudaram as câmeras normais," o tenente falou. "Já não está mostrando mais o movimento dos guardas."
"Mas não tem como eles saberem que nós instalamos outras?" Eu perguntei, bastante nervoso.
"Se eles as descobrirem, tem," ele falou, não ajudando em nada a me acalmar. "Mas vai dar tudo certo."
Eu respirei fundo algumas vezes, tentando acalmar meu coração acelerado. Mas aquilo era demais. Eu nunca tinha feito nada daquele tipo. O tempo que eu tinha passado no exército tinha sido pequeno e cheio de treinos. Eu não tinha medo de armas, nem de balas. Não tinha medo de lutar, eu conseguia fazer tudo aquilo. Era bem esse tipo de coisa que nós treinávamos, até com munição de verdade. Mas eu nunca tinha passado por um esquema como aquele, de emboscada. Nós precisávamos estar um passo à frente, precisávamos pensar em várias jogadas à frente. E eu não estava acostumado com aquilo. Eles podiam muito bem ser mais espertos, ganharem de nós. Eles podiam ter um plano B que nós não tínhamos como ganhar. Eu podia perder. Eu poderia muito bem perder tudo.
Eu devia ter ido buscar Gabrielle eu mesmo, pensei. Eu devia estar lá, para poder abraçá-la assim que ela estivesse a salvo. Mas algo me dizia que alguém apareceria aqui e eu tinha certeza de que Gregor não ficaria para trás. Eram provas contra ele que estavam aqui, ele não deixaria outra pessoa pegá-las, talvez seus capangas nem soubesse que estavam ajudando-o nisso. Talvez ainda acreditassem em alguma outra história dele.
"Jagger, o Laeddis está no Salão das Mulheres," o tenente falou, chamando a minha atenção para o que estava acontecendo. "Diminua o passo, deixe que ele chegue às escadas antes."
Eu olhei por cima do ombro dele e lá estava Jagger, andando mais devagar, abrindo portas de salas que nós sabíamos estar vazias, enrolando o máximo que podia. Enquanto Gregor saía do Salão das Mulheres e corria para as escadas no final do corredor, subindo apontando sua arma para todos os ângulos possíveis. Era quase divertido vê-lo assim, achando que estava ganhando, que era ele que mandava. Ignorância talvez não fosse tanta benção assim.
"Reid, tem um cara chegando pelo corredor sul em direção à escadaria principal," o tenente falou no walkie-talkie de novo. "Vire à sua direita e faça o caminho contrário."
Nenhum guarda respondia, todos fingiam que não tinham ouvido nada e naturalmente mudavam seu caminho. Eles eram guerreiros, eles sabiam o que estavam fazendo. Enquanto eu estava me escondendo.
E então eu lembrei de uma coisa.
"Loric?" Eu perguntei no meu rádio.
"Sim, Alteza," ele disse, o som quase quebrando as frase.
"Como estão todos aí?" Perguntei.
"Estão bem, Alteza. Um pouco nervosos, querendo saber notícias, mas estão bem."
"Eles já entraram no castelo," eu falei, imaginando o que as outras selecionadas pensariam ouvindo o que saía pelo rádio. "Tudo está sobre controle," eu completei, tentando não alarmá-las. "Mando mais notícias quando tiver."
"Entendido," ele disse e desligou.
Todos estavam reunídos no esconderijo, todos lá, sem saber o que pensar do que estava acontecendo aqui. A única coisa que me acalmava era que eu tinha certeza de que a minha mãe estaria tomando conta de todos.
"Tucker, o alvo está com a mira em você, comece a andar," o tenente falou e eu fiquei ainda mais nervoso, indo ver onde Gregor estava.
Eu não queria que ninguém moresse, nem eles mesmo, nem os guardas. Eu precisava que tudo ocorresse bem. Eu não queria sangue correndo pelo castelo.
"Rowan, você vai encontrar Tucker na escadaria principal," o tenente praticamente narrava o que eu estava vendo. "Subam as escadas e virem à esquerda, mas continuem até o final do corredor. Conversem sobre alguma coisa qualquer."
E então eles se encontraram, como eu vi pela tela, e começaram a subir as escadas, conversando. Eu não podia ouvir o que eles falavam, mas podia ver suas bocas se mexendo. O cara que subia do segundo andar tinha a mira neles e eu segurei a respiração, implorando na minha cabeça para que ele não atirasse. E ele não atirou. Os guardas continuaram subindo sem problemas.
E então Gregor e ele se encontraram no primeiro degrau, apontando suas armas para todos os lados, querendo estar preparados para o que quer que acontecesse.
"Tenente, eles conseguiram dopar o Oficial Johnson," Renaldi disse do meu lado e eu fui ver a tela que ele controlava. "Eles devem estar conseguindo a senha agora."
A senha. A senha que eu mesmo tinha escolhido. Formaria Gabrielle, se você visse um teclado de telefone. Meu pai tinha ficado com medo de que eles percebessem, mas seria muito esperto da parte deles. E eu realmente não esperava que eles fossem inteligentes assim.
Eu ainda estava nervoso. E muito. Eu batia o pé de leve, em um ritmo constante, como meu jeito de superar minha própria ansiedade. Eu não sabia se tudo aquilo deveria me deixar com ainda mais medo, ou com mais confiança. Eles não tinham suspeitado de nada, eles realmente achavam que seria tão fácil assim entrar no castelo? Mesmo que nós precisássemos de todas as pessoas necessárias para ir atrás de Gabrielle, deixar o castelo quase completamente desprotegido nunca seria uma opção.
"Rowan, Tucker, eles ainda estão na escada," a voz do tenente me fez parar de olhar para a tela da sala de segurança e ir ver a que ele estava cobrindo. "Eles estão descendo, podem continuar seu caminho, vão até o final do corredor. Marshall, você está chegando perto demais do cara no jardim, dê uma meia volta e siga pelo lado oeste."
Olhei só por um segundo para a tela do jardim, logo voltando a mirar Gregor na escada que estava tão perto de nós.
"Eles conseguiram a senha," Renaldi disse do meu lado. "Eles devem vir agora. Vou me preparar."
"Charles?" Ouvi do meu walkie-talkie. "Charles, você está aí?"
"Sebastian, estou aqui," eu falei, levando o rádio ao ouvido.
"Ela não está aqui," ele disse, me fazendo sentir minhas pernas fraquejarem.
"Como assim, ela não está aí?" Eu perguntei, me apoiando em uma cadeira.
"Nós entregamos o dinheiro e o helicóptero, mas tudo que eles nos deram foi um endereço," ele explicou. "Nós estamos indo pra lá agora."
Eu nem respondi. Só desliguei o rádio e fui até Renaldi.
"Eu vou," eu disse, pegando a arma que estava em cima da mesa antes dele.
"Alteza, não é seguro-"
"Não me importa," eu falei, já desbloqueando a arma e a preparando. "Eu vou," eu disse de novo, dessa vez mais rígido. "E não apareça sem que eu te chame!"
"Mas, Alteza-"
"É uma ordem!" Eu insisti, talvez um pouco alto demais. "Se você aparecer lá sem que eu te chame, a minha arma estará mirada na sua cabeça."
Ele me olhou, um pouco confuso, hesitando.
"Vai logo," o tenente falou, do nada. "Mas vai logo mesmo, eles estão colocando a senha.
Eu nem parei para pensar duas vezes, eu abri a porta e entrei no escritório do meu pai, fechando-a devagar. E logo eu me posicionei na frente da estante do lado do pequeno hall da porta de entrada do corredor. Eu me lembrei de todos os meus treinamentos, de como eu ficava nervoso neles e como nenhum deles realmente se comparava com a realidade.
Ouvi a porta principal abrindo e eu segurei minha respiração, tentando fazer o menor barulho possível. Minhas mãos suavam no metal da arma e eu rezei para ter forças o suficiente para encará-lo e mais ainda para não matá-lo na raiva.
Ouvi o barulho que seu parceiro fez ao cair e imaginei que Tucker tivesse conseguido acertá-lo em cheio. Então a porta se fechou e Gregor passou por mim, correndo apressado até a cadeira de meu pai, que nós tínhamos deixada virada para a janela com a intenção de confundi-lo.
Ele estava desesperado. Isso eu podia ver. Ele nem parou para olhar em volta, ele bufava, cansado, nervoso. Eu estava bem ali e ele ainda nem sabia. Ele virou a cadeira, a arma apontando para quem pudesse estar sentado ali. Eu vi o choque e o medo tomarem conta de seu rosto e então finalmente eu senti a confiança da qual precisava. Era eu quem estava com o controle. E eu precisava deixar isso bem claro.
Ele abaixou a arma no desânimo e eu vi aquela como a minha chance.
"Estava te esperando," eu falei, mirando a minha arma estável na sua cabeça. Ele se virou para mim e fez uma menção de levantar sua arma de novo, mas eu fui mais rápido. "Eu não faria isso se fosse você," falei dando um mínimo passo à frente, para mostrar a minha intenção. "Abaixe a arma."
Ele a colocou devagar na mesa e eu só ri, sarcasticamente. "No chão," eu falei e ele nem hesitou, sabendo que estava mesmo abusando se achava que eu ia deixá-lo colocá-la arma na mesa. "Agora chute-a para mim."
Ele fez como mandei e pisei em cima da sua arma, fazendo a parar. Abaixei devagar para pegá-la, sem tirar a minha mira dele. E uma vez que estava de pé e com ela na minha mão, eu apertei o botão que soltava o pente e o deixei cair no chão, chutando-o para o lado depois. Tentando ao máximo não tirar os olhos dele, eu soltei a última bala que estava engatada e joguei a arma para o lado contrário de onde estava agora o pente.
E enquanto eu fazia tudo isso, Gregor ficou com as mãos levantadas, esperando. E então eu o mirei de novo, tentando não apertar o gatilho, tentando não deixar meu dedo pensar por mim.
"Você não devia estar aqui," ele disse, seu nariz quase torcendo com o nojo que ele devia sentir de mim. "Eles nunca vão entregá-la sem você lá."
"Eu não preciso que eles a entreguem," eu falei, dando um passo em sua direção. "Porque você vai me contar onde ela está."
Ele riu, jogando a cabeça para trás e eu só segurei a arma ainda mais forte. "O que te faz pensar que eu vou te contar alguma coisa?" Ele perguntou, voltando a me mirar. "Se quiser me matar, vá em frente. Você nunca vai conseguir tirar nada de mim. Na verdade, é até melhor que eu morra mesmo," sua voz foi ficando mais forte, ele estava quase gritando. "Se esse é o único jeito que eu vou conseguir sair daqui, então assim será. E eu vou levar Gabrielle comigo."
A menção do nome dela só me irritou ainda mais, me fazendo dar outros passos em sua direção. Eu sabia que não era seguro, que talvez ele até conseguisse reagir. Mas eu não conseguia me controlar. Eu queria avançar nele e minhas pernas se moviam sem que eu mandasse.
"Quando eu terminar com você, você vai estar pedindo pelo amor de deus para eu te dar outra chance de me contar onde ela está," eu falei, rangendo meus dentes.
Ele riu de novo, e eu não consegui me controlar. Eu virei a minha arma, dando com o cabo dela na cabeça dele com tudo. O barulho do impacto e a força com que eu mandei sua cabeça para o lado quase me abalou. Mas eu mantive o pé firme, mirando-a de novo para ele antes que ele se recuperasse.
Ele levou uma mão ao rosto, sentindo em sua mandíbula o que o peso do cabo da arma podia fazer.
"Eu acho melhor você usar essa arma de verdade," ele disse, com um pouco de dificuldade. "Só um tiro vai conseguir me deter."
Antes que eu pudesse reagir, ele pegou um livro grande e pesado que estava na mesa de meu pai e bateu de lado na arma. Meus pulsos sentiram a batida mais do que qualquer coisa, mas meus dedos quase se soltaram da arma, sem conseguir segurá-la. Eu tentei ajeitá-la, tentei mirar de novo para ele, mas em menos de um segundo ele bateu de novo, segurando ao livro com as duas mãos, dobrando sua força e fazendo a arma voar para longe. Depois ele mirou o livro em mim, voltando com ele até que sua capa batesse na minha cabeça, me empurrando para o lado contrário da arma.
Eu senti o mundo girar por um segundo, mas não me deixei sofrer muito. Balancei a cabeça como podia, para voltar aos meus sentidos, mas ele me deu um chute na barriga com força, me fazendo cair para trás, escorregando pelo chão.
"Vamos lá, príncipe, você consegue fazer melhor," ele disse, dando pequenos pulos, já segurando as mãos prontas para protegê-lo em uma luta.
Eu me levantei com um salto, não querendo demonstrar fraqueza. Precisava tirar dele aquela informação, eu precisava que ele me falasse onde ela estava.
Mas ele era muito mais forte, muito mais preparado. Ele bloqueou todos os socos e golpes que eu tentava com muita facilidade, sem nem tentar revidar. Ele estava satisfeito o suficiente de eu não estar conseguindo atingi-lo. Ele quase ria e, a cada golpe em falso, mais frustrado eu ficava.
Até que eu tentei pegar uma espada que meu pai tinha na parede. Era para ser só decoração, eu nem sabia se ela estaria afiada, mas era a única coisa que eu conseguia pensar era que ia me deixar em vantagem. Ele já estava confiante demais, estava achando que era ele quem tinha o controle. Mas eu precisava recuperá-lo antes que Renaldi entrasse pela porta e nos separasse, me fazendo perder qualquer chance de conseguir que ele falasse onde Gabrielle estava.
Eu precisava que ele me falasse onde ela estava! E a raiva daquilo tomou conta de mim. Eu peguei a espada rapidamente, aproveitando enquanto ele ria. E com um movimento só, eu girei e bati com ela com tudo em suas pernas. Não, ela não estava afiada. Mas ainda era pesada e conseguiu que ele ajoelhasse de dor. E eu não parei, aproveitei e tentei bater do outro lado, dando outra volta para pegar galeio do movimento, deixando que todas as minhas aulas de luta com espadas com meu pai voltassem a mim.
Mas ele foi mais rápido de novo, segurando a ponta da espada com as duas mãos antes que eu o atingisse na costela. Ele a girou, torcendo meu braço e me forçando a soltá-la. E então ele me atacou, se levantou como dava, mirando meu estômago, e não parou até que nós dois batêssemos na estante. Eu senti uma prateleira quase me cortar nas costas, mas eu nem deixei que a dor me atingisse. Eu tentava o socar como dava, enquanto ele fazia o mesmo, me batendo no estômago, no rosto, nos braços. Então o empurrei com a perna o máximo que dava, enquanto ele tentava me atingir de novo. Ele socou o ar umas duas vezes e eu me recuperei o suficiente para desviar da terceira vez para a direita o suficiente para me afastar um pouco dele e deixar suas costas livres para o meu cotovelo.
Eu o bati várias vezes, o tanto que dava, tentando segurá-lo ali, mas ele logo me empurrou e eu caí de mal jeito, deslizando e batendo na parede do lado. Eu até senti o pente da arma que eu tinha jogado ali nas minhas costas. Na hora eu nem pensei nele, mas então Gregor decidiu que aquela luta estava seca demais.
"Quer saber? Chega," ele disse, me dando um chute no estômago quando eu estava tentando me levantar.
Eu fiquei me contorcendo por um tempo e então o vi indo em direção à minha arma, do outro lado do escritório. Eu entrei em pânico, na minha vulnerabilidade, percebendo o quanto eu estava perto de perder aquela luta de vez. Pensei em gritar o nome de Renaldi, mas o peso de ainda ter que conseguir descobrir onde Gabrielle estava tomou conta de mim.
E aí eu lembrei do pente, o peguei com pressa e deslizei como dava até aonde a arma vazia dele estava. Mas ele conseguiu chegar até a minha primeiro, se virando para mirar para mim antes que eu conseguisse colocar o pente na dele e a preparar, muito menos mirar. E então eu só ouvi o barulho dele disparando, olhando para baixo até mim.
Eu fechei meus olhos com força, como se aquilo fosse me proteger. Mas o barulho de Renaldi e os outros guardas entrando pelas duas portas do escritório me fez abri-los de novo. Tucker foi rápido em atirar em Gregor com um dardo, enquanto Renaldi tirava a arma dele.
"Não!" Eu gritei, tentando me levantar para chegar até Gregor. Senti uma mão me segurando para trás, mas eu fui mais forte, não parei até conseguir segurá-lo pela gola da camisa. "Onde ela está?" Eu perguntei, gritando e o balançando, tentando fazer com que me respondesse antes que ele apagasse. "Onde ela está? Onde está Gabrielle?"
Ele sorriu, já fechando os olhos. "Nós combinamos no píer," ele disse e seu sorriso cresceu. "Nós combinamos..," ele apagou completamente e eu o chacolhei mais algumas vezes antes de soltá-lo.
"O píer," eu virei para quem estava do meu lado, só para encontrar Tucker lá. "Eu preciso ir para o píer."
Renaldi e um outro guarda começaram a levantar o corpo de Gregor e o levar para longe.
"Onde você estava com a cabeça?" O tenente também entrou no escritório, seus passos ecoavam na minha cabeça, enquanto ele andava em minha direção.
"Eu preciso ir para o píer," eu disse, tentando me apoiar na mesa para me levantar.
"Você não vai para lugar nenhum," ele falou.
"Não, eu preciso-" eu achava que estava finalmente conseguindo, quando escorreguei meu joelho em algum líquido e acabei caindo de novo no chão, quase batendo a cabeça.
Levei uma mão para o lado da minha barriga, que ardia sem parar e que só tinha piorado com a queda. E foi quando eu senti a ferida. Até então, eu tinha esquecido de me preocupar, eu tinha me assustado mais com o barulho do que com qualquer coisa. E nada me doía, nada me incomodava. Mas meus dedos a sentiram, vendo onde ela começava, e a dor foi aparecendo sorrateiramente, e eu fui sentindo-a arder o meu corpo inteiro.
"Eu preciso ir," eu falei, deitando de costas. Tucker tirou minha mão de cima da ferida e a apertou com força, só me fazendo gritar de dor.
"Você não vai para lugar nenhum," o tenente repetiu, se colocando do meu outro lado. Os dois juntos me viraram e logo me deitaram de novo. "Entrou e saiu," o tenente falou. "Você vai ficar bem."
"Eu sei que eu vou ficar bem, eu preciso ir para o píer," eu falei, me agarrando no uniforme deles e tentando levantar. "Eu preciso ir buscar a Gabrielle."
"Seu irmão disse que ela não estava lá," o tenente falou, me empurrando para baixo de novo. "Eles estão indo aonde o sequestrador falou que ela está. Eles vão buscá-la, ela vai ficar bem."
"Não, eles estão errados," eu insisti, apesar de a dor estar começando a me vencer. "Eu preciso ir, eu tenho que ir buscá-la."
Eles nem se importaram em me respoder, só me viraram de lado de novo, depois me deitaram sobre uma maca gelada e me levantaram, Tucker mantendo uma mão na minha ferida o tempo todo.
"Ela está bem," o tenente disse, enquanto eles se apressavam para me tirar do escritório. "Vai ficar tudo bem."
Não demorou até eu chegar na ala hospitalar, apesar de que eu cogitei a ideia de simplesmente pular da maca várias vezes. Assim que eles me deitaram em uma cama, uma enfermeira me deu uma dose de morfina e eu senti até minhas pernas fraquejarem. Enquanto isso, um médico olhava minha ferida e constatava de novo que a bala tinha entrado e saído, sem atingir nenhum órgão, que eu ficaria bem.
Eu entendia tudo isso. E agora, com a dor um pouco mais branda, eu me sentia ainda mais determinado a buscar Gabrielle. O problema era que eu estava começando a me perder, a ficar tonto. Em um momento de sorte, a enfermeira saiu do quarto e o médico foi anotar alguma coisa em uma prancheta de costas para mim. Eu olhei por cima do ombro e vi um bisturi ali. Me deslizando da cama com cuidado, quase caindo quando consegui colocar meus pés descalços no chão, eu o peguei e o mirei para o médico. Mas ele não tinha percebido que eu tinha descido da cama, então eu tive um pouco mais de tempo para abrir a gaveta de um dos armários que tinha ali e procurar o que queria.
O barulho de como eu a vasculhava o alertou de que algo estava acontecendo.
"Não se mexa," eu falei, apontando o bisturi para ele, que levantou as mãos no ar.
Aquilo era loucura, eu sabia disso. Eu estava à beira do que seria considerado normal para um ser humano. Mas eu não ia medir esforços nem questionar o que estava fazendo até que tivesse Gabrielle de novo comigo. E eu tinha certeza absoluta de que ela estava no píer. E ela estava lá, sozinha, enquanto meu irmão e os outros guardas saíam em uma busca sem sucesso sabe-se lá aonde.
Eu continuei mexendo na gaveta, até que eu achei o que queria, uma injeção de adrenalina. Sem tirar o bisturi da direção do médico, eu coloquei uma agulha na injeção e a finquei na minha perna, sem hesitar. Eu quase comecei a me arrepender de ter feito aquilo quando senti a pressão da sua agulha dentro de mim e a dor da minha ferida voltando à tona. Mas não parei para sofrer, não parei para me questionar. Só mantive o bisturi apontado para o médico até conseguir sair da sala.
O corredor não estava vazio, então eu saí por outra porta, que levava a outra sala de emergência. Com um pouco de dificuldade, consegui passar agaxado pelo corredor lateral sem que me vissem. Mas quando eu estava quase chegando à escada de emergência, uma enfermeira me reconheceu.
Eu a deixei gritando meu nome para trás, joguei o bisturi no chão e abri a porta para as escadas. Eu comecei a descer freneticamente, ainda sentindo minhas pernas fraquejarem um pouco. Eu tentei ir mais rápido a cada lance de escada. Não só pelo barulho que eu tinha ouvido de pessoas vindo atrás de mim, mas porque a dor da ferida da bala no meu tronco estava ficando pior e eu podia sentir o sangue escorrendo e encharcando as gazes que estavam ali.
Eu passei direto pelo primeiro andar, onde achei que os guardas pensariam que eu ia. Eu mirei a garagem no subsolo e fiz uma coisa que eu nunca pensava que faria antes. Assim que entrei, eu corri para o armário de chaves, quebrando-o com um extintor que ficava ao lado. O extintor era mais pesado do que eu pensava e quase não consegui quebrar o suficiente para tirar a chave que queria. Mas enfiei meu braço por baixo do vidro como dava, fazendo-a cair para mim, mesmo que tivesse ganhado alguns cortes na minha mão.
E então eu ouvi os guardas chegando à garagem e entrei em pânico para ir mais rápido. Corri até a moto de Sebastian (que talvez fosse me matar se descobrisse que a tinha pegado) e coloquei a chave na ignição. Tive que tentar umas três vezes, só dando tempo para os guardas quase me alcançarem, mas acabei conseguindo fazer seu motor ligar. O portão mal tinha aberto ainda, então eu tive que me abaixar, mas consegui sair da garagem, deixando todos para trás. O caminho até o grande portão foi bem rápido e eu consegui passar pelo espaço que os seuqestradores tinham deixado aberto. E então eu estava livre e não tinha mais o que me fizesse voltar atrás.
E a dor que me fincava embaixo da minha costela nem era muito problema. A adrenalina estava começando a fazer efeito com tudo, me deixando ainda mais elétrico, ainda mais nervoso e ansioso. Eu precisava encontrar a Gabrielle. Eu precisava e eu IA encontrá-la.
Eu só não sabia era o caminho até o píer.


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