Tocha Humana: Poder e Responsabilidade escrita por King BdE


Capítulo 1
Capítulo 1




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9 de novembro de 1965. Até este fatídico dia, o sistema elétrico norte-americano vinha sofrendo diversos mini apagões por um problema de planejamento e alto consumo da população. As políticas públicas para o setor não funcionavam e precisavam ser reformuladas, entretanto pouco se fazia. Tudo isso mudou às 17:16 h quando uma linha de transmissão ligando Ontário a região Nordeste dos USA desligou-se por sobrecarga, levando o blecaute para mais de 30 milhões de pessoas em um efeito cascata. 11 minutos depois, Nova Iorque caiu na escuridão. Milhares de pessoas ficaram presas no metrô e em elevadores. O caos foi instaurado, policiais e bombeiros foram convocados em emergência para amenizar os problemas da população nova iorquina. Mas mesmo com todo o reforço, nem todos os lugares podem ser vigiados e malfeitores se aproveitam da situação.

Quase duas décadas após o final da II Guerra, mesmo a idolatria pelo 'desaparecido' Capitão América havia esfriado. A idade começara a pesar para os demais heróis da época e, apesar de existir um novo conflito no horizonte e com potencial maior para uma destruição global em um inverno nuclear, o mundo agora estava mais focado nas pessoas 'normais'. Pelo menos oficialmente, o governo negava o envolvimento de super-humanos na Guerra Fria. Mesmo com este fantasma atômico espreitando os anos dourados norte-americanos e um convite do governo para permanecer na ativa, Jim Hammond pouco mostrava interesse nestes assuntos. Ainda quando do período em que Jim era mais famoso, seja pelos confrontos com Namor ou pelo trabalho junto aos heróis 'aliados' na Guerra, percebia que não era tão aceito como os demais. Sua lógica concluía que jamais seria tratado da mesma forma que um humano normal. O fato de ser um produto artificial de uma mente brilhante, com a capacidade de se inflamar hoje controlada, sempre pesaria nas atitudes da sociedade. Tocha Humana é como o chamavam e de 'humano' só tinha o apelido e a aparência quando não em chamas.

Não conseguia compreender como os humanos podiam ter esquecido com tamanha rapidez os terrores da guerra para novamente entrar em uma corrida armamentista. Menos ainda conseguia entender como seus feitos ficaram em segundo plano e o temor passara a existir mesmo entre seus contemporâneos. A medida que o tempo passava, Hammond via crescer um distanciamento em relação aos colegas, agravado pelo fato de jamais envelhecer. Aos poucos, foi-se afastando e deixara de usar seus poderes em público. Decidira seguir sua existência incógnito, tentando se mesclar mais a população e entender melhor a natureza humana. Sua IA registrava atos heroicos improváveis e, ao mesmo tempo, diversas ações violentas e sem propósito dos seres humanos. Não havia um padrão ou uma lógica. Então, para conseguir ‘vivenciar’ plenamente sua experiência e compreender melhor a humanidade, o Tocha Humana precisava sair de Nova Iorque. Ir para um lugar onde seu nome seja apenas um rumor, uma lembrança de uma Guerra passada, quase uma história. Juntou seus recursos acumulados com o trabalho de mecânico em um estabelecimento especializado em Hot Cars e estava decidido a tomar o primeiro trem para o interior. “Não importa para onde. Texas, Oklahoma, Kansas… o que preciso é sair daqui. O primeiro horário disponível será aquele para onde irei. Quem sabe este tal de ‘destino’ me leva a ter outras experiências mais proveitosas?”, falou para si mesmo o androide, enquanto caminhava na rua em direção a Grand Central Terminal.

Já anoitecera quando o blecaute escureceu as luzes da Cidade que Nunca Dorme. A escuridão não foi completa, pois havia uma bela lua cheia nos céus estrelados da cidade, permitindo um breve tremeluzir de luzes que permitiam ver o suficiente. Poucos segundos se passaram e um acidente violento ocorrera a poucas quadras de onde se encontrava Jim. Os semáforos se apagaram, pegando de surpresa dois veículos em um cruzamento. Hammond estava convicto de que não poderia revelar sua identidade. “Os bombeiros logo aparecerão e ajudarão. Preciso ir, pois aparentemente o apagão não foi generalizado. É possível que a Grand Central esteja ainda operacional”, falou novamente em voz baixa. Com passos firmes, Jim seguiu seu caminho, aproximando-se do acidente. Ao longe, vultos surgiam aqui e acolá. Pessoas andavam rapidamente, temerosas. Nenhum policial a vista ainda, muito menos bombeiros. Ao longe, conseguiu ouvir alguns lamentos e um breve pedido abafado de socorro, aparentando vir de um dos prédios ao seu lado. “Nada demais. Eles podem se cuidar sozinhos. Seguirei conforme planejado”, novamente um sussurro sai de sua boca gelada. O acidente ganhava contornos na penumbra. De um dos carros, relativamente intacto, o motorista conseguiu sair um pouco desnorteado, mas aparentemente bem. No segundo carro, um homem retirava uma mulher e uma criança de colo que estavam no banco do carona. A criança chorava.

O trio parecia bem, pois o impacto fora na lateral do veículo, ao lado do motorista. Então, uma chama surgiu sob o capo semi-destruído. O homem deixa a mulher e a criança na calçada próxima a uma distância segura e volta rapidamente para o carro. As chamas aumentam. Hammond decide continuar. “O problema parece resolvido...”, novamente diz a si mesmo o Tocha Humana. Poucos curiosos aparecem e nenhum sinal de bombeiros. “Preciso ir. Tomar o trem para qualquer lugar... não sou aceito aqui.” Então, um grito: “Ajudem meu filho!”, a mulher conseguia gritar mais alto que o choro da criança, quando uma labareda enorme passara a arder sobre o motor do veículo. O homem não conseguia retirar seu filho, enquanto o laranja do fogo, salpicado por amarelo e azul, faziam ‘dançar’ as sombras em volta do acidente. “Não posso. Preciso ir…” Então, o bebê fica em silêncio e ouve-se apenas o trepidar do incêndio e o choro da mulher. Tocha Humana para… algo acionara sua memória.

Agosto de 1944, sul da França. A Operação Dragão marca a retomada definitiva do país do controle alemão e, dentre os soldados aliados, um quarteto se destacava no front. Bucky, Namor e Tocha Humana, liderados pelo Capitão América, formavam um grupo formidável e irresistível contra o Eixo. Naquele período, no entanto, o grupo se dividira. Enquanto Namor fora com Bucky para uma posição em Saint-Tropez, Tocha e Capitão seguiram com o destacamento que atacou Saint-Raphael. E ainda divididos, no início da noite alguns dias depois de retomada as praias e alguns vilarejos costeiros, uma forte resistência alemã fora encontrada em uma pequena cidade perdida no mapa. Alguns tanques, morteiros e centenas de soldados nazistas defendiam furiosamente sua posição, plantada estrategicamente em uma ponte. O rio era de difícil transposição, não existindo outra passagem como aquela em quilômetros. Retomá-la garantiria acesso para o Norte, isolando a pouca resistência alemã ao Sul. A pequena cidade estava destruída, corpos eram vistos em vários lugares. Sob forte fogo cerrado, os moradores estavam em meio ao fogo cruzado e chamas eram vistas aqui e acolá nos poucos casarios que ainda estavam de pé.

Quando percebera, estava caído no chão. Um disparo de panzer o atingira, desnorteando o senso de direção e fazendo-o cair. Se fosse humano, estaria morto. Mas como é o Tocha Humana, apenas não conseguira manter o voo e as chamas acesas. No chão e tentando se recuperar, ouve um grito de terror e choro, quando um tanque aliado se aproxima de uma família. Percebe que o homem tenta levantar um enorme pedaço de madeira que estava prendendo um jovem, ambos no caminho do veículo de guerra. As chamas ardiam próximas àquelas pessoas. Finalmente, Hammond consegue se erguer, quando, sob fogo cerrado, o Capitão surge. Sem preocupar-se com a própria segurança, Rogers arremessa seu escudo contra a madeira com tamanha precisão e força que a faz deslocar o suficiente para o jovem ter espaço para sair por debaixo, ainda que lentamente. Entretanto, o tanque estava muito próximo e não havia mais tempo para a fuga. Estavam fadados a serem esmagados pela esteira de metal. Jim, neste instante, finalmente consegue entrar em chamas, mas não tem tempo para reagir...

Com velocidade sobre humana, Rogers pega o escudo (que havia ricocheteado) em pleno ar e, com um novo golpe em uma das juntas da esteira, a arrebenta. Sem o apoio adequado, o tanque vira para a esquerda, desviando daquelas pessoas. Quando tudo se acalma, um silêncio rompeu de ambos os lados da batalha. Os alemães voluntariamente depuseram as armas. Hammond não entendera a lógica daquele movimento até notar que o homem que tentara salvar o filho era um oficial nazista e que o Capitão tivera um ferimento a bala no braço esquerdo, talvez o único nesta longa e sangrenta guerra. Pouco tempo depois, descobriu-se que o tanque aliado apresentara um problema na direção e os soldados já não possuíam mais controle sobre ele quando tudo aconteceu. Dias depois, com o Capitão já recuperado e em ação novamente com os Invasores novamente reunidos, Tocha se aproxima em um dos raros momentos de descanso e pergunta: ‘Capitão, porque de se arriscar por aquela família nazista? Foi porque sabia que os alemães se renderiam?’. ‘Não, Jim’, um sorriso cansado de tantas batalhas surge, iluminando o rosto de Rogers. ‘A vida é algo frágil e precisa sempre ser preservada. Em uma guerra, muitas mortes acontecem e, infelizmente, algumas são necessárias. Um último recurso. Mas são de nossa inteira responsabilidade o quanto disto tudo...’, faz uma pausa e aponta para os campos destruídos e casas em chamas. ‘... pode ser evitado. Se temos o poder para parar e evitar mortes desnecessárias, é nossa responsabilidade faze de tudo para que isso não ocorra. Tudo uma questão de poder e responsabilidade, Jim. Poder e responsabilidade’.

As palavras ressoam e espontaneamente surgem na boca de Hammond naquele início de noite em Nova Iorque. De prontidão, ele ‘desperta’ e se aproxima do veículo. As labaredas estão fortes o suficiente para dificultar a permanência do homem que tentava salvar o filho. Sem dizer palavra, Jim o puxa pelo braço, retirando-o do caminho. Lá dentro, o jovem está sereno, apesar de assustado. Tocha nota que a perna está sob o banco, aparentemente sem ferimentos sérios, apenas prensada com o deslocamento do assento. As chamas aumentam e pelo seu conhecimento natural, nota que o menino precisa ser retirado o quanto antes para evitar queimaduras. Em voz calma e baixa, Jim fala: ’Não se assuste com o que vai ver agora’. O garoto faz um sinal positivo. Com sua mão em fogo vivo, Tocha derrete uma barra de ferro lateral que prendia o banco dianteiro e com um rápido puxão, o equipamento cede e o jovem pode retirar seu perna. Rapidamente, Jim segura o jovem no colo e o retira. Assim que estão a uma distância segura, as chamas tomam conta do veículo, logo seguida de uma breve explosão. Ao longe se ouve a sirene dos bombeiros.

Um jovem casal se aproximara pouco depois de Jim entrar no veículo para salvar o menino. Enquanto a esposa foi acalmar a mãe com seu bebê, o marido chegara próximo ao acidente justo no momento em que o Tocha levava consigo o garoto. O pai calorosamente apertava a mão do herói, com lágrimas nos olhos. Não sabia se abraçava o filho ou agradecia Hammond por ter salvo a sua vida. O garoto estava calmo, um pouco assustado, mas olhava fixamente para o Tocha num misto de alegria e surpresa. Finalmente os bombeiros chegaram e começaram a prestar os primeiros socorros. Neste instante, o jovem homem que acabara de chegar com a esposa tem um ‘estalo’ e finalmente reconhece aquele rosto um tanto familiar. ‘Você… você é aquele Tocha Humana! Disseram que estava desaparecido... sumido ou morto’. ‘Sim, estava sumido… na verdade, procurava um pouco de privacidade’, afirmou o herói em um tom mais sereno do que firme ou rude. ‘Mas porque agora? Se não quer privacidade, não seria melhor ir embora logo?’, retrucou o homem. ‘É… talvez sim. Mas certa vez um grande homem me ensinou uma lição valiosa. Poder e responsabilidade… e fui entender somente agora. Maiores poderes, maiores responsabilidades para ajudar os mais necessitados!’ e com um aceno, Tocha Humana entrou em chamas e voou. Naquela noite, centenas de pessoas foram salvas, sejam de assaltos, acidentes ou presas em elevador. Crimes evitados. A história registrou que o policiamento e a iluminação existente evitaram maiores desastres, alguns disseram que óvnis foram vistos nos céus como um clarão de fogo, mas somente quem viveu naqueles dias sabe exatamente o que aconteceu.

Epílogo

Dia seguinte, Forest Hills, Nova Iorque. Um jovem homem lê o jornal enquanto a esposa prepara o café da manhã. As notícias predominantemente eram sobre o blecaute que assolara o nordeste do país naquele dia. Sem tirar os olhos do jornal, o homem em tom de reprovação diz: ‘May, olha só... nenhuma linha! Nenhuma linha sobre o Tocha Humana. E você o viu assim como eu!’. ‘Eu sei, Ben. Mas não é melhor assim? Você mesmo disse que ele estava procurando privacidade... Tome seu café que irá se atrasar para o trabalho’. Ben Parker rapidamente termina seu desjejum e dá um beijo na testa de sua amada May, feliz com sua vida. Entretanto, algo fica a martelar a sua cabeça enquanto caminhava para o trabalho... ‘Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades...’


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Notas finais do capítulo

A história em si surgiu inspirada em uma imagem vista na internet onde Steve Dikto e Jack Kirby apresentam o que seria a sua ideia original para o Homem Aranha, partindo de um desenho original do Capitão América. A história nos diz que a versão de Dikto foi a vencedora, mas quis de alguma forma unir os dois mundos. Espero ter conseguido e agradado ao leitor.



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