Vamos Brincar? escrita por Nynna Days


Capítulo 1
"Toc-Toc" Quem Será?


Notas iniciais do capítulo

Meramente baseado na lenda da gangue dos palhaços e do boneco do palhaço (que tem até um filme sobre), só que com algumas "leves" alterações.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/536210/chapter/1

“Ah”, Felícia reclamou quando segurei seus ombros e a empurrei levemente, para poder afastar os nossos lábios. Seus olhos verdes estavam dilatados. “Travis, tenho certeza de que os Rhodes não vão se preocupar se você se atrasar mais alguns minutos.”

Seus lábios cheios formaram um bico quase me fazendo ceder.

“Desculpe, baby.”, balancei a cabeça, me levantando de sua cama e vestindo a camisa. “Mas preciso do dinheiro para poder comprar meu carro. Além disso, será só por uma hora.”, sorri. “Posso voltar mais tarde.”

Ela riu com a minha proposta – e o que ela abrangia.

“Minha janela vai estar aberta.”

Inclinei-me na sua direção e beijei-a mais uma vez.

“Prometo te compensar.”, murmurei em seus lábios. “Agora eu tenho que ir.”

Felícia me acompanhou até a porta e me despedi de seu pai. Ele assentiu na nossa direção, orgulhoso por cumprimos o toque de recolher imposto. Eu e minha namorada trocamos olhares cúmplices e quase caímos na gargalhada. Se o pai dela soubesse da verdade, talvez cortasse a árvore ao lado da janela.

“Volte logo.”, Felícia beijou a ponta do meu nariz. “E inteiro.”, franziu o cenho em uma careta. “Todas as vezes em que você cisma de ficar de babá dos Rhodes, volta quebrado. Um dia aquelas crianças ainda vão te matar.”

“Relaxe.”, apertei sua bochecha. “Serei rápido.”

Antes que pudesse me afastar, ela segurou-me pelo antebraço.

“Tenha cuidado, de verdade.”, murmurou olhando por cima dos ombros. “Meus pais comentaram que houve alguns assassinatos estranhos esses dias...”

Forcei um sorriso.

“Não se preocupe, Licy.”, dei um tapa em meu peito estufado. “Nada poderá me ferir. Além disso, são apenas histórias para assustar as crianças.”

Ela revirou os olhos, mais descontraída.

“Espero que não esteja de chamando de criança.”, ressaltou. Cruzei os braços, permanecendo em silêncio. Ela me empurrou para a rua. “Vá embora antes que eu mesma te mate.”

O lado ruim era que a casa do Rhodes era á três quarteirões e eu tinha que ir a pé. Nesse meio caminho, fiquei pensando em meu tão esperado carro. Faltava pouco e poderia estar o ferro da chave roçando em minha mão, o vento batendo em meus cabelos e o ronco do motor soando em meus ouvidos. Além de não ter que ficar mais de babá daqueles dois pirralhos.

Cassidy era a mais velha, com treze anos. Infelizmente estava passando pelas duas piores fases que uma criança poderia ter: A da mentira e a do emo. Vivia se arrastando pela casa com roupas pretas e fones de ouvidos, sempre dizendo ao irmão que algum bicho viria no meio da noite pegá-lo. E eu quem tinha que apaziguar as discussões que surgiam.

Christian era mais quieto. Se tivesse com seus jogos e seus inúmeros bonecos, não iria reclamar nem da comida nojenta que eu preparava. Ás poucas vezes em que abria a boca era apenas para opinar no sabor de pizza que pedíamos depois de desistir de comer a gororoba nojenta.

“Travis.”, Senhora Rhodes sorriu para mim ao abrir a porta. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela apertou minhas bochechas. Segurei um gemido de dor. “Estava ficando preocupada.”

Acariciei meu rosto.

“Desculpe, Senhora Rhodes.”, disse vendo-a por as mãos na cintura como se fosse minha mãe. “Perdi a noção da hora.”

Ela assentiu consigo mesma pegando o casado de pele.

“Sei como é.”, divagou e tornou a sorrir. “Mas prometo que isso não acontecerá comigo essa noite. Será apenas por uma hora, talvez menos.”, deu de ombros. “Temos que dar uma escapada da família ás vezes, certo?”

“Claro.”

Eu não queria alongar a conversa, porém com a Senhora Rhodes era praticamente impossível. Se seu marido não tivesse interrompido, era capaz de ela ter passado da hora do jantar apenas jogando conversa fora. Confiantes, me pagaram antes e me passaram as instruções de sempre.

Sem festas.

Sem namoradas.

As crianças dormindo ás dez horas.

Deixar a luz acesa para Christian.

Desligar o computador de Cassidy.

“Ah, querido. Só mais uma coisa.”, ela disse já na porta do carro. “As crianças andam assistindo muitos filmes de terror na casa dos amigos, e por isso tem tido pesadelos noturnos. Você poderia acordá-los e garantir que está tudo bem?”

Franzi o cenho, entretanto concordei com suas palavras.

“Obrigada.”, ela sorriu.

Observei o carro se afastando antes de entrar na casa. Encontrei Cassidy sentada na poltrona com seu notebook no colo e seus headfones. Os cabelos loiros escuros tampando seu rosto parcialmente maquiado com cores escuras. Quase bufei. Ela não parecia gótica, e sim pronta para o carnaval. Christian estava sentado no chão com o controle na mão e o corpo levemente inclinado para frente.

“Hey, pirralhos!”, os cumprimentei.

Apenas Christian me olhou, porém não disse nada antes de voltar a sua atenção até o jogo de corrida. Não poderia reclamar. Também era assim quando tinha meus onze anos. Sentei-me no sofá e tirei o headfones de Cassidy.

“Travis, estou ocupada.”, queixou-se apontando para a tela. Tomou os fones da minha mão e os pôs no lugar. “Mirian está tentando comprar o ingresso do Hemorragia Interna.”, ela deu um gritinho animado e voltou a tamborilar os dedos nos teclados.

Encarei-a como se fosse louca.

“Hemorragia Interna?”

“É a nova banda favorita dela.”, Christian disse vindo ao meu resgate. Revirou os olhos, movendo seu corpo para a direita, imitando a direção que o carro na tela tomava. “Eles vão tocar na semana que vem no Centro. Ela quer ir escondida dos nossos pais.”, deu de ombros. “Não sou eu quem vai impedir.”

Cassidy ignorou as palavras do irmão.

“Você deveria contar isso aos seus pais.”, alertei apreensivo. Meu bom senso me advertiu que esse era o meu trabalho. “Não sabe a quantidade de sádicos sexuais estão à solta.”

“Acho que sei me cuidar.”, Cassidy nos interrompeu tirando os fones. Os olhos estreitos na direção do irmão. “Seu linguarudo. Vou contar para a mamãe que você vira a noite jogando.”

Christian bufou.

“Pelo menos não estou apaixonado pela nossa babá.”, retrucou.

A loira sugou o ar segundos antes de se jogar na direção do irmão. Christian não teve nem chance de se defender. Eles rolaram pelo tapete algumas vezes soltando algumas palavras chulas para crianças daquela idade. Esperei que parassem em algum ponto da casa antes de me levantar e separá-los.

“Não se matem.”, disse erguendo-os pela camisa. “Tenho que entregá-los inteiros para a mãe de vocês.”, os soltei. Cassidy tentou avançar no irmão mais uma vez e se afastou de meu toque como se fosse ácido. “Juro que se não se comportarem, vou entregá-los ao serial killer.”

Isso os fez parar. Só que ao invés de medo, seus rostos expressavam curiosidade – além das bochechas coradas de Cassidy. Aquela paixão platônica que ela nutria por mim não era nenhum segredo. Até Felícia tinha reparado. Só que não estava preparado para quebrar o coração de uma garota de treze anos.

“Serial Killer?”, ela repetiu com os olhos brilhando.

Assenti.

“Seus pais não os alertaram?”, perguntei retoricamente. Os irmãos negaram. Era óbvio que seus pais fariam isso. Eles viviam em uma bolha e nenhuma notícia trágica tinha direito de perfurá-la. “Eles deveriam. Principalmente para a Senhorita.”, apontei par a loira.

Cruzou os braços.

“Já que eles não o fizeram, você poderia?”, Chris pediu.

Ponderei por alguns segundos. Seus pais não iriam ficar nem um pouco satisfeitos se eu contasse aquela história á eles. Dei de ombros mentalmente. Estava garantindo que a filha deles não fizesse nenhuma burrada. Soltei o ar, como se tivesse perdido alguma competição e gesticulei para que se sentassem no sofá.

Entrelacei minhas mãos e me aproximei deles, sentando-me na poltrona. Limpei a garganta com a intenção de trazer um tom sombrio á minha voz. Os olhos dos irmãos Rhodes brilhavam de curiosidade.

“Pelo que me contaram tudo isso começou á uns três meses, desde que aquela fábrica de brinquedos foi aberta.”, relatei com murmúrios arrastados. “Em noites de sextas-feiras – como essa – o corpo de algumas pessoas foi encontrado no quarto. Alguns esfaqueados, outros enforcados. Todos mortos. O mais estranho é que as casas sempre estavam trancadas por dentro, acabando com toda a teoria de que alguém de fora poderia ter entrado.”

Christian engoliu a seco, pousando a mão trêmula na perna. Cassidy parecia cada vez mais imersa nessa história. Quase sorri pelos absurdos que tinham chego aos meus ouvidos e estavam sendo repassados por meus lábios. Seria maldade, mas talvez trouxesse um pouco de paz.

“Alguns supersticiosos dizem que a fábrica de brinquedo foi construída em cima de um cemitério e que as almas estavam reclamando seu lugar, matando todos os envolvidos e seus parentes.”, pausei por um segundo temeroso de que Chris fosse vomitar no tapete. Relaxei na poltrona. “Mas é apenas história. Com certeza é algum lunático com uma faca. O que importa é: não saiam de casa a noite.”

Cassidy estava incrédula.

“Você acabou de inventar isso.”, acusou-me.

Neguei-me a discordar e começar um debate com uma pirralha sete anos mais nova. Bati as mãos nas coxas, tomando impulso para levantar, mas hesitando quando vi Chris se sobressaltando. Lembrei-me do comentário de sua mãe sobre ele ter visto muitos filmes de terror.

“Posso ter inventado, só que isso não muda o fato de estar na hora de vocês irem dormir.”, declarei. Eles deram gemidos descontentes. “Nem pensem em reclamar. Vão escovar os dentes e para a cama. Daqui a pouco irei ver se vocês obedeceram.”

Eles subiram com passos arrastados e contrariados. Joguei-me no sofá pegando meu celular e discando para Felícia. Faltavam poucos minutos para o Senhor e a Senhora Rhodes retornarem. Até que essa noite tinha sido tranquila.

Ou foi o que pensei até que escutei o grito de Christian.

Tropecei em meus pés ao tentar subir os degraus de dois em dois. Minha mão no chão encarpetado impediu minha queda e me deu impulso para continuar correndo. Encontrei Cassidy parada na porta do irmão, encarando-a. Deu um salto quando sentiu minha mão tocando seus ombros. Tensão exalava de seu corpo.

“Você entrou?”, perguntei com um sussurro. Ela negou balançando a cabeça. Empurrei-a para trás de mim. “Não saia daqui.”

Esperei que ela concordasse antes de pegar a maçaneta e abrir a porta. Christian estava encolhido e trêmulo na cama. Seu rosto mais pálido do que o normal enquanto seus olhos não se desviavam de um objeto parado no fundo de seu quarto. Ele soltou outro grito quando estalei meus dedos na frente de seu rosto, fazendo sair do estado de torpor.

“Hey, o que houve?”

Sua mão trêmula se ergueu e seu dedo indicou para o armário. Perifericamente percebi que Cassidy tinha me desobedecido e entrado no quarto. Surpreendendo-me, se postou ao lado do irmão e o abraçou, tentando passar confiança e segurança. Mesmo que seus olhos estivessem tão aterrorizados quanto os dele.

Queria aliviá-los daquelas supertições bobas que eu mesmo tinha lançado. Deveria ser apenas um pesadelo, como sua mãe havia me alertado. Então, se eu estava tão convicto de minhas palavras, por que estava arrastando meus pés até o armário e meu corpo todo estava tenso?

Parei em frente ao armário e engoli a seco. Escutei um lamento baixo vindo de trás de mim, porém fui incapaz de mandá-los ficarem quietos. O vento batia com força contra as árvores, fazendo com que alguns galhos raspassem no vidro e fizessem barulhos intimidadores. Sem mais protelar, puxei as portas e recuei ao ver o boneco caindo do armário.

Franzi o cenho me abaixando para analisá-lo. Peguei em seu ombro coberto por um macacão branco com bolinhas e encarei seu rosto pintado e sorridente. Pisquei algumas vezes, descrente com o que via.

“É só um boneco, crianças.”, relaxei, mostrando-as. “Um palhaço bem feio, se querem saber minha opinião.”, observei-o por mais alguns instantes. “E grande também. Deve ter o seu tamanho, Christian.”, ri. Os irmãos não se mexeram. “Ah, vamos lá. Parem de ser medrosos.”, gracejei. “Sua mãe deve ter guardado aqui para dá-lo de presente ou algo parecido.”

Cassidy negou.

“Mamãe não tem bonecos.”

Estreitei os olhos.

“Então foi você, Cassie?”

Ela tremeu e abraçou seu irmão com mais força.

“Travis, tem alguma coisa errada.”, ela destacou com a voz fraca e baixa. “Vi esse boneco na loja de brinquedos semana passada. E esse palhaço parece estar me encarando. Como ele veio parar aqui?”

Larguei o boneco no chão e peguei meu celular.

“Vou ligar para a sua mãe e resolver tudo isso.”

Disquei o número que a Senhora Rhodes havia me disponibilizado e aguardei até que ela atendesse. Senti-me um pouco culpado por interromper seu jantar, entretanto sabia que nenhum dos pirralhos iria descansar até ter noção de que havia sido um engano. Coloquei no viva-voz.

“Olá, querido.”, Senhora Rhodes me atendeu com alegria. Quase soltei um bufo. “Alguma coisa errada?”

“Não, tudo ok, Senhora Rhodes.”, menti vendo Cassie e Chris encarando o palhaço e respirando ruidosamente. “É que estava fazendo uma limpeza no quarto de Christian e reparei que a Senhora deixou um palhaço de brinquedo no armário. Ele acordou assustado e não consegue mais dormir. Será que posso tirar o brinquedo daqui?”

Senhora Rhodes hesitou.

“Querido...”, sua voz parecia preocupada. Precipitado, andei até onde as crianças estavam. “Não tenho nenhum palhaço de brinquedo. Odeio palhaços e todos sabem disso. Tudo por causa da vez em que fui ao circo e um deles tentou me arrastar para uma van. Estava uma loucura com aquela história de gangue dos palhaços e acabei tomando um certo trauma. Consegui denunciá-los e graças a Deus alguns deles foram mortos. Espero que estejam queimando no inferno á essa hora. Não posso ver nenhum tipo de figura que me lembre essas criaturas que começo a tremer e... Querido? Travis? Ainda está na linha?”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vamos Brincar?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.