Contos Fragmentados escrita por Maria Antônia Freitas


Capítulo 12
Mente Perturbada - O balanço.


Notas iniciais do capítulo

A sala da delegacia era exatamente como a dos filmes e seriados. Cor neutra, um policial na porta, e um espelho falso.
A jovem advogada tinha cabelos escuros e médios, seus olhos puxados se escondiam atrás de óculos quadrado. Demonstrava insegurança pelo modo que batucava rapidamente com seus dedos na mesa.



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–Se você não colaborar, iremos perder, e você pegará pena perpétua, ou até mesmo pena de morte.

–Talvez isso seja melhor que ir para um dos únicos lugares onde você não pode fugir da verdade. Você fica preso, sem espaço para uma nova mentira. É só você, e a verdade. E a verdade é mais cruel que a morte.

A jovem advogada ficou quieta por alguns minutos, e por fim respondeu:

–Então, apenas me conte o motivo de tudo isso. Aliás, existe um motivo, certo?

Inclinei-me em sua direção, e comecei a dizer:

–Você acredita mesmo que podemos ganhar com uma justificativa para todas as mortes?

Ela riu, se encostou à cadeira e acendeu um Free:

–Meus pais me forçaram a fazer a faculdade de Direito, eu queria mesmo era fazer Artes Cênicas, estou me fodendo para este caso.

–Está aqui só pelos teus pais? –disse um pouco curioso.

–Grande parte sim.

Fiquei a fitando enquanto ela tragava lentamente seu cigarro.

–Era quarta-feira, o único dia da semana que Papai não me buscava, pois seu namorado sempre ia jantar conosco, então ele tinha que preparar a comida.-comecei a dizer. -Ele cozinhava muito bem, porém nunca pensou em seguir carreira.

[...]

A van-escolar me deixou na esquina daquele lugar com curtos muros amarelos, o qual eu chamava de casa. Parei no pequeno portão de ferro e olhei para a van seguindo pela rua 23. Esperei ela estacionar na casa de Chiara, e observei a garota dos cabelos castanhos parar em frente sua casa.

Olhei novamente para minha casa, e pensei que talvez o Papai não se importaria caso eu fosse até o outro lado da rua conversar com Chiara.

–Oi, Xi. –disse.

–Oi, Tônio.

–Que tal a gente brincar de polícia e ladrão agora?

–Não posso, eu estou indo para casa da vovó. –ela disse quase comemorando por finalmente ver a sua avó.

–Ah, então tá. Tchau.

Voltei para casa correndo, enquanto a garota me observava pelo muro.

Ao chegar em casa, abri a porta de madeira, e consegui ouvi a respiração ofegante que vinha do quarto do Papai. Estranhei o fato do Papai não estar me esperando, ou fazendo alguma comida. As luzes estavam apagas, o que deixava a casa sombria, ainda mais com o extenso silêncio que ali reinava.

Meu subconsciente dizia “corra menino, corra”, mas Papai sempre me disse para não ter medo. Então desobedeci meus instintos e fui até o quarto de onde conseguia sentir a presença de mais alguém.

Parei na frente da porta que estava encostada, deixando apenas uma pequena brecha.

Me aproximei e consegui ver um homem grande com roupa social, e ouvi ele sussurrar no ouvido do papai:

–Você e sua raça inteira irão morrer. Vocês desrespeitaram as leis do meu Senhor. Diga-me, maldita criação de Satanás, o que fez vocês serem assim...
Era o pastor da igreja, vulgo Senhor Figueiredo.

Após suas palavras, ele ergueu um chicote e ouvi o forte estralo.

O homem se afastou da cadeira, e consegui ver o Papai preso em sua cadeira de balanço. Seus braços, com grandes furos, estavam amarrados para trás, seu bonito rosto estava desfigurado, com marcas roxas em torno de seus olhos azuis, e um pedaço de pano com manchas vermelhas, as quais julguei ser sangue, mantinha o papai calado.

Como a cena de um daqueles filmes que Papai não me deixava assistir.

Minha vontade era ir ajuda-lo, tirá-lo daquela cadeira, e abraçar sua grande coxa esquerda. Mas, pela primeira vez, o medo me impediu.

Um nó na minha garganta se formou, e engoli o choro.

Continuei observando o homem grande que andava de um lado para o outro. Notei que ele carregava em sua mão direita um livro preto, que continha um símbolo parecido com aquele sinal da aula de matemática (+).

–Seu tempo acabou. Encerra-se aqui a vida de um servo de Satanás. –ele ergueu seu livro e sua mão para o teto e continuou -Ó pai amado, lhe entrego a alma deste pecador, para tu puni-lo de acordo com suas sábias leis.- após recitar essas palavras, o homem pegou uma faca, e a enfiou no grande peito do Papai, o qual notou minha pequena silhueta, e me entregou sua última lágrima.

–Eu também te amo, Papai. - sussurrei para mim.

Decidi sair de casa, antes que aquele homem me punisse também. E, cautelosamente, corri até o pequeno portão.

Pensei em chamar o vizinho, ou até mesmo me esconder no jardim, mas ao invés disso, fui para casa de Chiara. Uma casa verde e bonita, porém se encontrava vazia.

Olhei novamente para rua e vi seu carro indo em direção à estrada.

Não havia mais ninguém em que eu confiava naquela rua, então voltei para casa, rastejei para o jardim, e me escondi no balanço novo que o Papai havia me dado de presente.

Lembrei-me dos momentos em que papai brincava comigo naquele jardim, e de como ele e eu tínhamos planejado várias brincadeiras com o balanço.
Após um tempo, vi a saída do homem de social, e escutei seu carro vermelho dizendo adeus.

Voltei para o quarto do Papai, mas o que restara foi apenas uma criança abandonada. Nenhum vestígio de sangue foi deixado. Era somente eu, e a cadeira de balanço naquele quarto.

No dia seguinte, fui para escola e contei para professora que Papai tinha me abandonado, e precisava de alguém para cuidar de mim.

Ela estranhou, pois Papai não faria isso. E assim, após várias tentativas de entrar em contato com Papai, ela me encaminhou para um abrigo.

[...]

–Jurei para mim mesmo que iria voltar para vingar a alma do meu Pai. E não me arrependo de ter matado essas pessoas, todas elas mereceram, por algum motivo, mereceram.

A mulher já estava em seu 5º cigarro, deu uma última tragada e disse:

–O julgamento começa amanhã, às 10h00. Tenha uma boa noite na sua cela.


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