A Primeira vez que rimos juntos escrita por Ped5ro


Capítulo 6
Garotos, Cigarros e Festa


Notas iniciais do capítulo

Antes, antes de tudo isso,
Até queria ser invisível,
Só pra não ser notado,
Esconder-me, desaparecer.
[..]
Foi assim que eu resolvi desaparecer,
Eu desapareci pra procurar,
E procurar que sempre foi transitivo direto, sempre foi,
E que agora desconhecia qualquer complemento
E isso meu amigo, isso, isso não era a única coisa que não fazia sentido algum por aqui.
E se você soubesse o quão egoísta eu me sentia,
Você entenderia porque que naquele dia eu resolvi sumir.
[...]
O meu mundo, esse nunca tinha saído do lugar.
E agora eu não posso mais esperar pra ver o meu mundo começar a girar.
Talvez tenha sido que eu tenha ido procurar. - O Dia Em Que Resolvi Sumir



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5 meses depois

Algum tempo se passou na vida dos cinco garotos. Certas coisas mudaram, como tinha que acontecer.

Kyle e Sebastian ainda eram amigos, Ryan e Albert ainda eram gêmeos e Mark ainda era o idiota-de-capuz para todos eles (menos para Ryan que sabia de tudo). Mas falando do que mudou, houveram pequenas alterações na rotina de todos eles. Para Kyle por exemplo, tinha começado a namorar Caren há dois sinceros meses, Sebastian continuo sendo ele mesmo, deixando sempre de lado a sua “vida sentimental” ou o que quer que tivesse restado dela; Albert tinha deixado o time de futebol junto com o irmão, depois, é claro, de enfrentarem os protestos do pai que achava aquela atitude “uma revolta adolescente” e que “o quanto antes ambos recobrariam a consciência e se arrependeriam do que tinham feito”, embora ele, como um tolo, tenha ignorado o preço que haveria de pagar pelas palavras; Mark parou de ir as aulas com a mesma frequência de antes, parte do tratamento o deixava cansado demais, e pelos pedidos da mãe, deixou de assistir muitas aulas para descansar. Ele não sabia que sua ausência se fazia sentir em parte da escola, em alguns de maneira positiva, mas para outros como Ryan (que, aliás, parecia ser o único), aquilo era trágico. Ele tinha cumprido sua promessa de não voltar a falar-lhe, em parte isso foi um alívio para Mark, mas fez então surgir uma ambiguidade na sua cabeça. Depois daquele dia com Ryan, ele entendeu que certas coisas não devem ser ignoradas, o tempo para ele ficava cada vez mais significativo e mesmo que não quisesse ninguém triste, ele não queria ser triste, sentia que tinha feito a coisa certa, mas não gostava de tê-lo feito cada minuto.

A vida de todos eles foram se moldando com o caminho e as suas escolhas, a realidade seria sempre a mesma, mas a mente e a imaginação humanas tendem ao fim sempre, buscando se superar em coisas boas e ruins. Pra eles, isso seria sempre o início.

~~~~~~~~~~☁~~~~~~~~~~

— E o que eu deveria vestir? – Kyle disse meio desesperado de cueca em frente ao guarda-roupas.

— Sei lá cara, qualquer coisa. Vai normal mesmo! – Sebastian estava de saco cheio, jogado na cama dele segurando uma revista de braços esticados.

— “Normal”!? O que seria “normal”? – Kyle se virou e Sebastian tirou os olhos da revista para responder.

— As roupas que você sempre usa pra sair ué!

— Aaah! Desisto! Não vou mais!

— Kyle, para de show, tá ficando ridículo! Você vai e pronto. – Sebastian levantou, começou a juntar algumas coisas que ainda estavam nas gavetas e outras que tinham sido deixadas no chão. - Põe isso aqui!

— Você acha?

— Tenho certeza! Anda logo, coloca pra ver como fica!

Kyle colocou os jeans lavado a camisa preta de mangas listradas em branco, uma camisa de botões com mangas compridas azul marinho com várias maçãs brancas e um tênis meio-cano de couro preto.

— Gostei! Desde quando você sabe se vestir?

— Desde quando meu pai não sabe comprar nem um par de meias sozinho! – Kyle riu e Sebastian completou. – Sério, o velho não sabe nem de que são feitas as calças dele.

— Você vai levar alguém!?

— Hoje? Não. Quero dizer... Mais ou menos.

— “Mais ou menos”?

— Eu chamei o Mark pra ir com a gente.

— O Mark? Aquele garoto ridículo? Não era mais fácil ter chamado uma garota? Você sabe que o mais correto de se levar à uma festa da escola é uma garota, certo?

— Eu chamo quem eu quiser!

— E porque você chamou ele?

— Não sei! Foi a única pessoa da escola que eu lembrei que odeia todo mundo lá tanto quanto eu.

~~~~~~~~~~☁~~~~~~~~~~

Kyle, Sebastian e Caren caminhavam juntos até à casa de Mark. Iriam pegá-lo para ir a festa da escola, Mark era totalmente contra esse ato humilhante que a mãe havia imposto, mas achava que não podia abusar muito da sorte, já que ela tinha deixado que dormisse fora por uma noite.

Tudo isso era meio empolgante, Mark, até onde se lembrava, nunca tinha dormido na casa de alguém e fora muito estranho o convite de Sebastian. Os dois se falaram raríssimas vezes depois das horas trancados na diretoria. De início recusou “educadamente”, o melhor que conseguiu, mas a persistência do convite pôs em conflito muitas coisas dentro da cabeça dele, como já vinha acontecendo desde o último dia que havia conversado com Ryan. Parecia que sua vida era um conflito que só ia aumentando, ele não fazia ideia de para qual lado seguir, tudo que era mais importante lhe parecia duvidoso e muitas verdades estavam sendo postas em xeque. Toda essa confusão o fez, por fim, aceitar, pensando que “não havia mal algum fazer alguma coisa ao contrário do que costumava”. Dessa forma imaginava estar transgredindo as probabilidades do Universo, fazendo a coisa inesperada e inconscientemente acontecer, e mesmo não tendo nenhuma expectativa, lá no fundo existia uma pontinha de esperança de que algo melhor estava por vir.

— Toca a campainha Sebastian! – Kyle disse dando um empurrãozinho nele. Os três estavam parados diante da porta naquele momento constrangedor de “quem vai tocar a campainha e falar com a mãe dele”.

Sebastian apertou uma vez... Duas... Três. Ficou esperando a porta se abrir, mas parecia que não havia alguém em casa, só um cachorro que latia sem parar.

— Será que ele já foi? – Sebastian falou se virando para Kyle e Caren.

— Não é possível... – Então a porta se abriu rapidamente e fechou na mesma velocidade. Mark parou no batente por alguns segundos olhando todo mundo.

— Então, vamos? – Mark perguntou meio irônico, Kyle revirou os olhos e Sebastian reparou, começando a temer que aquilo fosse o início de uma péssima noite.

— Hey! – Caren o cumprimentou sorrindo.

— Aaah, Mark essa é a Caren.... Namorada do Kyle. – Sebastian apresentou-a. Mark sorriu e deu um aceno de mão. Caren era uma das poucas pessoas que nunca ficaram incomodadas com o cinismo de Mark, talvez fosse a mais bonita delas também. Aos olhos dela, ele só parecia um garoto e talvez até sentisse um pouco daquela auto-simpatia que se cria quando olhamos para alguém, mas nunca se tem uma oportunidade para ter certeza.

— Eu chamei um táxi pra levar a gente até lá. Minha mãe chamou pra falar a verdade... Por isso que eu demorei, não consegui fazer com que ela mudasse de ideia. – Mark falou com as mãos no bolso.

— Okay. – Caren respondeu simpática. Mark não sabia o que pensar dela por enquanto, por isso tomou a iniciativa de começar uma conversa. E enquanto esperavam o carro chegar, os dois falaram sobre muitas coisas de interesse em comum, ele começou a achá-la mais inteligente do que parecia. Sebastian e Kyle ficaram mudos, se olhando de vez em quando, meio constrangidos no meio daquele conversa semi-cult.

Quando o carro estacionou ali em frente, todos entraram, com Mark na frente e os outros atrás. Não demorou nem cinco minutos pra que chegassem na porta da escola. Foram logo se dirigindo ao salão do ginásio. Perceberam que o corredor que levava até lá havia sido decorado de forma que guiasse, quem não conhecia a escola. A música já podia ser ouvida desde a entrada, pessoas transitavam pra lá e pra cá.

As portas do salão estavam escancaradas. O ginásio era grande o suficiente para abrigar quase todos os alunos, o que naquele momento era conveniente, pois estava ficando cheio e mais pessoas ainda estavam chegando. Andando no meio da aglomeração, os quatro viram muitos rostos desconhecidos, que tanto podiam ser de alunos de outro turno, quanto de outras escolas.

Mark se sentiu incomodado com tanta gente e a música não era das melhores, era impossível fingir se divertir, então o silêncio tomou conta dele quase por completo. Ao tempo que Kyle e Sebastian encontraram alguns amigos e Caren também, logo todos estavam amontoados numa rodinha em que se gritava para ser ouvido. Depois, por alguns minutos, Kyle sumiu com Caren no meio de uma dança maluca.

— Deve ser um saco, não é? – falou Mark recostado numa parede perto de Sebastian.

— O que? – ele respondeu olhando distraidamente o salão e as pessoas a volta.

— Gostar da namorada do seu amigo. – ele se virou e olhou sério para Mark.

— Não gosto dela. – Mark segurava um copo vermelho de plástico de onde bebeu o resto de um suco de amora artificial ou qualquer coisa do tipo.

— Aham! E eu não sou o garoto que metade da escola odeia. – falou rindo.

Na hora seguinte, parecia que todos os mais velhos estavam indo embora, o que não deixou o ginásio menos cheio, mas sim a música menos aceitável. Finalmente Mark conversava distraidamente com Sebastian, Caren e uma amiga dela quando Kyle chegou com um garoto da sua sala.

— Pessoal, o Matty aqui... – disse apontando para o menino do seu lado. – falou pra gente ir na casa do Luc.

— Parece que aquele desgraçado encheu a casa de bebida e chamou todo mundo daqui. Ele quer acabar com a festa da escola pelo que eu ouvi dizer, não duvido muito. – o garoto chamado Matty falou empolgado.

— Vocês querem ir!? – Kyle perguntou finalmente.

— Faço qualquer coisa pra não escutar essa música nem mais cinco minutos, eu tô indo. – a amiga de Caren respondeu se agitando. Logo houve o consentimento geral e foram todos parar na casa mais barulhenta, alcoolizada e bad trip a três quadras de distância dali.

~~~~~~~~~~☁~~~~~~~~~~

— Isso é besteira de se fazer, você sabe disso! Não tem sentido nenhum a gente parar aqui. – Albert falou do banco carona do carro.

— O que custa? É provavelmente nossa última festa e, espero eu, a última vez que a gente vê todos eles... Juntos! – Ryan tentou se explicar calmamente. Albert e ele iriam fugir, por isso tinham roubado o carro do pai. Ambos tinham concordado em dar o fara dali o quanto antes, mas então veio a ligação de um dos amigos deles sobre a festa de Luc. Ryan achou que não custava nada aparecer pela última vez, mesmo que ninguém soubesse disso.

— Então você quer o que, se despedir de todo mundo e fazer um discurso? – Albert falou rindo ironicamente.

— Não fala assim cara, imagina que daqui a uns anos a gente pode rever todo mundo e tudo estar tão diferente que nem vão parecer as mesmas pessoas. Essa é a última festa da gente agora, nenhuma outra festa vai ser igual ou parecer igual. – Ryan falava de um jeito tão profundo e encantado, que Albert então parou para pensar no que ele dizia, as coisas se ligaram de uma forma que somente eles entenderiam.

Estacionaram um pouco longe da festa por segurança. Quando estavam na calçada indo em direção a porta, já viram e ouviram tudo que é típico de uma festa feita às pressas: música mais alta do que se podia ouvir, mais conversas do que se podia entender e gente mais bêbada do que o álcool podia fazer.

Adentrando o ambiente a coisa não melhorava muito, a sala estava envolvida por uma nuvem densa de fumaça, o cheiro forte de whisky barato e cerveja.

— Acho que ele se superou dessa vez! – falou Albert alto e depois começando a rir. Passaram pela sala, foram em direção do corredor para a cozinha, que de lá tinham acesso ao quintal dos fundos. No balcão central da cozinha Kyle se agarrava com Caren, os gêmeos se olharam levantando as sobrancelhas de surpresa.

O quintal tinha se transformado numa pista de dança feita de: grama, latinha de cerveja, resto de cigarro, copos e qualquer outro detrito gerado ali, fervilhando de gente. E surpreendentemente, no meio de todo mundo, Sebastian e Mark dançavam freneticamente Crystal Castles, cada um segurando um copo. Ryan foi direto em direção a eles, mas Albert segurou seu braço.

— O que você vai fazer? – falou quase gritando, tentando sobrepor sua voz a música.

— Nada, só... Sei lá! – ele suspirou e Albert largou o braço dele, depois sorriu.

— Vai lá! Eu vou dar uma volta. – Ryan foi se aproximando devagar deles e acabaram só notando a sua presença quando ele já estava espremido entre ambos por causa de tanta gente.

— Hey Ryan! – e foi só o que Sebastian precisou dizer pra que Ryan deduzisse que ele estava bêbado. Mark o olhava parado, muito sério.

— Nossa, como você conseguiu lembrar meu nome!? O que vocês beberam?

— É mais fácil você perguntar o que a gente ainda não bebeu. – Sebastian começou a rir. – A última foi alguma coisa que tinha morango e vinho.

Sebastian ainda dançava, Ryan para tentar disfarçar o nervosismo que só ia aumentando dentro dele começou a dançar também, então Mark olhou envolta piscando muito rápido e logo em seguida voltou a dançar, entrando novamente na realidade da festa. Assim que a música acabou logo em seguida começou a tocar M83 e Sebastian pegou o copo da mão de Mark.

— Eu vou pegar mais alguma coisa pra gente! Você quer Ryan? – ele fez que não com a cabeça e então não se via mais Sebastian, que sumiu pela multidão no caminho até a cozinha.

— O que você veio fazer aqui? – Mark perguntou, calmo e até tranquilo, se aproximando de Ryan.

— Só vim... Vim me despedir.

— Mas eu ainda não vou morrer, acho não estou tão perto assim da morte pra você fazer isso. – fez irônico.

— Eu tô indo embora. – falou no ouvido dele.

— Como assim?

— Eu e o Albert não temos mais nada pra fazer aqui! Eu quero fazer outras coisas... Quero sair daqui!

— Mas e o seu pai... sua mãe?

— Os dois já são grandes o suficiente e digamos que não sou o maior fã do meu pai!

— E pra onde vocês vão?

— Qualquer lugar que seja bem longe.

E por alguns segundos os dois se olharam e Ryan desejou que houvesse mais alguma coisa para dizer, mas não tinha, simplesmente todas as palavras perderam o significado e ele preferiu o próprio silêncio. Tudo isso enquanto a atmosfera do lugar se expandia na música pulsante, nos corpos se agitando na luz, o cheiro de cigarro e o vento da noite que de vez em quando refrescava.

— Vamos ver o Sebastian, até agora ele não voltou!? – Ryan disse depois de alguns minutos. – Ele não tava muito legal e nem você! Acho que já tá na hora de parar.

— Eu sei quando é a hora de parar. – ele falou um tanto amargo, então saiu na frente esbarrando em um tanto de gente. Foram em direção a cozinha, entraram e viram Kyle e Caren ainda juntos, embora estivessem já em outro canto. Mark seguiu rápido em direção ao corredor, Ryan tropeçou em algumas pessoas enquanto tentava acompanha-lo. Na sala não restava muito mais do que indivíduos jogados no chão, sofá, escorados nos móveis e um murmúrio alto de conversas. Encontraram Sebastian no jardim da frente, apoiado numa árvore da calçada e logo em seguida vomitando tudo que tinha bebido e comido no meio-fio. Os dois garotos seguiram até ele, colocaram a mão nas suas costas e então ele se virou lentamente.

— Você tá bem cara? – Ryan perguntou.

— Óbvio que não, ele quase vomitou o fígado! – Mark disse olhando Ryan e levando o menino até o gramado ajudando-o a se sentar.

— Eu tô melhor agora! Sério. – ele falou respirando fundo.

— O que aconteceu? A gente ficou te esperando lá e você não voltou! – Mark questionou.

— É... É que eu fui na cozinha peguei as bebidas, mas aí... Uma garota me agarrou e a gente se beijou. – ele foi contando começando a rir, ainda meio bêbado. – Depois eu vi aquele monte de gente e não consegui enxergar vocês, comecei a me sentir enjoado e vim aqui pra fora... respirar oxigênio de verdade.

— Lá dentro tá foda mesmo. – Ryan caiu na gargalhada. Então os três se deitaram no gramado e ficaram o olhando o céu tão iluminado pela cidade que não deixava nenhuma estrela amostra.

— Que horas são? – Sebastian perguntou.

— 3:19 – Ryan respondeu. – Quase na hora da polícia chegar.

— O que? Como assim?

— Você acha que música alta até essa hora vai continuar? Até durou muito!

— Então eu vou chamar o Kyle pra gente poder ir! – Mark falou levantando.

— Não precisa, eu chamo todo mundo, vocês podem vir de carro comigo e Albert.

— Não, prefiro ir a pé mesmo. Não aguento mais a cara do seu irmão.

— Para com isso, ele é legal. É você que sempre bloqueia ele.

— Você fala isso porque ele é seu irmão e eu bloqueio todo mundo, diz pra ele que não é nada pessoal.

— É incrível! Você tem que parar de fazer isso, você afasta todo mundo que gosta de você. – Ryan falou se exaltando um pouco, os dois de pé, um de frente para o outro.

— “Todo mundo que gosta de você”? – ele repetiu a pergunta ironicamente. – “Todo mundo” VOCÊ. É isso que o realmente é.

— E se for mesmo? Mas adivinha só, você simplesmente me jogou num buraco sem nem deixar que eu me aproximasse, porque é só isso que você sabe fazer!

— FODA-SE! Você não pode falar assim, PELO MENOS EU TENTO FAZER ALGUMA COISA CERTA!

— Não! Não! Você tá fazendo do teu jeito e acha que isso é o melhor pra todo mundo e não quer nem saber o que os outros acham. E se for pra ser assim... – então Ryan cortou a distância entre eles mais rápido do que Mark podia evitar, ele segurou o rosto dele e trouxe-lhe o corpo junto do seu. As bocas se chocaram num beijo enérgico e um tanto violento, os lábios foram se encaixando e as inspirações se entrecortando na ausência de fôlego e a presença total da surpresa.

— Dorme com essa agora! – disse Ryan se retirando. Mark ficou parado com o olhar vazio, ainda absorvendo o acontecimento, até que se lembrou de Sebastian, que o olhava tranquilamente do chão. Então se sentou novamente ao lado dele.

— Ele vai fugir. Pra bem longe. Bastardo idiota. – então suspirou, procurou algo mais na cabeça para dizer e como não encontrou, apenas ficaram se olhando, achando que só isso bastaria para o entendimento mútuo.

No fim de alguns minutos, Ryan conseguiu arrastar todos pra fora da festa.

— Albert, tem como dar carona pra eles? Já é tarde! – ele perguntou ao irmão.

— Claro, vocês só vão ter que ir um pouco espremidos!

— Por mim tudo bem! – disse Kyle abraçado com Caren.

— Tanto faz! A gente pode ir logo? – Mark disse levantando Sebastian do gramado.

Então os gêmeos levaram todos até onde estava o carro. Ryan foi na frente com o irmão e atrás Caren no colo de Kyle, Mark no meio e Sebastian no canto.

— Porque estacionaram tão longe? Tinha vaga pro carro de vocês lá! – Caren questionou. Os irmãos se olharam rindo.

— É que o carro não é bem “nosso”. – Albert falou dando a partida e fazendo o carro dar uma guinada inicial.

— Que jeito perfeito de acabar a noite: passear num carro roubado. Não vejo a hora de acordar de porre amanhã. – Mark falou se recostando no banco. Todos riram disso, inclusive ele.

~~~~~~~~~~☁~~~~~~~~~~

Ao chegarem na pracinha perto da casa de Sebastian, todos saíram do carro menos Albert, que ficou esperando com o motor ligado. O céu já estava ficando mais claro, a noite aos poucos se dissolvia no cinza amarelado de outro dia.

— Então acho que é isso. Valeu pela carona e tudo mais. – Kyle disse apertando a mão de Ryan, acenou para Albert e então se virou para Sebastian. – A gente se fala amanhã.

— Não seria hoje?

— Não! Amanhã mesmo, hoje eu vou dormir o dia inteiro. – falou sorrindo e o outro riu.

— Foi legal ficar com vocês, nunca me diverti tanto! Espero que a gente posso sair mais vezes juntos. – Caren disse com a voz animada, mas já se podia sentir o cansaço nela, os olhos já meio cerrados, só esperando uma cama.

Então foram-se dados os últimos acenos de mão e os dois seguiram pela longa calçada, sumindo na próxima esquina, ele com o braço envolta da cintura dela e ela com a cabeça apoiada em seu ombro.

— Vamos Mark? Minha casa é logo ali. – Sebastian colocou a mão em seu ombro, mas ele ainda olhava para Ryan fixamente. Até que os dois se abraçaram forte, mais forte do que entendiam na hora, algumas lágrimas caindo dos olhos dos dois garotos.

— A gente ainda se vê por aí! – Ryan falou baixinho.

— Talvez, pena que pode ser tarde demais.

— É, talvez. Mas você não sabe de tudo! – Ryan falou rindo.

— Nunca desafie minha infeliz lógica. – então se abraçaram mais uma vez e Ryan lhe deu um beijo na testa. Já ia abrindo a porta do carro quando parou e deu um último olhar pra ele.

— Já fiz isso! – ele deu de ombros e sorriu se gabando. Então entrou no carro e a porta do carona bateu, assim começaram a andar, quase saindo fora da vista. Albert então buzinou durante longos segundos, se deixando ouvir o eco que aquilo fazia no início da manhã, que para eles ainda era ontem, como se o carro estivesse seguindo num labirinto, se guiando por alguma sorte. Isso somente até o momento em que de novo não se ouvia mais nada, só o barulho dos pés esmagando folhas e quebrando galhos, a procura uma casa e um travesseiro.

~~~~~~~~~~☁~~~~~~~~~~

Ele girou a chave, abriu a porta e deixou que Mark passasse.

— Você que comer alguma coisa antes de dormir.

— Não, só quero água. – Sebastian seguiu por um corredor que ficava a direita da porta, a sala ficava a esquerda e no meio do corredor ficava a escada para o andar de cima, mas passaram por ela e foram para a cozinha. Lá Mark recebeu seu copo com água e Sebastian também acabou por tomar um.

— Você tem uma casa legal!

— Valeu!

— Não tem problema você chegar a essa hora? Seus pais não ficam preocupados? – Mark perguntou curiosamente sincero. - Minha mãe já teria ligado pra CIA e feito cartazes com a foto da minha identidade.

Sebastian riu disso.

— Não. Meu pai não tá em casa hoje... Somos só eu e ele... Minha mãe morreu tem um tempo. – ele disse suspirando, olhou para o chão e então recostou no balcão da pia, Mark ficou de frente para ele.

— Sinto muito.

— Tudo bem. Meu pai é policial, hoje é o plantão dele, provavelmente só vai chegar depois do almoço. – então ouviram um pássaro piar bem alto na janela e olharam para ela ao mesmo tempo.

— Vem, vamos dormir logo. – então subiram as escadas.

A parte de cima era um único corredor que tinha quatro portas somente do lado direto e no lado esquerdo se intercalavam três longas janelas que davam uma ótima visão para quintal e outras casas. Eles entraram na terceira porta, tinham vários adesivos colados nela, alguns de banda, personagens, cartoons, tiras de jornal.

— Esse é meu quarto. – Mark olhou envolta, era um tanto bagunçado comparado ao dele, mas era grande, a luz azul-cinzenta invadia pelas várias janelinhas que ficavam na altura do peito, que causava nele uma sensação de sonolência. Tinha uma estante bem grande com muitas coisas além de livros, fotos, brinquedos, prêmios... Mark imaginou que cada um devia ter uma história diferente, e pra onde quer que olhasse, cada objeto e móvel, tinha mais certeza de que aquilo era um quarto singular, era o signo de alguém, que, se fosse bem lido, revelaria tudo sobre ele.

— Aqui, você dorme aqui. Vou pegar um travesseiro e uma coberta. – ele tinha puxado uma cama que ficava encaixada embaixo da sua, igual a uma bi-cama, só que um pouco maior. Jogou em cima dela um travesseiro grande e macio e um edredom.

— Meu pai e minha mãe mandaram fazer isso quando eu fiquei amigo do Kyle e ele começou a vir muito aqui. O que já faz um bom tempo. Na verdade, ele é o único que veio aqui, além de você até hoje. – ele falou tirando o casaco, a blusa, calça, sapatos e meias, ficou só com uma cueca toda preta com algumas flores de lótus bem pequenas azuis claro, Mark olhou e riu.

— Quem te deu isso? – ele perguntou.

— Meu pai! Ele disse que era pra dar sorte.

— Como assim? Tava escrito na etiqueta que dá sorte?

— Não. Ele só disse que dava sorte. – ele olhou pra si mesmo depois pra Mark. - Você quer que eu te empreste algum pijama ou algo do tipo?

— Ãããh... Não... Acho que... Não precisa. – então começou a se despir, com um rubor leve no pescoço e nas bochechas, que eram brancas demais. Os dois se deitaram, Mark se encolheu no aconchego do travesseiro e do cobertor quentes. Sentiu, mais fortes neles, o cheiro de Sebastian... Uma mistura diferente de: sol nas roupas do varal e lavanda fresca. Isso fez com que ele pensasse que um cheiro pode guardar tanto coisa, até mesmo uma pessoa.

— Como tua mãe morreu? – perguntou baixo. Então a voz de Sebastian soou da cama de cima.

— Ela adquiriu a mesma doença genética degenerativa da minha avó. Não tinha cura... Ainda não tem.

O silêncio voltou, o sol continuava a forçar seu brilho pelas janelas, apesar do calor fazer um pouco de falta. Mark achou que Sebastian dormia silenciosamente, então tentou durante algum tempo dormir também, mas não conseguia, várias coisas coçavam em sua cabeça, uma delas era o beijo de Ryan e a morte, que ele encarava como iminente.

— Eu tô morrendo Sebastian. Morrendo de verdade. – ele falou mais baixo que antes, quase pra si mesmo.

— Eu também estou, todos nós estamos. Mas o que se há de fazer? Morrer não é tudo o que fazemos. – ele fez uma pausa. – Existem coisas legais por aí.

Mark ficou surpreso que ele tivesse ouvido e também que tivesse respondido.

— Como o que?

— Sei lá, coisas... Fazer amigos, ir em festas, encher a cara, viajar... Compartilhar.

Mark jogou a coberta por cima da cabeça e deixou que o cheiro de tudo ali o envolvesse. Ainda parecia ontem. Ainda podia se lembrar de tudo, ainda. E o menino naquela hora não percebeu que ninguém pode viver sozinho, apesar de poder habitar em si próprio; as pessoas são ilógicas, atemporais como a imaginação e o que se pode recordar. Por enquanto eram só histórias inacabadas, que sonhavam em suas camas, semi nus, de olhos bem fechados, mas de espírito aberto. Com o tempo ele notaria isso e, também que, todos os corações caminham para o fim do mundo, no fim do mundo. Eternamente.

Os nossos olhares estão todos perdidos, mas nunca desencontrados. O meu. O teu. E o dele. Todos nós temos muito mais perguntas do que respostas.

Os Famosos e os Duendes da Morte


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Notas finais do capítulo

Uau! Eu sei que demorei demais! Eu mesmo queria ter escrito isso tudo antes e postado aqui, mas várias coisas me impediram (tipo 1 semana de cama, 2 dias de internação, trabalhos e outras coisas). Mas no fim acho que tô feliz com o resultado. Queria agradecer muito a quem acompanhou até aqui e teve paciência suficiente pra aguentar essa espera. Fiquei muito mais tranquilo com alguns dos comentários e a boa receptividade dessa história, estava esperando outra coisa. Mas enfim, vocês são lindos