A Primeira vez que rimos juntos escrita por Ped5ro


Capítulo 2
Albert


Notas iniciais do capítulo

"And so I won't play the part
I played before
Oh, no...
Not to you
I don't see you laughing anyway
And so I won't play a part
In your mistake
No way

Not unless you stay" - Play The Part



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Em algumas manhãs, desde que éramos crianças, eu saia do meu quarto e ia ao dele ver a alvorada. Sempre muito cedo, via através da pequena janela quadrada o céu azul-cinzento ser incendiado por uma bola púrpura, a luz morna que era jogada nas paredes fazia o teto resplandecer no tom mais inédito de laranja e vermelho. Ele havia me perguntando certas vezes o porquê de fazer aquilo, se no meu quarto também tinha uma janela para o mesmo lugar, eu mentia dizendo que a do dele era muito mais bonita. A verdade é que eu gostava de vê-lo dormir, e com o tempo eu fui percebendo o quanto éramos iguais e diferentes ao mesmo tempo, sim porque ele era muito melhor do que eu, sempre achei isso. Mas fatalmente nunca haveria ninguém tão igual a mim quanto ele, algumas vezes cheguei a achar que se ele morresse, eu também morreria. Claro que crescemos e vi que isso não era verdade, as coisas não funcionavam desse jeito, eram muito mais profundas, muito mais arraigadas na alma do que se deseja e espera. Em voz da razão, da minha razão, concluí que não restaria vida alguma, se algum dia ele deixasse de tê-la.

Isso foi antes, muito antes. Não era como agora, porque agora é terrível, o céu ainda é cinzento e mesmo dormindo, sinto que já não caminhamos juntos... Fui deixado de lado por qualquer processo de “amadurecimento”, sou agora mais solitário.

— Albert, o que você tá fazendo aqui? – ele disse sonolento, se cobrindo escondendo o corpo, estava só de cueca, mas isso nunca foi problema pra gente. Ele nunca se escondia de mim.

— Nada, eu só... – apontei pra janela. Ele continuou olhando pra mim. – Eu só vim te acordar, hora de ir pra escola.

— Okay, eu desço daqui a vinte minutos. – e voltou a fechar os olhos. Suspirei. Ele havia esquecido o nascer do sol.

~~~~~~~~~~☁~~~~~~~~~~

— E como está indo o time? – papai perguntou. Eu odiava essas perguntas dele, odiava tudo que ele dizia, odiava o temperamento dele e o clima que ele fazia pesar na casa.

— Ótimo, os treinos estão melhorando.

— É, que bom... Você como capitão tem que comandar esse time para a melhor... – eu sempre apagava tudo que ele dizia da minha cabeça, Ryan me contou que sempre fazia isso, assim não tinha que odiá-lo, só achar que era um péssimo pai e que talvez isso nem fosse mesmo responsabilidade dele.

Então Ryan apareceu na porta da sala deu um beijo em mamãe e se sentou à mesa, olhei pra ele, mas ele não olhou pra mim. Encheu um copo de suco e começou a toma-lo devagar.

— E seu irmão, como ele tem ido? – ele perguntou tomando um gole de café.

— Eu estou bem aqui, você pode perguntar pra mim se quiser. – Ryan disse com a voz chateada e raivosa.

— Ajude seu irmão, não quero que ele fique pra trás. – ele completou logo em seguida. Eu nunca quis isso, nem Ryan, eu odiava futebol tanto quanto ele, mesmo assim era obrigado a continuar nessa merda.

— Acho que vou andando hoje. Até mais. – Ryan sorriu da melhor forma que pôde, tomou o resto do suco, pegou uma pera no centro da mesa e saiu. Nossa mãe ainda quieta, olhando ele sair, sempre em silêncio. Sempre achei ela vazia, cansada. Julguei que isso fosse parte da exaustão de se criar dois meninos, que ainda por cima são gêmeos, por isso nunca discuti com ela, fiz sempre o que ela queria, tentando reparar um erro que atribuí o tempo todo a mim. Mas esqueci que não dá pra consertar a vida de ninguém, nunca se repara um erro que não é seu.

— Então já vou indo também. – também peguei uma pera. Pera era nossa fruta preferida.

Peguei minha mochila e corri para alcança-lo, mas ele já devia estar bem na frente porque eu não o via mais pela calçada. Só voltei a vê-lo na sala de aula, depois que o sinal já havia tocado.

Era terrível acordar todos dias e constatar as mesmas coisas, como um filme que você vê milhares de vezes e se arrepende de ter assistido até o fim. E também ver Ryan na minha frente, sem dizer nada, ou dizer pouco. Parece estranho, mas não pensei em falar com ele sobre como eu me sentia agora, eu só olhava a volta e via que ele estava distante de mim, que eu me sentia cada dia mais isolado, porque ele era a única pessoa que me conhecia, a única que me livrava do esquecimento. Queria não me sentir assim, mas eu já estava tão atolado naqueles pensamentos, que já não via maneira de me livrar de toda aquela merda. E culpava a mim mesmo, eu conhecia tanta gente, tinha o time, tinha meus amigos, mas nada disso parecia verdadeiro ou real, parecia que eu era um dublê de mim mesmo, rindo e tendo uma vida, quando o que eu realmente queria é fugir dela.

~~~~~~~~~~☁~~~~~~~~~~

O sinal do intervalo tocou. Fomos juntos para a mesa do pátio, onde tinham vários outros amigos nossos. Sentei ao lado dele. Percebi que ele olhava alguma coisa do outro lado, o garoto do capuz estúpido. Estava jogado na grama encostado numa árvore.

— Porque você tanto olha aquele garoto? Ele te incomoda?

— O que?

— Ele te incomoda? – apontei.

— Não... Porque? – ele olhou pra mim mastigando alguma coisa.

— Você estava encarando ele agora.

— Não percebi pra onde estava olhando.

— E ontem naquela maldita sala foi a mesma coisa, ele não tirou os olhos de você.

— Eu não sei o que você quer dizer com isso.

— Eu não quero dizer nada, só perguntei. – e ele não falou comigo o resto do intervalo.

Quando o intervalo acabou, aos poucos foram sumindo os estudantes do pátio. Então eu vi o estúpido de capuz se levantar, e assim que ele veio na direção do corredor me pus na frente dele. Ele desviou o olhar do chão e me encarou, como no dia anterior.

— Você de novo? Cara, você não cansa disso? Sabe, tem muitos alunos pra você baixar a autoestima por aí, a minha, sinto informar, já não existe mais. – ele tentou sair pela lateral, e de novo me desloquei na mesma direção.

— Okay, já vi que isso não vai funcionar. O que você quer?

— Porque você está incomodando meu irmão? Ele não quer nada de você, seu... – Ryan que estava alguns passos à frente voltou e segurou no meu braço.

— Albert vamos, não quero ir pra diretoria de novo.

— Não, não. Vamos resolver isso de uma vez, assim vamos voltar ao normal.

— Normal? Ele tomou o remédio hoje? Você está na porra do Willon, nada aqui é normal. – ele disse rindo. Juro que eu nunca tive tanta vontade de bater em alguém como naquela hora. – Vocês são só a merda de um clichê, eu não preciso ficar aqui.

É incrível como ele era repugnante e sincero. Agora eu entendi porque as pessoas não gostavam dele, porque ele dizia a verdade. Ele só dizia a mais pura verdade, e isso ferra com sua cabeça algumas vezes. Então ele saiu e eu deixei. Sentei no chão do corredor, agora vazio, e encostei minhas costas na parede.

— O que você quis dizer com “voltar ao normal”? – ele perguntou de pé na minha frente.

— Nada, só que... Você está diferente, as coisas não parecem no lugar, não parece certo...

— Como você pode saber o que é certo e o que não é?

— Mas é que... você mudou! Você não fala mais comigo, não como antes, sabe... Achei que...

— Albert, as pessoas mudam, todos mudam, não dá pra continuar sen...

— Não, não vem com essa. Eu mudei, não porque foi preciso, nem porque o tempo passou, eu só mudei... Queria que você pudesse entender isso. – falei me levantando. – Agora eu não sei mais o que está acontecendo com você ou comigo, não sei.

Meus olhos começaram arder e senti que começaram a ficar marejados, comecei a piscar feito louco e voltei de novo para o pátio. Todos já tinham voltado para as salas, eu conseguia ouvir o som das conversas abafadas pelas paredes, o planeta girava e o sol alçava cada vez mais acima, o orvalho ainda nem tinha secado na grama.

— Hey, eu não sei se eu poderia esclarecer tudo, eu sei que não posso, as coisas não estão muito claras pra mim, eu acho que estou ficando louco até. Sabe, a mamãe, o papai, o futebol, a escola, as pessoas, tudo isso me enfurece as vezes e eu nem sei porque, eu sinto raiva mas não sei explicar da onde ela vem. E ainda tem... – ele vinha andando atrás de mim, então parou subitamente na última frase.

— O que? Aquele filho da...

— Albert, sinto muito, eu não sei como aconteceu, eu só...

— Aconteceu o que? – eu sabia. Nunca pensei nessa possibilidade, achei que nós dois nos bastaríamos...

— Acho que... Eu estou apaixonado por ele. – achei que nós dois seriamos o suficiente para fugir dali algum dia, e nunca mais voltar.


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Notas finais do capítulo

Então, esse progresso da história a partir de agora foi bem interessante pra mim. Quero muito saber o que vocês acham, se quiserem falar comigo sobre a história ou qualquer coisa, é só ter iniciativa hahaha! Até o próximo capítulo!



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