Apenas um sonho escrita por Luana Araújo


Capítulo 1
Apenas um Sonho


Notas iniciais do capítulo

Essa história tem três curtos capítulos, então resolvi deixar todos em um só. Para facilitar a leitura deixei o título dos cap.
Espero que gostem.



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Quando acordei naquela manhã de segunda feira saí atropelando tudo que estava em minha frente, estava nada menos do que meia hora atrasado para minha primeira aula. Vesti a primeira roupa que vi pela frente, e fui direto para a cozinha “engolir” alguma coisa pra manter meu estômago confortável até a hora do café da manhã na faculdade.

Minhas duas irmãs tinham chegado em casa há alguns dias, elas moram em outra cidade, pois estão na mesma faculdade. Eu preferi continuar na cidade e estudar em uma faculdade perto de casa, já que esta me fornecia exatamente o que precisava. Eu estava no segundo ano de Letras e fazia aulas de balé.

Estava atrasado porque dormi muito mal durante a noite, na verdade era tudo culpa de um sonho de que não consegui me lembrar depois, só via nuvens negras. Mas aquele sonho tinha sido muito inconveniente e cansativo. E justo naquele dia tinha uma importante prova pra fazer, eu não tinha que me preocupar, pois sempre tenho ótimas notas, e estava preparado, mas estava me sentindo extremamente cansado.

— JongIn, está acontecendo alguma coisa? — Minha irmã mais velha perguntou.

— Só estou atrasado. — Disse passando por ela pra pegar as chaves do carro.

— Desse jeito você é capaz de nem chegar lá, vá com calma.

Ignorei e sai porta a fora.

Na maior parte do tempo fico afastado de todos em casa, apesar de ter grande admiração por meus pais, prefiro ficar com meus próprios pensamentos e deixa-los viverem suas vidas sem se preocuparem muito comigo.

Gosto tanto deles que não suportaria vê-los sofrer por minha causa, por isso tento ao máximo sempre respeita-los e dar o meu melhor em tudo que faço, pois como diz aquela frase “prefiro me dobrar a quebrar”.

Minhas irmãs sempre cobram minha presença, e tento fazer ao máximo, mas meu espirito é viajante, não consigo me manter ligado aos assuntos cotidianos por muito tempo. Gosto de me perder ao som de uma música, ou ao ler um livro. Gosto da sensação de dançar e deixar meu corpo falar. Gosto de ter esse espaço só meu.

Na faculdade sou um bom amigo, pelo menos é o que Taemin e Kyung dizem. Tento sempre ajudar eles, dou meu apoio constante, pois sei que isso é importante para eles. Eles são bons amigos, afetuosos e alegres, sempre sabem o meu limite, e nunca tornam a amizade cansativa.

Entrei na sala com o rosto coberto de suor.

— Está atrasado senhor Kim.

O professor me encarou em negativa.

Me sentei sem dizer uma palavra e comecei a fazer a prova que já estava sobre a mesa. Jackson era meu professor mais interessado, mas odiava atrasos, se fosse outro aluno menos esforçado teria perdido a prova.

— Cara, você precisava ver a cara do Jackson. ― Kyung me disse.

— Ele não parava de olhar o relógio e depois caminhava até a porta, ele estava mesmo esperando por você. — Taemin completou, repetindo o que Kyung havia lhe dito.

Nós estávamos sentados no gramado do jardim da faculdade.

— Eu não tinha nem argumento caso ele me questionasse. — Confessei.

— O que houve? — Taemin passou o braço pelo meu ombro.

— Eu dormi muito mal, tive uns sonhos estranhos.

Kyung e Taemin se entreolharam e começaram a rir.

— Qual o problema de vocês?

Eles continuaram a rir. Estava dando altas gargalhadas, enquanto meu rosto começou a ruborizar, pois todos ao redor começaram a nos encarar.

— Tendo pesadelos JongIn?! — Taemin bateu com as mãos nas pernas.

Ergui minha sobrancelha e tampei meu rosto com as mãos.

— Qual é JongIn? Você é tão realista, porque está tão perturbado com um mero sonho? — Kyung disse, contendo os risos.

— Não estou perturbado. — Bufei.

— Você já se olhou no espelho hoje? Tenta falar o que você nos falou agora também, e analise sua expressão. — Taemin secou as lágrimas do canto dos olhos.

Fechei a cara e coloquei meus fones de ouvido.

— JongIn. JongIn. — Taemin tirou meus fones e me abraçou. — Seja mais divertido.

Eu sorri e retribui o abraço.

— Vocês são divertidos demais pra mim. — Soquei o braço de Kyung.

— Se não fossemos nós você nunca iria sorrir. — Kyung disse.

Ele estava certo, eu não sorria quando estava longe deles. Dificilmente alguma coisa me fazia rir. Minha mãe costumava falar que eu era um sem graça, sem humor. Mas o fato é que na maior parte do tempo não há muitos motivos pra sorrir.

“Você não pode pensar demais.” Meu pai sempre diz, e esse é meu grande problema, eu penso demais, e ao contrário do meu lado racional que sempre gosto de demonstrar, minha mente é ilusionista demais, é utópica demais. Penso em como tem tantas pessoas que não tem motivos para sorrir, pois perderam entes queridos, porque passam fome, ou estão doentes, porque foram traídas, ou não encontram um caminho a trilhar e me coloco no lugar delas, começo a pensar que se elas não sorriem por que eu deveria sorrir? Porque tenho saúde, inteligência e uma vida boa? Mas por que isso me faz melhor? E diante dessas outras mil questões surgem.

Depois que saí da faculdade fui pra casa do Kyung, jogamos videogame e como sempre ganhei dele.

— Um dia vou vencer você, e então terá que me pagar o almoço por duas semanas. — Kyung desistiu depois de três horas de “luta”.

― No dia que isso acontecer eu não me chamarei Kim JongIn. — Sorri debochado.

Kyung é meu melhor amigo de infância, somos vizinhos e praticamente irmãos de criação, a mãe e o pai dele são velhos conhecidos dos meus pais, ou seja uma amizade passada de geração em geração. Ele tem a mania de nunca desistir de nada que ele queira muito, eu acho isso uma grande qualidade, pois ele sempre alcança o almejado. Uma vez ele decidiu que queria entrar para o time de basquete, mesmo sendo baixo e tendo pouca técnica de jogo ele treinou duro durante um ano e conseguiu entrar para o melhor time da faculdade.

Eu não tenho o que reclamar de Taemin, ele é como um irmão mais velho, que me guia, que me orienta, o conheço a mais de cinco anos, e desde o dia em que coloquei meus olhos nele eu soube que poderia confiar minha amizade. Taemin também estuda dança, e ele é o melhor sem dúvidas, quero ser tão bom quanto ele, tão bom quanto Michael Jackson.

Não há nada que falte em minha vida, tudo está em seu devido lugar, e isso me assusta às vezes, pois a qualquer momento isso pode se tornar um tormento, sei que não devia pensar dessa maneira, mas quem vive em plena paz? A resposta é ninguém, o sossego perdura por muito tempo em minha vida.

“Você realmente é louco, devia agradecer por sua vida ser assim, e orar para que continue assim.” Minha mãe me disse quando contei a ela sobre meus medos, talvez seja por isso que evito dialogar muito sobre assuntos íntimos, pois sei que ninguém vai entender, pois sou um louco.

Gosto de escrever quando me sinto frustrado, assim tudo fica preso no papel, já tirei boas notas em redações devido a isso, sou ótimo quando se trata de colocar os sentimentos no papel, porque na pratica eu sou um desastre. Como uma criança que ainda está aprendendo a falar, que não sabe de nada. Como um tolo tentando discutir com um sábio.

Quando cheguei em casa fui direto para o chuveiro, tomei um longo e quente banho, para relaxar meu corpo tenso. Depois de mordiscar uma maça fui dormir. A melhor parte do dia, era quando eu finalmente fechava meus olhos e esquecia do mundo, dormir é uma das coisas que mais gosto de fazer. Isso soa tão preguiçoso, mas é realmente boa a sensação de descansar.

Mas mais uma vez fui perseguido pelo sonho, que mais parecia um pesadelo. Dessa vez eu pude me lembrar de algumas imagens, era o mesmo sonho, eu estava perdido em um labirinto, não havia muita luz, e tudo o que eu ouvia era um grito feminino, depois disso tudo ficou coberto de nevoa, e o grito só ficava mais aterrorizante.

Eu acordei suado e respirando fundo, como se eu estivesse saindo de uma corrida, ou algum exercício físico. Não eram nem seis da manhã, e eu só tinha que chegar à faculdade ás oito horas. Obviamente não conseguiria voltar a dormir depois daquilo, então tomei um banho e tentei estudar um pouco.

— Dessa vez o sonho foi mais claro, eu queria entender o que ele quer me dizer. — Disse para Taemin depois da nossa aula de dança.

— O que ele quer te dizer? Cara, é só um sonho, seu subconsciente ficou intrigado devido o sonho da noite anterior e repetiu ele de novo. — Taemin riu.

— Hum... Será?

— Qual é Kai? Você nem parece o cara que eu conheço. Tá ficando mais louco do que o normal.

E realmente eu devia estar ficando. Então fechei os olhos e balancei a cabeça para desviar os pensamentos.

Mais tarde eu e Taemin nos encontramos com Kyung, que estava extremamente irritado com a falta de diálogo em casa, o oposto de mim.

— Minha prima está vindo do centro da cidade pra passar o resto do ano na minha casa, e eu só fiquei sabendo disso hoje, quando ela telefonou e perguntou se minha mãe poderia busca-la em casa. — Kyung se sentou, jogando a mochila sobre a mesa.

O som ecoou pela biblioteca, e alertou os outros estudantes que nos encararam com olhares ferozes.

— Acho melhor você descontar sua frustração em outro lugar. — Taemin o provocou.

— E talvez você devesse ficar na sua. — Kyung mostrou a língua.

— Acho que você anda muito ocupado, por isso seus pais não te contaram. — Eu disse.

Kyung balançou a cabeça em negativa e se concentrou na leitura.

No fim da tarde deixei os garotos irem para casa de Sehun, e fui para o parque. Fazia algum tempo que eu não corria por ali, entre as árvores, sentindo o cheiro da grama verde recém-cortada. Era um lugar que sempre me trazia respostas, ou me tranquilizava, e naquele dia eu precisava para as duas coisas.

Corri por horas, sem parar para pegar fôlego ou descansar, eu só queria ficar tão cansado que quando chegasse em casa e deitasse em minha cama, eu só acordasse no dia seguinte, completamente renovado.

Só parei quando todos os músculos do meu corpo se enrijeceram, e a dor começou a me afetar. Peguei um táxi e fui para casa. Quando fui para meu quarto e encontrei meu celular, havia mais de 20 ligações e 15 sms do Kyung, ou ele estava encrencado ou surtando.

Disquei o número e no segundo toque ele atendeu.

— Você está me ligando do além? — Kyung bufou.

— Eu estava correndo, não levei meu celular, o que houve?

— Minha prima está perdida! E minha mãe já procurou ela por todos os possíveis lugares em que ela podia estar, e nada. — Kyung mudou o tom de voz, agora demonstrando preocupação.

— Sua prima tem quantos anos? — Perguntei curioso, pois só uma criança poderia se perder de uma forma tão tola.

— Ela tem a minha idade. Mas o que isso tem a ver?

— Hummm. Nada. Eu posso procura-la pela região. O metrô não passa muito longe da minha casa, talvez ela tenha se enganado na decida. — Eu disse, vestindo meu casaco.

Kyung me passou as características e até uma foto dela pelo celular, e ele me ligava a cada cinco minutos, me fazendo a mesma pergunta.

— Você já encontrou a BoA?

— Não, mas já vasculhei boa parte do quarteirão, incluindo o metrô. — Respondi, um pouco desapontado comigo mesmo por não encontrá-la.

— Vou continuar procurando. Qualquer sinal dela, entre em contato.

Eu segui pelas vielas, enquanto a noite cobria o céu com seu véu negro. Olhei no relógio e fazia mais de duas horas que estava andando, meu cansaço físico estava me matando, mas eu não podia voltar para casa antes de saber se BoA estaria em segurança.

Caminhei lentamente, me forçando a não ceder ao esgotamento, e finalmente encontrei BoA. Ela estava sentada no chão, encolhida, parecia estar tremendo de frio, e ouvi soluços de choro. Corri até ela e tentei não assustá-la.

— Ei, você está bem? — Perguntei me aproximando.

BoA arregalou os olhos e começou a se levantar.

— Calma, eu sou amigo do Kyung, estamos procurando por você há horas. — Acalmei-a.

— Ah!

Ela suspirou fundo e correu até mim, me abraçando com força. Fiquei sem reação.

— Achei que ninguém me encontraria. Obrigada por me salvar. — Ela disse se afastando.

Ela ficou ruborizada, e eu tinha certeza de que também estava.

Liguei para Kyung e em alguns minutos ele foi ao nosso encontro.

Quando finalmente me deitei em minha cama já não sobrava nem um fio de minhas forças físicas, e meu espírito ansiava por um bom sono. Fechei os olhos e pronto, a luz se apagou, mergulhei no mais profundo sono.

 

 

Realidade X Fantasia

 

Queria ter tido uma noite tranquila, e achei que meu esgotamento físico não deixaria minha mente criar ilusões, mas estive enganado o tempo todo.

Lá estava eu novamente, perdido em um labirinto escuro, com a névoa negra me rondando, e o grito da garota ainda mais aterrorizante. Dessa vez eu comecei a correr ao encontro dela, comecei a chamá-la, mas ela apenas continuava gritando, como se estivesse sendo terrivelmente torturada, aquilo me fazia sentir uma dor incomum, eu não podia deixá-la sentir aquela dor, eu tinha que salvá-la.

Eu corri e corri, mas quanto mais eu corria, mais me afastava dela, e mais o grito era terrível. Comecei a me sentir sufocado e o chão começou a ceder sob meus pés, e logo todo o chão desabou, e eu cai em queda livre. O que mais me surpreendeu foi que eu não senti medo por estar caindo, senti medo por deixar aquela garota para trás.

Quando acordei estava todo suado, e meu coração parecia que ia saltar pela boca. Me sentei na cama e respirei fundo, tentando estabilizar meu corpo. Eu estava ficando maluco.

— JongIn você está péssimo! — Taemin me disse.

— A quantas noites você não dorme? — Kyung completou.

Estávamos reunidos na casa de Taemin, tentando estudar, mas eles estavam mais interessados em falar sobre como eu estava aparentemente doentio, e eu não conseguia manter meus olhos abertos.

— Os pesadelos tem acabado comigo. — Confessei.

— Talvez você devesse procurar um psicólogo. — Kyung disse em tom sério.

— Acho que ele precisa de uma namorada. — Taemin me abraçou pelas costas. — A quanto tempo você não fica com uma garota?

Olhei pra ele em negativa. Sim, ele estava certo, fazia muito tempo que não me relacionava com uma garota, mas aquilo não tinha nada a ver com meu pesadelo. Tinha?

— BoA falou de você a noite toda... — Kyung começou a dizer.

— Já temos uma pretendente. — Interrompeu Taemin.

Eu bufei.

BoA era uma garota linda, e era realmente atraente, mas eu nunca ficaria com alguém só para me distrair.

— Tirem essa ideia absurda dessas suas cabeças imaturas. — Disse.

Eles riram e se entre olharam.

— Talvez a ideia não pareça tão absurda para BoA. — Taemin disse.

— Tae, você devia fechar essa sua boca. — Eu disse dando-lhe uma leve cotovelada. — Você ao menos conhece BoA.

Ele se afastou, resmungando da cotovelada.

— Qual é? Se divertir um pouco não faz mal a ninguém. — Taemin se sentou ao meu lado.

Diversão. O amor era para ser diversão? Era bom usar uma pessoa como diversão? Definitivamente não fazia sentido para mim. Taemin e Kyung só queriam a minha felicidade, mas eles ainda não me compreendiam o suficiente, e acho que nunca compreenderiam.

O dia foi realmente longo, mas bastante produtivo, o que compensou o cansaço do meu corpo e cérebro. O único momento que consegui ter alguns minutos de relaxamento foi durante o ballet, deixei meu corpo seguir livremente o ritmo da música suave, Srta. Sunny deixou que cada um de seus alunos performance uma música favorita.

O restante da tarde fiquei em casa, revezando entre a televisão e meu player de músicas, não dormi, apesar de meus olhos estarem avermelhados e inchados.

E mesmo acordado eu não consegui parar de pensar na garota dos meus pesadelos, ainda tentava entender o que queria dizer, ainda ansiava para ver o rosto da indefesa garota, ainda queria envolvê-la nos meus braços e protegê-la de quem ou que estava fazendo mal à ela. Isso também não fazia sentido.

— JongIn você está se sentindo mal? — Minha mãe perguntou ao entrar em meu quarto.

— Estou bem. — Sorri.

— Não é o que parece. — Ela afirmou. — Eu e seu pai estamos preocupados com sua saúde.

— Realmente não há nada com que se preocupar. — Fui até ela a abracei e beijei sua testa.

Externamente eu estava apenas exausto, internamente eu estava perdido. O problema externo poderia ser facilmente resolvido desde que o interno fosse extinto. Não havia o que fazer por mim.

Depois do jantar eu e meu pai conversamos um pouco, falei para ele sobre a dança e os estudos, ele sobre o trabalho e as partidas de futebol. Eu gostava de conversar com ele.

— Você pode confiar a mim tudo que te acontecer, nunca te deixarei. — Ele disse apertando meu ombro.

— Eu te amo pai. ― Eu disse.

Fiquei sozinho na varanda externa da casa, a noite estava fresca e havia algumas poucas estrelas visíveis. Estava na hora de ter o pesadelo mais uma vez.

Levei um tempo para dormir, esperando pelo pesadelo e querendo detê-lo antes que ele me fizesse refém, mas o sono me venceu.

Esse sonho foi ainda mais elaborado que o anterior, eu podia sentir o cheiro da névoa, mas não consegui identificar nenhum aroma similar àquele. Meu corpo estava mais pesado, e meus olhos ardiam. A garota continuava gritando, mas finalmente eu consegui entender o que ela dizia, ela gritava meu nome.

Fiquei enlouquecido ao ouvir meu nome soar como grito de socorro dos lábios da garota desconhecida, mais do que nunca eu tinha que chegar até ela. Caminhei lentamente, mudando minha tática anterior, e funcionou, pois consegui andar por uma boa distância, me mantendo próximo ao muro. Pouco à pouco a névoa diminuía e tive a sensação de que finalmente chegaria até a garota, que continuava gritando por mim.

— Eu estou chegando. — Eu disse. — Estou indo até você.

Então tudo ficou silencioso, e a névoa aumentou, subindo e sugando meu corpo. Quando me dei conta estava sentado, com as pernas pressionadas contra o peito, em minha cama.

Já tinha amanhecido, e eu me sentia descansado apesar da noite inquieta. Levantei, tomei banho e fui tomar o café da manhã, estavam todos sentado à mesa, e falavam de assuntos cotidianos.

— JongIn nós iremos embora essa noite, então queríamos que você viesse mais cedo pra casa. — Minha irmã mais velha disse.

— Tudo bem, não tenho nada importante hoje. — Respondi.

Taemin e eu chegamos juntos na faculdade e fomos direto para aula de balé. Taemin era excelente em balé, eu adorava vê-lo fazendo os movimentos com tanta facilidade que poderia ser confundido com um bailarino profissional.

Fiz uma prova longa e cansativa de literatura, mas no fim acho que minha nota será boa, depois fui para casa de Kyung que não fora a aula porque estava se sentindo indisposto. BoA me recebeu com um largo sorriso.

— JongIn! — Ela exclamou ao abrir a porta.

— Oi. — Eu disse, me sentindo corado.

— Kyung está no quarto, vamos até lá? — Ela me convidou.

Durante o trajeto curto até o quarto de Kyung, BoA não parou de falar um segundo, ela era divertida, mas um tanto quanto exagerada.

— JongIn, você poderia ter vindo antes, não aguento mais BoA me perguntando sobre você o tempo todo. — Kyung bufou e fechou a porta logo após BoA sair.

Eu dei de ombros. Confuso. Embaraçado.

— Ainda acho que você devia sair com ela. — Kyung passou a manete do videogame.

— Que tal você perder novamente? — Provoquei.

Na semana seguinte eu faria uma viagem para uma cidade uma 150 km da minha, iria acampar com a família de Taemin, meus pais também iriam. Kyung estava frustrado de não poder ir, e mais empurrava BoA para cima de mim, já que o motivo de ele não poder ir é a presença da prima em sua casa.

— Começo a sentir um certo incomodo por essa garota. — Kyung se jogou na cama desistindo do jogo.

— E quer que eu fique com ela? — Zombei.

— É, talvez ela fique menos irritante. — Kyung fez careta.

Eu ri.

Mas depois comecei a pensar sobre BoA, sobre os sentimentos dela, eu devia me importar, devia ser mais gentil com ela. E se o meu pesadelo se referisse a ela? Estaria eu negando salva-la? Seria ela a garota que grita por mim nos pesadelos?

Voltei para casa com as perguntas se formulando em minha mente, procurando razões que provassem que BoA e o sonho não tinham nada a ver, mas não era o que parecia. Eu devia considerar o pesadelo como um aviso? Eu ficava ainda mais confuso. Depois de me despedir de minhas irmãs e levá-las ao aeroporto mergulhei nos livros e desfoquei minha mente do assunto, pesadelo e BoA.

O que mais me deixou surpreso foi que adormeci ao ler e só acordei ao despertar do relógio na escrivaninha ao lado da minha cama. Em nenhum momento da noite acordei ou fui sucumbido pelo pesadelo, eu tivera uma noite tranquila que já não tinha a algumas noites.

Fui direto para o parque, era sábado e eu poderia aproveitar a manhã fresca para correr. Fiquei por lá a manhã toda, revezando entre a corrida e alguns minutos de descanso ouvindo música. Quando me senti cansado deitei na grama macia e fiquei sob as árvores grandes e majestosas, olhando para o alto, vendo o céu entre as frestas das folhas. Eu sorri de repente.

Me imaginei ao lado da garota do pesadelo, ela poderia estar ali deitada ao meu lado segurando minha mão e acariciando meu cabelo. Ela poderia estar ali me dizendo que eu era o amor de sua vida. E eu poderia estar sentindo meu peito explodir de tanto amor, poderia estar olhando para o rosto dela e dizendo a mim mesmo o quanto ela era linda. E mais uma vez desejei encontrá-la, queria ver seu rosto no pesadelo, pois só assim poderia encontrá-la na realidade.

Fechei meus olhos com força e desejei dormir ali mesmo, eu tinha que encontrá-la, tinha que salvá-la, porque só assim salvaria a mim mesmo. Me sentia preso a ela. Estava perdendo minha razão. Mas nada importava, pois eu queria vê-la.

— Venha para mim. — Sussurrei.

E então ela veio.

No começo imaginei que ainda estava acordado, projetando as imagens em minha mente, mas eu realmente estava mergulhado no sono, recriando o labirinto escuro e aterrorizante ao meu redor. A garota gritava meu nome, mas não mais parecia sentir dor, agora era como se apenas procurasse por mim;

— Estou aqui. — Eu disse, em tom grave.

Ela reagiu.

— JongIn, me encontre. — Ela respondeu.

— É tudo o que mais quero. — Disse a ela. — Onde você está?

— Estou aqui... Por favor, não me deixe mais sozinha.

Eu comecei a caminhar apressadamente em busca da garota, sentia meu peito apertado e a respiração falhava, estava prestes a alcançá-la, estava próximo ao fim da minha tormenta. Eu a encontraria.

 

 

Mais do que apenas um sonho

 

Eu estava próximo a ela, eu podia sentir, todo meu corpo reagia como um objeto metálico em contato a um imã. Não parecia mais um sonho, todos os meus sentidos estavam alertas.

— Qual o seu nome? — Perguntei, enquanto caminhava para o clarão logo a minha frente.

— Ináh. — Ela disse ofegante.

Tão doce nome só deveria pertencer a um anjo. No mesmo instante quase pude visualizá-la, mas preferia vê-la, ao imaginar.

— Ináh, você está ferida? — Perguntei, sentindo um frio na barriga ao pronunciar o nome dela.

Esperei por sua resposta, mas nada veio, ao contrário disso abri meus olhos e me deparei com o céu entre os galhos das árvores do parque.

— Droga! — Finquei meus punhos na grama.

Mais uma vez estivera tão perto de encontrá-la, e mais uma vez isso me foi negado. O que Deus queria de mim? Por que esse sonho era o mais longo e estranho de toda minha vida?

— JongIn, o que está tentando fazer? — Kyung interrompeu meus pensamentos.

— O que? — Perguntei confuso.

— Por acaso está fazendo uma escavação com os próprios punhos? — Ele zombou.

Só então me dei conta de que ainda estava em minha posição inicial, de revolta e frustração.

— Aconteceu alguma coisa? — Kyung sentou-se ao meu lado.

— O mesmo das últimas semanas. — Disse indiferente.

— Não me diga que ainda está tendo aqueles pesadelos?

— Sim, e a cada sonho eu chego mais perto de Ináh. — Respondi.

— Ináh? Quem é Ináh? — Kyung arregalou os olhos.

— A garota que chama por mim nos sonhos, ela acabou de me dizer seu nome, alguns instantes antes do meu despertar.

Kyung colocou as mãos na boca e começou a rir descontroladamente. Eu já esperava essa reação, ninguém seria capaz de entender se nem ao menos eu conseguia.

— Sabia que seria assim. — Eu disse.

Me levantei e deixei Kyung com sua crise exagerada de risos. Não estava com raiva e não o culpava por se divertir com minha insanidade, mas definitivamente não iria ficar para assistir.

Durantes toda semana eu me senti perdido, não voltei a sonhar novamente, sequer conseguia dormir pensando em Ináh, tudo estava ficando muito difícil. Na escola meu rendimento caiu, faltei as aulas de balé, e quanto a Kyung e Taemin só falei com eles por telefone, graças a insistência de ambos.

— Não quis te ofender. — Kyung disse.

Ele ficou muito preocupado com meu sumiço repentino, e mesmo dizendo que ele não tinha culpa de nada, continuou ligando e pedindo mil desculpas por “sua grosseria.”

— Kyung, está tudo bem, não se preocupe, você não tem culpa de nada.

Taemin me via na faculdade, mas eu estava sempre muito ocupado, e ia embora antes que ele me visse, então meu telefone tocava o tempo todo.

— JongIn você não está indo as aulas de balé, está acontecendo alguma coisa?

— Estou bem Tae, não se preocupe.

Minha mãe também notou minha decadência e pude ver seus olhos lacrimejarem quando omiti minha tormenta. Meu coração se partiu em milhares de fragmentos, eu estava causando sofrimento às pessoas que amava, estava fazendo o que eu mais temia. Mas eu não conseguia agir de outro modo, estava perdido dentro de mim mesmo, e não encontrava minha garota com nome de anjo para me despertar.

Mais dias se passaram e nunca mais sonhei com Ináh, e mais eu me sentia doente. Na sexta-feira após minha saída da faculdade eu me sentia muito mal, minhas pernas estavam bambas, meu coração acelerado e uma angustia inexplicável.

Em um relance, enquanto eu cambaleava, o rosto de Ináh se formou em meus pensamentos, cabelos longos, olhos perdidos e um sorriso perfeito.

— Me salve JongIn. — Ela gritou assustada, ainda em meu devaneio. — Me salve.

O último grito me fez voltar à realidade e logo a minha frente Ináh atravessava, descuidadamente, a rua, e em sua direção vinha um carro a toda velocidade. Uma força incomum surgiu em mim, meu corpo reagiu, ficou rígido e pronto para o ataque, no caso para salvar meu anjo.

— Ináh. — Gritei enquanto me lançava entre o carro e ela.

O corpo de Ináh foi lançado ao chão por minha força, enquanto a mim senti o choque da batida depois do meu corpo cair no chão, a sensação era que meu corpo estava todo quebrado. Depois disso minha mente oscilou por vários momentos, e eu só me lembro de Ináh dizer:

— Você me encontrou... JongIn não me deixe. — Ela chorava e suas lágrimas banhavam meu rosto estático.

Não era apenas um sonho, era um aviso, uma previsão, eu tinha que salvá-la, e ela também tivera o mesmo sonho, por que outra razão ela diria que a encontrei e ainda saberia meu nome? É, talvez eu só estivesse delirando.

E por fim, tudo ficou quieto e escuro.

 

Prólogo

 

Você deve estar se perguntando: “Esse é o fim?”. Uma história não precisa ter um fim absoluto e com todas as respostas resolvidas, até porque você pode dar o final desejado a ela, ou finais em alguns casos. Mas JongIn não quis deixar de contar o que aconteceu depois do acidente, ele disse que essa história precisa ser contada. Então ele nos deixou esse texto:

“Achei que morreria ali nos braços de Ináh, não seria uma morte ruim já que estaria dando minha vida para salvar a dela, mas em um milagre eu sobrevivi.

Acordei dois dias depois com apenas algumas dores musculares, o médico disse que nada racional poderia explicar o fato de eu ainda estar vivo. Enquanto todos meus amigos e familiares não se desgrudavam de mim.

— Nunca mais faça isso. — Kyung deixou uma lágrima de alívio escorrer pelo rosto.

— Nós não sabemos viver sem você. — Taemin completou, me abraçando.

Minha mãe chorava e agradecia a Deus, meu pai não conseguia ficar parado mesmo sabendo que estava tudo bem. E Ináh, ela não saíra do meu lado nem por um momento, minha irmã disse que ela dormia segurando minha mão.

Era a sensação mais maravilhosa que já provara em toda a minha vida, eu a amava apenas por senti-la tão perto de mim, ao sentir o toque macio de suas mãos em meu rosto, reconhecendo cada traço dele. E agora eu sabia que estaria ao lado dela por toda vida, a protegendo, a guiando, pois Deus a colocou em meus sonhos para que eu a encontrasse na realidade.

— Eu sonhava com você todas as noites, e eu me sentia muito sozinha e com medo, e sabia que só você poderia me salvar.

Ináh contou a mim algum tempo depois de eu ter saído do hospital, sua mão se mantinha presa a minha e eu não tinha vontade de solta-la jamais. A cada gesto de bondade, a cada carinho eu me apaixonava mais, ela era perfeita para mim.

Em nosso primeiro dia de lua de mel fomos ao topo de uma montanha para absorvermos ao máximo a luz do sol e sentir o cheiro doce de natureza. Me deitei na grama e Ináh se acomodou em meu peito, ela se encaixava perfeitamente ao meu corpo. Ela começou a soluçar, estava chorando.

— Por que está chorando? — Perguntei, me sentindo preocupado.

— Porque o amor que sinto por você é tão grande que pode explodir do peito.

Aquelas palavras me acertaram em cheio, ao ponto que eu também chorei, e entre as lágrimas comecei a beijar seus lábios mágicos e acariciar seu corpo. Nós éramos um só. Nós somos um só. Nós seremos um só, até o fim da vida ou até depois disso.

FIM


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Notas finais do capítulo

Curiosidades:

— Ináh não era coreana.

— Ináh era cega.

— No dia do acidente Ináh tivera um sonho em que JongIn se feria gravemente enquanto a procurava.

— JongIn e Ináh se casaram em novembro daquele ano, cinco anos depois eles tiveram uma filha.

— JongIn se tornou dançarino profissional e lançou vários romances literários.

— Kyung e Taemin foram padrinhos do casamento, ambos se casaram e cultivaram a amizade com JongIn.

— JongIn e Ináh morreram no mesmo dia, ele aos 91 e ela aos 90 anos. Eles estavam deitados de mãos dadas em cadeiras de praias observando o pôr do sol.



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