Uma fragrância sutil paira pelo ar, adentra o quarto através da janela, faz-me lembrar seu sorriso, lembra-me da curta tarde que tive com você. Aspirações, sonhos e desejos lançados ao ar, abertos como livros esperando ser lidos. Você fugiu das minhas mãos, feito areia se esvaiu.
A luz ainda está acessa, conversas engraçadas, risadas consensuais... É só a televisão, só para os vizinhos acharem que a solidão não existe. Estou tentando me enganar, mesmo sabendo que não é possível.
O lócus da situação é uma incógnita, não sei se a distância é o maior martírio ou a possibilidade de nunca mais vê-la, já passou cerca de duas semanas, e nenhuma notícia, virarei um eu lírico feminino, escreverei cantigas trovadorescas de amigo.
Especulei tudo que pode ter acontecido com você, um acidente arrancou sua vida terrena, está sem internet por causa de notas ruins, ou resguardada para termos assuntos no nosso próximo encontro. Torno a vida um matrix, é melhor assim.
O Sol que ofusca minha visão relembra que tudo que passamos foi real, se isso for um sonho não quero acordar nem tão cedo, zelo pela vida, zelo pela sua presença. Pode não acreditar, porém tenho uma foto sua, não em espécime, quem me dera, está estampada no estandár da minha ilusão, sempre que fecho os olhos, é você que vejo.
Tenho certeza que se as pessoas me conhecessem melhor, certamente me amariam. Sabe o que diferencia você de todas as outras, além do jeito, da fala, da personalidade, e do seu rosto? Eu amo os seus defeitos, defeitos não vieram para ser amados, e se alguém ama os de outra pessoa, isso é um sinal, um sinal que deve ser realçado, concorda?
Esse monólogo me atordoa, como um flashbang no meio da guerra, espero esperançosamente que esteja recebendo essas palavras, e que um dia as leia com fervor.
Levando em conta a mortalidade, não sei se choro por você ter partido, ou agradeço por ter ido. Se tiver partido estará ilesa desses espíritos deturpadores entre nós, todavia estará longe dos meus braços, se estiver viva, estará pelo menos no mesmo logradouro, na mesma terra, no mesmo asfalto, entretanto a mercê de todos os empecilhos, de todos os ciclones mortíferos. Rezo pelo seu amparo, seja qual for o motivo de sua ausência de nossas mensagens corriqueiras. Que assim seja.

FIM
24/06/14