Sperare - O Olho da Fênix escrita por Isaque Lazaro


Capítulo 1
Rio Madeira




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William

A floresta sufocava os sons da cidade de Woodside, ainda que não houvessem se distanciado muito além de um quilometro de lá. Apesar de conhecer essa trilha de caça, William não podia deixar de se sentir oprimido pelas grandes árvores que se pressionavam contra o fino rastro de terra batida.

Fora da floresta provavelmente estava calor. As incontáveis camadas de folhas nas copas das árvores impediam que o calor e luz chegassem em sua plenitude até o chão e o cheiro úmido de musgo, terra e seiva reinavam sobre os outros sentidos. O som de seus passos era abafado pela camada de lodo e musgo seco que se estendia sobre a folhagem morta. Eles estavam chegando perto.

“Ei, amigão... aguenta firme, estamos quase lá.” William sussurrou sem olhar à direita, onde carregava parte do peso de Aaron que se movia com dificuldade. O garoto não respondeu. O orgulho dele deve estar descendo difícil pela garganta ou entrando forte pelo cu. Um dos dois, isso eu garanto, Will disse a si mesmo mentalmente, mas era difícil rir daquela situação.

Aaron se regenerava rápido e todos desde Woodside até Eastharbor sabiam disso, e o sangramento no seu flanco direito era a menor de suas preocupações – o banho de sangue que escorria no começo da viagem se resumia a uns poucos filetes úmidos agora - mas a profundidade do golpe... ah, isso seria um problema a longo prazo. Ela precisaria ser limpa o quanto antes ou infeccionaria rápido. A rapier daquele veadinho platinado havia cortado o couro fervido e os músculos de Aaron com a mesma facilidade, era incrível.

“Ele... eu... eu cheguei tão perto, Bill...” disse Aaron entre ofegadas pesadas. Sua voz estava carregada de vergonha.

“Agora não é hora para isso, cara. Eu tô te levando pro Rio Madeira, ok? A gente tem que cuidar disso aí ocupando espaço onde ficava sua costela.”

Aaron tentou rir, mas se contraiu num espasmo de dor, e William teve que parar e dar um momento de fôlego para seu amigo. Ele já conseguia ouvir fracamente o correr das águas do rio a oeste.

“Por que você teve que fazer isso? Você podia ter escapado da cidade sem chamar atenção e mesmo assim preferiu se jogar como um... aríete contra ele?” exigiu William, já sabendo de certa forma qual seria a resposta. Aaron nunca ignoraria o próprio orgulho, ainda mais naquela situação toda que procedia a noite caótica que a cidade viveu.

“O Kaoro... ele me viu tentar sair por perto do Portão do Ouro. Ele me viu e ele sabia. E eu... argh!” ele exclamou de dor ao se esforçar para saltar de um tronco decomposto no chão. “e eu queria que o maldito soubesse. Droga, eu cheguei tão perto!

Chegou tão perto mas não conseguiu, William pensou para si mesmo. Assim como ninguém jamais conseguiu... ninguém nunca conseguiu acertar o Kaoro. Tudo estava acontecendo rápido depois do pandemônio da noite passada. Aaron foi inteligente e agiu rápido, sabendo que a cidade de Woodside sempre se fechou em momentos de perigo: ninguém entra e ninguém sai. Era de se esperar que a situação seria ainda mais severa após um ataque noturno daqueles... o exército de Cruscius tão longe no ocidente? E pensar que Aaron resolve sair de um lugar seguro por causa daquela garota. William sempre disse que aquilo não era saudável, que amor e obsessão são coisas bem diferentes, mas o babaca nunca ouviu.

Ela tem mais chance de ser encontrada com o Kaoro a procurando do que com uma centena de batedores. O que o Aaron está tentando provar? Não, pior ainda, por que eu resolvi vir junto? O som de água correndo agora era forte e ele já conseguia cheirar o rio. “Chegamos, princesa” ele disse ao chegar, enquanto o garoto deixava de se apoiar nele e sentava pesadamente na terra úmida.

Aaron nunca pareceu tão pequeno. Ele era baixo, bem baixo, mas ele parecia de fato pequeno agora. Vestia um corselete de couro marrom fervido cortado na lateral direita, calças de algum tecido resistente e botas de couro. Ele parecia tão magro quanto a espada longa que carregava consigo, e Aaron nunca fora magro. Ele era baixo mas musculoso, sua pele bronzeada era quase como couro de tão resistente durante os treinos, e seu cabelo negro estava empapado de suor em sua testa naquele penteado ridículo que ele insistia em usar para tentar agradar Lilith. É perfeitamente aceitável agir de maneira ridícula por uma garota, William sabia... mas não por uma garota que está noiva há um ano.

Ele observou calado Aaron cuidar de seu ferimento. O garoto não admitiria ajuda, não tanto quanto admitiria derrota. William soltou as amarras que prendiam seus longos cabelos loiros e deixou que caíssem sobre seus ombros enquanto desamarrava o manto sobre que repousava sobre seu corselete de couro azul. Talvez agora ele conseguisse relaxar um pouco as pernas.

William permaneceu sentado próximo à margem do rio enquanto Aaron colocava as ataduras que não usou de volta em sua bolsa após já estar com o ferimento tratado. Próximo ao rio uma brisa revigorante acompanhava a trajetória rápida e violenta das águas. Tudo que se ouvia era o barulho dos insetos, o correr das águas e o som de um ou dois animais andando pelo mato alto próximo a eles.

Animais grandes demais. Aaron também havia percebido e já se deslocava na direção do som. Houve apenas tempo de levantar da pedra onde sentava e dois salteadores já estavam em cima de Aaron. Um deles, com um nariz grande e barba falha sorria com dentes tortos e sujos com uma adaga de vinte centímetros na garganta de Aaron. O outro se aproximava com uma lança de madeira. William apenas segurou o cabo de sua espada embainhada e se movimentou para deixar ambos os meliantes dentro de seu campo de visão.

“Então cês são bem-nascidos é?” o homem com a adaga perguntou num tom de provocação. “Olha só essas rôpinhas, que tecido bom!”

“Eles deve tá cheio de prata com eles... talvez até ouro!” disse o da lança, com seus pequenos olhos de rato brilhando com a ideia.

Aaron está lento demais. A surra foi psicológica, não física. Ele nunca foi assim. William concluiu enquanto tentava pensar em algo para dizer. Aaron não estava em condições de lutar, de maneira alguma.

“Nós não queremos problemas!” disse, só em seguida percebendo o quanto ele parecia um personagem clichê de algum livro de histórias. “Nós só estamos de passagem, meu amigo está ferido.”

“É, a gente tá vêno” disse o homem com a adaga, rindo com um som que mais parecia um escarro. “mais é uma pena, né não? Cês pegaram o caminho errado.”

“E o que cês tão fazendo aqui se a cidade tá fechano? Cês acha que nóis é idiota, é?” disse o homem com a lança.

“Eu acho que você tem um cheiro de mijo pior do que um cavalo preso por semanas, seu verme.” Aaron disse. Antes que o cérebro de qualquer um começasse a interpretar o que foi dito, Aaron já havia arremessado o homem que o imobilizava por cima de seu ombro, dançando por baixo da lança do segundo. Ele estava desarmado e precisava de apoio, sua espada ainda repousava próxima à bolsa. O homem com a adaga estava levantando atordoado, mas antes que William chegasse perto dele, Aaron já havia chutado a cabeça do infeliz, o fazendo rolar como um saco de farinha e quase cair no rio. Ele notou o golpe que vinha por trás e tentou desviar, mas a dor em seu corte foi mais forte e ele hesitou por um segundo. William já estava lá, mas era tarde demais para que algo pudesse ser feito: o lado cego da lança acertou Aaron em cheio na têmpora com um baque surdo e ele caiu no chão, apagado.

William segurava sua espada longa com as duas mãos e a brisa jogava alguns fios de cabelo em seus olhos quando ele ouviu os passos rápidos e desengonçados de alguém por trás. Idiota, você devia tentar ser mais silencioso. William girou sua espada com mais velocidade do que o pobre homem poderia prever, e ele só parou de correr em linha reta quando percebeu que não tinha mais três quartos de suas tripas, caindo duro em sua cara.

Antes do corpo do infeliz tocar o chão, William já estava girando para a esquerda, deixando que a lança estocasse o vento. Eles atacam de maneira óbvia demais. Acho que conseguiria dar cabo de cinco deles. Ele bloqueou duas estocadas com a espada, e na terceira tentativa do sujeito, William já havia percorrido metade da distância da lança com sua própria lâmina apontada para o estômago do ladrão, que foi tirado do chão com o impacto da guarda da espada contra seu corpo. William desencaixou a lâmina e o finalizou com um golpe limpo na nuca, garantindo uma morte pouco sofrida. Ele caminhou com pesar em seu coração e fez o mesmo no segundo homem.

Cinco agora...Eram o quarto e quinto homem que William havia matado em sua vida. Pobres imbecis, seguindo suas próprias naturezas e subjugando uma pessoa ferida. Nem todos se rendem tão fácil, principalmente Aaron Blumm.

Ele olhou por um instante para seu amigo, caído próximo à margem do rio. Guerreiro até o fim, hein? ele pensou antes de começar a seguir na direção do garoto para acordá-lo, mas antes do terceiro passo um Zuc surdo o impediu de prosseguir, com uma pontada forte através de seu braço esquerdo. Uma flecha.

Três arqueiros! Ele pensou antes de se jogar atrás de uma árvore e ouvir os impactos frustrados de três flechas no caule da grande árvore.

“Então... cê é fortinho, hein? Deve ter sido treinado bem, cês dois.” disse uma nova voz, mais aguda do que as outras. “Vamo ver o que tá dormindo. Vamo ver se ele foi treinado pra nadar apagado!”

William ignorou a flecha através de seu braço e correu de trás da árvore. “Não!”, ele gritou, mas era tarde demais, pois com um estrondo encharcado, o corpo de Aaron havia sumido sob as águas turbulentas do Rio Madeira. “Seu filho de uma puta! Seu filho de uma puta suja, eu vou fazer você beber toda a água desse rio!” William exclamou em fúria e olhou para trás.

Três arqueiros. Dois homens empunhavam machados, três com lança e um espadachim.


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Notas finais do capítulo

Comentários não são apenas bem vindos, como também são necessários para o desenvolvimento de uma narrativa progressiva como essa. Comentem, elogiem o que gostarem e XINGUEM o que odiarem! Sejam bem vindos ao mundo de Sperare!