A canção da Lua Vermelha escrita por Samuel Lua Vermelha


Capítulo 4
Caixão


Notas iniciais do capítulo

Demorou alguns dias, mas o quarto capítulo da história chegou. Vamos ver o que há dentro deste caixão. Espero que goste!

Música sugerida para acompanhar a leitura: Lana Del Rey - Blue Jeans.



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A gola da camisa apertava demais. Desconfortável, Victor se esforçava para não deixar transparecer sua vontade de fugir daquele lugar angustiante. O velório de Christian. Um salão grande, apinhado de gente. Na maioria, pessoas desconhecidas, outros empresários do ramo que vieram apenas por uma questão política.

Victor não tinha interesse nos assuntos a respeito da tal empresa do primo; na realidade, o rapaz sequer sabia de que tipo de empresa o primo dirigia. Definitivamente, a pessoa certa para assumir aquela responsabilidade não era Victor. Todavia, caso não tomasse a posição para si, Harley o faria. Uma mulher cruel. Talvez fosse Harley sua maior inimiga agora que Christian falecera.

A monotonia do ambiente caía pesada sobre Victor. Presenciar aquele mundo de pessoas com ares solenes, ao redor do caixão do defunto, trazia à lembrança do rapaz uma passagem de um livro chamado O Estrangeiro, escrito por Albert Camus.

Na história de Camus, o personagem principal também era obrigado a comparecer ao velório de uma pessoa na qual tinha pouco apreço. Só havia uma diferença entre a situação de Victor e a citada passagem do livro O Estrangeiro: Victor sempre detestou o primo e todos sabiam disso; ao passo que, na história de Albert Camus, o protagonista, com o mesmo sentimento de indiferença, velava a própria mãe.

Assim como na cena do livro, Victor aceitou uma xícara de café. Sentou-se ao lado de Fátima e ambos se olharam.

– Você está bem? – perguntou Fátima.

– Por que não estaria? – respondeu Victor.

A elegante mulher suspirou. Sentia-se cansada. Ao contrário do filho, que aparentava não se importar, ela continuava tensa, preocupada com o futuro de ambos. Sua cabeça doía. Decidiu que não pensaria mais no assunto. Fátima olhou em volta e percebeu que nenhum dos empresários derramara uma única lágrima por Christian. Ela também não.

Voltou-se para Victor, sentado na cadeira ao lado. Fazia muitos anos que não via o filho usando roupas sociais. Ele parecia mais sério do que de costume. No fundo, era um rapaz responsável, ela sabia. O comando da empresa não será tarefa impossível para ele. Fátima fez menção de falar alguma coisa, quando percebeu entre a multidão ali presente uma figura muito conhecida.

– Veja, filho – disse Fátima para Victor – Harley está aqui também.

– Eu sei – o rapaz respondeu.

– Já era de se esperar que viesse. Ela é apaixonada pelo Christian, chegaram a namorar por um tempo. Não sei por que terminaram o romance.

– Também não sei e nem quero saber – rebateu Victor, com uma expressão completamente indiferente.

– Afinal, por que você detesta tanto o seu primo, Victor? – Fátima questionou, olhando nos olhos de seu filho.

– Ora, que pergunta, mãe! – Victor retrucou, após dar mais um gole no café – Eu o odeio pelo que ele fez ao meu pai.

– Do que você está falando?

– Meu pai não ligava para mim, mas em compensação adorava o Christian. Eu passei minha vida inteira ouvindo o pai me colocar para baixo, dizendo que sou incapaz, que não presto, que ele não esperava nada vindo de mim. Já com o Christian a história era diferente. Eu sou filho dele, mas ele preferia o sobrinho! Eu me lembro. O pai vibrava a cada conquista do Christian. Quando aprendeu a andar de bicicleta, quando começou a fazer aquele curso de administração, quando conseguiu o primeiro emprego, até quando começou a namorar a Harley. Eu não tive esses carinhos. Nenhum deles. O pai dava presentes para o Christian, saía com ele. Agora eu... quem sou eu para receber essa consideração do pai?

– Então é isso – disse Fátima – Você ainda guarda o ressentimento...

– Não, mãe. Antes eu ligava, ficava com muita raiva disso. Mas já faz anos que não me preocupo mais. Na verdade, eu até compreendo a situação, o Christian não tem culpa de o pai ter bajulado tanto ele como fez.

– Ora, não entendi nada agora! Se você não culpa seu primo, então por que o odeia tanto?

– Eu o odeio pelo que aconteceu depois, mãe – Victor respondeu, voltando a beber mais um pouco do café – O pai não pretendia fazer aquela viagem para o interior. Ele estava doente, queria se tratar primeiro, mas o Christian bateu tanto na mesma tecla... O Christian obrigou meu pai a fazer a viagem, você se lembra, mãe! Aconteceu o que aconteceu por causa da insistência do meu primo, que ficou enchendo a cabeça do pai com besteiras. Isso eu não perdoo.

Naquele momento, Fátima compreendeu o verdadeiro motivo da angústia do filho. Por mais que o pai não tratasse Victor bem, o rapaz ainda o amava. Agora tudo fazia sentido. O filho culpava o primo pela morte do pai. E agora o primo também falecera. Christian se jogara da sacada de seu próprio apartamento, no décimo primeiro andar do prédio residencial. Tomara tal atitude logo após descobrir que havia contraído uma dívida muito superior à soma dos valores de todos os seus bens.

– Mas, Victor – a mãe começou – O que aconteceu com seu pai foi um acidente. Christian não sabia da doença. Seu pai era orgulhoso demais para deixar que o resto da família descobrisse. Ele é quem foi descuidado, porque sabia que viajar naquele estado poderia lhe deixar pior. Mesmo assim foi...

– Mãe, agora você também vai ficar do lado o Christian? – Victor proferiu as palavras com uma frieza cortante.

– Filho – Fátima respondeu, após um momento – Christian está morto... ali, naquele caixão. Entenda isso.

Victor não esperava por aquela resposta da mãe. Uma mulher direta. O rapaz se revirou na cadeira; estava pasmo com tudo aquilo, as palavras devastadoras da mãe, o pesado ambiente de velório, a morte do primo. Suspirou profundamente e, ao soltar o ar, sentiu uma inevitável gota escorrer pela face.


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