O Espírito da Minha Ex-Namorada escrita por Thalita Moraes


Capítulo 1
CAPÍTULO ÚNICO




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Aquela noite não tinha sido fácil para Guilherme Sanchez, mas nenhuma noite tem sido fácil desde que se separara com sua namorada.

Por mais que seus amigos o incentivassem para desistir de pensar naquilo e seguir em frente, Guilherme não podia. Ela não queria. Ainda se prendia a memória de sua namorada com todas as garras e unhas. Mesmo depois da última grande briga que tiveram.

Desde aquele dia de novembro, Guilherme nunca mais a viu. Foi como se Fernanda tivesse desaparecido do mundo. Até que ele recebeu a notícia.

"A Fernanda..." A voz do outro lado do telefone não parecia conseguir parar de soluçar. A voz embargada de tristeza pela perda da própria filha. As palavras demoraram a ser encontradas. "Ela morreu, Gui. Se matou num quarto de hotel. Você conhecia minha filha mais do que eu, porque ela faria isso? Porque ela estava naquele quarto de hotel em primeiro lugar? Você sabe, Guilherme?"

Era raro pra sua sogra, bom, ex-sogra chamá-lo pelo nome inteiro. E quando ela o fez, Guilherme sentiu seu corpo inteiro tremer.

"Eu não sei" Ele mentiu.

Ele sabia muito bem. Mas se recusava a dizer para sua sogra, não queria entristecê-la ainda mais.

A chamada foi desligada. Guilherme ainda estava chocado. Passou a mão no rosto, ainda não conseguindo acreditar em seus próprios ouvidos.

Fernanda... Ela tinha...

Uma explosão de raiva como ele nunca tinha sentido antes na sua vida esquentou seu peito e o fez se sentir obrigado a chutar a primeira coisa que visse pela frente. E lá se foi sua mesinha de canto, uma perna quebrada, as outras três apoiando o quarto canto para o chão.

Entrou em seu quarto, procurando por todas as coisas em seu armário que a lembrasse, jogando tudo em cima de sua cama. Seu caderno de desenhos, todas as folhas com o sorriso de Fernanda, seu rosto angelical e sorridente em cada uma das páginas. O recibo do primeiro urso de pelúcia que tinha comprado para ela, um urso marrom segurando um coração vermelho. Seu perfume favorito que ela tinha lhe dado de presente de aniversário de namoro. Um poema — muito mal elaborado — num pedaço de guardanapo manchado de cerveja.

"Rosas são vermelhas."

"Violetas são azuis."

"O poema não tem rima."

"Apenas uma forma meiga de te dizer 'eu te amo'."

Se ela o amasse, não teria desistido de sua própria vida. Não quando ele já tentou se matar diversas vezes e ela sempre foi aquela a segurá-lo. Ela sempre estava lá para ele quando ele voltava a amar a vida, quase tanto, ou até mais, como amava ela.

Guilherme sentou-se no chão, ao lado da porta aberta de seu armário, não conseguindo segurar mais.

Ele chorou de raiva.

Como ela pôde?

Ele ainda tinha tantas coisas a dizer, tantas coisas para perguntar. Tudo deixado para trás e ignorado por causa daquela última briga.

Então ele socou a porta de seu armário, tentando mais uma vez se livrar daquela raiva. Talvez o soco foi forte demais, pois a porta se fechou, mas logo caiu para frente, encima de sua cama e de todas as coisas que estavam ali. Nem um pouco significativo.

Ele suspirou.

Guilherme se levantou para olhar o estrago que causou. Suspirou alto. Então uma divisória caiu inesperadamente, assustando-o, fazendo-o deixar escapar um grito um tanto afeminado. Colocou a mão sobre o coração batendo rápido e se acalmou, repreendendo a si mesmo por ter gritado. "Seja homem" pensou consigo mesmo.

Junto com a divisória, caiu uma caixa de sapatos que ele nem fazia ideia de que estava ali. Talvez fosse de sua irmã, ele certamente se lembraria de ter colocado aquela caixa de sapatos Gabriela ali no armário. Afinal, aquele quarto uma vez foi de sua irmã mais velha, Isadora, antes dela ter sumido de sua cidade para fazer faculdade no exterior.

Dentro da caixa de sapatos, algo de couro. Curioso, Guilherme abriu a caixa.

Era um livro e tinha a aparência de antigo. Porque sua irmã teria algo como aquilo? Ele pegou o livro e começou a folhear, sentando-se ao lado da porta caída do armário.

Havia uma folha marcada, um título em negrito no começo da folha. "Feitiço de amor". Típico de sua irmã.

Folheou as páginas velhas com curiosidade, imaginando se alguma coisa ali era verdadeiro ou não. Não custava nada tentar. Bastava apenas encontrar alguma coisa interessante e que não fizesse perder sua alma.

E assim, ele esqueceu de Fernanda.

Por pouco tempo, até encontrar uma página com o título "Como invocar a alma de um espírito".

Um pensamento veio à mente.

Talvez ele pudesse fazer as perguntas que foram ignoradas, talvez ele tivesse uma segunda chance para falar com sua namorada.

Lógico que não era normal invocar o espírito de sua ex-namorada durante o luto. Mas quem liga?



Os argumentos eram sempre os mesmos. "Mantenha sua cabeça no jogo", "Para de pensar nisso", "Deixa de se preocupar", "Você ainda tem uma vida inteira pela frente" e o mais clichê de todos, "Ainda tem muitos peixes no oceano".

Como se ele não tivesse dito isso para si mesmo diversas vezes.

Desde que Guilherme decidira fazer aquele feitiço — que depois de algumas horas de pesquisa, ele descobriu ser de magia negra, mas àquele ponto ele não ligava mais — demorou cerca de uma semana para arranjar todos os ingredientes necessários. E, enquanto isso, ficara um pouco obcecado e numa hora momentânea de loucura, contara para um de seus amigos que ressuscitaria sua namorada.

Fabio não conseguia acreditar no que ele dizia, não acreditava naquele tipo de coisa, mas mesmo assim, não deixava de tentar incentivá-lo a desistir. Era claro que aquela era a maneira dele de enfrentar o luto.

Guilherme nunca encarara a morte ou perda em si. Suas avós e avôs estavam vivos e sua bisavó materna continuava firme e forte.

"Guilherme, deixa essa história quieta. Você obviamente não está bem" Fabio tentou.

"Eu estou bem"

"Não, você não está." Fabio, agarrou seu amigo pelos ombros e observou fundo em seus olhos. "Prometa-me que você não vai fazer isso. A Fernanda não merecia esse tipo de atenção de você. E, se merecia, não é depois de morta que você vai dar atenção para ela. Desapega."

Guilherme mordeu o lábio inferior, pensando nas palavras do amigo, ainda sem conseguir atingí-lo. Mas estava na hora de fazê-lo deixar de se preocupar. Estava começando a encher o saco.

"Prometo"

Mas ele estava mais uma vez mentindo.




Tudo em seu devido lugar, velas acesas. Demorou um pouco para Guilherme finalmente encontrar o hotel em que Fernanda tinha usado para se matar, mas não foi tão difícil. Afinal, bastava andar um pouco depois do bar em que brigaram feio.

Ela era tão previsível.

Guilherme disse as palavras do feitiço de invocação, lentamente, procurando tentar dizê-las corretamente. A chama da vela ao seu lado começou a tremer. Sua voz gaguejou, mas ele nunca parou.

Então, as palavras acabaram da página e o inesperado aconteceu.

Nada aconteceu.

Guilherme esperava uma explosão de fogo, ou uma luz branca ou algo do tipo para mostrar a ele que tinha dado certo, mas nada disso aconteceu.

Ele olhou ao seu redor, como se esperasse por ela. O livro tremia em suas mãos. Ele estava com medo, afinal, ele nunca tinha lidado com o sobrenatural antes.

"Fernanda?" Chamou, sua voz fraca. Apenas silêncio em retorno.
Nada, nenhuma voz, nenhuma aparência transparente, nenhum rosto no meio da escuridão. Suas mãos deixaram de tremer quando ele percebeu que ela não ia aparecer assim tão cedo.

Guilherme sentou-se na cama, apenas esperando o momento em que ela fosse aparecer.

Esperando.

Apenas esperando.

Até que ele caiu no sono e não percebeu.




Em seus sonhos, ele viu um rosto conhecido. O rosto que treinara seus traços de desenho mil vezes, sempre tentando imitar seu sorriso, nunca conseguindo. Um sorriso passou pelo rosto de Guilherme. Um nome que ele já tinha chamado mais de uma vez.

"Fernanda?"

Ela sorriu em resposta.

"Eu senti sua falta, Gui."

Guilherme correu para abraçá-la, não conseguindo acreditar em seus próprios olhos. Até mesmo o cheiro dela era o mesmo. Se era um sonho ou o paraíso, ele não sabia, e preferia deixar a pergunta em aberto.



No dia seguinte, os jornais revelavam uma notícia um tanto quanto interessante.

JOVEM MORRE QUEIMADO EM HOTEL ONDE SUA NAMORADA SE MATOU

E a pergunta ainda permanece em aberto.


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Notas finais do capítulo

Curtiram?
Bom, eu curti. Antes de escrever eu estava planejando outro final, mas a cheguei na hora de escrever e... bom, preferi esse final. :3

Aceito comentrios e crticas. :3