Orbis: Nascimento da Sombra escrita por BrunoCL


Capítulo 2
Capítulo 2: A noite recai sobre a sombra.




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Shado entrava pelo arco de madeira podre da entrada da cidade baixa. Apesar de Porto Prata e Porto Cinza serem partes diferentes de uma mesma cidade, as duas pareciam cidades totalmente diferentes, por dentro e por fora. Porto Prata era a cidade alta, onde se localizavam os ricos comerciantes e donos dos maiores pontos de pesca. Era cercada por paredões de pedra e banhados a prata, que separavam brutalmente as duas cidades, demonstrando a tamanha desigualdade existente na cidade. A cidade alta lembrava um castelo enorme, e era famosa por possuir a única escola de magia branca da região oeste de Redo, onde se formavam os mais poderosos magos da luz. Enfim, vocês perceberam a grandeza e destaque que a cidade alta possui, mas não pensem leitores que a cidade é perfeita, quer dizer, Porto Prata como estrutura é sim perfeita, mas talvez, o que a permeia e o que a recheia, não sejam exatamente a mesma perfeição e grandeza. Porque assim como no nosso mundo, costuma-se esconder as coisas que não gostamos de mostrar.

Porto Cinza era a cidade baixa, onde tentavam morar todos aqueles que não tinham nada ou quase nada, pois quem não possui matéria não tem títulos, seus títulos são eles mesmos, não precisam de definição, eles são a própria definição. Não era cercada por nada, não possuía paredes, pois o Rei da Cidade-Estado dizia que não possuíam recursos para cercar a cidade baixa, mas a verdade é que, para ele, Porto Cinza era só uma mazela que estava instalada entre o porto e a cidade alta, não se protege aquilo que não se importa... A cidade baixa vivia sendo atacada por animais e as feras dos mais variados tipos; elas eram domadas por Shado, que tinha a habilidade de conversar com elas, coisa que o fez ser considerado um herói naquele lugar. Porto Cinza parecia um conjunto de caixas de papelão, jogadas ao acaso sobre um solo sujo e quebrado, as pessoas viviam amontoadas ali, mas viviam felizes, uma amava a outra, como se fossem uma grande família, o calor não vinha de casas bem construídas ou de cobertores quentes, vinha do coração pobre e puro daquela gente. Na cidade baixa existia o Porto, o lugar que podia se dizer que tinha a mais bela aparência dali, era desse lugar que a cidade detinha sua maior forma de economia. Os reais tesouros, se me perguntam leitores, são as pessoas que ali vivem, são pobres por fora, mas a verdadeira riqueza vem de dentro, essa nunca se acaba, diferente da prata, que se desgasta e oxida com o tempo, sentimentos não acabam nunca quando são verdadeiros.

Shado se dirigia para o mercado de peixes localizado ao lado do porto, portanto teria de andar por um longo caminho entre as humildes moradias daquela favela que por si só, era maior em duas vezes que a cidade alta. Lá se encontrou com Sofos, o elfo.

Sofos era o único elfo que morava naquela cidade. Elfos são seres humanoides não muito diferentes dos moradores de Redo. Eles são mais altos que os seres humanos em geral, têm cerca de 2 metros para mais, no caso do nosso amigo Sofos, ele tem 2 metros e 30 centímetros. Eles têm uma capacidade enorme de aprendizado, aprendem muito e rapidamente, suas cabeças funcionam como verdadeiros trens-bala que nunca param. Os habitantes de Redo possuem uma duração de vida em média de uns 70 anos se eles são abastados de fortuna e sorte, já um pobre e mal tratado elfo pode viver cerca de 300 anos. Ninguém sabe quantos anos ao certo Sofos tem, mas todos sabem e têm a noção de que o mesmo é extremamente velho, pois é muito sábio e diz ter visto eventos antes da atual terceira era, portanto, ele deve ter ultrapassado os 300 anos facilmente. Elfos por possuírem uma mente poderosa, eles são sábios, ou grandes magos ou pessoas muito ricas e influentes, visto que Sofos é o único elfo conhecido naquela região que é pobre. A desvantagem dos elfos é que não possuem uma constituição física muito boa, são altos, mas possuem corpos fracos e desengonçados. Sofos era um elfo diferente. Ele era sim muito inteligente e muito alto, e sua pele tinha uma cor âmbar semelhante aos da sua raça, mas ele não pensava como elfos. Sabe-se que elfos não gostam muito dos habitantes de Redo, pois possuem ideologias e culturas muito diferentes, mas Sofos amava os humanos. Sofos gostava de reunir as criancinhas e os mais velhos de Porto Cinza para conversar, contar histórias e falar sobre seus ideais: sonhava com uma Porto Prata e Porto Cinza unidas, sonhava com um lugar melhor a sua volta, onde não se morria de fome com 5 anos, não se morria de doença aos 15 anos, não se morria tentando viver aos 30 e pudesse se viver além dos 40 anos. Sofos era gentil e compreensível com todos os moradores da cidade baixa, e nutria um sentimento de pai com todos os habitantes dali. De certo modo, tratava Shado como um filho quase que preferido, mas ninguém entendia a relação tão densa que os dois possuem, nem mesmo Shado, que era órfão e nunca havia conhecido seu pai ou sua mãe, via nele um pai que nunca teve. Sofos sempre quando estava com Shado parecia esconder algo muito importante. Em seu semblante se observava um olhar perdido que era mascarado pela alegria nos lábios quando via o menino.

Voltando a estória, Shado estava no porto para vender seus peixes frescos. O menino como num passa de mágica desbota um sorriso naquela tarde cansativa e diz surpreso para seu amigo elfo:

– Sofos! O que faz por aqui?

Sofos ao ver o menino alegre, já entende o motivo dele estar por ali, então o responde de maneira alegre e complacente:

– Oh meu filho! Vim fazer-lhe companhia. Venha, vamos vender seus peixes, por aqui...

E foram os dois amigos em direção à baia, onde quem esperava por eles era um franzino atendente de Porto Prata, que ao avistar os dois corpos de “ferrugens”; como eram chamados os habitantes da cidade baixa, já canalizou toda a sua fúria de um dia estressante de trabalho e disse gritando:

– Venham logo! Mexam essas bundas para cá! Já estamos fechando e vocês só atrasando a bela economia da minha cidade!

Ao se aproximarem para dar os peixes ao atendente, Shado recebe uma cusparada em seu rosto acompanhada de palavras nada agradáveis:

– É isso que chamam de peixe!? Essa droga só receberá 10 redis. Da próxima vez traga algo que eu não tenha como confundir com a merda de vocês!

As palavras e o gesto de escárnio feriram brutalmente a cabeça de Shado, que por um breve momento ameaçou avançar sobre o pescoço daquele homem em sua frente, mas Sofos o parou a tempo. O atendente fechando a cortina quase se esquece de depositar na bancada os míseros 10 redis. Shado coleta a pequena quantia e parte de cara feia após a humilhação que recebera. Sofos o segue com um olhar triste pelo ocorrido com o menino.

E lá se vão: um imenso elfo amarelado como o sol ao lado da figura enegrecida e encardida de Shado, os dois iam conversando, Shado indagou Sofos:

– Porque sempre somos tratados dessa forma pai?

E Sofos lhe respondeu de maneira clara e tranquila:

– Não somos preciosos como a prata, somos sujos como o cinza. Eles nos observam com olhos de joalheiros, e infelizmente, não nos olham com olhos humanos, meu querido filho.

Shado chutando uma pedra no caminho resmungou:

– Um dia irei fazê-los nos olhar como somos, e não como parecemos ser, te prometo pai!

Sofos o fitou nos olhos, e disse profundamente:

– Me prometa outra coisa meu filho, me prometa ser você mesmo até o final de sua jornada...

Shado não entendeu o que o velho elfo quis lhe dizer com aquelas palavras, mas sinceramente não deu muita importância, era um pai dando um conselho ao seu filho, só sentir que aquilo era um carinho de pai depois de um dia longo e cansativo, já era mais do que o menino poderia pedir, já se sentia melhor da voz esbravejante e da falta de respeito do atendente do porto, ouvir alguém que amamos, simplesmente resolve tudo em nossos dias ruins, não é mesmo leitor?

E a noite caia fria e pesada, sob as costas cansadas de Shado, quase que o chamando para um sono profundo, e Sofos o seguia, iluminando as sombras do menino, que pareciam se remexer mais intensamente dentro de seu coração...


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