Olhos Negros escrita por Mac Burn Diogenes


Capítulo 1
Olhos Negros




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Acordou com desejo de café. Não um café qualquer, mas de um grupo seleto de grãos que sabe terem sua origem em Santos. Um expresso, encorpado e de aroma forte, servido no Café Leopoldo, ponto bastante visitado no centro da cidade.

Levantou-se saudando aquela manhã suave, animado a ir ao centro e pensou que seu desejo fora despertado menos pelo sabor do café, tão apreciado, que pela cor vibrante que lhe cativou o olhar durante a noite. Os olhos negros que lhe enchiam de paixão e que velaram por ele até que o sono chegasse.

O lugar vazio na cama o fazia pensar se tudo não passara de fantasia, ou tivera ele de fato um romance como há muito tempo não esperava? Procurou rapidamente por evidências que pudessem confirmar suas expectativas. O livro de bolso, El Hacedor, de Borges, que comprou escrito em castelhano para aprimorar-se no aprendizado do idioma, poderia estar na mesinha próximo à cama. Ela o tem lido a noite, mas ontem namoraram e os delírios portenhos tiveram que esperar. Mas o livro não estava lá.

Quem sabe no banheiro não haveria duas escovas de dentes dentro do copo, ou um recado picante escrito com batom rubro no espelho, ou alguma peça íntima esquecida em algum lugar? Mas também estas coisas não estavam presentes. E nem deveriam necessariamente estar, pois não moravam juntos, apesar de compartilharem o quarto e cama eventualmente.

De fato, já sabia que não acordariam juntos, mas alegra-o imaginar que ao menos tenha ganhado um beijo delicado, desses dados cuidadosamente, quando se quer preservar o sono de quem se ama, saindo de mansinho. Imaginou se poderia levar isto com normalidade, suspirando pelos saudosos olhos negros, profundos, vívidos e cheios de cor. E se perguntava, resignado, por onde andarão?

Calçou o tênis para fazer a caminhada de quinze minutos até o metrô, que o levaria ao Largo Sete de Setembro, de onde poderia chegar ao café em mais cinco minutos. O acesso ao centro era relativamente rápido e era um dos motivos principais pelo qual mantinha o apartamento alugado na Liberdade. O clima estava um tanto frio e lembrou-se de levar a jaqueta e a boina.

Desceu de elevador os seis andares que lhe davam uma boa vista da zona sul da cidade e lembrou que umas noites atrás, conversaram assuntos triviais e pensou em lhe falar de amor, compromisso e mais intimidade, mas faltaram-lhe as palavras. A intensidade daqueles olhos negros sempre o deixava desconcertado e apesar de ter herdado da mãe o dom de julgar o caráter das pessoas, com ela tudo parecia incerto e não era capaz de adivinhar o menor dos seus pensamentos.

No saguão, perguntou ao porteiro se a vira sair logo cedo. Ele respondeu que ela saíra apressada, de casaco e que levava consigo duas malas. Com certa familiaridade continuou, dizendo que ela parecia contente e que enquanto aguardava o taxi, por duas vezes hesitou entre continuar ali ou regressar ao apartamento, caminhando até a porta do elevador, mas desistindo de chamá-lo.

Ouviu estas notícias como quem lê um jornal, sem aparente reação, mas algo por dentro o enchia de satisfação. Ao sair, precisou de um tempo para sentir a brisa fria de inverno e olhava o céu repleto de nuvens. Foi-lhe possível ver um avião, que figurava minúsculo flutuando no espaço e imaginou que ela deveria estar em algum lugar entre São Paulo e Fortaleza, sempre atenta aos mínimos detalhes, com sua docilidade cordial e aquele olhar cor de café.

Despediu-se desses pensamentos, mudando de esperança e caminhando com determinação. Guardou as mãos no bolso da jaqueta e um sorriso esperto no canto da boca. Na rua, havia movimento e a cidade exige seus próprios cuidados.


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