O despertador começou a tocar em um tom crescente, o que teria acordado a garota se ela tivesse dormido. Adhara desligou o despertador do celular, sentando-se no sofá. Já estava na hora de se arrumar para ir à escola e nada de seu pai voltar para casa. Decidiu que não valia a pena esperar, não era a primeira vez que ele virava a noite fora da casa.
Subiu para o quarto, a fim de colocar o uniforme e lavar o rosto. Quando descia para a cozinha, ouviu a porta abrir. Passos pesados se seguiram, a porta bateu com força e o barulho de algo sendo quebrado, seguido por risadas abafadas. Ah, ele chegou. Ela colocou a mochila perto da escada e foi para a sala, para ajudar o pai.
— Vamos, eu já tenho que ir para a escola. O senhor consegue subir as escadas?
O homem balbuciava algo incompreensivo, olhando para a mão que sangrava. Uma olhada por cima do ombro, e Adhara viu um vaso quebrado no chão. Provavelmente ele se cortou ali. Ela colocou o braço dele por cima de seus ombros, ajudando-o a subir as escadas. O cheiro de álcool estava horrível, o peso dele em seus ombros fazia a caminhada mais difícil. Quando chegaram no segundo andar, ela o levou até o banheiro, colocando-o para dentro do box e ligando o chuveiro na água gelada. Ele caiu sentado no chão, o riso sumindo aos poucos.
Era sempre assim. Quase todos os dias da semana, ela passava por aquilo. Tinha de agradecer por ele não ter vomitado ou batido nela, como nas outras vezes. Mas ela tinha a sensação que é o que aconteceria se continuasse ali. Pegou algumas roupas dele e deixou em cima do vaso sanitário, desligando o chuveiro e ajudando-o a se secar. Ele estava quieto, praticamente dormindo em pé, o que facilitou. Trocou a camisa e a calça molhada por limpas, guiando-o até a cama. O deitou, deixando o corpo pesado afundar no colchão.
— Você tem... Os olhos da sua mãe...
Adhara o olhou por alguns instantes, sentindo o coração apertar. Começou a fazer curativos na mão dele, aproveitando que ele já estava roncando. Seu pai não tinha superado a partida de sua mãe, nunca superou. E descontava isso na garota. Toda a raiva reprimida, tristeza e indignação eram voltadas para Adhara. Um dos poucos momentos que ela se sentia segura era quando estava fora de casa. Mas sabia que ele não fazia aquilo por mal.
Após tomar o café da manhã e deixar algo preparado para seu pai comer quando recobrasse a consciência, ela finalmente foi para a escola. Encontrou com duas amigas no caminho, seguindo juntas para a escola, ouvindo as duas conversar sobre coisas aleatórias. Sentiu o corpo formigar. Uma senhora que conhecia desde pequena, dizia que podemos sentir o olhar de alguém. Era a sensação que tinha; alguém estava olhando para ela. Parou de caminhar e olhou para trás, vendo a rua vazia, o nascer do Sol começando a alcançar o topo das casas. Não tinha ninguém ali além dela e de suas amigas, então por que ainda tinha aquela sensação?