Os dias da Ira escrita por magg


Capítulo 3
Sem Volta


Notas iniciais do capítulo

Novos personagens se apresentam. Espero que gostem.



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1 Ano antes
Rússia (2011)

Uma pequena cidade a noroeste de São Petersburgo amanhecera triste e cinzenta naquele Inverno.

No pequeno porto de Vyborg, fronteira comercial com a Finlândia, as cabeças dos pescadores formavam minúsculos pontos entre os barcos à beira mar. Infelizmente naquele dia não se lançariam na baía. O clima estava cada vez mais rigoroso de Janeiro em Janeiro.

– Os anos passam e parece que nos querem cada vez mais gastos e estafados. Já nem temos dinheiro para combustível e o mar também não ajuda. Se custava muito a este retalho de água ingrato dar-nos peixe, não é um módico e singelo balde de peixe que nos vai alimentar as barrigas! – Protestava Roma Orloff, velho lobo-do-mar com uma criança de 8 anos de corpo pequeno e delgado.

O menino curvava-se diante da rede de pesca fingindo concerta-la. Contudo a sua cabeça loira de cabelos esvoaçantes procurava, perdida no areal, outra direcção.

O velho homem apercebendo-se do desinteresse da sua companhia olhou para cima das escarpas inteirando-se do motivo. Sorriu voltando para os seus afazeres, a musitar sozinho.

– Não sei o que vê esta criança numa mulher como ela… – Rabujava.

No olhar de Sasha uma mulher apressada, uma criança cambaleante pela mão e uma porta de café, aberta em urgência.

A mulher reconheceu de imediato a mesa, o rosto do homem que lhe oferecia um sorriso leve, num breve aceno. A cada passo certo que dava em direção a ele sentia as entranhas revirarem-se, em sobressalto. O corpo coberto por breves arrepios e não evitou sorrir de volta. Mais um esgar, do que um sorriso, que logo travou. Voou para a mesa onde o homem se encontrava.

– Valya, sei que dói tanto isto… – dizia a voz masculina que a esperava há já algum tempo. – Devagar o homem retirou as mãos pousadas na mesa e encaminhou uma de encontro ao rosto dela. Docemente, afagou-lhe os cabelos vermelhos, em desalinho.

– Não te quero demorar. Também não tenho muito tempo. – Interrompeu-o Valentyna Durnova, afastando a cabeça e retirando bruscamente a mão que pendia na dele, puxando-a para si. Os olhos castanhos fixados e frios, insensíveis, quase assombrados.

– Fica com a criancinha. É tua!

– Achei que já tínhamos discutido o assunto, eu não posso…sabes que parto hoje. - Contra atacava ele.


– És o único a quem a posso entregar, Ilya. Se nem tu a queres fica ciente que ainda hoje terei que matar com as minhas próprias mãos a tua filha… – Ripostava Valentyna, seca, corrosiva.

Aquela frase ecoava ao homem como obrigatória. Ilya nunca tinha visto num rosto tanta crueldade. Ela proferia as palavras como se deitasse para fora de si um peso acumulado.

Em desespero, cruzou novamente o olhar dela, lançando-lhe o seu, necessitado,suplicante.
– Não faças isso. Ainda vais a tempo, vem comigo!

A jovem mulher fingiu não escutar aquelas palavras. Fincou as mãos à mesa, levantou-se e já direita olhou para a menina que admirava extasiada os doces na vitrina do balcão.

O homem revirou-se na cadeira, e tomou-lhe o braço, fixando novamente os olhos nos dela, no âmbar profundo do seu olhar. Queria fugir-lhe, escapar-lhe, e mesmo assim, queria entregar-se ali mesmo, naquele chão infindo, com cheiro a terra, com brisa de mar. Respirou fundo, o tom de voz saía baixo, seguido da cabeça que a mirava, procurando nela, o seu porto, naqueles seus olhos, todas as forças, um refúgio, para continuar.
– última vez, Valentyna. Faço-te, pela última vez a proposta. Vem comigo. Nós ainda temos tempo, ainda há chances! Mas se saires por aquela porta, fica ciente que quando a bateres, será sem volta.

A jovem interrompeu-o, puxando bruscamente o braço. Lançou-lhe um olhar profundo. O derradeiro. Depois, dobrou a voz para o homem em tom inabalável:
– Sabes que adoro essses teus rompantes relapsos de romance juvenil - falou, irónica, de sorriso contruído no rosto. - Já eu sempre soube que nehuma das vezes que desaparecias pela minha porta era sem volta... adeus Ilya. – Espero que faças com ela melhor do que o que eu fiz.

Valentyna virava-lhe costas pela primeira vez. Já voltada abriu bruscamente a porta do café. Por ela saiu tal como entrara, Valentyna Durnova em desalinho. As mãos agora vazias, sentindo apenas entre os dedos que se fechavam o peso da sua escolha, do nada.

Na praia, os olhos de Sasha seguiram-na ávidos. Enquanto a figura da mulher se afastava dissolvida em perspectiva, não sabia estarem eles prestes a vê-la pela derradeira vez.

Roma precipitou-se para o café do outro lado da rua. O velho corria com as forças que tinha. Os pés afundavam-se na areia molhada. Os braços aflitos no ar chamavam estridentes.

– Lera, Lera – que se passa minha querida? – Tomou nos braços rudes uma menina de 3 anos que chorava em angústia. Prostrado na porta encontrava-se Ilya Andreev a suspirar de nervos.

– Seu idiota, que lhe fizeste? – Perguntava Roma, ainda esbaforido, acabado de chegar.

– Nada, seu velho azedo. Ela deixou-a comigo e saiu sem tensões de voltar. O que quer que faça? – ripostava Ilya estafado.

– Que sejas pai… cuidei dela até as forças não me deixarem e até aquela agoirenta encontrar outro tecto onde se esconder… – O velho Orloff entrepunha-se com tanta raiva que Ilya nem ousou responder.

A menina agitava-se nos seus braços aos brados, quase rouca. – Mamuska, mamuska…

– Dá-ma! – Pela primeira vez Ilya defrontava-o. – Já o devia ter feito há muito, a Valentyna não fez mais do que devia, deixar-te a apodrecer que é o que de melhor sabes fazer aos outros…mas hoje acordei para esta realidade na minha existência. - Dá-me a minha filha.

– Vocês os dois só causaram caos e destruição no que tocam, e vão fazê-lo com ela. – Continuava Orloff em carne viva.

Como se adivinhasse as palavras do outro, Ilya serenou-o, baixando a guarda.

– Ela vai ficar bem. Levo-a comigo. Nada lhe irá acontecer, prometo-te, meu velho. – O tom na voz já não era de desafio, mas de alguém que procurava no íntimo regeneração na verdade.

Roma beijou os cabelos avermelhados da pequena e entregou-a a contragosto. Via-a afastar-se a passos largos de si. Ficou ali parado, até que dela via apenas a mancha do seu casaquinho de lã azul diluir-se ao longe. A sua cabecinha desfazendo-se distante no fundo da ruela. Os ecos dos seus gritos infantis dissipando-se, agudos, nas entranhas do ancoradouro.

Orloff lançou-se para a praia, no areal onde dormia solitária a rede de pesca, apenas pegadas pequenas em direcção à estrada.

– Sasha… Esqueci-me do Sasha! – Conseguiu proferir em choque o velho pescador.

Percorria todos os recantos da praia que conhecia como a palma das suas mãos engelhadas.

Subia e descia as escadas do cais, perguntando a tremer a quem passava se tinham visto o pequeno. Batera em todas as portas de cada casa, percorrendo o itinerário até onde foi capaz de avançar.

Depois, já aturdido e confuso, o seu corpo velho demais para acompanhar o espírito vacilante, sentou-se no barquinho de pesca, propriedade de há tantos e tantos anos. Todos tinham comprado barcos mais leves e modernos, capazes de fazer grandes travessias no imenso mar agitado. Mas Orloff mantivera-se fiel ao seu, tão velho quanto ele.

– Quantos anos palmilhámos estas milhas, hã? E não me consegues dizer onde se enfiou aquele miúdo? - Roma passava a mão no barco como se o acariciasse, tocava em cada canto daquele pedaço de madeira azul e branco. Sentia os seus nós de encontro a sua pele áspera e seca. Encostou a face na borda do barco e suspirou, leve, desalentado.

– Sou um cobarde…primeiro deixo-a ir, e agora não sou capaz de me alçar daqui e procurá-lo. Acho que só me restas tu, o meu único e eterno amor… – Orloff gemia baixinho como se cantasse. As luzes das casas acendiam-se e nem rasto de Sasha.

Os olhos pesavam-lhe e a alma doía-lhe tanto que se esquecia dos ossos que arqueavam de cansaço. Adormeceu mesmo ali, no barco seu recanto de menino.

Sonhou que era novo, que percorria ainda forte as ruas de Vyborg como um soldado invencível. Lembrou-se dela. Da doçura com que dizia o seu nome e dos olhos que o esperavam, expectantes. Tinha-a ali de novo, tão próxima e real. Estendia-lhe a mão, procurando alcançá-la. Aos poucos a figura esbelta de mulher escorria-lhe dos dedos.

Tinha frio, abriu os olhos e ao seu lado um sorriso franzino cumprimentava-o, galhofeiro no raiar da aurora.

– Sasha…seu peste! Onde te meteste?

– Eu estive em casa dela…foi-se embora sem volta, sabes? Deixaste-me sozinho na praia e eu vi a Va/…

As palavras do pequeno foram cortadas pelo som estridente da mão de Orloff que voou para a sua face. Os olhos velhos fumegavam de raiva. Descontrolado Roma pegou a criança por um braço e arrastou-o pelas vielas até à pequena casa térrea onde vivia.

Indiferente aos finos gritos de criança gritava como se a voz saísse do mais fundo de si.

– Nunca mais, nunca mais repitas o nome dela na minha presença, entendes? Proíbo-te!

Ela matou os teus pais, matou-os percebes? – Orloff gaguejava, e crescia com uma pujança animal. Fervia por dentro e deitava para fora as palavras que o queimavam.
Agarrou os braços do menino, abanando-o, como um chocalho.
– O que foste lá fazer? Falaste com ela? O que é que ela te disse, a agoirenta?


A dor penetrava em cada centímetro do corpo leve e ofegante da criança, mas Sasha não falava.
– Nada, ela nem me viu...eu... aquele homem careca estava lá. Ela fez o que tinha que ser feito.

– NADA, nada do que ela fez ou faz é o que devia ser feito.

O menino contorceu-se, em si, a raiva calou-o e instalou-se rancorosa no seu coração infantil. Não falaria. Nunca mais. Por muito que o corpo lhe gritasse de indignação e o sangue lhe escorresse dos braços a tentá-lo, aquilo que os seus olhos viram valeria sempre a pena. Guardaria para sempre na memória o dia em que ainda pequeno entrara furtivo na casa de Valentyna Dornova. A sua antiga morada. Agora ela procurava novos portos. Quantos já havia palmilhado? Quantos lares já teria ela abandonado, levando no olhar aquele tom triste, que a minava, de mansinho, desenhando-a em linhas cada vez mais esbatidas, em contornos cada vez mais fracos e imprecisos. Não. Não falaria. O que os olhos de Sasha viram, palavra alguma poderia abranger.

****

No prédio amarelado de telhado cónico, já nada lhe parecia igual. Deixou-se repousar nos conhecidos sofás castanhos de napa, a pele arrepiando-se no confronto das texturas. Tudo ali se assemelhava estranho e distante. Tinha cheiro de casa, do paraíso constante, de conhecido, de recanto que lhe havia devolvido um lar. Como poderia tudo parecer-lhe tão ínfimo e distante? Seria o corpo a despedir-se, a libertar-se dos meandros de um trecho curto, de que agora tinha que abdicar? Tudo era assim na sua vida, breve, incompleto, irreal. Como ela quando chegara fantasma sem nome àquela terra, como quando acreditou que poderia despir de si as suas vestes, o peso da morte.
Não, não era saudade. Era reflexo, dor, lembrança? Eram rostos desconexos que avistava, caleidoscópicos, na sua memória. Factos que intuía, que a remexiam, mesmo sem querer, quase sem pensar...
Ainda as palavras de Viko, a cabeça careca e avantajada levantada, indagando-a, horas antes.
– Deixa- a vir comigo, sabes que tratarei dela, estará segura...- Quase suplicava.
A voz dela soou-lhe, crua, aguda. - Não me interessa que esteja segura...
– Tens a certeza da tua escolha, Valentyna?
E o aceno da cabeça ruiva manifestou-se, afirmativo.
E Viko, saía. Acreditara no artifício da mentira. Fingia?

Ela levou as mãos ao rosto, subindo-as à testa, arranjando o cabelo levemente cacheado, sempre em desalinho. Inspirou profundamente aquele cheiro. O cheiro de casa, da sua casa. Sentia o coração bater, desregulado, em ânsias, mas trinado num alívio que a arrebatava. Deixou-se guiar por ele. Fechou os olhos e, ali, onde as memórias repousam sem luz, começava a desvendar um sentindo...

–----------

2008

O menino de 5 anos entrava revolto, os olhos vermelhos do choro, os dedos levemente arroxeados pelo frio instalado, mas não o sentia, deixava-o lá fora, no mundo, lá longe...
Puxava, aflito o homem, que deixando-se arrastar pela pressa ansiosa do pequeno, cambaleava. Ao subir o último degrau da pequena escada de madeira de acesso ao sotão, o pequeno largou-lhe a mão, e o homem sentia-o ofegar, quando o viu entrar na pequena divisão.
– Está aqui, depressa... - falou o pequeno. - a mão dançava no ar, chamando-o, urgente, para que o outro terminasse de subir.
Quando a viu ali, o corpo estendido, inerte, desacordada, também ele percebeu porque o mundo lá fora não existia, porque já não sentia o frio. Apenas aquele rosto pálido na silhueta vulnerável da mulher, contorceu-se, como se fosse sua aquela dor, e juntou as suas, às preces do menino.
– Valya, querida, meu amor... - sem se aperceber, aquele nome que lhe trilhava as entranhas, sempre que a via, já tinha sido proferido, aquele corpo que o dilacerava, lentamente, colado ao seu, estirado contra si, num severo abandono.
– Este tempo todo estiveram sempre... aqui? - Levantou o queixo que repousava na cabeça dela, desviando o olhar para o menino. - Sasha, responde-me, estivam escondidos aqui?
Os olhos azuis pálidos da criança encontraram o chão, procurando esconder a vergonha, não respondeu, chorava agora, num soluço quase imperceptível...
Ao sentir o corpo quente conhecido, os olhos de terra fincaram os esverdeados, pareceram ganhar um pequeno assomo de vida.
– Ilya...- sussurou, antes de voltarem a sucumbir ao peso asténico que os aturdia.
– Tu és médico, ajuda-a! Vais salva-la, não vais?

–--------------

2000

«Sempre, encontrei-te e hei-de encontrar-te, sempre. Onde quer que estejas...»

Estavam deitados no areal da praia de Vyborg, ela, que olhava distraidamente o céu sem sol e dava formas e nomes às nuvens que rodavam passageiras, virou-se de lado, frente a frente com o rosto do outro, o sorriso iluminado tomou-o de espanto, devolvendo-o, puro, sincero. - Encontraste-me? - questionou-a, mais por piada, do que por dúvida.
Ela gargalhou, timidamente, tapando a boca com a mão...- Tu não percebes, mesmo pois não?
Ele sentou-se na areia, enquanto ela permanecia deitada, enrolando mexas dos seus finos caracois ruivos com o dedo. - Vai ser sempre assim, encontrei-te e tu aceitaste-me. Encontro-te, de novo, tu salvas-me, eu salvo-te...
Ilya gargalhava agora também, continuando as falas que já sabia decor - Salvos no encontro...
E ela levantou-se, estendeu-lhe a mão marmórea, de dedos finos, ele sondava novamente aqueles pequenos pontos acastanhados no seu rosto de menina, tocando-os com os dedos curiosos aquelas sardas, contava-as uma a uma, desenhava os seus contornos, traçando linhas imaginárias, como um mapa. Até que se arrepiou ao sentir a mão fria dela poisar nas suas costas, puxando-o para si. Os olhos viajaram inteiros para os dela, numa entrega total. Até que a fina boca rúbea de lábios dóceis e macios tomou-o para ela. Beijavam-se como se fosse a primeira vez, fitavam-se. - ...acho que me perdi... - Falou, entre risos. É impossível olhar-te e ainda assim dizer algo que faça sentido no final...essa tua expressão...- dizia - só tu consegues fazer algo assim.
–------------
Tomou-a nos braços, levantou-se e conduziu-os pelas escadas, novamente, até à saída. A neve caía-lhes agora nos corpos quentes e parecia ensopa-los. O amor não era cego, pensou. Apenas estúpido...mais do que amar alguém, todos precisam de alguém que tenha carne para abraçar, por quem se sacrifique e espere igual. Ele não, tinha encontrado a sua razão na mais profunda solidão.
E quando se apercebeu, tinha conduzido o carro até ao posto hospitalar, de uma forma autómata, maquinal. O corpo dela deitado já sobre a maca fria, enquanto os profissionais de saúde lhe retiravam apressadamente a roupa, oscultando-lhe o coração, descendo até ao ventre predominante da jovem, que se contorcia, mesmo desacordada. Os olhos de Ilya navegaram até ali, prescrutavam as veias arroxeadas saliente no ventre duro, e chorava agora, também, imerso no medo, que ela se fosse embora, e finalmente ele não tivesse mais nada a perder...
até que
– Ilya? - ouviu um colega chamar - Ainda está com vida, aliás, ambos estão, vamos operá-la agora, queres participar?
E via-a novamente, o rosto pálido sobre os lençois desbotados. Tinha-a resgatado para a vida, a ela...e à filha. Dormiam inocentes, ambas.
Ali, naquele quarto de hospital, durante as horas em que velou o seu sono, apercebeu-se. Tinha saudades de adormecer com ela e de a acordar, também, vendo todo o seu corpo espreguiçar-se
e,
ela espreguiçava-se, debilmente. Os olhos abriram, devagar, e encontrou os dele, dela tão familiares.
– Bem vinda. - Saudou-a. Podia, respirar de alívio
A boca seca e pastosa formou um sorriso fraco, cálido. - Obrigada. Formulou, com as pouca forças que possuía, antes de voltar a fechar os olhos.
Ilya levantou-se, pegou na menina que dormia no berço de hospital e deitou-a ao lado dela.
Ao sentir o corpo tenro e pequeno, ela exalou o cheiro característico de bebé, pegou-lhe na pequena mãozinha cor de rosa.
e de novo
aquele esgar ténue de felicidade. - Salvaste-me! - Disse. E voltou a adormecer, agora mais plena, com ele a guadar-lhe os sonhos e a filha nos braços.
então
tinha vontade de a beijar de novo, saudades de saber que ela o ia beijar, desejo que os seus mamilos ardessem de novo, e que voltasse a sugar-lhe o sangue
Estudara em fisiologia que o músculo cardíaco quando morre, apenas cicatriza e não recupera jamais, não queria voltar a ter um coração funcionante, pelo menos não para amar outro alguém que não ela. Os cloroplastos não se escondem do microscópio, mas ao amor, a esse ninguém o vê...

–---------------
Libertou-se dos seus pensamentos quando sentiu ao longe o cheiro, a presença. Valentyna levantou-se do sofá, encerrando as memórias nas quais se fizera mulher, e antes que soasse, abriu a porta, encontrando o homem anafado de braço estendido, em direção à campaínha. O rosto avermelhado, debruado a suor, fitava-a, incrédulo.
– Incrível...incrível...! Sempre informada, sempre a par do que vai acontecer. Esse seu dom é realmente surpreendente! Então, cara Valentina, preparada para deixar de o ser?
A mulher deu-lhe um aceno afirmativo e ambos só se detiveram no lugar o tempo necessário para que a jovem batesse a porta. Aquela porta que se fechava. Mais uma. Outra.
As palavras do outro homem, as de horas antes, ainda lutavam, interiores. Tens a certeza da tua escolha?
E nela, apenas a certeza que, outra vez, o caminho se apresentava bifurcado, mas sem escolha. E no horizonte da viagem que fazia, outro rumo, neste, tinha a certeza que mais uma parte de si morreria. Talvez mirrasse, inteira? Sim, tudo se lhe afigurava certo. Era sem volta...


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