Aurora saiu do hospital apenas dois dias depois, o rosto consideravelmente menos inchado e a aparência melhor. Com a ajuda dos pais de Alice, foram buscar a mulher de carro e chegaram em casa ao entardecer. Deixaram a bolsa com as roupas na sala, juntamente com a caixa com as fotos e se jogaram no sofá logo após se despedirem dos pais de Alice.
Sophie e Aurora ficaram em silêncio por algum tempo, apenas observando seus reflexos na tela da TV. Normalmente, os momentos que passavam juntas eram assim, em silêncio. Antes da morte do marido, Aurora costumava ser mais comunicativa e mantinha uma relação forte com Sophie. Mas essa relação foi se perdendo aos poucos. Soph ainda tentou puxar algum assunto no começo, mas desistiu com o tempo, sabendo que só teria respostas monossilábicas – isso quando recebesse uma resposta.
Mas dessa vez, foi Aurora que tentou iniciar a conversa.
— A casa está bem limpa. Foi o dia da faxina?
— Sim. Aproveitei que você não estava e fiz uma limpeza geral.
Mais silêncio. Já era um começo, pelo menos.
— Sabe, eu não consegui chegar a metade do primeiro álbum lá no hospital sem cair no choro. O que acha de vermos agora?
Sophie olhou para ela e concordou com a cabeça, puxando a caixa de papelão para perto das duas e a abrindo. Há tempos que não via aquelas fotos. Era doloroso ver as fotos de seu pai, mas achava que já estava forte o suficiente para fitá-las sem chorar. Puxou o primeiro álbum passando a mão levemente para tirar o pó e o abriu – fotos do casamento de sua mãe e pai.
— Ah... Esse dia. Eu realmente achei que fosse dar tudo errado. O vestido rasgou, começou a chover, seu pai me viu com o vestido antes do casamento e eu entrei em pânico na hora de entrar na igreja. Mas seu pai estava lá, me acalmando, o tempo inteiro. Está vendo essa foto? — Ela apontou para uma fotografia em preto e branco, onde, ambos estavam visivelmente mais jovens, ela estava vestida de branco e chorando, e Robert, vestido com um terno, acariciava o rosto dela e sorria, os olhos formando pequenos traços pretos. — Eu nem sabia que tinham batido essa foto. Mas é, de todas, a minha favorita.
Soph ficou fitando a foto por alguns segundos, pensativa. Ela se lembrava de que, quando era pequena, olhava para aquelas fotos e tinha certeza de que queria ter um casamento como aquele quando crescesse. Eles pareciam tão felizes, o amor era evidente na expressão de cada um. Continuaram folheando o album, Aurora contava animadamente um pouquinho da história por traz de cada foto, recordando-se de alguns eventos vez ou outra.
— Mãe. — Respirou fundo, os olhos fixos em uma foto onde seu pai ria enquanto erguia um copo para a câmera. — Você o amava, não é?
Mais silêncio. Quando Sophie ergueu o rosto, viu a mãe sorrir, os olhos marejados. Mas ela não parecia triste.
— Eu ainda o amo, Soph. E ainda vou amá-lo por muito tempo.
A garota podia sentir os olhos ficando marejados também, ficando confusa. Tinha tantas perguntas que queria fazer para a mãe, mas tinha medo que, se a pressionasse, o assunto acabasse ali. E os céus sabiam o quanto ela estava apreciando aquele momento.
— Certo certo, para o próximo! — Aurora disse num tom animado, respirando fundo logo em seguida. Revirou a caixa, puxando um dos ultimos albums. Era um album de tamanho médio, cheio de fotos e com adesivos velhos de ursinhos colados na capa.
— Meu album! — Soph puxou o album de fotos da mão de Aurora. Ela se lembrava vagamente de ter um album como aquele, chegara a achar que o tinha perdido. Aurora tomou o album de volta e começou a folheá-lo, rindo e sorrindo a cada foto que via.
— Ah-Ah, era tão fofinha...
— E agora eu não sou?
— Não me faça falar a verdade, Soph.
— Ei!
Ambas riram, voltando a atenção para as fotos. Ali tinha fotos de Sophie brincando com bonecas, na lama, durante o banho e brincando com Nicholas, que estava incrivelmente fofo em um macacão jeans e uma camisa azul com a estampa de um urso. Soph fez uma nota mental de tirar uma cópia daquela foto e guardar para usar contra Nick no futuro, caso precisasse.
— Haha, veja essa! Você adorava esse menino, andava pra cima e pra baixo com ele. — Soph olhou para a foto, tirando-a do plastico protetor para poder observá-la mais de perto. Na foto, Sophie tinha uns quatro anos de idade e segurava uma das patas de seu ursinho de pelúcia favorito, assim como um adulto segura a mão de uma criança. Ao lado dela, segurando a outra pata do ursinho de pelúcia, tinha um garoto não muito mais velho do que ela, de cabelos escuros e com um casaco vermelho.
Instantaneamente, ela o reconheceu. Era o garoto de seus sonhos! Ela olhou para o rosto do garotinho atentamente, aproveitando a oportunidade já que não conseguia ver o rosto da criança no sonho, mas não tinha nada de especial. Ela sabia que conhecia aquele rosto de algum lugar, mas não tinha certeza se era por que conhecia o dono daquele rosto ou se era só por causa da lembrança.
— Você se lembra o nome dele? — Indagou, olhando fixamente para a sua mãe. Aurora olhou para o teto, pensativa.
— Hum... Eu não lembro... Ele raramente aparecia, mas quando aparecia, vocês brincavam bastante. Você o chamava de... Como era mesmo? Biel. É mesmo. Você ainda embolava muito quando falava, então o chamava desse jeito.
Sophie a olhou em silêncio, o coração começando a bater mais rápido por algum motivo. Biel. Gabriel. Era muita coincidência. Olhou para a foto novamente: a criança tinha traços que lembravam Gabe! Mas ainda não tinha certeza. A idéia de que Gabriel poderia ser o garoto de seus sonhos a causava uma sensação estranha. Precisaria confirmar, de algum modo.