Últimos escrita por Luke Theon


Capítulo 1
O ACIDENTE




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Ana Mitchell sempre se orgulhou da imagem de durona a qual era relacionada, e que definitivamente fazia sentido. Desde pequena, ela não deixava nada barato quando o assunto era de seu interesse. Foram incontáveis as vezes que sua mãe foi chamada no colégio por motivos de brigas e discussões, e por mais que as convocações no colégio fossem muitas, ela não se chateava com a filha, afinal, Ana só era daquele jeito devido ao pulso firme da mãe em sua educação. Ela criara a filha para jamais abaixar a cabeça para ninguém. “Nunca se deixe levar pelas vontades dos outros, Ana, pois se hoje você faz o que lhe ordenam, amanhã estarão pisando em você”, ela sempre dizia a filha quando esta era mais jovem. E Ana ouviu o conselho da mãe. Se algo não lhe agradava, ela não hesitava em confrontar quaisquer que fossem os impedimentos para conseguir que mudassem para algo mais justo. Muitos a criticaram ao longo da vida, chamando-a de egoísta, narcisista, e outros nomes mais, mas isso jamais a abalou, ela era muito mais do que as pessoas pensavam.

Ana não era a vilã, como muitos achavam, e por vezes ela tentava deixar bem claro isso. Ela não se via como uma pessoa má, apenas lutava pelo que achava ser necessário lutar e não aceitava qualquer imposição que lhe fizessem se não achasse aquilo era justo ou mesmo aceitável. Mas quando queria, Ana conseguia se relacionar bem com as pessoas, o que era uma vantagem para quem fosse seu amigo, pois ninguém tinha coragem de confrontar algum deles, pois saberiam que depois teriam de confrontar ela.

Ainda assim, essa característica certamente foi o fator primordial para dificultar que Ana não se relacionasse muito com os rapazes. Raros foram os relacionamentos, e os que aconteceram duraram pouquíssimo tempo. Com sua posição firme, qualquer situação era motivo de término, é aqueles que insistiam, logo eram derrotados pela personalidade forte da garota. Ninguém conseguia domar a fera.

Até ela conhecer Henry Mitchell.

Henry Mitchell era conhecido por ser um dos mais conceituados e respeitáveis cientistas da última década; especializado em genética, era reconhecido pelas importantes contribuições através de suas pesquisas na área da saúde, ainda com tão pouca idade. Ana o conhecera quando Henry participara de um importante congresso realizado no Brasil, a qual ele iria ministrar uma palestra. Sendo uma das mais inteligentes do curso de jornalismo, e conhecida por sua perspicácia, Ana foi a escolhida entre os muitos candidatos para realizar uma entrevista com o rapaz. Com toda sua sagacidade e agilidade, ela encantou o inglês logo de cara, e o sentimento era mútuo. Assim que Ana viu Henry, já soube o quanto ele era diferente de todos os outros homens que conhecera. Ele não parecia ligar muito para todo o status que lhe era dado e durante toda a entrevista deixou bem claro que sua maior motivação era ajudar as pessoas, o resto não era de grande importância.

Ainda que Ana não acreditasse nisso, não havia como negar que aquele encontro fora armado pelo destino, como uma forma de juntá-los. Quando menos perceberam, a entrevista evoluiu para um encontro, a viagem estendida para que pudessem ficar mais tempo juntos. A volta do jovem para Londres não impediu que mantivessem o relacionamento. E após um ano de namoro, veio o casamento.

Muitos disseram ser loucura. Mas essa era Ana, a loucura corria em suas veias; estava entre suas metas de vida. E após alguns meses, acabaram percebendo como aquilo tudo estava na verdade fazendo bem para ela. Henry, com jeito pacato, conseguira domá-la, como as más línguas diziam. E não era de todo mentira. Ana deixara para trás seus dias de confusão para dar lugar à esposa dedicada que se tornara. Ainda assim, ela era a mesma mulher de sempre, certas coisas não mudam; Ana não abriria mão de suas vontades mesmo estando casada. E uma delas era que não se mudaria. Henry paciente, não implicava com o jeito da esposa e aceitara o pedido. Ela era muito mais que aquilo e não seria alguns aspectos que o fariam desistir de seu amor.

Henry se mudou para o Brasil levando seu trabalho junto, pelo menos aqueles que ele poderia. Estava à frente nas pesquisas para uma nova vacina; um projeto executado secretamente para não haver especulação midiática, como ele mesmo dissera a Ana, como uma forma de explicar o motivo de suas constantes viagens. Ele teria de se desdobrar entre Brasil e Londres por um tempo, pois como era contratado pela organização não-governamental que custeava o projeto, não poderia deixá-lo. Ana entendia os motivos e aceitava. Até os gêmeos nascerem.

Eles vieram um ano e meio depois do casamento. Henry até tentou pedir dispensa do projeto, mas os financiadores o ameaçaram, dizendo que iriam destruir toda a carreira que ele construíra caso saísse. Ana ainda tentou persuadir o marido, usando o argumento de que eles não conseguiriam fazer aquilo, mas não adiantou.

Ana paralelamente, também consolidara uma carreira de sucesso como jornalista em um grande jornal, ocupando o cargo de editora chefe, impedindo que ela e os filhos se mudassem para Londres, como ela pretendeu algum tempo depois, de forma a ajudar o marido, quando viu a situação em que ele se encontrava. Ela percebeu como era duro para ele ter de largar os filhos de tempos em tempos por questões de trabalho; isso a magoava tanto quanto ele. Assim os gêmeos cresceram; sem grande contato com o pai. E já que não há nada ruim que não possa piorar tudo se agradou quando Ana recebeu a notícia.

Ela fazia compras quanto recebeu o telefonema de Richard Smith, o cientista que chefiava a pesquisa e colega de trabalho de seu marido. Ana não quis acreditar no que o homem dizia, e só a muito custo, ele conseguiu convencê-la de que nada daquilo era brincadeira. Aquela notícia era real.

Um acidente ocorrerá no laboratório. Um dos experimentos, o mais arriscado e perigoso, dera errado. O incêndio resultante do incidente se alastrara, resultando em uma explosão que destruíra todo o prédio, matando todos os funcionários que trabalhavam no local na hora do desastre. Henry era um deles.

*****

Ana olhou novamente para o painel com os monitores acima dos guichês de informação. Já era a quinta vez que ela consultava o horário, mesmo já sabendo a resposta. Mas ela não conseguia ficar parada por muito tempo sem ter o que fazer por isso olhou de novo. Ela consultou o relógio de pulso: 19h45. O voo estava atrasado mais de quarenta minutos. Um absurdo.

Alguns minutos mais cedo, quando ela se encaminhou até o guichê de informações da companhia aérea em frente ao portão de embarque, o modo falsamente sorridente com que a funcionária lhe atendeu, sem responder sua pergunta do por que o atraso a irritou mais do que tudo. Ana sabia que aquele atraso não era culpa da mulher; ela deveria saber tanto quanto, mas isso não a impediu de se visualizar mentalmente dando um soco no rosto da funcionária, arrancando sangue de seu nariz. Sua mão formigou diante da possibilidade do ato. Entretanto ela sabia a quantidade de problemas que isso iria lhe resultar, por isso, em vez de partir para o ataque, simplesmente lançou um sorriso cínico para a funcionária, fazendo questão de deixá-lo o mais falso possível de modo que a mulher percebesse e se virou bufando de volta ao seu assento.

Agora, sentada em um dos vários bancos da sala de embarque, ela balançava as pernas impaciente, se remexendo no assento, que apesar de forrado com um tecido grosso, não conseguia diminuir a sensação desconfortável de frio que o metal da cadeira produzia.

Nas cadeiras ao lado, que compunham o banco onde estava sentada, os gêmeos dormiam, abraçados, cada um, em um bicho de pelúcia. Os corpos pequenos encolhidos no pequeno espaço, as cabeças, pendiam inertes, apoiadas no encosto. Mechas cor de carvão lhes caíam na testa, o que fez Ana se lembrar de Henry, com seus cabelos exatamente iguais aos dos filhos. Os dois garotos haviam puxado quase que completamente as características do pai. O cabelo muito preto, o maxilar quadrado e definido, o nariz longo e a pele muito branca. Dela, se assemelhavam apenas os olhos; cinzentos e profundos, bem diferentes dos de Henry, verdes e muito vívidos. Como todos diziam, não fossem os olhos dos garotos, exatamente iguais aos de Ana, era possível dizer que eles não eram seus filhos.

Sua família foi contra ela levar os meninos junto, mas foi impossível fazê-la mudar de idéia. O pai deles era o motivo da viagem. Para acertar todas as questões necessárias, uma delas era o enterro. Segundo a lei, como esposa, era considerada a mais próxima da vítima, até mais que os pais dele, tornando-a então a responsável para tomar todas as decisões e a única autorizada a decidir como e o que seria feito. No momento em que lhe foi comunicado isso, Ana tinha certeza de que uma coisa era não poderia mudar, a vontade dos pais de Henry; em enterrá-lo em sua terra natal. Ainda que ela não precisasse, Ana sentia que devia isso a eles. Seu filho já lhes tinha sido tomado, ela não poderia tirar mais aquilo deles. Mas ela também queria que seus filhos participassem daquele momento, afinal, era o pai deles; como ela argumentara quando decidiu levá-los junto aquela viagem.

Ana foi retirada de seu devaneio quando um comunicado ressoou pela sala, comunicando que o mal tempo era o responsável pelo atraso de seu vôo, e pedindo a paciência de todos os passageiros. Ela suspirou irritada. Na outra ponta do banco, Luíza, sua irmã, abaixou a revista que lia; repousando-a nas coxas ajeitou-se no banco se espreguiçando.

Não conseguindo tirar da cabeça da filha a idéia de levar os netos, os pais de Ana a convenceram em deixar que sua irmã fosse junto com ela; assim, pelo menos ela teria ajuda com as crianças, já que diante dos assuntos que iria ter de resolver, provavelmente não teria cabeça para os filhos. Na hora em que os pais disseram isso, Ana se chateou com a afirmação, mas depois pensando melhor, percebeu que eles estavam certos e agradeceu pelos pais tão presentes e atentos.

O aviso sonoro ecoou novamente com a voz calma da funcionária da companhia aérea anunciando que o tempo havia melhorado e que o embarque estava autorizado a partir daquele momento. Uma onda de salva de palmas se espalhou pela sala de embarque diante do anúncio. Ana suspirou aliviada e se levantou arrumando a bagagem enquanto pegava um dos gêmeos no colo. Sua irmã estava com o outro, dormindo suavemente, apoiado em seus ombros. “Senhores passageiros, logo mais daremos início ao embarque do vôo 767 com destino a Londres. Por favor, queiram se dirigir ao portão K. Idosos, gestantes, deficientes físicos e pessoas com crianças de colo e clientes da linha Premium tem atendimento preferencial e devem formar uma fila à esquerda para embarque imediato”, a atendente pronunciou o comunicado decorado.

Ana seguiu para o portão K.


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