Frestas de uma alma escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 1
FRESTAS DE UMA ALMA




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Deitei na minha cama, o silêncio do quarto me passava um sensação reconfortante, olhei para parede, respirei fundo tentando sentir alguma fragrância anormal no ar, estagnei quando vi que as tentativas falhas eram apenas ações desenfreadas para buscar um outro alguém. Quando percebi que meus esforços não trariam nada, assinalei a última alternativa.
— Lutei as férias inteiras para não me render a ti.
— E por que?
— Demonstra minha extrema carência, só queria alguém que confrontasse as minhas ideias, que fizesse as minhas razões parecerem paradoxos, e agora, aqui estou eu, falando com as paredes.
— Não é nada para se envergonhar, dizem que a maioria dos escritores pensam melhor sozinhos.
— Quem disse isso está errado, sabe por que eu não consigo achar essa pessoa que entenda e me confronte? Ela pode estar na minha frente, trajando roupas escandalosas, todavia minha arrogância e egoísmo não deixam transparecer... Horrendo é descobrir isso no meio da puberdade.
— Já conheceu...
— Não, espera, desculpa... Pode continuar.
— Agora diga.
— Para mim há dois tipos de pessoas, aquelas que passam a vida tentando construir um futuro e aquelas que passam o tempo tentando reconstruir o passado. Aquelas que vivem em prol do adiante, do avante, procura novos ideais, obreiros nessa busca, sabem reconhecer o passado, não rebobinando ou nem ao menos esquecendo, essas pessoas sabem viver com ele em perfeita harmonia, sabem o real significado, o passado é para mostrar que as marcas são reais, e que se não fosse por elas, não estaríamos aqui agora. Os que vivem em busca do passado, não conseguem sair da sua zona de conforto, sempre arquitetando o mesmo castelo de cartas, e vendo ruir todo santo dia, mas não se importam, são reaças. Então surge a pergunta... Em qual quadro me enquadro? Ahh, há muito tempo me perdi entre os dois.
— Você nunca achou alguém? Que te entendesse de verdade?
(Silêncio)
(Baforada)
— Sim, é isso que realmente me atordoa. Todas que conheci, deixaram-me.
— Fale-me daquela que em estado verídico te atingiu implacavelmente.
— Implacável? Houve um encontro de jovens aqui em Ribeirão, foi sem dúvidas muito bom... No começo do evento a mediadora disse: “Se por acaso você se apaixonar aqui na COMENESP, combina de sair lá fora, aqui dentro é estudo, não quero ficar tirando todo mundo do escurinho”, de primeira estância, achei tudo uma baboseira, eu desacreditado da vida, não via caminho além do estudo e desilusão. No primeiro dia de evento, conheci alguém, tão linda, tão despreparada, ela não queria admitir, mas tão frágil...
— Chore, não há problema.
— Eu sei, eu sei...
— Pode continuar se quiser.
— Tinha os mesmos gostos, no final do dia já estávamos completando as frases um do outro, no segundo dia tive a chance de ouro, aquela que todos os garotos esperam, e nem todos falham como eu. A tarde repleta, havíamos acabado de sair de uma atração, não havia ninguém do pátio e continuou assim por uma hora e meia, mais ou menos, adivinha? Ela riu tanto, contei os meus fatos engraçados, quando percebemos, estávamos nos encarando, apáticos, os nossos olhos brilhavam, feito estrelas cadentes. Ela até disse: “Já percebeu como é difícil conversar com alguém olhando nos olhos?”, ainda mais quando é encarando um pedaço caído do céu.
— Nossa, Davi. Você fala dela com um certo teor apaixonado. Qualquer garota fica inebriada com essas palavras.
— Fiz tantas frases para ela, senti realmente o amor. Seu sorriso é radiante, deveria ter visto, ela parece muito mais bela quando sorri felizarda. No meio da conversa, chegou um garotinho, tinha lá seus nove anos, devia estar nos observando, de longe, depois de contar suas ninharias para gente perguntou com certo êxtase nas palavras: “Você gosta dela, não é?”. Poxa, eu deveria ter dito tudo naquela hora, foi a tal da chance, “Sim, sim, eu a amo, nunca conheci alguém assim! Ela é linda, incrível...”, mas não saiu nada... Nada, oh senhor Deus, nada.
— Como foi a despedida?
— Quer me trincar, né? Chorei amargurado nos seus braços, feito um bebê. Com a possibilidade de nunca mais vê-la....
— Mas então, encontraram-se de novo?
(Fechar de olhos, abrir dos lábios)
— Até hoje não, não sei o que aconteceu com ela. Porém não me impressiona.
— Não?
— Todas as pessoas que amei de verdade partiram.
— Não seja hipócrita.
— É isso que eu sou? Um escritor catatônico, dividido entre o real e o utópico? Trocávamos mensagens virtuais, então em uma certa semana nunca mais recebi uma resposta, mandei alguns e-mails desesperados, mas nada, ela simplesmente sumiu, feito fumaça tornou-se o meu oxigênio. Sabe por onde ela anda? Daria tudo para saber. Será que se apaixonou? Decidiu se desligar de afeições impróprias? Passei uma noite inteira inventando hipóteses. Fiquei imaginando eu chegando no outro encontro de jovens, em outra cidade, e indo perguntar para o grupo conhecido, por ela, e então eles diriam: “Você está zuando cara? Ela morreu, faz mais de um mês”, e então eu ficaria abalado, desolado como sempre fui, ainda mais fundo e confundido com a obscuridade dos lugares. E ainda teve continuidade, sou um perfeito louco mesmo... Ele poderia ter falado a verdade e eu continuava melancólico tornando o âmbito lúgubre, ou ele poderia ter mentido, e eu a abraçava chorando litros quando a revesse, levantava-a ao alto, agradecendo a Deus. Não existe benefício nessa dúvida.
— Você está melhorando quanto a isso, não está preso a essas concepções, anda a procura de outro alguém, quem sabe acha.
— Eu espero, quando para de procurar alguma coisa, é quando se acha, já dizia minha mãe.
— Por que você simplesmente não fecha os olhos e dorme? Já passa das três, Davi.
— Quando fecho meus olhos, vejo-me forçado a olhar a escuridão que há dentro de mim.
— Todos somos formados por escuridão e luz. Já percebeu como os nossos olhos estranham as luzes? E como ficamos com fobia em plena penumbra?
— Há conotações filosóficas e explicações cientificas para isso.
— Fale.
— Homens habituados as trevas estranham as luzes, isso é fato. A penumbra nos remete o mal, e a sombra endiabrada que habita os homens, são frutos de nós, não foram introduzidos, nós fermentamos o alimento que queremos e alimentamos o cordeiro ou o lobo que mais preferir... Ainda me pergunto se procuro algo que infle meu ego, e corrompa o que ainda de bom exerce em mim, ou algo que dope a maldade, suprima-a, que transforme a solidão e o breu em playground, não sei se quero experimentar mais uma vez o véu da amargura e o copo de cólera, ou a auréola dourada que paira sobre os que procuram redenção.
— Você disse “mais uma vez”, já “experimentou” essas tais sensações?
— Já deixei os dois lados aflorarem, conheci uma garota que mostrou o quão longe posso ir com a perversidade e concupiscência não me importando com as consequências, e como já disse muito sobre ela, o meu lado bom que demonstra o melhor eu que pode ser despertado.
— Ao mesmo tempo que tem uma mente brilhante, parece ser atormentado diariamente pela sua perversão, e vontade de cometer atrocidades.
— Através de sonhos vi o que fui numa vida passada, um dono de prostíbulo que experimentava suas compras antes de dar e vender aos clientes.
— Tráfico de pessoas, prostituição, sexo... Você?
— Sou um coquetel com muitos ingredientes. Luto diariamente com esses empecilhos, a vontade consumada de masturbação, os olhares insidiosos insinuando atos obscenos ou forçados. O mundo inteiro gira em torno disso, queira eu ou não, no colégio o assunto é só esse, na rua, as roupas provocantes, tudo parece querer que eu estagne a minha evolução, todavia acredito que conforme cada grau da erraticidade as provas vão ficando cada vez mais mortíferas, e quando eu finalmente passar, estarei mais perto do mundo celeste. Imagine como seria recompensador conversar com alguém que entenda tudo que diz, use as mesmas palavras, que se indague com as mesmas perguntas.
— Você quer um clone seu, isso é impossível.
— Clone? O que você tem na cabeça? Quero alguém que não fuja no primeiro abate, quero alguém que possa deixar que eu entenda a humanidade, procuro uma porta grafada em cada medula para que eu possa profetizar e ao mesmo tempo perceber que tudo que prego é errado, quando eu ver o meu distúrbio de personalidade narcisista ser partido em três, então poderei sorrir com alegria e verdade. É pedir muito?
— Acredita mesmo nisso? Que há alguém tão danificado como você a procura das mesmas metas?
— Acredito assiduamente. Uns dias atrás, estava pensando em sair com um amigo, ir em um shopping, curtir um cinema, comer um lanche e desfilar com as roupas novas que ganhei. Primeiro fiquei muito feliz com a ideia, não tardou muito eu ser levado ao chão pelos meus próprios demônios... Ou virtudes. Fiquei pensando qual o intuito de sair se não for acrescentar algo para sua vida e só contribuir com o sistema capitalista, prefiro ostentar ideias, raciocinar sobre fatos quebradiços do que sair por ai contando anedotas, não que eu condene quem faça isso, sinceramente, o que eu mais fazia era isso, condenar e cometer o mesmo erro, cada qual com suas escolhas.
(Buzina de carro)
— Meus pais chegaram da festa, tenho que abrir para eles, e dormir, eles não podem ter certeza que sou tão sindrômico. Conversar sozinho é sempre algum sinal. Obrigado...
— Não é necessário agradecer.
— Tem razão, ou melhor, eu tenho razão.
Caminhando e cantando, seguindo a canção...

FIM
11/07/14


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