Arcano escrita por freckles


Capítulo 8
VIII — Arcano Nove


Notas iniciais do capítulo

Okay, eu sei. Passei muito - MAS MUITO TEMPO - sem escrever/postar. Há algumas razões para isso, mas elas estarão no final do capítulo. Se você tiver curiosidade, ou quiser tomar satisfação mesmo, leia huahauh
É isso, beijos :*



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Frio interno

Aquela noite foi massacrante. Ela não estava preparada para tanto frio, muito menos tinha condicionamento físico para andar grandes distâncias. Parecia que a floresta nunca iria acabar, parecia que eles estavam condenados a perambular eternamente ali: no escuro, no frio.

O corpo de Kiara parecia não querer responder aos seus desejos, mas sua mente estava a mil.

Parecia que ao sair daquele lugar sua mente clareara de uma forma que ela nunca havia sentido antes

Enquanto andava passo por passo, parecendo uma eternidade até a próxima árvore, observava os demais.

Adam carregava Laura, mas parecia estar passando mal de alguma forma, mesmo que não estivesse ferido aparentemente.

Katarina parecia estar guiando a todos em um ritmo implacável, mas seu passo estava desacelerando cada vez mais.

Ela estava ao lado de Eric e Arthur, a cada minuto se virava para observá-los. Sentia-se mal por Eric, mesmo que ele fosse fisicamente mais avantajado que ela, pois ele estava carregando Arthur há horas. Arthur nunca fora leve, sempre fora cheio de músculos.

Era olhou para o céu. Entre os pinheiros, o céu parecia mais escuro que nunca. Ela previu que logo a neve chegaria e ela não fazia ideia de como iria conseguir aguentar apenas com uma blusa térmica e botas normais.

Ela ouvia grunhidos cada vez mais constantes de Eric e, mesmo que de uma forma desnecessária, se culpava.

Por ser fraca; por ser covarde; por ser medrosa.

Por não ter acreditado em Sora.

Ela respirou fundo, lembrando de tudo. Memórias passavam como um turbilhão em sua mente: Sora no estacionamento, Kieran a encarando do outro lado do vidro, Eric a sufocando contra a parede, seus pais a sedando. Seu irmão a abraçando. O corvo.

A sensação cálida e cansativa das lágrimas pelo menos a ajudou a sentir um pouco de calor.

Ela andava já não mais sentindo suas pernas. Seu corpo estava tenso, seu pescoço parecia estar travado no lugar e após chorar sentia que seus dentes iam começar a bater em qualquer momento.

— Olhem! — ouviu a exclamação de Katarina com certa surpresa e olhou para onde a mesma apontava a lanterna.

Uma caverna.

— Cuidado. — de repente desperta, Kiara avançou para parar o passo de Katarina em direção ao lugar escuro.

— O que é agora? — Katarina soltou seu braço das mãos de Kiara com certa agressividade.

— Animais se escondem nessas cavernas durante o inverno pra hibernar. — Kiara olhou cautelosa para a caverna. — não é seguro ficarmos aqui também, podem nos achar a qualquer momento. Não temos nenhuma ideia se há câmeras do lado de fora da muralha, se há sensores de calor ou qualquer outra coisa maluca.

— Então o que ‘cê sugere? — Katarina cruzou os braços, Kiara percebeu que ela estava tremendo também. — a gente morrer de frio? De que adianta essa merda toda se for ‘pra gente morrer de frio?

— De que adiantaria isso tudo se for para morremos sendo comidos por algum animal? — Kiara argumentou com a cabeça a latejar.

— Como ‘cê sabe disso? — Katarina gesticulou indignada. — eu nem sabia que tinham animais fora de lá!

Kiara desviou os olhos.

Lembrou da antiga enciclopédia animal que Kieran havia lhe dado de presente surpresa. Não queria, mas lembrou de cada detalhe: sobre como ele sabia que animais como aqueles ainda existiam — mesmo que em menor diversidade e tamanho — e mesmo assim fingiu estar tão surpreso quando Kiara ao ver as imagens e os detalhes sobre eles; sobre o quão feliz ela havia ficado ao ver que ele se importava com seu gosto por biologia e curiosidade; sobre ele ter — supostamente — se arriscado ao pegar o livro da parte confidencial da biblioteca.

E agora ela se perguntava: por que a biblioteca deveria ter uma parte confidencial? Como ela poderia ser tão burra ao ponto de não se importar com aquilo?

Lembrou por último daquele sorriso que parecia tão verdadeiro.

Mas ela sabia que, no fundo, ele a enxergava como uma pobre menina ignorante e inocente. Um sorriso de pena. Um sorriso que se dá a um animal quando faz um ato bonitinho e idiota.

— Sabendo. Confie em mim, você continua não tendo ideia dos animais que existem aqui fora. — Kiara olhou para Eric que parecia estar morrendo por uma dose de analgésico e Artur que parecia estar apenas morrendo.

Ela engoliu em seco e resignou-se.

— Espere aqui. — pediu antes de avançar para dentro do lugar.

Seu coração parecia fazer mais barulho que seus passos no chão terroso. A caverna parecia estranhamente circular e alheia. Ela se guiava com as mãos na parede da caverna e a luz da lanterna era inesperadamente fraca, apenas servia para que ela não tropeçasse em alguma pedra.

Andou e andou, parecia que nunca acabaria e que quando chegasse ao fundo iria encontrar um urso de verdade ou uma matilha de lobos. A morte.

Quando a caverna acabou em o que pareceu um desabamento de rochas do teto, ela se preocupou se aquele lugar não cairia em suas cabeças.

Olhou para o chão quando percebeu algo brilhar sob poeira e folhas mortas, encontrando um pedaço de metal. Abaixou-se e espanou o chão vendo uma tira grossa e contínua de metal que parecia chegar até a entrada.

Espanou mais e viu que eram duas tiras de metal paralelas e gastas, entre elas haviam pedaços de madeira também paralelos entre si. Algo clicou em sua mente e se lembrou de um brinquedo no quarto de Kieran.

Trilhos. Trilhos de trem.

Ela olhou novamente para as rochas e franziu sua testa. E se aquele trilho levasse até a sua casa? Então, se seguisse aquele caminho para o lado oposto ao de sua casa, talvez encontrasse outros lugares. Lembrou-se que antigamente as pessoas usassem esses trilhos para se comunicar de um lugar distante para outro.

Kieran havia dito a ela que trens são incrivelmente rápidos, mais que as motos que eram fabricadas em sua cidade ou seus carros.

Kiara resolveu manter-se calada sobre a descoberta, apenas apressou o passo sentindo seus pés latejarem.

— Não tem nada aí dentro, mas não vão muito longe. — comunicou aos outros que rapidamente entraram na cavidade.

Eles acenderam uma fogueira e Kiara rapidamente foi cuidar do ferimento de Arthur. Ela abriu as bandagens e limpou a ferida como pôde. Para ela parecia muito aberta e continuava a sangrar em um ritmo bastante alarmante. Então ela se lembrou de algo que ficara muito no seu passado.

Certa vez seu irmão tinha machucado a cabeça ao deslizar e cair na ponta da mesa. Quando ele voltou para casa, ele tinha sido costurado.

Ela olhou para o ferimento aberto e sentiu as lágrimas saírem livremente de seus olhos.

Sua cabeça doía absurdamente, seu corpo parecia estar entorpecido. Soluçou e secou suas lágrimas rapidamente.

Mexeu naquele kit, agora sabendo pra quê serviam a agulha torta e linha grossa. Lavou seus braços e mãos cuidadosamente com álcool e soro, respirou fundo sentindo que estava sendo assistida por todos e tentou parar de tremer ao colocar a linha na agulha.

Olhou para o rosto pálido de Arthur. Mesmo desmaiado ele parecia estar sentindo muita dor.

Ela sabia que haviam anestésicos ali, mas ela não fazia ideia da dose que deveria ser dada ou como seria administrado.

— Perdão. — sussurrou para ele antes de enfiar a agulha em sua pele. O sentiu se contorcer e pela visão periférica viu Katarina cobrir os olhos de Laura.

O trabalho era sangrento e Kiara nunca pensou que teria tamanho sangue frio para costurar uma pessoa. Quando terminou de enfaixar o ferimento suturado se afastou sentido as lágrimas se misturarem com o suor. Tremendo, lavou suas mãos o melhor que pôde.

Foi tratar de Eric, que parecia ter feito um trabalho bem ruim na própria ferida e a mesma estava inflando.

— Vem com uma agulha pra perto de mim e eu te enforco. — Eric resmungou entredentes.

— Cala a boca e não se mexe. — Kiara se abalou com o comentário e se Eric percebeu, nada comentou. Mas também não se mexeu.

Daquele momento em diante ela parecia ter entrado no modo automático. Limpara a ferida, passara pomada, cobrira e enrolara a gaze de forma rápida e precisa.

Ouviu um murmurinho atrás de si e ao se virar deparou-se com Adam e Katarina discutindo baixinho, e ao que pareceu Adam havia ganhado.

— Boneca, — quase revirou os olhos para o apelido, mas se conteve. — o pé da Laura ‘tá doendo desde que a gente saiu da muralha.

Kiara nada disse, apenas se aproximou deles que estavam do outro lado da fogueira. Sentia o olhar intenso de Katarina sobre si e preferiu não se abalar.

Laura havia — muito provavelmente — torcido o pé, e teria que ser enfaixado bastante apertado para voltar ao lugar.

Kiara hesitou ao dizer: — o pé de Laura está torcido. Vai doer bastante, mas tenho que enfaixá-lo.

Laura franziu a testa e seus olhos ficaram vermelhos, mas ela assentiu.

Ao primeiro grito de dor da menina Katarina quase voara para cima de Kiara com intenção mortal. De alguma forma, Katarina esperneando contra Adam e gritando com Kiara enquanto ela enfaixava o pé de Laura parecia pior do que costurar alguém.

Ao final de todo o processo, Kiara estava exausta mental e fisicamente.

Mal comeu, apenas bebeu muita água e se jogou em um canto para dormir.

*

Era tudo branco. Tudo inexoravelmente branco.

Eles andavam há três dias; na madrugada daquele dia não conseguiram achar lugar para descansar então tiveram que tomar turnos de patrulhas e abdicar mais tempo do que fizeram normalmente, sem contar o frio por não ter fogueira acesa ali.

Ela tossiu. Estava coberta por seu casaco e uma manta térmica, mas não adiantava muito.

Katarina estava à frente como sempre. Depois de muita insistência havia mostrado à Kiara o dispositivo que Laura carregava desde dentro da muralha. Katarina o chamava de GPS e parecia não saber explicar o que aquilo era ou como funcionava. Apenas disse que ali tinham as coordenadas para chegar ao seu destino, nunca sendo exata sobre o que era o destino deles.

Kiara lembrava-se claramente das palavras “Óreon” e “Ari”, tinha certeza que essas duas palavras significavam o seu destino.

Os olhos da menina loira estavam grudados nas costas da mulher de cabelos selvagens que os guiava. Desde cedo Katarina agia estranhamente, não argumentava com Kiara e parecia evitar fazer movimentos bruscos.

Logo percebeu quando a morena vacilou um passo e despencou na neve em um ataque de tosse. Kiara correu na direção dela e checou sua temperatura, percebendo o quão febril ela estava.

— Katarina? — Adam exclamou, com a menina Laura assustada nas costas dele.

— Ela está queimando de febre. — Kiara olhou sobre seu ombro, preocupada. — ela não pode continuar.

— ‘Cê não é a médica daqui? — Adam esbravejou de tal forma que Kiara nunca antes tinha visto. — cura ela! — o jeito de falar rude e simplório que todos os órfãos tinham pareceu se acentuar.

— Eu posso dar um remédio para a febre baixar, mas vai demorar a fazer efeito. — Kiara disse hesitante. — não posso curá-la do nada.

— Merda! — ouviu Adam gritar. Kiara rapidamente agarrou o kit e as pílulas antitérmicas, forçando Katarina a engolir.

Eric abaixou Arthur soltando um grunhido. Kiara sempre guardava um pouco de sua própria parte dos suprimentos e dividia com os dois, ela nunca precisou comer muito e eles eram os que mais precisavam de nutrientes. Graças à isso, mesmo que fosse difícil, eles tinham mais energia para continuar.

Arthur tinha estado consciente por bastante tempo desde que acordara e, apesar de uma de suas pernas doer muito, ele conseguia se apoiar em Eric de uma forma que pesava menos para o menino mais magro.

Kiara se aproximou de Arthur. — como você se sente?

O menino loiro a encarou por bastante tempo antes de responder. — você ainda não me explicou o que está acontecendo.

Kiara suspirou olhando para a perna agora coberta de Arthur. Na primeira noite Adam doou uma calça e uma camisa para Adam, que continuou enrolado no casaco de Kiara até a noite anterior, onde recuperou a consciência e se recusou de todas as formas usar o casaco dela, preferindo a manta térmica.

— É uma história bem longa, mas acho que você pelo menos sabe o porquê de termos fugido, não? Já que trabalha para a Patrulha. — olhou direto nos olhos de Arthur e ele desviou o olhar.

— Não sou tão importante assim para ter acesso a essas informações. — ele tossiu. — mas seu namorado é.

Ele pareceu surpreso com a intensidade do olhar de Kiara. — ele não é nada para mim. — nada além de uma fonte de ódio.

Ela se levantou e foi em direção a Eric. — ela não vai acordar por um tempo. — murmurou suavemente enquanto fingia mexer na bandagem dele. — o remédio tem efeito sonífero. Quando eu disser que quero seguir em frente sozinha, me apóie.

Eric sequer esboçou reação, tanto que Kiara se perguntou se ele havia ouvido. Após seus olhos piscarem para ela, ela se levantou e foi até Adam.

— Adam, acho que ela não irá acordar hoje. — Kiara disse, receosa.

O homem nada disse e Laura apenas parecia apreensiva.

— Você sabe o que devemos fazer. — Adam olhou para ela com o rosto em deboche.

— ‘Cê realmente quer que eu acredite nisso? Acha mesmo que eu vou deixar ‘cê ir sozinha? — de repente seu rosto se tornou sério. — é a nossa única chance. Eles podem te matar quando verem que ‘cê não é a Katarina.

Kiara não esperava por isso. Umedeceu os lábios secos e rachados.

— Mas nós não podemos parar também. É melhor que eu tente e que seja morta do que ficar e esperar os Patrulheiros chegarem até nós. — Kiara comprimiu os lábios e resolveu falar de qualquer forma. — eu sei que você não queria que os outros soubessem, mas eu mesma vi aquele negócio voando no céu e nos procurando. — ele a olhou com a expressão irritada. — você sabe que é só questão de tempo Adam! É só questão de tempo até eles nos localizarem com aquilo! — Kiara exclamou.

Ele ficou calado por bastante tempo, até que Laura se pronunciou: — eu acho que ela ‘tá certa.

— Eu também. — Eric parecia estar pouco se importando com a situação, mas ela sabia que ele iria apoiá-la. — prefiro morrer tentando a não tentar e morrer me arrependendo.

— Eu sou contra. — Kiara se virou surpresa para Arthur. — não acho que vai fazer diferença um dia ou dois e se há tanta certeza de que ela será morta, então enviá-la para lá é em vão.

Kiara queria esbravejar com ele até fazê-lo entender todas as razões do por que ela devia ir, mas controlou-se.

Adam silenciou-se por mais um tempo antes de dar seu veredito.

— Toma. — entregou o GPS para ela. — o ponto vermelho é onde você está, siga a direção da linha azul. — suspirou. — quando você chegar ao ponto de encontro isso vai emitir algum tipo de sinal e eles saberão que alguém chegou lá. Só espero que eles não decidam que você é uma ameaça.

Eu também, pensou a menina.

*

Ela odiava aquela cor. A cor era ofuscante, brilhante e inexorável. Lembrava-lhe da sua casa, da sua escola. Branco definitivamente não era uma cor que lhe agradava.

Principalmente naquele momento em que estava sentindo como se todo e qualquer músculo seu estava entorpecido com o frio.

Parecia ser metade da tarde e ela tentava andar o mais rápido possível, mas não parecia adiantar muito.

A neve não dava trégua e parecia estar cada vez mais espessa, seus pés começavam a se afundar quando pisava e aquilo só tornava a caminhada pior.

Suas pernas pareciam falhar, mas ao olhar para o GPS parecia estar próxima. Apenas aquilo lhe dava forças para continuar. Lambeu seus lábios, sentindo sua boca seca e horrivelmente rachada.

Após algum tempo, ela parecia não conseguir enxergar o caminho direito. Estava mais frio que nunca, ela tremia e sentiu o chão gelado e fofo logo em seguida.

Sua visão estava tão turva, ela estava tão cansada. Era tão fraca.

Odiava a si mesma ao mesmo tempo em que sentia pena de si.

Odiava a si mesma justamente por ter pena de si. Ela era uma pessoa miserável o suficiente para ter pena de si mesma.

Lembrou-se de Sora. A última coisa que iria sentir era pena de si mesma. Ela era tão forte e segura de si mesma, umas das várias razões para ela deter a admiração de Kiara.

Fechou os olhos e se sentiu confortável. Antes havia tanto medo daquela escuridão, mas agora só sobrara o sentimento de reconhecimento cômodo.

Sim, definitivamente aquela escuridão era melhor. Recordava-se dos olhos de Sora e seus cabelos negros, de seus próprios olhos; até mesmo dos olhos de Kieran e dos momentos que, mesmo após tanto ter acontecido, ela ainda guardava como bons. Sentiu-se acalentada.

Os olhos do corvo brilharam, vermelho vivo. Ouviu o grasnar e abriu os olhos.

Ainda que um pouco, mesmo que aquilo significasse o bater de asas de uma borboleta, ela se arrastou.

Continuou até sentir-se preparada para ficar em pé. Se apoiando em uma árvore, levantou-se. E caminhou pensando em tentar.

Mesmo sendo covarde e medrosa, talvez pudesse tentar. Mesmo fraca.

E mesmo quando deslizou caindo em uma superfície dura diferente da neve, sentia-se satisfeita. Ela tentou, ainda que aquilo não significasse muito para outras pessoas, para ela era um passo em direção ao seu objetivo.

Sentiu um calor na bochecha e um ardor na cabeça, percebendo que talvez seu capuz tivesse saído do lugar e ela tivesse batido a cabeça. Vou congelar até a morte, pensou.

Ouviu barulhos irrompendo o silêncio da floresta e, mesmo com a visão embaçada, parecia enxergar algo vindo em sua direção antes de fechar os olhos e ser acalentada pela escuridão.

*

Sua visão estava turva quando entreabriu os olhos. Fechou-os novamente, pois parecia que sua cabeça iria explodir. A ferida ardia e pulsava como se tivesse um coração em seu peito e outro ali em sua testa.

— Acho que ela ‘tá acordando. — ouviu alguém dizer, mas qualquer barulho fazia sua cabeça girar.

— Ei menina. — foi balançada agressivamente. — onde estão os outros?

Primeiro ela refletiu sobre quem eram os outros até finalmente lembrar e arregalar os olhos, sentando em um átimo de segundo. Com a respiração descontrolada olhou ao redor para descobrir que estava dentro de algum tipo de carro.

— Calma aí. — olhou para o dono da voz e sua aparência a atordoou um pouco.

Ela nunca havia visto alguém assim. Ele tinha brincos por toda a orelha, em uma de suas sobrancelhas e no lábio inferior. Ele tinha pêlos no rosto de uma forma que nunca havia visto nenhum homem ter e cabelo apenas no meio de sua cabeça, com as laterais curtas. Seus olhos muito azuis a examinavam, ela se sentiu desconfortável na presença desse homem.

Havia mais duas pessoas lá, mas estavam distantes e Kiara não conseguiu distinguir suas feições.

— Quem é você? — ela afastou-se dele até encostar ao banco.

— Sou Ari. — de repente ele parecia curioso. — mas a questão é: quem é você?

Então Ari era uma pessoa. Mesmo assim, se sentiu desconfiada. — você não precisa saber quem sou.

Ela assistiu um sorrisinho ser desenhado no rosto de Ari. — muito abusada para alguém que poderia estar morta nesse minuto. Acho que você deveria estar mais agradecida. — ela percebeu que seu jeito de falar era diferente do que os órfãos falavam.

Kiara comprimiu seus lábios e engoliu seco antes de responder. — eles estão na floresta ainda. Três estão machucados, Katarina está com uma febre muito alta e Adam é o único ainda saudável.

— Só chegaram seis de vocês? — Ari perguntou visivelmente irritado.

— Três. — ela se perguntou se estava certo falar aquilo. — os outros três vieram... Por acaso.

— Incluindo você? — ela percebeu que ele estava cada vez mais irritado, então apenas balançou sua cabeça.

O viu respirar fundo e se levantar para sair do carro. O viu esbravejar pelo vidro, seus gritos saindo abafados.

Aproveitando a chance vasculhou seus arredores, percebendo que havia outros carros e que as outras pessoas saíram do carro para discutir com Ari, deixando-a sozinha.

Viu sua mochila e discretamente a alcançou, pegando a arma que haviam tirado de sua posse, provavelmente enquanto ainda estava inconsciente.

Colocou a arma em suas calças, sentindo-a gelada em sua costa.

Prestou atenção ao que Ari dizia e pegou apenas partes.

—... Eu sabia! Sabia que sem Sora iria acabar nessa merda! — gritou.

Kiara sentiu seu peito doer. Então Sora deveria ser a cabeça da operação? Talvez por isso ela era tão importante para os órfãos. E talvez por isso ela foi sequestrada.

Talvez eles tivessem pensado que sem Sora os órfãos não conseguiriam ir a lugar algum, mas não contavam com Kiara os ajudando.

A porta se abriu em um rompante e Ari nem olhou em seus olhos quando a mandou sair. Ela vestiu seu casaco e o ajustou para esconder o volume da arma.

Quando saiu se deu conta de que ela parecia uma estranha no ninho. Todos estavam de preto, seguravam armas e pareciam fortes. E ela ali: uma menina magricela, pálida com cabelos cor de palha.

Ela respirou fundo. Poderia não ser forte fisicamente, mas não se curvaria a ninguém psicologicamente.

— Repita o que você me disse. — Ari mandou, irritante.

Ela olhou para o chão, odiando aquela situação. — eu ouvi você explicando a eles o ocorrido, por que eu deveria falar algo? — murmurou de forma que ele escutasse.

Sentiu-se surpresa com puxar que recebeu em seus cabelos e de repente estava sendo segurada muito próxima ao rosto de Ari.

— Não brinca comigo menina. — ele rosnou com seus olhos relampejando. — eu acabo com sua vidinha de merda aqui e agora.

Não vou ceder. — faça-o. — resmungou entredentes olhando diretamente nos olhos dele. — mas faça agora, na frente de todos. E deixe o que sobrou dos órfãos congelando na floresta por mais um tempo.

— Qual o seu problema?! — ele gritou a jogando no chão e apontando a arma para sua cabeça, encostando o cano em sua testa. — acha que eu não posso? Acha que eu não consigo? Fala!

Ela fechou os olhos sentindo o metal gelado contra suas costas. Respirou fundo e lembrou-se de Sora. Lembrou de tudo o que havia acontecido até aquele momento, e de como o desejo de vingança queimava vermelho vivo dentro de sua alma.

Ponderou assim o que deveria falar. Abriu os olhos e encarou Ari. — Sora é minha melhor amiga. Ela sumiu há alguns meses e eu não faço ideia de onde ela está. Quando descobri que ela havia desaparecido, fui até o orfanato e descobri por acaso que eles estavam planejando uma fuga. Eu os ajudei, na verdade eu peguei todas as informações que eles precisavam, assim eu fugiria com eles também. Mas eles me deixaram pra trás. Eles foram massacrados quando chegaram à muralha, sobraram apenas três deles. Há mais duas pessoas além de mim que vieram por acaso. Ao todo, três de nós estão machucados, Katarina está queimando em febre e Adam ainda está saudável, porém muito cansado.

— Então você era uma cidadã normal? — uma mulher a perguntou com um tom de desprezo e ela apenas assentiu. — o que te faz crer que eu acredito no que você disse? Que isso não é uma emboscada e que eu não deveria te matar aqui  agora?

Kiara capturou os olhos da mulher. — você acredita no que quiser. Apenas lide com o pensamento que você deixou cinco pessoas morrerem congeladas em uma floresta, sendo uma delas uma criança machucada, por não acreditar em minhas palavras. — voltou seus olhos para Ari, encostando a testa no cano da arma. — meu único interesse nisso tudo é descobrir onde está Sora.

Ari a encarou por um longo tempo antes de retirar a arma de sua cabeça.

— Tudo bem então. Pagarei pra ver. — Ari voltou para o carro.

Kiara foi levantada rudemente do chão e suas mãos amarradas em suas costas. Foi empurrada novamente para a floresta com Ari ao seu lado, segurando a arma em sua mão esquerda como se fosse parte de si.

Ela mordeu seu lábio, sentindo o ardor e o gosto de sangue pelas rachaduras que o frio causara. Aquilo e seu coração batendo em uma velocidade assustadora eram provas de que não era um sonho. Ela sobreviveu, mesmo que parte de si houvesse sido congelada.

Mesmo assim, sentia uma chama abrasadora dentro de si. Queimava — era uma deliciosa sensação.


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Notas finais do capítulo

ENTÃO
Tudo começou quando voltei de férias ano passado e meu computador havia sido corrompido. Não sobrou quase nada dele, apenas algumas poucas músicas e imagens. Sim: minhas fanfics (algumas eu tinha escrito há seis anos), livros, trabalhos escolares e qualquer outro documento simplesmente corromperam-se. Minhas fotos antigas, algumas nunca irei recuperar, também. Músicas até que fiquei sussa, por que você pode sempre tê-las de volta.
AGORA, MEUS ANIMES E MANGÁS CARA. Sumiram todos! Justamente na época em que o Sukinime entrou em greve ;-;
Por esses e vários outros motivos, como eu não ter passado pelo SISU/1 no curso que escolhi, me deixaram bastante deprimida.
Havia fanfics lá que eu aperfeiçoava há anos - sem exagero - e que não puderam ser recuperadas.
Distanciei-me sim, admito. Não estou dando desculpas, mas razões para ter acontecido o que aconteceu.
Espero que me perdoem e que tenham conseguido aproveitar esse capítulo. Não prometo postar como postava antes - a cada quinze dias, se não me engano. Hoje eu tenho que dedicar a maior parte do meu tempo a facul, então fica meio raro achar tempo para sentar na frente do computador e deixar a inspiração me guiar já que não trabalho com um plot definido.
Não desistam de mim, meus raros leitores T^T
OBRIGADA, muito obrigada por ter lido meu desabafo, mesmo que você não concorde comigo.
Beijos no coração :*



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