Arcano escrita por freckles


Capítulo 2
II ― Arcano Zero


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas que leram minha fic, obrigada por me dar uma chance T^T
Esse é o segundo capítulo, E É ENORME O.o, onde vocês irão ter uma ideia de como será o ritmo da coisa, e um leve smut Kiara/Kieran *--* uahuaha
Boa leitura~



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Prenúncio

Observando a si mesma, sorriu. Sua pele corada parecia brilhar em contraste ao vestido. O vestido longo e branco sem alças parecia divinal. Era simples, entretanto. Totalmente branco, com apenas alguns detalhes em creme combinando com os brincos dourados de pérolas. Os brincos pequenos e delicados harmonizavam com seu rosto.

No rosto havia uma maquiagem simples: uma sombra rosada natural, um traço negro acima dos cílios, uma cor rosada nas bochechas e os lábios róseos brilhantes.

Os cabelos longos presos no alto de uma forma que nem ela mesma entendera, apenas Sora saberia explicar como era feito aquele penteado.

Esperou Sora sair do banheiro, assim que a mesma saiu Kiara sorriu. O vestido tão longo quanto o seu, porém bem mais chamativo ― não de uma forma ruim, entretanto. Branco e sem alças como o seu também, mas detalhes azuis marinhos e um formato completamente diferente, com uma transparência entre os seios.

Os olhos pequenos e o cabelo extremamente negro faziam de sua melhor amiga mais exótica. Os olhos que sempre foram tão apertados agora pareciam grandes e, como sempre, com um olhar felino; a boca em um suave rosa, os cabelos longos brilhando soltos e um tanto ondulados ― graças a uma mágica chamada modelador.

Sorriram uma para a outra e deram as mãos, enquanto caminhavam para fora do quarto. Quando chegaram à sala de estar os pais de Kiara soltaram assovios.

― Olha, nem sua mãe estava tão linda. ― Leônidas levou um cutucão nas costelas de Lara e riu.

― Minhas filhas, vocês estão lindas. ― Lara abraçou as duas, e Kiara percebeu que Sora respirou fundo e fechou os olhos, coisa que ela sempre fazia quando segurava o choro.

Sora era órfã e desde que Kiara a conheceu e a apresentou para a sua família, sua mãe e seu pai lhe acolheram como se fosse sua filha.

Quando ouviram uma buzina sorriram uma para a outra e se despediram dos dois.

Ouviram uma batida na porta e o pai de Kiara foi atender, sendo seguido pelas duas moças ansiosas.

Lá estava Kieran. O terno negro apenas destacava a pele pálida dele. A gravata e a flor no bolso cor de creme combinavam com seu vestido e ela se perguntou como ele sabia, já que não havia mencionado a cor de seu vestido.

― Vamos, princesa? ― ele ofereceu o braço para ela, que sorriu e enlaçou seu braço no dele.

Despediu-se de Sora, que lhe sorriu animada esperando seu próprio parceiro.

Seu coração acelerou quando o cheiro confortante de mate verde do gel de barbear que ele sempre usava chegou a suas narinas.

Antes de entrarem no carro, porém, ele os parou pegando algo do bolso da calça. Ela pensava saber o que era, mas se surpreendeu quando não era a flor ― diga-se de passagem, muito cafona em seu ponto de vista ― costumeira que a moças recebiam de seus parceiros.

Era um prendedor de cabelo.

Não parecia ser um prendedor qualquer, entretanto. Era uma cor como ouro envelhecido e tinha um pássaro pequeno de asas abertas como que para mostrar todo o seu esplendor, era tão detalhado que ela se surpreendeu, e ainda mais com aquelas cinco pedras vermelhas brilhantes, uma sob cada uma das asas e três na parte detrás da cabeça.

Enquanto ele colocava o prendedor delicadamente no cabelo dela, ele sussurrava: ― é uma fênix.

― Por que uma fênix? ― ela sussurrou no mesmo tom.

Ele voltou para frente dela, olhando-a diretamente nos olhos.

― Em primeiro lugar, minha mãe disse que o meu pai deu isso para ela quando os dois foram para o baile juntos, logo se tornou uma tradição. ― eles riram um pouco. ― em segundo lugar, por que a fênix significa a ressurreição. ― os orbes negros pareciam sugar Kiara para dentro deles. ― e é assim que eu quero que nosso amor seja: independentemente de qualquer coisa, nós dois iremos sempre manter esse amor vivo. Haverá momentos que isso, nós, seremos reduzidos a cinzas, mas esse fogo é o que vai alimentar o nosso amor.

E iremos renascer.

Uma promessa velada, um pacto selado.

Naquele momento, aquilo parecia ser o que era: um juramento para a vida. E os envolvidos nele eram sinceros o suficiente para entender.

Sorriram um para o outro. Ele olhou ao redor, quebrando o contato visual, e em seguida levantando o dedo mindinho. Ela entrelaçou seu dedo no dele e os dois riram como crianças que aprontavam alguma besteira.

Com isso, ele abriu a porta do carro para ela, que fez um gesto de agradecimento, entrando ansiosa.

Chegando ao clube de festas, ele saiu rápido do carro, abrindo a porta para Kiara, que ria com o cavalheirismo um tanto desajeitado do príncipe.

Assim ele lhe ofereceu o braço, lhe dando um beijo cálido na bochecha em seguida. Ela sentiu seu rosto esquentar e viu de canto de olho o sorriso no rosto dele.

De braços dados, chegaram à fila piegas e a secretária da escola estava cuidando da lista de presença. Demorou um pouco para chegar a vez deles, mas finalmente chegara e Kieran apresentou-os. ― Kiara Ohana e Kieran Harrison.

A secretária lhes sorriu polidamente, e eles devolveram o sorriso.

Eles entraram e Kiara se sentiu fascinada pela decoração do lugar.

Havia rosas vermelhas em jarros no centro das mesas, toalhas de mesa douradas por cima das brancas e lâmpadas de papel cor de creme também, tecidos brancos rodeando o lugar e enfeitando o teto.

Kieran sorriu para ela e sentaram em uma mesa mais ou menos no meio.

― Ei. ― ele chamou a atenção dela e olhou para um ponto fixo, fazendo-a olhar também.

Percebeu que ele mostrava um garoto loiro platinado de pele dourada ao longe. Ele o olhou censurando-o, mas com um sorriso.

― Que feio, Kieran. Ele era legal.

Ele a encarou como quem diz “ah, sério?”.

Arthur era um moço com quem ela tinha tido certa proximidade algum tempo atrás.

O loiro estava ali conversando com uma menina e sorrindo galante, sem perceber o olhar dela.

Kieran se levantou, com o intuito de ir buscar uma bebida e Kiara assentiu.

Voltou o seu olhar para Arthur e percebeu que ele a mirava. Ela deu um sorriso desengonçado, pensando que aquele momento não poderia ser mais desconfortável.

Ele sorriu de volta, um sorriso que para ela pareceu um tanto infeliz. Ela não queria aceitar que ela era provável causa para isso.

Como seria?

Ela era apenas uma menina normal, com amigos normais e uma vida normal. 

E justamente por ser normal não entendia ― não queria entender ― que ela talvez fosse uma provável causa da rivalidade entre Kieran e Arthur.

Não, com certeza não era ela. Era uma garota banal, apenas isso. Não tinha a mínima chance de isso acontecer, não com ela.

― Sejam bem-vindos, queridos alunos. ― talvez intuito da fala posterior fosse o mais caloroso possível, mas parecia que a pedagoga estava tão cansada de falar aquilo todos os anos que saiu um tanto mecânico.

Kieran voltou com um suco de morango para ela, e ela sorriu agradecida.

A pedagoga começou a discursar sobre o quão importante era aquele momento para os jovens ali presentes e como eles deveriam agir dali em diante, na sua vida adulta. No final do discurso ela pediu perdão pela ausência do diretor, que não estava presente por causas médicas.

― Meus caros alunos, nós devemos alertá-los do perigo das pós-festas. Estamos aqui os avisando para que não cometam o equívoco de irem para uma, apesar de nós todos estarmos seguros, pois já avisamos aos seus pais quanto a isso e, com isso, não nos responsabilizaremos mais com o que aconteça após a saída de vocês deste estabelecimento. Obrigada. ― terminou com um pequeno sorriso.

Kiara enxergou Sora pelo meio da multidão e a mesma se virou para Kiara, lhe sorrindo marota. Kiara apenas meneou a cabeça em negação.

Sora fora uma das que ajudou na organização da pós-festa e as autoridades do colégio nem imaginavam que fosse tudo tão meticulosamente arrumado por simples alunos de último ano.

― Essa mulher é um saco. ― Sora comentou ao se sentar com eles, com Eric junto.

― E você só tem essa carinha de santa. ― disse Kiara entre risos. ― ninguém imaginaria a melhor aluna do colégio falando assim da pedagoga.

― Ninguém imaginaria a melhor aluna da escola organizando a pós-festa. ― arqueou uma sobrancelha.

― Eu me lembro de que quando nós éramos menores era sempre você quem levava Kiara para o mau caminho, e eu acabava levando a culpa por vocês duas quando faziam besteira. ― Kieran estreitou os olhos.

Eles riram, e em seguida Sora deu um sorriso ardiloso.

― Cuidado, Kieran. Nós não somos mais crianças ― Sora se aproximou de Kiara, levando as mãos em direção dela, uma aos cabelos bem feitos e outra ao rosto. ―, mas mesmo assim talvez eu consiga levá-la para o mau caminho do mesmo jeito. ― enrolou o dedo em alguns fios de cabelo e acariciou a extensão do maxilar, se aproximando mais ainda.

Kieran, o sempre educado e brincalhão príncipe, lhe deu uma expressão cautelosa e um olhar em forma de fenda.

Sora riu, juntamente com Eric. Kiara não sabia o que fazer, e pensou que às vezes ela mesma ficava um pouco receosa com as brincadeiras de Sora.

O silêncio pairou entre eles, oprimindo qualquer coisa menos a expressão de Kieran.

― Ora, por favor Kieran. ― Sora reclamou. ― não tem por que você ficar com essa cara. Você sabe que ela é minha melhor amiga, e que eu nunca faria nada que a prejudicasse.

Kieran não alterou nenhum músculo de sua expressão a favor de Sora, apenas aprofundou seu olhar afiado.

Kiara ainda não sabia como lidar com a situação. Em verdade, nunca soube. Desde sempre Sora e Kieran viviam discutindo sobre qualquer coisa ― e a maioria das discussões eram por causa dela.

Logo uma melodia começou a ressoar e os casais se dirigiram para a pista.

― Ei! ― Uma voz quebrou a parede silenciosa que havia sido criada entre aquela mesa e o resto das pessoas. ― Vocês não vão vir dançar? Dance comigo Kieran!

O príncipe, que estava de costas para a moça, recompôs sua expressão antes de se virar para ela. ― Desculpe, mas hoje estou acompanhado.

― E aí está a expressão de “eu sou um bom menino”. ― murmurou. O olhar de Sora não deixava dúvidas quanto ao seu desprezo.

― Para com isso, Sora. ― Kiara a repreendeu baixinho. ― Você sabe que ele não gosta desse tipo de brincadeira, e ainda assim faz essas coisas na frente dele. Quando nós duas estamos sozinhas, você não age assim.

― E você fica do lado dele? ― sibilou entredentes. ― ótimo, que lindo. É por isso que eu não queria que vocês ficassem juntos. ― falou em voz alta, interrompendo até mesmo a conversa entre Kieran e a menina que o convidara para dançar.

Kiara sentiu como se sua garganta estivesse sendo apertada.

― Como você pôde falar algo assim para a sua melhor amiga? ― ouviu a voz de Kieran como se ele estivesse muito distante. ― bem, pelo menos eu achava que você era a melhor amiga dela, porém agora não sei mais.

― Cala a boca, seu arrogante de merda! Eu não preciso da sua opinião fútil! ― levantou-se rapidamente da cadeira em que estava, sendo seguida por Eric, como um cachorro seguiria seu dono.

Kiara sentia como se ela estivesse observando tudo de longe. Como se aquela cena e aquelas palavras não fossem para ela.

Mas eram.

― ...

Eles pararam de discutir assim que ouviram um murmúrio baixo.

― Vá embora.

Em um breve momento, eles se perguntaram para quem era aquele mandato. Mas quando Kiara, de rosto abaixado, levantou-se e saiu arrastando Kieran, não houve mais dúvidas.

Foi bastante chamativa a saída do casal, entretanto. Vários olhares se viraram para os dois, mas não o de Sora. O olhar de Sora ficou preso na cadeira em que Kiara estava. Eric, que estava ao seu lado parecendo confuso, olhou para o rosto de Sora.

O rosto de Sora carregada uma expressão complicada, talvez ele descrevesse como raiva, misturada com descrença e arrependimento. Mas isso não explicava realmente o que ela sentira naquele momento.

Quando os dois saíram do local, Kiara já estava derramando lágrimas, de um jeito tão típico dela: soluços baixos, ombros tremendo e abraçando a si mesma.

Um choro triste e silencioso.

Apático.

Kieran, que foi pego de surpresa por Kiara lhe puxando para fora do salão, apenas não conseguiu observar aqueles ombros frágeis tremendo em sua frente.

Abraçou-a com força, como se assim ele exprimisse toda a dor que ela sentia.

― Por que ela faz isso? ― perguntou ela entre soluços. ― sempre, sempre é assim.

― Ei, não precisa chorar. ― a voz dele era como um bálsamo. ― eu estou bem, você está bem também. Nós estamos bem, agora que tal irmos para casa?

Ela confirmou com a cabeça. ― mas não podemos ir para minha casa. Se eu chegar lá à essa hora meus pais irão estranhar. ― se deteve por um segundo. ― ah não! Raul! Ele deve ter visto aquela cena.

― Não se preocupe, eu vou lá dentro e converso com ele, você vai em direção ao carro e me espera, ok? ― ele falou suavemente, acariciando os cabelos perfeitamente arrumados com cuidado.

Ela assentiu com a cabeça e ele lhe deixou um beijo leve na testa, antes de sair andando rapidamente em direção ao salão de festas.

Ela respirou fundo e observou a noite um tanto úmida. O estacionamento estava vazio e, parando para pensar, um tanto frio. Abraçou a si mesma e foi andando em direção ao carro.

Respirou fundo ao se recostar no metal frio.

Um vento gélido veio em sua direção, e acalmou um pouco o seu estado de nervos. Pensou em Sora, pensou também no por que de Sora fazer questão de provocar Kieran até o último momento, até a gota d’água que faz o copo transbordar.

Sora não era uma má pessoa, nunca fora. Mas quando estavam os três juntos, parecia que algo a incitava a provocar, a irritar. E quando estavam apenas ela e Kiara juntas, era tudo normal, até acolhedor.

Mas ela não conseguiria mais aguentar aquele tipo de situação.

Não quando ela sabia que a provocadora sempre era Sora.

― Kiara? ― tomou um susto ao ouvir a voz dela.

― Sora? ― chamou, olhando ao redor. Mas o estacionamento continuava vazio e frio. ― Sora? ― andou um pouco adiante, mas nada.

Quando se virou de volta para o carro, sentiu seu coração perder uma batida.

― Que susto, Sora! ― a repreendeu, com uma mão no peito.

Sora a encarava, impassível. ― você realmente vai embora com ele, não é?

Assim que o coração de Kiara se acalmou ― não por completo, mas quase ― ela respondeu que sim, iria embora com Kieran.

Poderia jurar que tinha visto uma faísca desconhecida atravessar o olhar de Sora.

Sora deu um passo adiante. Kiara deu um passo para trás.

O olhar de Sora se estreitou.

― Por que você está fugindo de mim? ― perguntou dando um passo mais rapidamente. ― você tem medo de mim, Kiara? ― outro passo.

Por algum motivo, o coração de Kiara voltara a bater rapidamente dentro do peito. O olhar felino e negro de Sora nunca lhe pareceu tão profundo. Sua presença nunca lhe pareceu tão intensa.

Mas a expressão de Sora talvez fosse o que lhe tivesse causado tremores.

Aquela expressão que Kiara desconhecia se resumia em uma única palavra: nada. Não era raiva, nem tristeza, nem arrependimento, nem loucura.

Era nada.

― Eu não tenho medo de você Sora, de onde você tirou essa ideia? ― Kiara perguntou hesitante.

Sora terminou suas passadas em direção à Kiara, ficando próxima a garota de mesma altura.

― Por que você vai me deixar aqui, Kiara? ― Sora perguntou baixinho.

― O que? Eu não vou te deixar Sora, eu só estou realmente zangada com aquela cena que você armou. ― Kiara franziu o cenho, preocupada e confusa. ― achei melhor sair logo, antes que discutíssemos.

― Eu armei?! ― Sora exclamou. ― tudo é por causa daquele maldito garoto! Tudo é culpa daquele moleque com complexo de príncipe! Ele e a maldita família dele!

Kiara franziu o cenho.

― O que a família de Kieran tem haver com essa história?

Fora surpreendida pelas mãos de Sora lhe balançando os ombros.

― Você não sabe de nada, Kiara! ― Sora a olhava desesperada. ― você é uma inocente no meio desse lugar podre!

― Sora?! ― Kiara estava surpresa pelo rompante de Sora.

― Kiara? ― uma voz distante a chamou, e de repente Kieran apareceu correndo. ― o que está acontecendo aqui?!

― Nada. ― Kiara se apressou em responder, segurando nas mãos de Sora, com esta a soltando gradualmente. ― nós estávamos conversando.

Kieran rapidamente puxou Kiara para longe de Sora.

― Vamos. ― Saiu a puxando em direção a porta.

Sora lhe deu um olhar desesperadamente contido.

― Sora? ― Kiara a chamou baixinho, enquanto Kieran abria a porta do carro rapidamente. ― Você tem algo a me dizer?

Por alguns segundos Kiara percebeu os lábios de Sora tremerem um pouco. Mas em seguida ela os apertou, como se lacrasse as suas próprias palavras.

― Vamos. ― Kieran lhe guiou até o banco, fechando a porta em seguida.

Kiara olhou através do vidro fumê, observando Sora olhar para Kieran com desprezo incontido, em seguida indo embora.

Kieran deu a volta no carro e entrou.

― Sora está a cada dia mais fora de controle. ― Kieran comentou emburrado enquanto girava a ignição. ― ela sempre foi um pouco revoltada, mas parece que agora a menina enlouqueceu. Onde já se viu, tratar você desse jeito? ― resmungou. ― imperdoável.

Kiara ficou de cabeça baixa, pensando nas palavras de Sora.

Nada do que ela disse fazia sentido. Nada, nada mesmo.

Enquanto eles passavam pela bela e organizada cidade, ela observava as pessoas. Todos pareciam tão... Felizes.

Satisfeitos. A sua cidade era realmente um lugar bom de viver, ela pensara.

A taxa de criminalidade era inexistente, e raramente alguma turbulência acontecia naquele lugar.

Nada ali era podre. Como pôde Sora dizer algo assim?

A vida ali era perfeita.

Mas as palavras não saíam de sua cabeça.

Quando chegou a casa de Kieran, Kiara se tornou consciente do fato de que, em quase cinco anos, estava entrando na casa dele novamente.

A casa dele.

Onde parecia não haver ninguém.

É claro que Kieran havia sido esperto, estacionado o mais silenciosamente possível o carro para que os vizinhos não ouvissem ― oportunamente, os pais dele estavam trabalhando aquela noite ―, e Kiara somente se tornou consciente de todos aqueles fatos quando Kieran a levou escada acima, diretamente para seu quarto.

Quando os dois entraram um silêncio constrangedor se instaurou. Afinal, eles eram um casal que nunca sequer havia beijado.

Kieran correu e acendeu a luz fraca de seu abajur, se sentando na cama em seguida.

Kiara olhou ao redor do quarto e percebeu que as paredes azuis e objetos que ela ainda se lembrava não haviam mudado, pelo contrário, apenas aumentaram. Kieran sempre teve uma veia meio nerd, então seu quarto era cheio de fórmulas nas paredes, algumas estruturas atômicas e um torso humano.

Mas algumas coisas haviam mudado de lugar, sua cama havia sido trocada, agora era uma cama de casal, alguns móveis restaurados e agora ele tinha um computador de mesa.

― Faz tempo que eu não venho aqui. ― sussurrou, em seguida se arrependendo. Não gostaria de fazer ele se sentir culpado ― por mais que ele o fosse ― por não falar com ela por tanto tempo.

Não pôde deixar de pensar que a ex-namorada dele já tivesse entrado naquele quarto mais do que ela.

― Me desculpa. ― ouviu Kieran murmurar.

Kiara sorriu e Kieran a observou sorrir. Talvez ela estivesse com uma expressão um tanto complicada no rosto, pois a expressão dele não foi das melhores.

― Já passou ― ela disse. ― não faz mais sentindo ficarmos machucando-nos com isso.

― Não ― ele falou abruptamente. ― eu sinto vergonha de mim mesmo por ter agido tão infantilmente. E eu nem tenho uma desculpa razoável para te dar. ― ele enfiou os dedos nos cabelos. ― se eu quisesse te proteger realmente, eu deveria ter lutado ao seu lado. ― murmurou em uma voz fraca.

Ele nunca pareceu tão fraco aos olhos de Kiara.

― Me proteger de que? ― Kiara perguntou, enquanto suas mãos cobriam as dele e ele levantara o rosto.

Os olhos negros nos olhos negros, mãos quentes sobre mãos frias.

― Do mundo, de tudo. ― a voz quebrada confessou.

E ele ganhou um sorriso. E se surpreendeu com a aproximação suave da menina.

E mais ainda com o beijo cálido que ela deixou em seus lábios.

― Eu posso ser meio boba, meio avoada, mas eu sei me proteger. Com você ao meu lado, eu não corro nenhum perigo. ― ela derramou as palavras como um bálsamo, curando todo ferimento que fazia Kieran ficar incerto.

Apesar de, no fundo, Kiara achar que o menino exagerava nas metáforas ― afinal, quem correria perigo naquela cidade? ― ela o achou adorável.

― Eu te amo tanto. ― de repente ele a envolveu em um abraço apertado, desesperado, a fazendo cair de joelhos entre as pernas dele. ― tanto, tanto, tanto.

― Eu também. ― ela sussurrou ao pé do ouvido dele. ― mais do que tudo, eu amo você.

Os beijos trocados, selando palavras de amor sussurradas como se fossem segredos, foram um catalisador.

Em seguida, tudo se transformou em uma confusão de peles e calor. De suor e de ofegos, de juras de amor eterno.

Pernas se entrelaçavam, e um mundo onde tudo o que existia era apenas o desejo e a adoração pelo corpo um do outro se criou ali naquele momento.

E como eles foram adorados um pelo outro, idolatrados, incendiavam a eles mesmos até que a única coisa que sobrou foi uma explosão, em seguida somente as cinzas.

*

Kiara acordou se sentindo grata e um tanto dolorida, deveria admitir.

E não havia tido pesadelos naquela noite. Sorriu com isso.

Tentou se esticar, mas os braços e pernas ao redor de si não deixavam.

Feliz, percebeu que estava completamente envolta pelos braços e pernas de Kieran sob as cobertas da cama dele.

Foi ver que horas tinham e eram três e trinta e sete da madrugada.

― Kieran. ― cutucou o menino, que gemeu em resposta. Ela riu e se levantou, indo em direção ao banheiro e pegando uma toalha emprestada no armário de Kieran.

Ela estava terminando de tirar o shampoo de seus cabelos, certa de que teria que lavá-los novamente assim que chegasse em casa com seus produtos, quando em um rompante a porta do banheiro se abre.

Ela arrastou a porta do Box assustada, somente para ver um Kieran de cabelos bagunçados e cara de sono entrar.

― O que foi? ― perguntou preocupada.

Ele a fitou por alguns segundos, ficando avermelhado e virando de costas em seguida.

― E-eu estava preocupado. ― gaguejou.

Kiara não pôde segurar a risada. Claro que estava envergonhada como ele, mas vê-lo agir daquela forma era realmente divertido.

― Eu estou aqui, não irei fugir. ― ainda rindo fechou a porta do Box, terminando de tirar a espuma de seus cabelos. ― toalha. ― pediu e a toalha foi jogada para ela.

Ela saiu olhando para o menino que no momento escovava os dentes.

Quando ele olhou para ela, ela não pôde deixar de se perguntar se aquilo era somente uma prévia da sua vida de casados. Sentiu seu rosto esquentar de felicidade.

― Vou pegar uma roupa emprestada, tenho que ir logo para casa. ― saiu apressada, deixando um Kieran confuso para trás.

Ele mesmo apenas tomou um banho rápido, saindo do banheiro e encontrando Kiara com sua calça tactel e uma t-shirt. Internamente se sentiu orgulhoso e feliz, por vê-la usando uma roupa sua.

Kiara pegou seu vestido ― no momento todo amassado ― e seus saltos enquanto Kieran buscava uma sacola grande o suficiente na cozinha.

O caminho fora silencioso, um tanto vergonhoso, um tanto satisfeito.

Mas nunca soltaram a mão um do outro.

Quando chegaram à porta da casa dela, eles não conseguiam olhar um para o outro.

― Te-te vejo amanhã. ― gaguejou Kieran.

O príncipe Kieran gaguejando, que inusitado.

― A-amanhã? ― Kiara indagou surpresa. Essa mesma surpresa a fez olhar para ele, sendo assim, quando os olhares se encontraram as peles se avermelharam.

― Sim. ― a voz dele falhou e ele pigarreou. ― tenho uma surpresa para você.

E sorriu.

Kiara sorriu também e eles se despediram com um beijo rápido.

Ela correu rapidamente em direção ao seu quarto, e, assim que adentrou-o, jogou a sacola para o lado e caiu na cama, abraçando seu travesseiro com força.

Adormeceu com um sorriso suave no rosto, e, mais uma vez, sem pesadelos.

*

Acordou se sentindo renovada, apesar de ter dormido apenas durante umas três horas. Foi tomar o café percebendo que apenas ela estava em casa. Olhou para aquela casa vazia e silenciosa e suspirou.

Era bom estar sozinha de vez em quando.

Bebendo de sua xícara imaginou um futuro não muito distante com seu recém-adquirido namorado.

Em seu coração ela tinha a certeza de que eles iriam se casar dali a um tempo. Assim que terminassem o ensino supeerior, ou talvez até antes.

Fechou os olhos e visualizou uma casa somente para os dois, noites compartilhadas sob um edredom, cafés da manhã iluminados pelo sol.

Quando chegou à parte de ter filhos parou a si mesma.

“Você está viajando demais, controle esses pensamentos açucarados”, repreendeu-se.

Mal havia tido a sua primeira experiência e já imaginava um futuro junto à ele.

Teve vontade de estapear-se.

Voltou para seu quarto para pegar alguma roupa e tomar outro banho. Enquanto estava de baixo do chuveiro ouviu as vozes de seus pais e se apressou.

― Olá pombinhos! ― pegou os dois de surpresa na sala de estar trocando carícias.

― Menina! Quer me matar de susto? ― o rosto de sua mãe estava se igualando aos seus cabelos avermelhados, e seu pai não estava diferente.

Kiara apenas piscou e voltou para o quarto, indo ler algum livro para matar o tempo.

Ouviu alguns barulhos e soube que seu irmão havia chegado. Logo em seguida sentiu o cheiro de comida e soube que sua mãe havia começado a preparar o almoço, estranhando seus pais ainda estarem em casa.

Geralmente quem fazia a comida era Kiara.

Depois de algum tempo ficou entediada e pegou o telefone, ligando para a casa de Sora. Estranhamente ninguém atendeu e Kiara olhou para o relógio, percebendo que já era quase onze horas da manhã.

Pensou que ela já deveria ter voltado para casa, mas em seguida pensou melhor e percebeu que Sora era Sora, costumes normais simplesmente não se aplicavam à ela.

Foi almoçar quando sua mãe a chamou e se distraiu novamente.

― Como foi a festa? ― sua mãe perguntou se sentando à mesa.

― Foi muito legal. ― Raul olhou para Kiara de esguelha, um olhar que dizia: “eu escondo sua escapada, e você me deve um favor”.

― Sim, foi muito legal. Dançamos bastante. ― Kiara concordou com Raul. ― e como foi a noite de vocês?

Seu pai tossiu um pouco e sua mãe levou o copo de suco a boca antes de responder: ― passamos a noite no laboratório filha.

E a mesa caiu em um silêncio um pouco constrangedor.

Terminaram o almoço apressadamente, sem saber como fugir daquele clima e cada um foi para o seu canto.

E acabou ficando em casa sozinha, seus pais tiveram que ir para o laboratório e seu irmão saiu com os amigos.

Mais ou menos no final da tarde tocaram a campainha de sua casa e ela se levantou para olhar na tela quem era.

Logo que viu franziu o cenho. Estranhou os agentes vestidos de branco da Esquadra de Proteção na frente de sua casa, mas logo abriu a porta.

― Boa tarde. ― os dois homens lhe cumprimentaram.

― Boa tarde. Podem entrar e se sentar. ― se afastou e os dois entraram e sentaram no sofá. ― o que desejam? ― perguntou sentando-se em uma poltrona. Pensou que talvez fossem perguntas rotineiras de segurança como sempre.

― Senhorita, quando foi a última vez que viu Sora Kobayashi? ― um dos homens perguntou sacando um gravador.

Kiara estranhou e sentiu um aperto do peito. ― ontem à noite quando eu saí de nossa festa de formatura, no estacionamento do clube de festas.

Os dois homens trocaram um olhar rápido. ― poderia nos informar a hora exata?

Ela hesitou, pensando um pouco. ― talvez umas onze e meia, eu não demorei muito na festa, logo vim para casa.

― E você não sabe para onde ela possa ter ido após esse encontro? ― o outro homem, que havia ficado calado até o momento, indagou.

― Não, eu realmente não sei. Nós tivemos uma pequena discussão e ela provavelmente está zangada comigo. ― deu uma risada sem graça. ― acho que é por isso que ela não atende ao telefone. ― murmurou com a realidade caindo em sua cabeça. ― mas, por que estão fazendo essas perguntas? Algo aconteceu com Sora?

Depois de um pouco de silêncio, um deles tirou o óculos protetor negro do rosto e olhou para Kiara seriamente.

― Isso é confidencial. Obrigada por seu depoimento senhorita.

― O que? Mas... Ei! Espera! ― Kiara exclamou, mas os homens da Esquadra não pararam e rapidamente estavam dentro do seu veículo.

Kiara ficou boquiaberta com tal atitude. De cenho franzido, fechou a porta e se sentou no sofá, abraçando um travesseiro.

O que poderia ter acontecido com Sora?

Tudo bem que era um tanto natural ter homens da Esquadra na porta de sua casa perguntando por Sora, mas nunca aquele tipo de pergunta.

Quanto mais pensava, mais confusa ficava, até que ouviu a campainha novamente e foi ver no visor quem era, alegrando-se quando vira Kieran.

Quando este entrou, Kiara o abraçou fortemente.

― Ei. O que foi? Estava com saudades de mim? ― brincou Kieran.

Após um momento de silêncio, Kiara murmurou: ― estou com um mau pressentimento.

E após outro momento de silêncio ela foi surpreendida por braços a levantando do chão e a carregando.

Gritara com o susto, mas em seguida riu.

― O que é isso?

― Eu te disse que tinha uma surpresa. ― Kieran sorriu maroto.

― E é preciso me carregar para isso?

― Sim. ― Kiara riu dele mais uma vez e se deixou ser levada para seu quarto.

Naquela tarde, os dois trocaram mais juras de amor, e ficaram lado a lado abraçados até a família de Kiara chegar, então tiveram um jantar com todos juntos.

Mas em nenhum momento Sora deixou os pensamentos de Kiara, e em nenhum momento ela viu menos abismada com aquilo.


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Notas finais do capítulo

Waah~
Sora, qual é a sua menina? O.o
Então seus lindos, gostaram? Espero que sim, e espero que eu não esteja postando para o vento T^T
Qualquer dúvida ou recomendação é só deixar no comentário, muito obrigada pela sua atenção *----*
Vocês gostariam que eu postasse mais rapidamente? Eu pensei em postar um capítulo por mês, acreditem ou não essa fic é um tanto difícil de escrever uahuaha, o que acham?
Chu~



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