Ascensão - Descobertas escrita por Nancy


Capítulo 1
O mapa


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo da primeira temporada, eu espero que vocês gostem! Qualquer dúvida, sugestão ou xingamento, é só mandar um comentário ou mensagem pessoal se for pra ofender a mãe! (just kidding)
Sugestão de música: https://www.youtube.com/watch?v=0n2Ajvkj5yQ



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Frio... nunca pensei que fosse morrer assim, na verdade nunca pensei sobre minha morte. Nunca pensei que algum dia ia sentir alguma coisa e agora meu primeiro sentimento é dor. É tudo o que consigo sentir. Não me lembro de como cheguei aqui, devo ter desmaiado por causa da perda de sangue. Estou numa floresta? O que aconteceu afinal? Não me lembro...

“Ela está viva” perguntou uma voz feminina “Não parece viva.”

“Está, mas esse ferimento é bem feio, não sei se ela vai conseguir sobreviver...”

“Ajude ela pai, você pode!”

– Aida!

“Hm?”

– Aida acorde! – o tom dela acabou me assustando, me sentei rapidamente na cama apenas para ver minha amiga rir de mim. – Ande, vá lavar o rosto, você prometeu que iríamos até a caverna hoje!

Prometi?

– Provavelmente eu estava bêbada quando disse isso. – voltei a me deitar na cama improvisada e cobri a cabeça com o cobertor.

– Aida!

Não respondi

– Aida! Se você não levantar eu vou te jogar no lago outra vez!

Sim, ela faria isso... de novo.

– Como você é chata. – levantei de mau humor, lavei o rosto com a água limpa de uma tigela e então tomamos o café da manhã.

Sky era a única pessoa em quem eu confiava, minha melhor amiga. Há seis anos, ela e o pai me encontraram na floresta, tinha uma bela facada no estômago, mas sendo ele um bom médico, me curou. Claro que isso não é motivo suficiente para eu gostar dele, devo minha vida ao velho, mas não simpatizo. O dia em que Sky me encontrou... não me lembro bem o que aconteceu naquele dia, mas vivo tendo pesadelos com isso. Uma velha mulher me diz para correr, mas por que eu correria? Não havia motivos, até que ele entrou pela porta, não sei seu nome, não sei o que eu devia a ele, mas provavelmente era algo importante. “Não há para onde correr” sempre ouço repetir isso na minha mente, realmente não havia para onde correr, quando notei já sentia dor. Sentia o sangue quente escorrer do corte profundo no estômago, era estranho, me lembro de nunca ter sentido absolutamente nada; frio, calor, dor, amor, tristeza. Nada disso afeta um nobre. Naquele dia essa “nobreza” me foi tirada. Mas eu não sentia falta.

– Vamos logo Aida! – a ouvi gritar do lado de fora da tenda.

Saí enquanto ainda penteava os cabelos longos e brancos com os dedos – Você está fazendo barulho demais para quem não quer acordar ninguém! – bocejei e olhei em volta, havia uma quantidade considerável de névoa acima de nossas cabeças, olhei para a tenda dos homens e nenhum sinal de movimento, o sol ainda não estava ao menos acima da linha do horizonte. Que diabos de horas serão? Sky tem noção do quão cedo me acordou?

– Desculpe, estou animada. – ela falou com aquele sorrisinho que acaba com todo meu mau humor.

– Certo... aonde vamos mesmo? – não me lembro do que prometi a ela, certamente estava bêbada e ela se aproveitou disso para conseguir o que queria.

– Até a caverna na floresta, se lembra? – é claro que não – as anotações do diário da minha mãe dizem que existe um mapa para o Reino Antigo. Bem na verdade é um fragmento do mapa, mas já é um grande passo, não acha?

Olhei para ela com cara de pouco interesse. Nunca achei que o Reino Antigo existisse e continuo com essa opinião. Sky sabe disso, mas também sabe que fazer cara de cão sem dono também me convence. – Certo, vamos logo com isso. – revirei os olhos e fui andando na frente. Conversamos sobre coisas aleatórias durante todo o caminho para o meio da floresta, depois de andar muito, encontramos a entrada da caverna, era construída com pedras cinzentas e tudo o que se podia ver era o início de uma escadaria que mergulhava na escuridão e provavelmente não acabaria nunca. Nunca gostei de coisas debaixo da terra, tenho cara de ser um anão? Olhei em volta e vi algumas árvores com arranhões bem profundos.

– Lobos? – perguntou Sky se aproximando de mim.

– Não... são grandes e profundos demais para terem sidos feitos por lobos da floresta. Qualquer que tenha sido a coisa que fez essas marcas, não estava feliz.

– Olhe! – ela se afastou de mim e chegou perto da parede da caverna, se abaixando e pegando uma pedra com formato achatado, nela haviam algumas marcas estranhas, letras na verdade, mas não era algo que eu conseguisse ler.

– Acha que é alguma língua anã?

– Não... parece Kadan.

– Kadan, a língua anciã? Wow... quantos nos tem essa caverna?

– Muitos. É uma pena que eu não consiga ler.

– Certamente diz “não entrem, há um monstro enorme que vai comer suas cabeças”. – falei olhando para dentro da caverna escura. Por que sempre tem que ter uma caverna nos enigmas que Sky resolve descobrir?

Ela riu – você nunca leva nada a sério?

Parece que estou de brincadeira? – Estou falando muito sério, Sky!

– Será sangue? – ela me chamou a atenção quando se aproximou da entrada da caverna e olhou o chão.

Cheguei perto da poça e analisei – não parece ser... se é, não pode ser humano.

Sky resolveu entrar na maldita caverna e eu nem podia reclamar, afinal eu supostamente prometi que encontraríamos o mapa. É bem frio e eu mal posso ver os degraus, a pouca luz que chega naquele ponto é suficiente para que eu olhe no rosto de Sky procurando algum sinal de medo, algo que fizesse ela concordar com meu pedido de voltar para a superfície onde há luz, ar e é quente. Mas ela está séria, até demais para o meu gosto, continuava andando como se já tivesse entrado mil vezes naquela caverna e conhecesse perfeitamente o caminho. Claro que eu sendo sortuda como sou, acabei beijando o chão assim que tropecei na primeira pedra.

– O que foi isso? Me diz que isso tocando meu tornozelo é o seu pé! – ela parecia a ponto de sair correndo, nada comparado com a feição séria e concentrada de segundos antes.

– A menos que meu pé tenha capacidade de agarrar seu tornozelo, Sky. – falei irritada, ia acabar com os joelhos roxos e esfolados outra vez. – É minha mão.

– Por que está no chão?

Ela realmente perguntou isso? – Acho que alguma coisa me derrubou. – segurei o riso.

– Pelos deuses!

Não consegui não rir da reação dela, assustar Sky podia ser considerado um dos meus hobies. – Estou brincando, desesperada. – me levantei e bati a mão nas roupas para tirar a poeira.

Havia alguns pontos de luz na caverna vindos de pequenos buracos no teto, o que era estranho pois eu tive a impressão de descer até o centro do mundo. Depois de andar bastante em linha reta, a pouca luminosidade da sala me permitiu ver que não havia mais nada além de uma parede de pedra a frente.

– Ótimo, um beco sem saída. Já podemos voltar. – falei com pressa de sair dali.

– O que foi? A brava e corajosa Aida está com medo do escuro? – ela adora me provocar.

– É claro que não, eu só tenho uma grande preferência pela luz. – isso não ajudou.

Notei a claridade da sala mudar e quando me virei vi uma estátua no meio do caminho. Ela não estava ali antes.

– Se parece com uma das antigas rainhas. – olhei de perto o rosto da estátua. Conhecia seu rosto dos livros de história que Sky sempre lia.

– Descanse em paz minha rainha e que seu olhar protetor sempre nos acompanhe.

– Desde quando você é do tipo religioso? – perguntei olhando para ela.

– Desde sempre oras. Eu acredito na ascensão, os antigos reis olham por nós depois de deixarem esse mundo e seguirem para Erani. Não acredita?

– Não é hora de discutir religião, vamos encontrar logo esse mapa e dar o fora daqui.

– Certo. No diário da minha mãe ela mencionou uma passagem escondida em algum lugar.

Nos separamos para tentar encontrar a passagem, mas o que me interessava mesmo era a joia na estátua, uma pedra vermelha e brilhante, adoro coisas brilhantes, sempre tem algum valor. Queria muito pegar aquilo, mas Sky nunca se virava de costas, ficar analisando as paredes cobertas com aquela mesma coisa preta que havia na entrada da caverna não era nada interessante. Quando ela finalmente se virou de costas, consegui pegar a joia da estátua, mas não foi algo muito divertido. Senti como se estivesse flutuando e a sala ficou realmente muito clara.

– Aida, o que está acontecendo?

Não sei o que está acontecendo Sky, eu não enxergo! E não consigo me mover ou falar, ótimo. A sensação estranha não durou muito tempo, quando estava de volta no chão vi que Sky me olhava de um jeito estranho.

– Que diabos...

– Você está bem? O que aconteceu? – ela perguntou, deixando a cara de espanto de lado.

– Eu acabei de voar?

– O que foi que você fez? – ela colocou as mãos na cintura e me olhou como se eu fosse uma criança encrencada

– Eu só toquei na pedra e o lugar ficou completamente louco, ok?! Odeio coisas mágicas...

– Olhe, deve ser a passagem secreta!

Ah ótimo...

– Nossa que ótimo, uma porta mágica secreta que nos leva para outro túnel secreto e escuro.

– Então a corajosa Aida está mesmo com medo de um pouquinho de magia.

Sky consegue ser irritante quando quer...

– Ei, eu acabei de voar, não é “um pouquinho de magia”.

É claro que ela estava mais interessada no maldito túnel do que em mim e o que mais eu podia fazer além de segui-la? Talvez tivesse alguma coisa lá dentro e alguém tinha que proteger Sky ou o pai dela me mataria. Mais e mais daquela coisa preta e gosmenta aparecia no túnel. No chão, nas paredes... eu estava começando a sentir que alguém estava nos observando e isso me dava calafrios. Mas nada abalava Sky, ela parecia estar maravilhada com toda aquela escuridão e o nada que havia à frente.

Paramos. Novamente em uma sala pouco iluminada e sem caminhos para se seguir.

– Ótimos, outro beco sem saída.

– Não! Deve ter alguma coisa, talvez outra passagem escondida nas paredes...

– Sky...

– Não Aida! Já viemos até aqui!

– Sky...

– Por favor, Aida! Deve ter alguma coisa, por favor!

Bufei. Ela tem o dom da persuasão, sem falar que lágrimas são meu ponto fraco, ainda mais as dela. Deixei que Sky procurasse desta vez, não podia arrastá-la para fora. O que será essa coisa preta? Bem, não vejo nenhum esqueleto aqui, mal não deve fazer.

Eca, realmente isso tem uma textura nojenta... por que está tudo girando? Por que não vejo nada? Espere, estou no chão?

... não, isso é uma cama fofa, há muitos anos não sei o que é uma cama fofa... abri os olhos e olhei em volta, eu me lembro deste lugar, dos meus sonhos... alguma coisa aconteceu aqui, mas não consigo me lembrar o que era. O que estou fazendo aqui afinal? Será que essa casa pertence à algum parente de Sky e ela me trouxe aqui depois que eu desmaiei? Aqui está quente, aconchegante com essa lareira, há alguns livros numa estante também. O lugar é bem pequeno, mas muito bem arrumado, os lençóis tem cheiro das flores na primavera. Tenho certeza que conheço esse lugar, não é de nenhum parente de Sky, é a casa da minha avó!

Comecei a sentir o peito doer, doer muito... eu me lembro disso, me lembro de ter sonhado com isso muitas vezes. Ela estava morta e tudo por causa da minha arrogância. Me levantei e andei até perto dela, eu sabia que era um sonho, mas talvez ela tivesse algo para me dizer, algo que não havia sido dito antes. Talvez eu pudesse pedir perdão por não tê-la escutado antes...

– Então finalmente acordou... – ouvi a voz doce dela.

Acordei... eu não me lembro de ter dormido...

– Eles estão vindo atrás de você Aida. Eles sabem que você está viva.

– O qu...

Senti minhas costas se arrepiarem. Isso foi exatamente o que ela disse naquele dia... ouvi batidas na porta, exatamente como naquele dia, mas o que foi exatamente que aconteceu naquele dia? Eu não me lembro... mas não quero abrir aquela porta.

– Corra Aida, corra e não olhe para trás!

– Eu não acho que ela tem para onde correr. – essa voz... eu conheço essa voz. – Por favor, não me faça perder tempo.

Tempo? Não houve tempo, quando notei minha avó já estava morta no chão e eu sentia frio, sentia a lâmina afiada passar por minha pele e então senti dor, pela primeira vez, eu senti dor. Uma enorme vontade de chorar, gritar e me debater, mas não conseguia.

– Por que? – não era uma pergunta voluntária, as palavras apenas escaparam dos meus lábios.

– Não é nada pessoal, você apenas tem algo do qual eu preciso.

Ele era forte, muito mais do que aparentava. O garoto tinha uma aparência esguia, os cabelos brancos na altura dos ombros e olhos estranhos, um deles era vermelho e o outro era verde, idêntico aos meus. Ele não parecia um assassino de sangue frio, mas me dava calafrios olhar em seus olhos.

– Nada pessoal o cacete! – eu sabia que aquilo era extremamente pessoal, mas como eu sabia? Eu não o conhecia...

Havia tanto ódio em seus olhos... por que é que ele me odeia tanto? Por quê? Pelos deuses, como isso dói, eu não me lembro de ter jamais sentido tanta dor, eram tantos sentimentos que chegava a ser difícil lidar com todos eles. Ser um Nobre tinha suas vantagens, eu jamais senti nada. Um “nobre”... era assim que minha avó costumava me chamar, ela dizia que era fácil saber pela cor de nossos cabelos e olhos, sem falar na frieza. Famosos pela força extrema, velocidade além do comum e ótimos reflexos. Mas os Nobres jamais sentem nada, eles são assassinos de sangue frio, soldados perfeitos. Minha avó costumava dizer “o dia em que você conhecer um Nobre de verdade, será o dia em que você morrerá”, muito delicado da parte dela me dizer isso... eu nunca atendi o significado de um “real Nobre”, eu não era uma Nobre de verdade? Naquele dia eu descobri... vendo aquele garoto à minha frente, seu rosto e voz perfeito, sua frieza... foi então que eu notei que não era uma Nobre de verdade e os Nobres de verdade não me queriam viva, seja lá pelo que eu tenha feito. Senti frio, muito frio e me senti cansada, mas acima de tudo estava com medo, não conseguia conter as lágrimas, podia senti-las escorrendo pelo meu rosto. Não demorou muito para eu começar a perder a consciência, mas antes disso eu pude ver o garoto que me esfaqueou, algo brilhante saía de dentro do meu peito e era passado para o dele formando uma linha fina e prateada no ar, eu pude ver seus olhos brilharem. Era isso que ele queria, minhas habilidades... então era assim que era ser um humano? Sentir, chorar... as coisas a minha volta começaram a ficar escuras, eu não conseguia mais chorar ou ao menor gritar por socorro, doía tanto... tanto...

“O que devemos fazer com a garota?”

“Levem-na para a floresta, façam parecer com um ataque de ladrões.”

“Pelos deuses! Olhe esses ferimentos! Ajude ela pai, você pode!”

“Eu não sei se ela vai sobreviver, Sky...”

“Não se preocupe, estou com você. Você vai ficar bem!” eu conheço essa voz... abri os olhos apenas o suficiente para ver um borrão com cabelos castanhos olhando para mim. Por que ela tem sangue no rosto? Não... provavelmente sou eu, provavelmente não levei só uma facada no estômago, devo estar quase esquartejada. Não me surpreenderia se estivesse enxergando poças se sangue nos rostos alheios. Como é que estou viva afinal?

– Não se preocupe, ela vai viver, isso é só incubus. – de quem é essa voz? – Sua amiga vai ficar bem, ela deu sorte de não ser o veneno de um incubus adulto ou poderia acabar morta. Essa poção vai acordá-la em breve.

– Muito obrigada... é minha culpa, eu insisti para virmos aqui... – ótimo ao menos Sky está fora de problemas. – quanto tempo até ela acordar?

– Não se preocupe, será logo. – outra voz que eu não sei a quem pertence, mas esta é de um homem. – provavelmente ela está tendo um pesadelo dos mais desagradáveis.

– Tenha cuidado, jamais toque um incubus ou o veneno... pode te aprisionar em um sono profundo onde seus pesadelos são seus piores medos ou ainda te matar! – ouvi a mulher que não conhecia falar com Sky.

– Nos desculpem, não somos exatamente estudiosas, não sabíamos disso. Seu nome é Tillie, certo? – pare de falar com estranhos, Sky!

– Sim e eu me chamo Zander. – falou o homem. – Você disse que sua amiga voou, estou certo?

– Sim, e os olhos dela também estavam brilhando, parecia que ela ia explodir de dentro para fora.

Parecia? Por que ela nunca me conta essas coisas?

– Foi então que a entrada secreta apareceu? Interessante... e a estátua e a joia? – porque ele quer saber? Pare de meter o nariz no que não é da sua conta! Quando vou conseguir mostrar para eles que estou viva, afinal?

– Eu não sei, elas simplesmente desapareceram. – respondeu Sky calmamente. – Por que vocês estão aqui afinal?

Finalmente alguém mostrou interesse em saber o que esses estranhos fazem aqui! Ótimo, minhas pernas se movem! Abri os olhos e respirei fundo, mas acho que todos estavam interessados demais na conversa para sequer notar que eu me levantei.

– Razões... – respondeu o homem. Aliás, muito bonito o homem, olhos azuis, cabelos escuros até a altura dos ombros e pele clara. Ele era bastante alto e vestia uma túnica preta um tanto estranha, mas ainda assim era bonito. – Por que vocês estão aqui?

– Razões... – respondi, finalmente dando o ar da graça. Apesar do susto, me sentia ótima e pronta para a próxima.

– Você! Sua... sua idiota! – Sky... Sky está gritando comigo é isso?

– Talvez eu não devesse ter acordado...

– O que estava pensando ao tocar naquela coisa?

– Não me lembro muito bem, mas deve ter sido algo do tipo “ah olha, uma coisa gosmenta e preta, eu deveria tocar...”

– Você nunca para de brincar? Algum dia ainda vai morrer por ter essa boca aberta! Se Tillie e Zander não estivessem aqui, você estaria morta!

Quanto drama, mas se eu responder qualquer coisa é capaz de ela começar um teatro.

– Obrigada... – falei para a pequenina mulher ruiva – você sabe... por salvar minha vida... – não sou boa em pedir desculpas. Eu não peço desculpas.

– Não foi nada. – ela respondeu com um sorriso caloroso que era capaz de eliminar todo o frio daquelas pedras ao redor.

– Você está mesmo bem? Zander disse que você provavelmente teve um pesadelo bem ruim... – olhei para Sky quando ela perguntou.

– Sonhei com o dia em que me encontrou... – falei como se não me importasse, mas ela sabia que isso ainda me assombrava todas as noites. Nunca falamos sobre o que aconteceu, nunca iremos falar. Eu estava coberta de sangue, desmaiada, roupas rasgadas... se o pai dela não fosse um ótimo médico eu estaria morta e isso já soa mal o suficiente para eu ter uma desculpa para não dizer nada.

– E então, vamos indo Tillie? – sugeriu o homem. Eu olhei para ele então, vendo mais de perto pude identificar, ele era um elfo e isso o tornava mais atraente ainda. Ao lado dele, parecendo ainda menor do que realmente era, estava a mulher e ela me encarava, olhei de volta por um tempo, mas a situação estava ficando estranha. Constrangedora eu diria.

– Por que está me olhando? Por que ela está me olhando? – virei o olhar para o elfo e bufei em seguida, notando o que ela tanto encarava. – É o cabelo, não é?

– Você parece uma Nobre.

Ela realmente disse isso? As pessoas sempre morreram de medo de mim, qualquer um que não me conhecesse jamais chegaria perto para dizer isso, todos sempre temeram os nobres e apesar de eu não ter os olhos da cor de um Nobre, a única raça que possuía cabelos brancos era essa. Essa mulher é realmente corajosa, ao menos Sky jamais tocou no assunto.

– Bem, eu não sou.

– Meio Nobre talvez... – ela parecia falar consigo mesma. – Mas não é possível, Nobres não podem ter filhos com humanos...

– Olha, eu não sei. Não conheci meus pais. – não quero levar essa conversa longe, não gosto dos Nobres e nem eles de mim, está ótimo desse jeito.

– Ahm... Tillie. Talvez não seja uma boa ideia irritar uma raça que tem fama de ser assassinos de sangue frio, não acha?

Olhe a boca, elfo!

– É estranho... você tem características de um Nobre, mas não se parece com um...

– Obrigada? – por que eu iria querer ter a imponência de um Nobre? Minha aparência já é o suficiente, não preciso de crianças correndo para suas mães quando eu entro em algum lugar...

– Podemos ir agora? – perguntou Zander.

– Salvei sua vida, poderia ao menos me dizer por que estão aqui. – a anã insistiu. Não estou caçoando da altura dela, ela realmente é da raça. Não sou tão terrível assim a ponto de fazer piada com tudo.

– Aqui vamos nós... – falou o elfo com um tom de cansaço, imagino que deva ser assim sempre.

– É justo. Estamos procurando um mapa. – respondi a fim de acabar logo com aquilo.

– Um mapa para o Antigo Reino, eu presumo. Por que está procurando pelo mapa de um lugar que ao menos existe?

– Bem, minha amiga aqui acha que existe. Eu estou aqui apenas pela diversão e pelo alto risco de morte. – sarcasmo é a melhor coisa que já foi inventada neste mundo.

– Bem, você está pisando nele. – respondeu Tillie.

O quê? Olhei para ela sem entender.

– Você está pisando no mapa agora mesmo. – olhei para baixo esperando ver meus pés sobre uma folha de papel amarela, mas ao invés disso vi marcas gravadas no chão de pedra, olhando mais atentamente foi que compreendi o que ela estava falando, o chão era o mapa, estava entalhado na pedra.

– Bem, não é exatamente portátil... – olhei para Sky e ela parecia surpresa e ao mesmo tempo frustrada. – E então, o que vocês estão fazendo aqui? – perguntei para a anã.

– Pesquisando. Sabe, nós anões muitas vezes não temos conhecimento de nossos dons com as artes Arcanas.

– Não, não sabia...

– Bem, este é um templo anão. Tudo aqui foi construído pela minha raça, as paredes de pedra, os caminhos, as estátuas...

– E...? – e por que isso importa?

– Como você conseguiu descobrir o caminho secreto? – pelos deuses, ela não cansa de perguntas?

– Bem, primeiro tinha uma joia e então eu voei um pouquinho...

– Voou um pouquinho – ela repetiu minhas palavras e riu, claro que eu continuei com cara que quem iria sair correndo dali ao primeiro sinal de despedida, mas ela não parecia se importar com isso. – Pense bem, o que uma joia mágica estaria fazendo em um templo anão? Por que uma passagem secreta? Bem, eu não tenho a resposta para isso, ninguém tem, então parece que estamos procurando pela mesma coisa.

– Espere, como ninguém jamais conseguiu abrir a passagem antes?

– Creio que a joia seja a chave e a passagem só aceita ser aberta por um Nobre. – até que a lógica dela fazia sentido, mas será que podemos ir embora agora?

– Bem, a lenda diz que os Nobres vieram do próprio Reino Antigo, eles eram famílias importantes lá, por isso chamados de Nobres. – lá vem Sky com suas lições de história.

– Exato, o Reino Antigo foi uma cidade construída por homens, anões e elfos e era especializada nas artes arcanas. – Tillie pareceu se empolgar com a conversa, mas é bastante visível que nem eu e nem o e o elfo aguentamos mais isso e não parece que ele vai falar alguma coisa, então...

– Certo, obrigada pela aula de história, foi muito gentil da sua parte...

– Bem, o que estou querendo dizer é que já que estamos procurando pela mesma coisa...

Não ouse...

– Nós deveríamos nos unir! – Sky completou a frase.

– O QUÊ?! – ora, não apenas eu estava surpresa com aquilo, Zander também estava.

– Nós podemos encontrar nosso próximo destino no diário da minha mãe! – Sky, pare de encorajar isso! – Nós podemos descansar no acampamento e então saímos pela manhã!

– Creio que não temos direito a uma palavra sequer nesse plano... – falou o elfo, olhei para ele, encontrando seus olhos arrepiantemente azuis por um momento e desviando o olhar em seguida.

– Nem uma sequer...

Voltamos para a superfície finalmente, apesar de meus planos de estar somente eu e Sky terem falhado, estar fora daquela sala debaixo da terra me deixa feliz. Tillie e Sky pareciam bastante entrosadas conversando sobre flechas enquanto eu e o elfo estávamos sentados debaixo de uma árvore sem dizer nada. Aquele silêncio já estava me incomodando.

– Bem, Sky parece bastante interessada. – quebrei o silêncio.

– Você está bem? Parece um tanto pálida. – ele olhou para mim. Seus lhos eram ainda mais estonteantes aqui onde havia bastante luz. Realmente, um lindo elfo.

– Voar, brilhar e então viver um pesadelo não foi exatamente divertido... e estou com fome. – por um momento eu pude jurar que vi ele sorrir, durante todo o tempo que ficamos lá embaixo eu não vi ele sorrir sequer uma vez e pelo que ouvia, elfos não eram exatamente do tipo que sorriam muito. – Espere, acabei de presenciar o milagre de ver um elfo sorrir?

Então ele riu – nós raramente demonstramos nossas emoções, mas não sou apenas um elfo da lua, sou um mago. – ele tinha a voz calma, isso me encantava.

– Então, magos elfos são do tipo otimista que sorriem o tempo inteiro? – ora, brincadeiras são melhores que o silêncio.

– Escondemos nossas emoções, pois um elfo com conhecimentos em magia têm sentimentos dez vezes mais fortes do que qualquer um que seja leigo no assunto. Como não sabe sobre isso, é de conhecimento geral.

– Bem, viver a vida se escondendo e sendo caçada não te deixa sentar e aprender sobre alguma coisa, sabe.

– Entendo. Não há muito que se aprender, eu não sou diferente dos outros elfos da lua, exceto pelos sentimentos e pela magia. – ele estava sério novamente.

– Bem, desculpe dizer aquilo, é que você não parece ter emoções, está sempre com o rosto sério.

– Oh, desculpe por ter sempre o mesmo rosto sério.

– Eu quero dizer, você tem cara de quem comeu demais, sabe... – tentei não dizer isso, juro, mas é mais forte do que eu.

– Eu não tenho essa cara.

– Tem sim. – falou Tillie se juntando a nós.

– Não tenho.

– Ah não se preocupe, não é um rosto desagradável – tentei ser o mais gentil possível. Na verdade estava sendo honesta, ele é uma fofura.

– É bom ouvir isso... – ele respondeu sorrindo com o canto dos lábios.

Resolvemos voltar para o acampamento, já estava ficando escuro. Eu estava com uma sensação ruim, algo não parecia certo. Podia ser a “nobreza” em meu sangue, ou meu ótimo instinto para perceber problemas, adquirido com os anos me escondendo. Estava esfriando bastante e tudo estava silencioso demais, mais do que deveria estar. Segurei os outros atrás de mim.

– Algo não está certo. – falei assim que pisamos no acampamento. – Sangue... – olhei para as tendas com sangue por todo lugar. Não pude segurar Sky que saiu correndo para a tenda de seu pai quando viu a cena. – Sky, espera! – Havia muitos corpos, todas aquelas pessoas eu conhecia... quem teria feito algo assim? Me aproximei de um dos campistas, ele tinha uma flecha cravada exatamente no centro da testa, quem quer que tenha feito isso, não é amador. Respirei fundo, vi também os gêmeos Toen e Eran, me divertia muito com eles, eram engraçados...

Entrei na tenda atrás de Sky, ela segurava a cabeça de seu pai sobre o colo, eu nunca a vi daquele jeito... ela tremia e chorava tanto que eu sequer tinha coragem de chegar perto, não havia nada que pudesse falar que a confortasse naquele momento...

– Por que? – ela se perguntava, notando que eu estava ali – por que alguém faria isso?

– Eu não sei, Sky... – não havia o que dizer. Eu não choraria pelo homem, não éramos amigos, mas vê-la naquele estado realmente me partia o coração.

– Por favor Aida... eu preciso ficar sozinha... e-eu...

– Está tudo bem Sky... – passei a mão por seus cabelos e olhei na direção da mesa – Sky... onde está o diário da sua mãe? – ela não levou para a caverna – Alguém pegou.

– O-o que? – ela olhou para mim e fungou – isso não faz sentido, por que alguém pegaria? Será que estão procurando pelo reino? Ninguém sabia sobre o diário exceto nós... – ela voltou a chorar descontroladamente, voltando a encostar a testa na de seu pai.

Saí da tenda, não queria ver aquilo, não queria vê-la daquela maneira sem poder fazer nada.

– Aida, eu sinto muito... – falou Tillie chegando perto de mim – O pai de Sky, ele está...

– Sim.

– Eu e Zander colocamos os corpos dentro da tenda, já que eu não estou familiarizada com o funeral dos humanos... não saberia o que fazer.

– Está tudo bem, Sky saberá o que fazer... – foi então que eu notei que também não sabia o que fazer, nunca havia ido a um funeral e era bem capaz que o único fosse o meu próprio.

– Aida, posso falar com você? – Zander me chamou. – Acho que sei quem está por trás disso...

– Quem? – qualquer um que tenha causado dor à Sky é meu inimigo.

– Todos eles foram mortos com um só tiro na cabeça, me parece muito o estilo da Águia.

– Aposto que não está falando do pássaro.

– Eles são a gangue por trás da queda da Ordem dos Cavaleiros, próximo a quando seu rei morreu. Ninguém jamais imaginou que alguém atacaria a Ordem dos Cavaleiros tão abertamente, mas eles não são apenas marginais, são arqueiros profissionais. Eles não eram de grande importância antes da morte do rei, mas agora eles praticamente reinam sobre Northcliff.

– Como sabe sobre tudo isso?

– Bem, Tillie e eu escapamos deles há alguns meses, não foi bonito. – seu tom era sério.

– Isso não é nada bom... por que a Águia estaria aqui? Eles levaram o diário da mãe de Sky, continha informação sobre o Antigo Reino...

– Aida, essas pessoas são más, eles são cruéis, jamais podem ter acesso a essas informações. – falou Tillie num tom extremamente preocupado.

– Mas porque eles as querem? – não faz sentido algum...

– No Antigo Reino eles praticavam necromancia... – disse Zander – Há alguns anos eles nos encontraram e disseram que era sobre uma pesquisa “mágica”, mas quando descobrimos que eles estavam estudando necromancia, nós fugimos...

– Aposto que eles não gostaram muito da ideia.

– Na verdade eles não se importavam muito conosco, mas Tillie peou tudo o que eles tinham de informação e pesquisa e trouxe junto. E então eles se importaram.

– Eu não podia deixá-los ter controle sobre esse tipo de poder... – a anã disse em defesa.

– O que fazemos então? – perguntei interessada. Se eles não podem ter controle sobre isso, alguém tem que fazer algo e não acho que ninguém no acampamento possa ajudar.

– Precisamos de um bom plano, eles não são ladrões quaisquer... – falou Tillie.

A ainda chorosa Sky se junto a nós, ela ainda não havia conseguido se controlar, mas eu não estava que tivesse...

– E-eu... – ela respirou fundo, engolindo o choro – Aida, precisamos pegar aquilo de volta. Não podemos deixar esses monstros terem o conhecimento que minha mãe tinha.

Respirei fundo – Não vou deixar eles usarem o diário Sky, eu prometo... Tillie, Zander, vocês devem saber de alguma fraqueza.

– Bem, não é exatamente uma fraqueza, mas há uma coisa. – começou Zander. – recentemente o líder da ordem foi substituído, os membros mais antigos não gostam do novo líder, então eles irão procurar por novos recrutas.

– Isso pode ser nossa chave para a porta da frente.

– Quer dizer a minha chave... – é claro, afinal, eu jamais deixaria Sky se meter em um plano desses e eles já conhecer Tillie e Zander, jamais daria certo, tem que ser eu.

– Creio que não vai deixar Sky participar disso e eles já nos conhecem, você é o que resta. – falou Tillie.

– Eu posso ir. – Sky soluçou.

– Não, não pode. Ia acabar esfaqueando os homens no meio da noite ou algo do tipo. – é pura verdade, Sky não sabe se controlar. – Bem então o plano é ser recrutada, pegar o diário e correr. Certo, mas tem um pequeno problema – apontei para o cabelo – ela coisa de Nobre, cabelos brancos... acaba chamando um pouco de atenção desnecessária.

– Northcliff tem muitos vendedores, compre uma capa e cubra os cabelos. – gostei da solução, Tillie é rápida.

– Bem, só preciso de um tempo para me despedir e então podemos ir. – falou Sky segurando as lágrimas.

Sky saiu de perto e voltou para a tenda, Tillie se sentou em um canto falando sozinha, então resolvi conversar com o elfo.

– Então, vamos partir agora? – ele perguntou.

– Por quê? Se cansou do acampamento cheio de mortos? – pode parecer ridículo, mas sarcasmo pode ajudar nas horas difíceis, mais do que você imagina.

– Não vejo tantas pessoas mortas assim desde meu teste final.

– Teste final?

– Sim, na escola de magia Arcana. Bem, tinha uma garota... ela não sabia ler ou escrever e nós nos tornamos amigos, eu a ensinei e nossa amizade realmente aflorou, mas meus pais jamais souberam disso, nós nos encontrávamos escondidos. Elfos da lua não são exatamente os melhores amigos das outras raças. Eu estava prestes a fazer meus testes finais na academia e então um dia minha mãe estava me esperando em casa, quando eu entrei no meu quarto eu vi Kille amarrada e ensanguentada... – ele respirou fundo, era óbvio que isso ainda o perturbava – minha mãe fez isso com ela... eu implorei para que minha mãe a deixasse ir, mas então ela simplesmente a matou. Na minha frente. Foi então que eu não consegui segurar minhas emoções... eu acabei explodindo e coloquei fogo na casa...

– Bem, me lembre de jamais irritar você. – olhei para ele e sorri, não sou do tipo que consegue acalmar ou confortar as pessoas, nunca me mostraram como se faz isso.

– Eles quase não conseguiram tirar minha mãe a tempo, mas Kille... – ele respirou fundo novamente mordendo os lábios – é isso o que acontece quando eu não me controlo... pessoas inocentes sofrem. Desculpe, não quero tomar seu tempo, isso foi inútil.

– Ah não se importe, sempre tenho tempo para histórias de corações partidos e elfos adoráveis. – eu realmente disse isso? Provavelmente disse, pois vi ele ficar vermelho e sorrir virando o rosto. Claro que depois disso eu saí de fininho.

Tillie me pegou no meio do caminho – Aida, se lembra que eu disse que trabalhávamos para as Águias, certo? – claro que sim, acabou de me dizer isso. Assenti com a cabeça – bem, em um dos documentos que roubei, uma lista de entrega, havia um nome “Keeiran”, ele é um Nobre e trabalha para a Ordem Prateada, eles são o exército real. – eu sei o que eles são, me escondi deles toda minha vida. – Só o que estou querendo dizer é para tomar cuidado redobrado, se a Ordem Prateada está por trás disso, talvez isso seja mais do que com o que podemos lidar.

Certo... pensando bem, se isso tem envolvimento com a Ordem Prateada, eu serei a primeira a saber e a primeira a saltar deste barco, se tem uma coisa que eu não quero nesta vida, é mais um encontro com Nobres...


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Não entenderam, querem me xingar, querem xingar minha mãe? Me deixem saber! Os capítulos saem assim que meus dedos estiverem recuperados de tanto digitar!



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