Vermelho-sangue escrita por Ninguém Especial


Capítulo 3
Chapter III


Notas iniciais do capítulo

Esse terceiro capítulo tem como eu-lírico Robert Armstrong (Sr. Armstrong, o delegado investigador). Espero que gostem! Boa Leitura :3



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– Por favor, me acompanhem – disse a enfermeira da esquerda.

Não adianta tentar negar: hospitais arrepiam a qualquer um. Principalmente uma clinica psiquiátrica. Tudo culpa dos tão previsíveis filmes de terror. Pela cara de Tony, meu assistente na delegacia, ele também não é um grande fã de lugares assim. E agora, nós dois, fora o Sr. Nielman e duas enfermeiras que nos acompanham, estamos cruzando os corredores desse antro de perturbações psíquicas.

– Olha Nielman – pus a mão em seu ombro enquanto andávamos, tentando quebrar o clima – se me dissesses há algumas semanas atrás que eu acabaria por essas bandas eu não acreditaria.

– E o que o delegado quer dizer com isso? – me indagou ironicamente, porém num tom sério, como quem não gosta de algo.

– Aqui. Eu estou falando de estarmos numa clinica psiquiátrica.

– Isso não é o que me assusta “delegado”: é o fato de estarmos indo realmente interrogar uma senhora de idade, mentalmente instável.

– Por favor, quantas vezes vou precisar dizer que pode me chamar de Bob?

– Inúmeras. Prefiro manter nosso relacionamento com base no respeito e estritamente profissional. Perdoe-me a grosseria, apenas quero sair logo daqui.

– Não creio que o senhor está com medo, Simon – perguntou Tony.

– Sr. Nielman para você. E vamos logo com isso, que quanto antes sairmos daqui melhor.

Eu compreendo a grosseria dele. Ele praticamente passou sua vida inteira aqui. Não porque teve problemas psicológicos, mas sim porque sua progenitora adoeceu severamente com a morte de seu pai. E foi assim durante anos. Deveras, os últimos 16 ou 17 anos de sua vida. Antes de clínica psiquiátrica, aqui costumava ser um hospital, que fechou para uma reforma nunca acabada e foi vendido por uma firma empresarial que resolveu manter o ramo hospitalar, e bem, você sabe o que eles fizeram com o local. Ao menos hoje é mais cuidado e limpo do que quando sob a posse do governo.

– Aqui é a sala de espera. Fiquem a vontade – disse a enfermeira da direita.

– O médico já está a caminho, mas talvez demore uns instantes. Ele está por coordenar uma aula nesse momento – completou a outra.

– Obrigado – Simon respondeu em tom seco.

– Enfermeiras, será que teria algum problema em eu dar uma olhada nessa “aula”?

– Claro que não. Normalmente isso não seria possível, entretanto não vejo problema algum caso seja feito de longe. E o doutor já foi avisado de sua presença. Fique a vontade – disse a da direita, que agora mudara de lugar.

E após um “com licença” premeditado, ambas deixaram o recinto.

A sala era bem ampla, entretanto não havia muito a se fazer: tudo o que ela possuía eram vários bancos estofados em fileiras, um balcão de acesso restrito, um bebedouro convencional e uma mesa de centro cheia de revistas antigas. Uma delas, não pude deixar de notar, a única recente, tinha uma foto de quando um dos pés de Clara, motivo por estarmos aqui, foi encontrado boiando sobre o rio.

– Parece que o caso já foi vinculado a mídia. Eles realmente não perdem uma oportunidade sequer de faturar à custa da desgraça dos outros – Tony disse, de maneiras gradativa, como se o som esmaecesse conforme eu deixava a sala e me distanciava de seu reprodutor.

A verdade é que não foi preciso andar muito para descobrir que tal aula era essa. Confesso que minha curiosidade era de demasiada proporção, afinal, estávamos em uma clínica e não em uma escola. E foi então que me surpreendi. Na verdade era uma pequena classe de pintura e artes feitas com barro. Li uma vez a respeito, de que o trabalho manual e as artes plásticas ajudam na estimulação do cérebro, portanto promissor a qualquer um, principalmente pessoas portadoras de transtornos e síndromes psicossociais. Mas o que me chamava atenção em si não era o objetivo a aula e sim quem estava nela. Lucy, a senhora adorável, possivelmente assassina de sua própria neta, o que confesso não conseguir acreditar, dividindo espaço com o outro acusado Samuel, melhor amigo da vítima. E devo dizer, apesar da enorme diferença de idade, eles agiam como velhos amigos. Eu os vigiava através dos vidros do corredor que davam para a sala de artes onde estavam. Minha inércia foi quebrada ao vê-los passando pela porta.

– Olha quem está aqui. Você deve ser o delegado. Muito prazer – disse o doutor, num timbre de pura simpatia, contagiante para ser sincero, estendendo a mão para me cumprimentar – Perdoe-me, mas, qual o nome do senhor mesmo?

– Armstrong. Robert Armstrong, mas pode me chamar de Bob – retribuí a camaradagem – E o senhor deve ser o Dr. Cooper, estou certo? – Consistiu com a cabeça – Mas vejamos, que belo trabalho o senhor faz por aqui!

– Isso? Imagina! É o mínimo que posso fazer por eles. Pode até não acreditar, mas eu aprendo diariamente com cada um desses, que agora são minha família, já que passo o dia quase inteiro por aqui – sorriu. Fora que artes é uma boa maneira de se distrair e estimular o prazer e a atividade cerebral.

A breve conversa foi dissipada quando vi Lucy e Sam aproximando-se de nós.

– Bob. Olha Lucy, esse é o Bob. Apelido para Robert Armstrong. Esse é o nome dele.

– Parece que o rapazinho não esqueceu meu nome, não é? Nem eu o seu, Sam – agora eu era a vítima: da simpatia do doutor.

– Prazer Robert. Que lindo nome o seu – disse a senhora.

Todavia, antes que eu pudesse iniciar uma conversa, fosse com qualquer um dos dois, fui chamado casualmente pelo doutor, que queria me explicar algumas coisas sobre o interrogatório. Aparentemente o fato de estarmos em uma clinica não era a única coisa que ia mudar.

Com a saúde instável, a dona Lucy nunca soube que sua neta foi dada como morta. Nunca lhe foi contada tal fatalidade, o que me surpreende, mas é explicável. E por ela estar nas condições em que se encontra, a supervisão das enfermeiras seria necessária durante a entrevista. Apesar de comprometer o sistema eu permiti, pois seu testemunho era de suma importância, infelizmente. E como não podia contar a verdade, resolvemos que devíamos fazer parecer um depoimento casual pelo fato dela fugir tanto da clínica; depoimento esse que começou logo após, devido à impaciência de Simon, que sacudia as pernas e batia o dedo indicador no relógio de pulso, impacientemente.

Quando dei por mim já estava entrevistando a senhora, em seu próprio quarto, com toda a equipe.

– Acho que a senhora não foi devidamente apresentada aos demais, dona Lucy. Esses são o Sr. Nielman, o estenotipista, e o Tony, meu auxiliar.

– Muito prazer. Vocês sim são homens da minha época, todos trajados a rigor, nesses paletós engomados, mesmo num dia tão quente como esse... – introduziu seu discurso.

– Bem notado dona. Mas infelizmente, viemos aqui para conversar um assunto sério com a senhora. Posso lhe chamar apenas de Lucy?

– Mas é claro, fiquem a vontade. Lucy, Dona Lucy, Sr. Pepper, esse é meu sobrenome de casado, que Deus o tenha, ah, como eu amava meu falecido marido... – se lamuriou com um sorriso aflito, olhando para o céu. Mas sobre o que desejam falar?

Sr. Nielman posicionou os dedos para começar a digitar.

– Viemos aqui conversar sobre as suas “fugas” – abri aspas, enquanto ela deixava escapar um leve sorriso frouxo de canto de boca.

– Vou te contar um segredinho – colocou a mão direita sobre a boca e abaixou o tom de voz, não muito, apenas para criar um clima – não é de hoje que eu dou umas escapadinhas.

Todos rimos. Até mesmo Sr. Nielman compartilhou de uma gostosa gargalhada.

– Mas o que os senhores desejam saber? – retomou o assunto inicial – Afinal, eu já disse várias vezes que não vou contar como nem para onde eu fujo...

– Não é isso exatamente o que eu quero saber senhora, falando sério agora.

– Então me digas, como posso lhe ajudar, formoso rapaz?

– Gostaria de saber o por que de suas fugas.

– Oh – parou para pensar – não sei se posso lhe contar. Ela não gostaria.

– Ela quem, a Clara?

– Oh! – dessa vez num tom exclamativo – quer dizer que os senhores conhecem minha netinha? Ela não é adorável? – Apoiou as maças da face sobre as mãos, num singelo gesto de pura delicadeza.

– Eu tenho certeza de que ela gostaria senhora. Foi ela quem nos enviou aqui, para dizer a verdade – indiretamente, pensei comigo.

– Ela? Mas isso não faz muito sentido. Ela contou para vocês que o pai dela batia na minha filha, foi isso?

– Minha nossa! – tomei um susto – Então a senhora também sabia disso?

– Há anos. Desde a época de namorico deles são assim. Já discutimos tanto sobre isso que hoje em dia ela nem sequer me visita mais, bem, uma vez ao mês no máximo. Tem medo que eu comente algo. Como meu falecido marido, que Deus o tenha, caiu em desgosto quando ela aceitou o pedido de casamento! Tadinho – olhou para o teto novamente.

– E por que a senhora nunca fez uma denuncia formal?

– Eu cheguei a contar para algumas amigas na época que me desaconselharam. A família do homem, meu genro, apesar de não ter aonde cair morta, são todos de caçadores e todos andam armados...

– A sim, a família Silver é conhecido pelo porte de armas legalizado. Mas nunca soube de nenhum caso de morte além dos animais da floresta.

– Bem, é por isso que eu fujo daqui. E que eu vim para cá, pra dizer a verdade.

– Como assim?

– Na época eu realmente pensei em não falar. Achei melhor permanecer em silencio, que o romance não iria durar. Mas os anos foram avançando e eu vi que nunca nada melhorou, a não se a condição financeira do rapaz, mas também não foi muita coisa. O que aconteceu mesmo é que anos atrás eu resolvi o denunciar. E contei para minha filha, só que ele ouviu. Bem, ele a convenceu de que eu estava louca e aqui estou eu...

– Caso típico de submissão ao marido, se realmente for o que a senhora está falando.

– Então agora eu fujo para papear com minha netinha. Ela é um anjo. Tão lindinha. E tem os olhos claros cheios de sonhos e esperanças, assim como os do meu falecido marido, que deus o tenha. Nós nos encontramos pra conversar. Pra ela desabafar. Lógico que não só sobre isso, mas essa é a razão principal.

Um telefone celular toca e interrompe o que a senhora dizia. Era o celular de serviço de Tony, que pediu licença e se retirou da sala para atender o chamado.

– O que eu dizia mesmo? – Ela se perdeu.

– Falava de sua fuga, para conversar com sua neta.

– A sim. Ela é uma ótima ouvinte também, sabia? Não se cansa de ouvir minhas historia sobre o seu falecido avó, que Deus o tenha. Mas vocês entendem? Do que adiantaria eu denunciá-lo depois? Todos acham que eu sou louca.

– Do que adiantaria? De muito senhora! Casos assim precisam ser impedidos.

– E a Clara não merecia estar nesse fogo cruzado também. Tão linda, tão doce. Não a imagino envolvida com policiais e militares. Não não! Ela é meiga demais para isso.

– Realmente, ela aparentava ser muito meiga mesmo.

– O quê? – Ela retrucou.

– O que foi senhora? – Me perdi em sua indagação repentina.

– Eu sabia! – gritou – Eu sabia que havia alguma coisa errada! – Desabou em prantos.

– Senhora, mas o que está acontecendo? – Perguntou uma das enfermeiras já tentando acalma-la.

– Eu pude sentir desde o momento que esses homens pisaram aqui.

– Está tudo bem com a senhora, dona Lucy? - Perguntei aflito: não entendia o que se passava, nem a razão.

– Me responda você! O que aconteceu com a Clara?

– Como assim o que aconteceu? Nada aconteceu! – Tremi a voz, estava prestes a quebrar o pacto com o doutor.

– Você disse ERA. Eu sabia! Não me esconda a verdade senhor – me suplicou – Eu sei que foi muito mais do que um simples uso indevido de palavras. Não mandariam o delegado me entrevistar por eu fugir da clínica. Apenas me diga, ela está bem?

Seu olhos. Eu não conseguiria mentir para eles mesmo que fosse preciso.

– Ela foi assassinada dona Lucy. Eu sinto muito – respondi, com a cabeça abaixada, e o orgulho no chão.

O que aconteceu em seguida foi tão não premeditado que me surpreendeu. A velocidade com que os fatos se sucederam foi deveras avassaladora. Uma hora eu contara que sua neta havia sido assassinada, e na outra, médicos e enfermeiras tentavam tirá-la de uma crise compulsiva, enquanto tremia e deixava de respirar agonizantemente no chão. Em outro instante, estava do lado de fora da sala, já me preparando para deixar a clínica, uma vez que o medico simpático e o coordenador do estabelecimento me expulsaram imediatamente. Apenas aguardávamos Tony, que ainda estava na ligação. Até agora.

– Doutor, eu soube do que aconteceu. Sinto muito. Ainda não sei como deixou escapar que...

– Agora não é hora para isso Tony! Sei que foi o seu telefone de trabalho que tocou, então me diga, era algo a ver sobre o caso da menina Clara?

– Sim doutor.

– Então desembucha! Quem te ligou?

– O representante da IML.

– E aí!? – A euforia me dominara.

– Descobrimos a real causa da morte.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que estão achando? Comentem, gritem, rabisquem na minha parede: apenas seja sincero, que críticas são sempre bem vindas:)



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