A verdade sobre o adeus escrita por M Bing


Capítulo 1
Capítulo Único: O Peso das Lembranças


Notas iniciais do capítulo

Fiz essa fic para um "amigo secreto" e não gostei muito do resultado. Mesmo assim, resolvi postar. Espero que consigam aproveitar algo :)



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Estou parado em meio ao frio cortante e meus pés estão completamente afundados na neve gélida, mas não sinto frio. Meus olhos estão petrificados e é como se eu não tivesse controle do meu próprio corpo. A única coisa que consigo fazer é observar atentamente o grupo de crianças e adolescentes inocentes que, com olhares tristes e perdidos, choravam e berravam descontroladamente.

Separados do restante dos refugiados por uma larga barricada de concreto, os jovens demonstram tamanho desespero que posso até me dar ao direito de pensar que eles, talvez, já até previam a tragédia que estava por vir.

Os aerodeslizadores estampados com a insígnia da capital passam acima de suas cabeças e os primeiros paraquedas prateados chegam flutuando pelo céu. O brilho de esperança que se acende nos olhares daquelas crianças me faz exterminar por completo minha dúvida de segundos atrás. Elas nem ao menos imaginavam o que iria acontecer dali em diante. Elas achavam que seriam salvas com remédios, comidas... dádivas.

Com ingenuidade infantil, todos os pequenos refugiados tentam alcançar seus “presentes”. Os mais velhos e altos abrem sorrisos de orelha a orelha por serem os primeiros a terem os paraquedas em mãos. Os que estão com irmãos, primos e amigos ao lado, se abraçam e fazem promessas de divisão do que quer que possa estar dentro dos invólucros prateados.

Segundos depois, as explosões começam. Uma após a outra, as bombas seguem exterminando tudo e todos ao seu redor. As crianças, que antes sorriam, agora tinham os rostos estampados com puro terror.

Algumas, mais frágeis, morreram imediatamente. As outras tiveram a sorte ― ou seria melhor dizer “azar”? ― de sobreviverem e agora estavam jogadas ao chão com a carne exposta, membros decepados e outros ferimentos profundos enquanto clamavam por salvação. Ou, talvez, sabendo que não resistiriam a aquele ataque, clamassem apenas por uma boa companhia, uma palavra de conforto e uma mão firme para segurar no momento em que suas almas finalmente abandonassem seus pequenos corpos.

A equipe de médicos invade a barricada em busca dos sobreviventes. Automaticamente meus olhos levam-me a encará-la. Ela está linda, como sempre foi. Mesmo naquela situação desesperadora, seu rosto mantinha os traços suaves e tranquilos que ostentava desde bem pequena. Ela sabia exatamente o que fazer e o fazia por amor. Salvar as pessoas sempre fora o sonho da sua curta vida.

Os cabelos loiros de Prim arrumados em uma bela trança são a última coisa que vejo antes de novas explosões começarem a acontecer.

Segundos depois, não há nada mais que possa ser feito. Ela está morta.

Morta por cair na armadilha que eu projetei.

***

Acordo assustado e com o corpo coberto por suor.

Apesar de nunca ter vivenciado, de fato, aquela cena, ela vem me acompanhando todas as noites desde a morte de Primrose Everdeen. Depois que ela deixou esse mundo, na minha vida não houve mais espaço para noites tranquilas ou sonhos bons, apenas pesadelos que me levavam a reviver inúmeras vezes o momento em que Prim deu seu último suspiro.

Por mais que eu tentasse me concentrar em outras coisas, me distrair com outras tarefas e travar novas batalhas, a voz de Coin nunca abandonava meus pensamentos. Eu nunca pensei que nossa conversa ― a última que tivemos antes de ela, também, morrer ― fosse me marcar e perturbar pelo resto da vida.

Gale, sua ideia é extremamente maravilhosa e será muito útil para nós. ― ela havia dito com animação exagerada enquanto abria um sorriso que expressava total crueldade. Crueldade demais, até mesmo para mim. ― Precisamos utilizá-la a nosso favor. É um golpe bastante severo, eu sei, mas pense no quanto irá inflamar ainda mais a revolução. Os civis, até mesmo os da Capital, jamais perdoarão Snow por um ato de tamanha frieza.

Coin havia acabado de sugerir que, durante a revolução, tomássemos posse de aerodeslizadores da Capital para aplicarmos o golpe que nos traria diversos aliados na luta contra o governo opressor de Panem.

Duas explosões programadas. A primeira afetaria as crianças refugiadas e a segunda ― e ainda mais brutal ― seria responsável por exterminar a equipe médica que estivesse prestando atendimento aos primeiros feridos. A culpa desse ataque de extrema frieza seria colocada inteiramente na Capital, é claro.

Todos os civis presentes no local da tragédia trariam estampado em suas memórias a insígnia luxuosa da Capital que seria exibida claramente nos aerodeslizadores. A população saberia a quem culpar e apenas Coin e eu conheceríamos a verdade por trás daquele ataque.

Eu não acho que seu plano dará certo, Coin. ― lembro-me que tentei, sutilmente, fazê-la desistir daquela ideia maluca.

Na equipe de médicos dos rebeldes havia alguém com quem eu realmente me importava muito. Todos os músculos do meu corpo se contraíram ao pensar em Prim sendo machucada.

No Distrito 12, eu costumava cuidar da irmã de Katniss tanto quanto cuidava de minha própria família. Ela era a criança mais doce e meiga que havia conhecido em toda a vida. Eu morreria para protegê-la.

Eu sei no que você está pensando... Ou melhor, em quem. ― Coin respondeu de imediato, como se minhas preocupações estivessem totalmente explícitas nos meus olhos. ― Não se preocupe. Prometo que eu mesma me certificarei de que a irmã do nosso Tordo não faça atendimentos no dia do “acidente”. ― a ironia em sua voz fez com que meu estômago se embrulhasse.

Naquele momento, apenas assenti com a cabeça e aceitei cooperar com o plano.

Talvez, no meu íntimo, eu soubesse que Coin estava mentindo. Prim não estaria salva, como fora prometido em vão. Ela, assim como muitos outros inocentes, já estava designada a morrer pela causa. Porém, mesmo com todas as minhas desconfianças, não fui forte o suficiente para impedir que a presidente do Distrito 13 realizasse seu golpe diabólico. Apenas me calei e permiti que aquilo acontecesse.

E nem mesmo a morte de Coin e o afastamento de Katniss podiam diminuir a minha dor porque, por mais que eu tentasse fugir, o olhar decepcionado de Primrose me seguia e torturava todas as vezes em que eu fechava meus olhos.

E ainda que aquele segredo ― a conversa com Coin, o plano, o ataque ― morresse comigo, eu sempre saberia quem realmente havia a matado. E viver com essa lembrança era bem pior do que a própria morte.


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Notas finais do capítulo

Leu até aqui? Sua opinião é muito bem-vinda :D