DesafioTWD : Fire & Blood escrita por Lucas XVI


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Okay pessoal, aqui está. Espero que se divirtam enquanto estiverem lendo o quanto me diverti enquanto escrevia.



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Deixada, esquecida, abandonada... Desesperada, amedrontada, confusa... E quase sem forças.

Corri o tanto quanto pude em meio á densa mata que outrora servira apenas de vista ao que havia sido chamado de fazenda. Depois de os Walkers terem-na tomado e do fogo do celeiro consumir também a grama seca e morta, espalhando-se pelo casebre da fazenda, formando um cenário inimaginável até mesmo em um mundo apocalíptico. Walker e destruição, fogo e demolição. Combinações assustadores, e agora, reais.

A realidade que vivi era igualmente assustadora, havia sido deixada por meus companheiros de acampamento. Agora, corria.

Continue correndo. - pensava para mim mesma enquanto driblava os Walkers que me perseguiam na imensidão negra e arborizada da floresta. - Só mais até aquela árvore e descansarei.– Prometia, mas nunca conseguia definitivamente parar, sempre mais Walkers surgiam para perseguir-me

Fiquei sem fôlego e tive de parar para repousar, decidi não gastar minha munição toda, restava apenas um pente de balas que já estavam inseridos dentro de minha arma de fogo. Correr era meu plano, meu único plano. Enquanto descansava recostada á um árvore que jazia com suas folhas marrons e mortas, o bando de Walkers aproximou-se uma vez mais, pondo-me á correr.

A estrada. Eles estão lá, é para lá que tenho que ir!– Decidi enquanto afastava com um chute um Walker que ousadamente aproximou-se demais de mim. O problema era que eu estava perdida, na escuridão da noite em meio á floresta e cercada de Walkers onde só a luz frágil da lua iluminava o âmbito e me impedia de ser morta em uma cilada ou pega desprevenida.

Eu corria desesperadamente, afastando com as mãos os galhos que ficavam em meu caminho evitando ao máximo ir para o combate com meus predadores artificiais quando deparei-me com mais errantes de fronte á mim. Atrás havia mais uma dúzia dos quais já vinha fugindo á algumas horas, ao lado esquerdo um entulho de troncos derrubados impediam a passagem, á direita havia uma dupla de Walkers que aproximava-se vagarosamente...
... E um morro.

Não pensei mais que uma vez, corri de encontro ao morro á minha direita, atirei-me do morro e levei comigo a dupla de errantes que outrora estavam a bloquear o caminho. O morro não era grande, mas a chuva que havia caído na noite anterior havia deixado o terreno macio demais, fazendo-me escorregar e cair perto de uma árvore.

– Mas que bosta. - Exultei enquanto erguia-me.
Os dois Walkers que trouxera comigo já se erguiam rente á mim, prontos para atacar. Não tive outra escolha, já havia evitado demais. Ergui minha arma e disparei certeiramente contra o crânio dos dois transformados, um após o outro caíram ao chão, inertes.

Pensei que haveria enfim um momento de paz... Enganei-me.
Por trás, uma horda aproximava-se tão depressa o quanto podiam e já estavam tão perto que aquilo causara pânico em mim.

Como não os ouvi chegar?!– Questionei-me enquanto recuava com passos para trás, sem tirar a atenção dos errantes que me perseguiam.

O bando aproximava-se depressa demais para que eu os despachasse com uma corrida.

– Droga, droga, droga. - Irritei-me enquanto descarregava o último pente de balas sob as cabeças daqueles que ansiavam por minha carne, por minha morte. Um por um, os errantes acabaram, juntos com minha munição.

E então tornei a correr, e continuei correndo até que vacilei e meu pé deslizou no terreno fofo de areia e musgo que cobria o chão da mata. Lembro que meu corpo foi ao chão, minhas costas impactaram-se duramente contra as raízes de uma árvore e minha cabeça atingiu o tronco desta mesma árvore, fazendo-a tamborilar violentamente.

Tentei me levantar do solo e despenquei na metade do esforço. Quando finalmente minha visão, outrora turva estabeleceu-se novamente, foi que me dei conta que estava cercada. Dois errantes debatiam-se um contra o outro na disputa pelo primeiro pedaço de carne fresca.

Eu ainda tentei me erguer, mas o máximo que pude fazer foi rastejar para um pouco mais longe dali, e só este ato me deixou exausta.

Arfei pesadamente quando os dois predadores reanimados aproximavam-se de mim, convictos de sua vitória quanto a ter uma refeição naquele dia.

Não fechei os olhos, encararia meu destino fielmente. E quando tudo parecia acabado, eu vi a cabeça dos dois errantes voarem para fora de seus corpos em uma diferença de tempo mínima, e por trás disto...

Vi-a. Minha salvação, encapuzada, de espada na mão e acorrentada á dois transformados desdentados.

...

– Você parecia muito mais ameaçadora no dia em que te conheci. - Falei á minha companheira de viagem.

– E você parecia mais frágil da primeira vez que te vi também. - Ela respondeu, em tom de deboche.

– Passaram-se um mês desde então. - Observei, feliz.

– E agora temos um tremendo inverno para enfrentar. - Disse-me, em tom sério.

– Agora sim soou como a antiga Michonne. - Brinquei.

– Não há " antiga Michonne ". - Respondeu-me, seca.

Michonne havia salvado minha vida há um mês atrás, desde então andamos juntas. Até acho que criamos um laço, um laço verdadeiro.

– Acho melhor começarmos á montar a barraca, vai chover. - Michonne disse-me enquanto levantava-se do tronco em qual estávamos sentadas e ia certificar-se que seus Walkers de estimação estavam devidamente presos.

– Chuva? Não vai nada. - Continuei a comer o feijão enlatado que havíamos estocado, sentada no tronco morto.

Ela nada falou, só suspirou e começou a armar a barraca. Que na verdade não era bem uma barraca, era uma cabana que mal cabia nós duas lá dentro.

– Você que sabe... - Bradei, ainda sentada.

Como que por ironia, minutos depois de Michonne acabar de montar a cabana os primeiros pingos de chuva precipitaram-se sobre nossas cabeças.

Olhei-a com um sorriso surpreso em face e ela retribuiu-me um sorriso cheio de insolência.

Joguei terra por cima do fogo que havíamos acendido, para que a fumaça que se ergueria fosse menor do que seria se a chuva o fizesse. E em seguida adentrei á cabana. Não costumávamos conversar ali, então apenas dormimos.

Ainda chovia na manhã seguinte. Ao quebrarmos o jejum, sugeri para que esperássemos até que a chuva parasse:

– E isso será quando? Amanhã? Dentro de uma quinzena? Quando o inverno acabar? Não. Temos mantos, e caminho a percorrer. - Disse-me Michonne.

Choveu durante todo aquele dia, a estreita trilha que a gente seguia rapidamente se transformou em lama por baixo de nós. As árvores que víamos estavam despidas, e a chuva contínua transformara as folhas caídas em um tapete encharcado e marrom. Apesar dos mantos espessos, a água transpassava-os facilmente, fazendo-nos tremer de frio.

Durante algum tempo pareceu que o gotejar constante da chuva era o único som que havia no mundo, nem sequer os Walkers nos perseguiam para juntarem seus grunhidos esfomeados ao pingar das gotas de chuva. E nem os acompanhantes transformados de Michonne emitiam algum som. Continuamos a avançar durante todo o dia, um vez ou outra um grupo de errantes surgia, mas Michonne e eu éramos totalmente capazes de finalizá-los.

Por caminharmos o dia todo, quando a escuridão caiu sobre nós duas, decidimos acampar. O tempo estava úmido demais para se ver o sol se pôr, e muito cinzento para se ver a lua nascer. A noite foi negra e desprovida de estrelas ou de errantes. Michonne estava esgotada e logo adormeceu do seu lado da modesta cabana.

Quando vamos encontrar alguma coisa que não cheire a morte ou destruição? Se é que vamos encontrar, estamos á um mês nisto.– Pensei, encolhida em meu canto da cabana, ainda acordada.

O dia fora longo para nós duas, e eu estava cansada. Descobri que até ficar sentada contra o pano da tenda, com a chuva tamborilando do lado de fora, fazia que minhas pálpebras começassem a pesar. Dormitei por três vezes. Na última, acordei de repente, com o coração aos saltos, convencida de que uma horda de Walkers estava em pé acima de mim. Senti os membros rígidos. Libertei-me das cobertas e levantei-me. Michonne estava aninhada de encontro a parede da cabana, meio enterrado em sua manta molhada e pesada, dormindo.

Um sonho. Foi só um sonho.– Pensei, já voltando á deitar-me.

Os dias que se sucederam foram seguidos por um mesmo ritmo: andávamos durante o dia, fugindo de errantes e correndo atrás da sobrevivência. Á noite procurávamos um lugar onde era menos provável a ocorrência da aparição de errantes e montávamos a cabana para dormir, sempre com os Walkers de Michonne por perto. Além de camuflagem, também serviam de alarme. Toda vez quando alguns errantes aproximavam-se da cabana sem que nem eu e nem ela visse-os, os Walkers de Michonne agitavam-se, alertando-nos, como acontecera algumas vezes durante este e o último mês.

Em alguns desses dias em que as chuvas torrenciais decaíram sobre nós, frequentemente estávamos resfriadas. Mas desta vez era diferente, eu estava mais fraca do que costumava ficar quando era atingida por alguma gripe ou resfriado.

Devido á minha condição, Michonne excedeu á regra de caminhar durante todo o dia e fez-nos parar em uma vila pequena e modesta que encontramos no caminho ainda pouco depois do meio-dia.

– Nossos anti-gripais acabaram, você fica aqui e eu vou a procura de mais alguns. - Declarou Michonne, repousando-me sobre o chão de um casebre abandonado e medianamente conservado, era confortável o bastante para mim.

– Você não precisa fazer isso, eu já vou ficar boa. - Tentei mentir, mas uma crise de tosse atacou-me.

– Aham, certo. - Ela disse, sarcástica. E depois saiu.

Retornou depois de alguns minutos com comprimidos para resfriados e anti-gripais em doses líquidas e únicas. Tomei-os, um de cada.

– Para onde vamos agora? - Disse após engolir o comprimido.

– A lugar nenhum, não até você estar bem. - Ela reprimiu-me.

– Não podemos desperdiçar metade de um dia todo, Michonne. - Eu falei, decidida. Mas para meu revés, ela também estava:

– Não podemos é sair por aí com você assim! - Ela me disse.

– Eu tomei os remédios, não tomei? - Disse á ela enquanto levantava-me lentamente do chão, pronta para partir. - O remédio logo fará efeito, posso caminhar ainda.

– Andrea... - Michonne preparava-se para censurar-me, mas interrompi-a.

– Michonne, vamos. - Disse soando autoritária. Ela forçou um sorriso nada satisfeito, mas cedeu.

Seguimos uma pequena trilha até entrarmos em uma mata, o inverno já havia acabado há alguns dias e o sol agora estava mais quente do que nunca, ainda mais que tratava-se do meio dia.

– Fique por perto. - Ela me disse enquanto seguíamos lado á lado, com os Walkers desdentados a nos acompanhar de perto.

– Ficarei. - Disse-lhe. Por mais quente que o clima pudesse estar, eu estava enrolada em uma manta de pele, com frio. Sentia que minhas dores de cabeças haviam diminuídos e minha garganta já não incomodava tanto quanto antes, mas ainda sentia frio.

– Sua arma está carregada? - Ela perguntou-me enquanto caminhávamos.

– Está, porque? - Quis saber.

– Por causa daquilo. - Ela desembanhou sua Katana e apontou para um helicóptero que vinha perdendo altitude gradualmente.

– Uou. - Lembro-me de ter dito quando enfim o objeto voador caiu não muito longe de onde estávamos.

A queda agitou os errantes que nos acompanhava e fez subir uma densa cortina de poeira e folhas secas.

– Mas que droga é esta? - Bradei, curiosa.

– Fique atenta. - Ela disse-me. Tentei avançar para até onde o helicóptero havia caído, mas Michonne interpôs-se á minha frente. - Só depois que a poeira baixar, literalmente.

A poeira baixou e nós nos aproximamos de forma sorrateira e cuidadosa.

Ela amarrou seus mascotes em uma árvore e liderou-me até o local do acidente. Lá nós percebemos que tratava-se de um helicóptero militar, a tripulação estava toda quase morta, quase... Um homem ainda mantinha-se vivo, embora que o máximo que conseguisse pronunciar era ruídos desagradáveis a audição.

– Me ajude a tirá-lo daí. - Eu disse á Michonne. Ela olhou-me como se eu fosse uma louca, mas quando comecei á avançar até os destroços ela me seguiu para fazer o mesmo.

– Andrea! - Ela exclamou em um tom alarmante, sequer tivemos tempo de chegar aos escombros do veículo e tivemos que recuar quando Michonne avistou um carro aproximando-se de nós, vindo da estrada mais á frente.

Nos escondemos na mata, perto de onde os mascotes de Michonne estavam. A distância até o helicóptero caído e nós não era muito grande, então tivemos de manter-nos caladas.

Tudo então pareceu passar-me muito depressa. Quando os homens no carro desceram e se aproximaram do local do acidente os Walkers de Michonne agitaram-se e começaram a produzir sons graves com o debater das correntes no tronco da árvore onde estavam, o que chamou a atenção dos que estavam perto do helicóptero. Mesmo tendo passado toda uma estação junto com aqueles errantes, e quem sabe mais ainda, ela não hesitou em cortar-lhes a cabeça fora quando eles começaram a produzir barulhos incensantes. Observei-a com cautela, mas ela não demonstrava sentir a perda deles.

– Talvez eles sejam boas pessoas.- Comecei, estava tão longe de um grupo há tanto tempo que vê-los encheu-me de esperanças e sonhos.

– Acho que não. - Após dizer isto, ela virou-se para trás, pronta para sacar sua Katana. Estava prestes a atacar... mas não atacou.

– Mich..- Virei para ver com o que Michonne havia se revoltado e vi-o. Não pode estar vivo, lembro-me de ter pensado. - Você...
Merle...

– Dispensemos saudações. - Ele disse de modo irônico.

Queria perguntar-lhe milhares de coisas e mais algumas, queria contar-lhe tudo o que acontecera comigo durante o tempo em que esteve fora. Mas descobri que não podia fazê-lo quando a escuridão atingiu-me nos olhos e na mente... Desmaiei ali mesmo, entre Michonne e Merle.

Recordo-me então de ter acordado quando ainda estávamos, eu e Michonne dentro de um carro e prestes a entrar no que se parecia ser uma cidade. Minha visão estava obscurecida e meus ouvidos diminuíam a sonoridade das falas, mas ainda assim pude ver do que se tratava e ouvir quando um homem de casaco negro, cabelos castanhos e um rosto redondo e bem cuidado disse-nos:

– Bem-vindas á Woodbury.

Até este momento Michonne e eu havíamos passados por muitas coisas juntas. Realmente criamos um laço de amizade.

...

E agora, cá estamos. Nós duas, em frente á praça de Woodbury, exatos três dias depois de nossa chegada. De lá para cá conhecemos a cidade, seu líder, o Governador e até alguns habitantes. Ficamos hospedadas em uma casa muito confortável e recebemos toda a atenção necessária e mais um pouco do Governador... Bem, ao menos eu recebi. Michonne se esquivava de tudo que podia agradá-la ou prendê-la á esta cidade.

– Vamos embora hoje. - Ela está realmente decidida. Por ela, tínhamos partido no exato instante em que chegamos, mas insisti para que ela esperasse um pouco mais.

– Tudo bem. - Digo-lhe, não querendo deixar transparecer minha frustração para a outra.

– Você não vem. - Ela deduz. Tínhamos ficado boas em saber o que a outra sentia ou pensava.

– Olha, não paramos em um canto desde que nos conhecemos. Sempre andando e andando. Aqui é seguro, você mesma pode ver! - Tento convencê-la.

– Eu estou indo. - Ela me diz. - Você vem ou não?

– Mich, passamos mais de três meses juntas. Eu confiei em você, segui-a para onde queria ir. Agora está na sua hora. Fique, confie em mim. - Digo, em uma última tentativa de fazê-la mudar de ideia.

– Não posso. - Ela diz já virando as costas para mim, prestes á partir.

– E porque não? - Pergunto, triste.

– Porque você está errada. - Ela responde. E vai.

Passou-se um tempo desde que nos separamos, eu em Woodbury e ela lá fora, outra vez... Neste meio período envolvi-me com todos da cidade, especialmente com uma pessoa...

– Você é a melhor coisa que me aconteceu desde que isso começou. - Disse-me o governador.

– Costuma dizer isto para todas que frequentam seu quarto? - Perguntei em tom de escárnio. Estávamos deitados em sua cama, juntos.

– Não disse isto para ninguém. Exceto para você. - Disse e então me beijou. Um beijo curto, mas carinhoso.

– Acredito. - Eu disse, dissimulada.

Já era de manhã, então me levantei da cama dele ainda pelada e fui a procura de minhas roupas.

– Philiph, sobre os acontecimentos com o pessoal da prisão... - Comecei. Dias atrás um grupo havia invadido Woodbury, atrás de algo que eu ainda não tinha conhecimento sobre o que poderia ser, e depois de conversas eu descobri que tratava-se do grupo de Rick. Embora não fosse do conhecimento de Philiph qual minha relação com Rick e os demais. - O que pretende fazer?

– Eles mataram nossas pessoas. - Respondeu-me, agora já não mais Philiph, mas sim o Governador.

– Tudo pode ser resolvido. - Falei, tentando convencê-lo á mudar de opinião.

– Posso pensar sobre o assunto. Mas só depois, irei em busca de suprimentos com Martinez e os outros. - Disse o Governador.

– Tudo bem, vou ver se o Milton precisa de ajuda. - Eu disse. Vesti minhas roupas e deixei o local.

Lá fora o sol sequer estava á pino, o que apontava ser antes do meio-dia. Então normalmente Milton nem deveria estar em seu laboratório ainda, o que me fez ter que procurá-lo durante minutos por toda a cidade.

– Milton! - Gritei ao vê-lo atravessar uma rua mais adiante. - Espera!

Corri moderadamente até onde ele estava, particularmente hoje ele parecia mais nervoso do que costumava ser. Estava transpirando e parecia abatido.

– Você está bem, Milton? - Perguntei, preocupada.

– Sim, é só que depois daquele acidente no laboratório eu pensei em treinar á respeito desses Walkers. - Disse-me meio sem jeito, desconfortável. - Tentei matar um deles, um dos que o Governador estoca para as rixas.

– Ah, não devia fazer isso quando está só. - Eu disse, tentando parecer compreensiva.

– Viu só? É por isto que tentei. Ninguém tem esperanças em mim, Andrea. É melhor que eu volte apenas para meu laboratório. - Ele desabafou, frustrado.

– Tudo bem. - Foi o que disse-lhe, concordava que o melhor seria que ele permanecesse afastado dos errantes, mas dizê-lo causaria ainda mais desconforto em Milton. - Então, precisa de ajuda?

– Não, na verdade não. Hoje só vou analisar os tecidos de pele dos transformados e compará-los ao de pessoas livres da mutação. - Ele me respondeu enquanto retomava a caminhada á seu local de trabalho.

É agora. Pensei enquanto seguia-o até seu laboratório. Se queria impedir uma guerra sanguinária teria de jogar um joguinho antes.

– Droga, minha cabeça não para de doer. - Minto á Milton enquanto simulo um ataque repentino de uma tosse seca e agressiva. - Arf, isso é irritante.

– Andrea, você não está nada bem. - Concluiu Milton, aparando-me sobre seu ombro. - Desde quando sente-se assim?

– Noite passada, eu acho... - Não era muito boa atriz, mas a personalidade frágil e lenta de Milton facilitava as coisas. - Já tomei uns comprimidos que peguei quando cheguei aqui.

– E ainda não fez efeito? - Ele me perguntou, preocupado.

– Tomei eles agora á pouco, antes de encontrar você. - Menti enquanto forcei uma expressão dolorosa em face.

– Devia descansar. Digo, hoje o dia será calmo. - Explicou-me enquanto ajustava a posição de seus óculos. - Com as experiência usando os Walkers paradas e o Governador fora, vai ser um dia bem calmo.

– Não posso. - Disse com uma voz falha. - Não até saber.

– Saber o quê? - Ele perguntou, fingindo confusão.

– Vamos lá Milton. - Disse em meio á mais um ataque de tosse forjado. - Nós vamos atacar a prisão, não vamos?

– Nã-não sei de nada. - Ele me disse, nervoso.

– Milton, eu quero ir descansar. - Disse enquanto forçava minha respiração, deixando-me arfante. - Mas não sabendo que vamos á guerra.

Ele hesitou por alguns segundos, mas depois suspirou e olhou em volta como que para se certificar de que ninguém estaria á escuta.

– O Governador pretende exatamente isto. - Confessou-me. - Mas não hoje, não agora.

– Menos mal. - Fingi estar aliviada. - Só quero que este inferno acabe logo.

– Descanse. - Ordenou-me com uma voz séria. - Tem que ficar boa logo.

– Farei isto, obrigada. - Disse e logo após me despedi dele. Caminhei de maneira lenta até perdê-lo de vista, ainda fingindo estar doente.

Ainda tenho tempo. Pensei enquanto caminhava de volta á casa onde eu estava hospedada. Por mais que passasse frequentes noites com Philiph, eu fiz questão de ter um lugar só para mim, e ele concordara sem objeções.

Recolhi a arma que guardei dentro do criado-mudo do meu temporário quarto e certifiquei-me que estava carregada. Mas ainda assim fui atrás de mais munição em minha mochila. Encaixei a arma no meu cinto e pousei o tecido da longa camisa que estava usando sobre o acessório, para escondê-lo.

Impedir este conflito não era uma opção. Não para mim.

Além da arma e de munição tratei de atar duas cordas bastante resistentes á meu cinto e escondi um pequeno canivete no bolso de minha calça. Estava pronta para ir. Preparada para acabar com algo antes que fosse tarde demais.

Saí da minha casa e vasculhei cautelosamente cada rua pela qual passava para me certificar de que Milton não me visse. A esta altura o Governador já deve ter saído com os outros. Analisei, planejara aquilo desde que Rick e Philiph haviam concordado com sua proposta de organizar uma reunião entre os dois lados da disputa para que um possível acordo pudesse ser firmado... O que não aconteceu. A conversa entre eles foi particular, e até hoje não sei sobre o que discutiram. Mas sabia de que de nada havia adiantado tudo aquilo, o confronto parecia mais óbvio a cada dia que se passava e eu não podia simplesmente tomar uma decisão sobre quem apoiar, não sem ter conhecimento completo da situação. De um lado Woodbury, a cidade que acolhera-me adjunto ao homem que acolhi. Deste lado estava ciente, se pudesse confiar realmente no Governador, o grupo de Rick havia planejado o atentado de outrora em uma tentativa falha de tomar a cidade e saquear seu estoque. Philiph também disse-me que Rick confessou ter me abandonado lá...
Do outro lado estavam as pessoas com quem convivi a maior parte do tempo desde que tudo isto começou, com aquelas pessoas conheci a dor de uma perda, e teria conhecido o sabor da morte se Dale e os outros não me ajudassem. Na época em que perdi Amy e depois disto, eu pensava que já não tinha mais pelo o quê viver ou sobreviver, mas com eles percebi que não se trata de viver por alguém que você ame, ou algo que adore ou Deus que venere. Trata-se de viver por você mesmo. Nunca se sabe o que acontecerá logo a seguir em um mundo como este, você pode morrer a qualquer momento. E tentar acelerar esse processo com suicídio é tolice. Agora eu sei, todos nós temos um destino e nós mesmo o traçamos. Segui-lo ou não não é uma opção, por mais que fuja disso você terá que enfrentá-lo adjunto á suas consequências.
Eu estava dividida e confusa, mas para enfim me posicionar de um dos lados desta disputa eu teria que ouvir o lado do pessoal da prisão também. E era o que eu faria.

Sem o conhecimento ou concessão do Governador ou Milton caminhei até a entrada da cidade para que pudesse sair e ir até a prisão.

Os muros da cidade estavam sendo guardados por dois homens que eu conhecia apenas de vista, hesitei em chamá-los, mas tinha de fazê-lo:

– Ei vocês, tratem de patrulhar as ruas! - Disse-lhes em um grito de ordem.

– Não recebemos suas ordens. - Cuspiu um deles.

– O Governador saiu e deixou-me no comando, como já fez antes. - Disse, tentando manter a calma e parecer firme. - Olha, a segurança destas pessoas é mais importante do que esses muros.

– A segurança destas pessoas vem dos muros. - Disse o outro, rindo.

– Há três dias não tivemos nada mais do que quatro errantes nesses domínios. E sabem que agora há baderneiros, não sabem? - Disse em tom profundo, segura.

– Não podemos deixar os muros desprotegidos. - Disse o primeiro, confuso.

– Eu fico um pouco aqui até que a próxima dupla chegue para cobri-los. - Disse enquanto caminhava para a amurada, subindo as escadas. - Podem ir.

– Sim senhora. - Disse um deles enquanto saiam rumo ao centro da comunidade.

Dormir com o líder de uma comunidade tem seus benefícios.

Quando notei que ambos os guardas já haviam desaparecido do meu alcance de visão resolvi pôr o plano em prática. Pulei a amurada da cidade e despenquei do lado de fora, pronta para correr.

O plano era seguir pela floresta até a prisão, a caminhada seria curta se eu evitasse os errantes no caminho, e para isto bastava não chamar a atenção de outros.

– Isso vai ser divertido. - Comento em sussurro enquanto deparei-me com um errante que cambaleava lentamente até mim, sedento e faminto.

Esperei que ele se aproximasse o bastante e então avancei com o canivete á seu encontro. Empurrei-o para o chão e joguei o canivete á seu lado, desatei uma das cordas do cinto e esperei até que ele erguesse o tronco para outro ataque. Quando o fez, enrolei-o com a corda, sempre mantendo-me afastada o bastante para que não pudesse me morder e dei um nó bem apertado.

O errante se debatia inutilmente contra o solo enquanto eu pegava o canivete e apunhalava sua boca, mais precisamente sua arcada dentária.

Podre como estava, sua gengiva cedia facilmente á lâmina, desprendendo os dentes do Walker aos montes. Bastaram-se algumas poucas punhaladas com o canivete para que enfim a boca do Walker fosse transformada em um túnel obscurecido e rubro de sangue.

Em seguida deitei-o no gramíneo e peguei um de seus braços, forçando-o para o lado oposto ao corpo do transformado afim de deslocá-lo. Deve estar deste jeito há meses. Refleti quando notei que as primeiras tiras de carne já se desprendiam do ombro do errante e com mais um esforço, arranquei-lhe um dos braços e repeti o processo com o outro restante.
Por fim, desamarrei seu corpo, deixando apenas sua cabeça presa á corda, como em uma coleira.

Como Michonne fazia. Teria de agradecê-la depois.

Um era suficiente para mim. Por sorte tinha pensando em fazer aquilo, porque a floresta estava recheada de mais errantes. Caminhei por entre eles na companhia de meu Walker desdentado, camuflando-me entre o âmbito domado por aquelas feras carnívoras.

Demorou mais do que esperava, mas enfim pude avistar a prisão mais adiante.

A princípio não consegui reconhecer quem estava na vigília em uma das torres de segurança, ou não tive tempo para isto. Até porque fiquei vidrada no cenário ao lado do local habitável daquela prisão, parecia que um dos blocos havia sido invadido, as grades estavam caídas e havia vários errantes por lá.

Mas por outro lado, o bloco onde Rick e os demais estavam havia estado livre de muitos daqueles seres caminhantes.

Aproximei-me cautelosamente. Depois de tanto tempo e de tantas coisas eu sentia que estava envergonhada e feliz ao mesmo tempo. O primeiro á me ver foi o Carl. Ele está tão crescido. Sorri ao me aproximar da entrada de acesso, Carl chamou por ajuda e Rick apareceu para ajudá-lo á içar a corda que abria o portão para mim.
Amarrei o caminhante que trouxe comigo na grade e entrei, séria.

– Você veio. - Disse Rick ao me recepcionar. - Mas não para ficar.

Nos conhecíamos bem.

– Tudo isso pode ser resolvido, Rick. - Falei como em um desculpa pela ocasião.

– Não vamos falar disso aqui, venha comigo. - Disse Rick fazendo referência á Carl estar escutando tudo aquilo. Segui-o até definitivamente entrar no conjunto de celas do presídio.

Era uma coisa grande e assustadoramente confortável, na primeira parte estávamos apenas Rick e eu.

– Andrea, não há volta. - Disse Rick direto ao ponto. Ele não confia mais em mim. Não como antes. Pensei.
– Há. Sempre há. - Comecei. - Ele vai voltar atrás, eu sei. Vocês atacaram Woodbury, isso é certo, mas eu sei que deve ter alguma razão para isto e se houver, ele vai aceitá-la.

– Ele não tem que aceitar nada. - Disse Rick, furioso apesar de manter o tom de voz baixo.

– Ele quem começou isto, Andrea. - Disse Hershel, surgindo do mesmo lugar por onde entramos.

Então tudo ficou confuso para mim.

– Ele sequestrou Glenn e Maggie, mas aposto que não te disse isto, não foi? - Disse-me Rick, e quando neguei com a cabeça, consternada, ele continuou. - Viu o outro bloco? Ele derrubou com um carro, e soldados. Soltou errantes sobre nós e atirou durante vários minutos.

– Eu sei que é muito para que compreenda. Mas tente, será que ele é mesmo quem diz ser? Quem parece ser? - Questionou-me Hershel, e logo após saiu do local junto á Rick.

Miserável. Como pude ser tão cega? Não tinha dúvidas sobre a verdade nas palavras de Rick. Mas mal tive tempo para pensar mais a respeito:

– Andrea? - Disse uma voz conhecida a meus ouvidos.

– Carol. - Exclamei, sorridente. Ela estava com um bebê sob os braços acima da escada que tinha ali. Fui encontrá-la lá em cima, e não consegui tirar os olhos do bebê. - De quem é?

– Lori. - Respondeu-me com um ar infeliz e um olhar triste. E logo notei que ela não havia sobrevivido ao parto.

– Meu Deus, sinto muito... - Lamentei enquanto acariciava a face da criança. - Como se chama?

– Judith. - Respondeu Carol, gentil como de costume.

– Ele não pode fazer isto. Olhe para vocês, seria um massacre. - Eu disse, ainda confusa e referindo-me ao Governador.

– Você pode acabar com tudo isso, e sabe disso. - Disse-me Carol enquanto deixava Judith em um berço improvisado e voltava para perto de mim. - Com isto.

Tocou no canivete que estava á mostra em meu cinto. E então eu entendi.

– Isto tem que acabar. - Confirmei .

– Ele confia em você. Durma com ele, faça o que ele quiser que faça á noite. E depois... Bem, acabe com isto. Salve-nos. - Disse ela em tom de sussurro.

– Eu não sei. É tudo muito repentino e confuso... - Bradei em tom igualmente baixo, atordoada.

– Faça o que tem de fazer.- Ela me disse, afastando-se. - Woodbury e a prisão não podem viver juntas.

E se afastou.

Depois disto eu ainda tive tempo para cumprimentar todos da prisão, vi até a Michonne, embora não tivesse coragem para afrontá-la.

– Pode ir no carro. Temos vários outros. - Disse Rick quando eu já estava indo embora. O líder da prisão entregou-me as chaves e abriu os portões.

Dei a partida no veículo e já estava pronta para voltar a Woodbury quando ele disse-me mais uma coisa:

– Andrea, haverá sempre um lugar para você aqui. - E fechou os portões.

Na viagem de volta eu me apressei o máximo que pude, fui pensando á respeito do que Carol havia me dito. Estava confusa, mas no fundo sabia o que fazer. Eu não era uma justiceira ou assassina, mas também não era uma tola manipulável.

Estacionei o carro dentro da floresta, ainda próximo aos portões da cidade, para caso de necessidade. O resto do caminho foi á pé. Escalei uma parte da muralha que estava mal iluminada e tive sorte por não ter nenhum guarda ali.
Fui direto ao alojamento de Philiph.

Já era quase noite, mas ainda assim tive de esperá-lo retornar de sua saída. Despi-me por completo e enrolei-me em seus lençóis, á espera.
Mas só quando os gritos de que o Governador e os outros haviam retornado que eu por fim escondi meu canivete próximo ao pé da cama, oculto.

Esperei cerca de mais vinte minutos ali, só e insegura sobre a eficácia do plano, mas quando ele chegou minha dúvidas foram emboras. Olhou-me com uma expressão maliciosa, e então eu soube. Caiu como um pato.

Foi uma longa noite, tentei não demonstrar desejo ou satisfação, mas cedi umas duas vezes. Sentia algo por ele, isso era inegável.
No fim, ainda tive de esperar que adormecesse, embora que nisto eu havia dormitado umas duas vezes também, foi quando tive a certeza de que ele estava realmente dormindo... Ou não.

Deslizei meu braço até o pé da cama e agarrei firmemente o canivete. Trouxe-o de volta, e posicionei-o de forma á encostar sob o pescoço de Philiph. Mas ele sentiu.

– O beijo do aço... Inconfundível. - Ele disse-me, sem se mexer. - Abaixe isto,querida. Eles enxeram sua cabeça com besteiras.

Por um momento, mas por um único momento eu questionei-me sobre se ele estava realmente falando a verdade. Sentia coisas por ele, mas desde que tudo deu-se início, tinha sentimentos pelo grupo da prisão.

– O mundo é fogo e sangue agora, Andrea. - Começou ele, ainda sem se mover. - Eles estão dispostos á tudo para nos atordoar.

– Poupe suas palavras, Governador. - Disse, mantendo firme a voz e a lâmina. - O mundo é fogo e sangue. - Repito-o.

– Você chegou a me amar? - Ele me perguntou com uma voz suave.

Pretende me surpreender. Percebi pelos movimentos por baixo das mantas e do papo sentimental.

– Fogo! - Exclamei em seu ouvido enquanto incitei a lâmina por seus pescoço, perfurando-o em um jato rubro e imperfeito. - E sangue !

Retirei a lâmina, deixando o sangue fluir de forma suave. O mais estranho foi a facilidade, se ele tentou reagir, sequer percebi.

– Mentiroso. - Disse consternada enquanto observava-o.

Vê-lo morto e saber que a guerra havia sido evitada por hora fez-me sorrir.

Ergui-me e vesti minhas roupas. Atei minha arma de fogo e meu canivete ao cinto da calça e deixei-o.
Á sós com seus demônios e mentiras, não fraquejei.

Você não faz as coisas porque quer fazer, faz porque tem de fazer.

Fugir foi o mais fácil, aquela hora apenas um guarda ficava na vigília, para despistá-lo só precisei de uma pedrinha e uma boa mira e ele se afastou.

Pulei a amurada e fui atrás do carro que havia escondido na floresta, rumo á casa. De carro, a viagem para a prisão foi rápida.

Em frente á prisão os poucos errantes ainda permaneciam sobre as grades, mas já não importava, aproximei-me com o carro e fiquei em frente ao portão de acesso, esperando.

Esperar, foram os minutos mais agoniantes da minha vida. Podia ter buzinado, mas só causaria algazarra na prisão e atrairia mais errantes.

Logo descobri o motivo de toda a demora. Os Walkers já se amontoavam nas laterais do carro onde eu estava quando por fim saíram eles todos. Rick abriu os portões enquanto Carol, Maggie, Glenn, Beth, Carl e Hershel ficavam á minha espera.

Quando desci todos olharam-me com aprovação, Carol aproximou-se e perguntou abertamente:

– Está feito?

– Está feito. - Confirmei, e após sorri, sorrimos.

Todos foram me cumprimentar, mas ela... Ela fez questão de ser a última.

– Andrea. - Disse-me em tom sussurrante quando aproximou-se para me abraçar. Eu pude sentir suas lágrimas molharem minha camisa, e também não resisti.

– Bem-vinda de volta. - Disse por fim Rick enquanto caminhávamos juntos para dentro do bloco de celas. Juntos.

Eu não queria ser uma assassina, queria que ninguém se ferisse. Mas acabei descobrindo - e por sorte, de uma forma limpa - que não se pode ter tudo. Tinha um destino e enfrentei-o. Agora cá estou.

Acolhida... Satisfeita... Em casa.

Mas o mundo continua á Fogo & Sangue.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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