The 69th: For What I Believe In escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 38
Banho de Sangue


Notas iniciais do capítulo

Que comecem os Jogos Vorazes!



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(POV June)

É difícil para todos nós assistir ao anúncio dos resultados das sessões particulares quando tanto Rietta como Elijah recebem nota quatro.

– Tenho certeza que vocês vão se sair bem - eu disse a eles antes do início da transmissão. Os dois se encolhiam no sofá oposto a mim, e eu apoiava a cabeça no ombro de Burton ao meu lado.

– É fácil para você dizer. - Foi uma das poucas vezes em que Elijah se dirigiu a mim por iniciativa própria. - Ganhou um doze ano passado.

Se ao menos ele soubesse que os Idelizadores me deram nota máxima para fazer de mim um alvo.

Mas eu fiquei quieta. Não disse mais nada até que, agora, são Elijah e Rietta que escolhem o silêncio.

– Acho que não se lembram do meu três - Burton comenta depois que os tributos deixam a sala, relembrando a nota de sua própria sessão particular.

Sua fala tem obviamente o objetivo de aliviar a tensão da sala, mas eu não me deixo levar por tal esperança. Na edição de Burton, os Idealizadores experimentaram deixar de lado o tributo mais fraco com base na teoria de que morreria mais cedo ou mais tarde. Mas, no fim, ele foi Vitorioso. E, como qualquer experimento falho, isso não aconteceria de novo.

A noite anterior à Arena é sempre fria e quieta e, quanto à Edição 69, não é diferente. A insônia deve ser algo comum a todos os tributos, pois Rietta bate à minha porta com naturalidade no meio da madrugada.

– Desculpe - ela murmura assim que a deixo entrar. - É que eu não consigo dormir e Elijah não é muito de conversar.

Solto uma risada baixa porque concordo plenamente - principalmente com a última parte.

– Sei muito bem disso. E eu também não dormi na minha edição, era impossível. - O que é a mais pura verdade. Até hoje não entendo como o sono pode para algum tributo ser mais forte que o medo da Arena. - Mas vou ser franca com você e dizer que não posso fazer nada para te fazer sentir melhor. Não que eu não queira, só sei que não há como.

Rietta engole em seco. Deus, como era difícil estar apavorada assim.

– Imaginei - ela diz, atirando-se sobre uma poltrona vazia. - Mas só preciso conversar sobre... Sobre qualquer coisa.

Penso durante alguns segundos, e acabo enxergando uma brecha perfeita para perguntar algo que me intrigou na Colheita.

– Quando você foi sorteada - começo, e me pergunto se realmente deveria estar tocando no assunto. Afinal, eu nem mesmo sei se ela saberá do que estou falando. Mas a curiosidade pela resposta é maior do que o medo de dar a Rietta mais motivos para se preocupar -, vi do palco que um garoto começou a chorar tanto que não me impressionaria se ele se oferecesse só para te proteger. Alguma ideia de quem seja?

Vejo seu rosto se iluminar quando termino de falar, e percebo nesse momento que sabe exatamente de quem estou falando.

– É um amigo - diz, enfim, e não evito um desapontamento.

– Ah, um "amigo." - Desenho aspas com os dedos. - Interessante.

– Não é nada de mais.

– O menino quase se sufocando com os próprios soluços não é nada de mais? Mentirosa!

– Enxerida!

– Insensível!

Ela joga uma almofada na minha direção e eu revido. Rimos tanto que ver Elise ou Burton na porta nos pedindo para falarmos mais baixo não me surpreenderia.

Rietta revelou-se nesses poucos dias uma amiga que eu nunca pensei que teria. Burton quis morrer, é claro; provavelmente me vê como a pior mentora da face da Terra. Mas eu não ligo. Nós duas nos demos bem de cara e temos agora uma intimidade que espero fazer bem a ela como faz a mim.

– De qualquer jeito, ele nunca pensaria em mim dessa maneira - ela volta a falar depois de um tempo, e só então me lembro do assunto, do tal garoto que levou a tudo aquilo. - E agora não tenho mais tempo para correr atrás.

– Rietta... - É difícil vê-la sem a determinação que mostra em frente às câmeras.

– Não, June - ela me interrompe. - Você sabe disso. Tive nota quatro nas sessões particulares, ainda não sei usar uma espada e sou aliada dos tributos do 5 e da garota do 8. Não me leve a mal; eu disse que eles eram os mais parecidos comigo e com Elijah e sou muito grata a você e Burton por terem conseguido esses aliados. Mas convenhamos que não é um time e tanto.

Por mais que queira, não sou capaz de contrariá-la. Tendo me juntado aos Carreiristas ano passado, o maior conselho que dei a Rietta e Elijah foi a respeito da importância de se ter aliados. Eles não poderiam ficar para trás no grupo, então eu e Burton buscamos os tributos que mais se pareciam com os nossos em termos de táticas, armas, habilidades. Mas competidores tão habilidosos quanto dois de nota quatro estão longe de serem os melhores.

A melhor coisa que consigo pensar para o momento é mudar de assunto. Rietta não precisa preocupar-se demais agora quando tem uma Arena a enfrentar amanhã.

– Como é ter mentores mais novos que você? - indago com um sorriso, meio do nada. Ela tem dezessete anos e Elijah, dezoito. Eu e Burton, por outro lado, temos respectivamente quinze e dezesseis. Venho me perguntando como deve ser para eles ter nossa experiência como base - o que é meio contraditório, já que eles viveram mais.

Rietta ri.

– É engraçado como você, dentre todas as pessoas, liga para esses números estúpidos.

– O que quer dizer com isso?

– June - ela usa um tom sincero que lembra um pouco Elise -, você tem quinze anos de idade e age como se tivesse o dobro.

É claro que já me dei conta disso há tempos, mas é estranho ouvir uma coisa dessas vinda da boca de Rietta. Achei que me ver como uma pessoa tão madura se limitava aos meus próprios pensamentos e, no máximo, se estendia aos olhos dos meus pais e de Burton. Mas eu e ela nos conhecemos há pouquíssimo tempo e mesmo assim Rietta parece reconhecer essa maturidade como se fosse óbvia.

Talvez seja mesmo uma característica gritante. E talvez eu goste disso.

– Venha aqui - é o que consigo dizer enquanto caminho até ela. Envolvo Rietta em um abraço apertado e vislumbro lágrimas escorrerem de seus olhos.

– Vou sentir sua falta, June.

Não quero estragar o momento contrariando-a, incentivando-a em vão. Em vez disso, só deixo a verdade escapulir:

– Eu também.

**

No térreo do Edifício dos Tributos há uma imensa sala envolta por vidro embaçado cujo propósito eu nunca entendi. Isso, porém, só até o momento em que retornamos rapidamente ao prédio, entre a despedida dos tributos e o início dos Jogos.

Naquela manhã, eu recebi uma grande tela portátil na qual constavam as probabilidades de cada tributo os respectivos Patrocinadores interessados. Não fiz nada senão ligá-la assim que colocaram-na em minhas mãos. Mas, assim que Burton abre as portas da sala envidraçada, vejo que as pessoas circulam pelo cômodo, estudando as informações ou tocando desesperadamente na tela enquanto falam ao telefone ou conversam com hologramas projetados pelo equipamento que também tenho em mãos.

Entre os corpos inquietos reconheço alguns rostos. Finnick Odair, mentor do Distrito 4, Blight, mentor do 7, Haymitch, do 12. Tenho uma vaga ideia do que aquele lugar é exatamente, mas Burton esclarece meus pensamentos de um jeito ou de outro:

– June Haylon - ele anuncia, um pouco dramático demais -, seja muito bem vinda à Sala dos Mentores.

Caminho entre as cadeiras e bancos, passo por mentores engajados em seu trabalho. Encaro a tela gigante que provavelmente exibiria a Arena desse ano; os tributos estariam subindo a qualquer momento. Assim, quando me dou conta de que eu e Burton deveríamos ter começado a trabalhar, vejo que ele já se concentrou nas informações de sua tela e me junto a ele.

– O quão ruim é não termos nenhum Patrocinador interessado? - pergunto após analisar uma tabela.

Burton não desgruda os olhos da tela.

– Se somarmos isso às probabilidades baixíssimas… Bom, é bem ruim.

Respiro fundo. Não consigo entender o que há tanto para pensar a partir de um monte de números que só servem para acabar com minhas esperanças. Viro-me para o telão, que dessa vez está ligado e funcionando muito bem.

A Cornucópia está no meio de tudo: o famoso chifre prateado marca o centro da Arena. Além dela, um deserto se estende, a areia dourada e fofa brilhando sob o sol e embaixo dos tributos.

– É um deserto! - exclamo um pouco alto demais, e sinto quase imediatamente dezenas de olhares pousarem sobre mim. Não são todos mentores, percebo; há Patrocinadores ali no meio.

A contagem regressiva começa, mas o esperado silêncio não é o que toma conta da sala. A palavra “água” é dita tantas vezes pelos mentores que eles pronunciam-na quase em uníssono.

– Burton - me apresso em dizer, motivada pelo burburinho que circula à nossa volta -, precisamos conseguir água para eles!

Mas o relógio está nos segundos finais e ele não presta atenção em mim. Seus olhos estão vidrados na imagem da Arena, e logo percebo o porquê. É possível ver Elijah, os joelhos flexionados e as mãos postas sobre eles.

3, 2, 1.

Ele corre rápido o bastante para ultrapassar alguns tributos, e seus olhos estão vidrados na Cornucópia. Eu e Burton fizemos questão de mencionar o quão essencial é ter uma arma em mãos desde o início, e é nisso que Elijah parece estar pensando agora.

– Vamos, vamos, vamos… - tanto eu como Burton murmuramos para ele, apesar de sabermos que não pode nos ouvir. Ele só precisa agachar-se, pegar uma lança e fugir para longe de tudo aquilo para depois encontrar Rietta e os outros aliados.

Mas Elijah corre na direção de uma aglomeração perigosa e, ao percebê-la, desvia sua rota para longe da Cornucópia. Eu esperaria uma reação de Burton se ele estivesse ao meu lado. Porém, quando corro o olhar pela sala e, não muito longe, o vejo engajado em uma conversa com um Patrocinador de cabelo rosa.

Clico em alguns lugares da tela que tenho nas mãos até identificar o homem como um Patrocinador cujo tributo morreu há poucos segundos.

Então precisamos ser rápidos assim, concluo.

Quando volto a assistir à transmissão dos Jogos, o foco é uma luta entre a garota do 7 e um Carreirista. O confronto não dura muito, e a filmagem então volta a ser geral. Consigo enxergar Elijah no canto direito; ele está arrancando a lança de um tributo que escorregou na areia e mirando a ponta da arma contra o coração do oponente.

E, em questão de segundos, Elijah já matou seu primeiro tributo.

Quero gritar para Burton e anunciar que um dos nossos está se saindo bem, mas decido não mostrar-me menos profissional do que já provei ser. Em vez disso, toco diversas vezes em minha tela para revelar a tabela com as chances de cada tributo remanescente em busca de informações sobre Rietta, que não ainda não foi alvo das câmeras.

Passo o dedo para cima e para baixo diversas vezes, leio e releio o nome de cada tributo em busca do seu. Não pode ser, penso, então reviso mais uma vez a lista de nomes e números.

Olho para a mesa onde Burton conversava com o Patrocinador, mas o homem de cabelo rosa foi embora. Assim, em vez de ver Burton envolvido em negociações, meus olhos encontram os seus facilmente porque ele estava procurando por mim. A imagem que a tela em sua mão mostra é a mesma que acabo de encarar em meu próprio equipamento.

Tudo indica algo em que não quero e me forço a não acreditar. Não pode ter acontecido tão rápido. Não pode ter acontecido com ela.

Sentado à mesa, Burton fecha os olhos e faz que sim com a cabeça como se lesse meus pensamentos. Ele sabe que é capaz de me trazer de volta à realidade, não importa onde eu esteja antes.

Meus olhos ficam marejados instantaneamente. Não consigo evitar que as lágrimas escorram em silêncio.

Sim, eu gritaria em qualquer outra circunstância, sou uma mentora e estou chorando por meu tributo. Não me envergonho disso.

Mas eu só ando na direção de Burton e o abraço discretamente - o que já atrai atenção suficiente. Me esforço para não chorar em seu ombro, para lamentar a morte de Rietta em silêncio. Naquele ambiente, sou uma mentora que precisa manter seu porte e fazer seu papel.

Sinto-me nos Jogos, em frente às câmeras, tendo o que provar a Panem, à Capital. É como se eu deixasse tudo de lado em nome da coragem para enfrentar Amelia Montez no Centro de Treinamento ou Garret na Arena mais uma vez. De certa forma, as memórias me ajudam, pois sei que já estive em situações piores e que aguentei firme. Só que, dessa vez, minha Panem é pequena: se restringe àquela sala com mentores e Patrocinadores. Não deve ser tão difícil.

Me desculpe, Rietta, é a única coisa que penso relacionada ao que acabou de acontecer.

Respiro fundo e me desprendo de Burton. Não ouso olhar para o telão durante alguns instantes, porém; se por acaso vislumbrasse o corpo sem vida de Rietta, aí sim não sei o que faria para manter a postura profissional. Assim, de costas para a parede principal da sala, ando em direção a uma mesa onde Patrocinadores conversam calorosamente entre si.

– June, espere… - Burton tenta me parar, mas eu continuo andando. Não, eu nunca falei com um Patrocinador na vida, não sei o que posso conseguir com isso e muito menos como conseguir. Essa é provavelmente a resposta de todas as perguntas que ele pode querer me fazer. Não que isso me desmotive, é claro; sou do tipo que aprende na prática.

– Com licença - digo assim que me aproximo da mesa -, sou June Haylon, mentora dos tributos do Distrito 6.

Estendo uma mão para um dos senhores sem saber muito bem o que estou fazendo. Meu gesto é ignorado.

– Desculpe, loirinha, mas não estamos interessados no seu tributo - um deles diz, sem dar muita atenção para mim.

Tantas coisas em sua fala me irritam. O jeito como me chamou de “loirinha” - nome que Burton usou no dia em que nos conhecemos e que não podia ter me incomodado mais. A ênfase no singular de “tributo.”

Subestimação; é esse o jogo deles. Mas eu tenho o meu próprio, e sei de tantos jeitos para fazê-los me darem o que quero que nem sei qual escolher.

– Na verdade - começo, tocando rapidamente em minha tela em busca de uma tabela específica -, meu relógio está errado e eu só queria saber que horas eram. Não preciso de Patrocinadores para Elijah Homes agora que o número de tributos diminuiu e ele fez a festa no banho de sangue. - Vamos lá, June, só mais uma forçadinha.– Na verdade, estou negociando com quatro, mas acho que acabarei dispensando um ou dois… Não quero atordoar o garoto com tantos paraquedas logo no início.

Como se não fosse proposital, largo minha tela sobre a mesa, bem em frente aos Patrocinadores. Dei-me o trabalho de abrir a tabela que mostra o aumento ou diminuição das probabilidades de cada tributo sem levar em conta os números iniciais. Sem proporções, só dados crus. Mesmo que Elijah não tivesse feito nada, seus números subiriam como os de um Carreirista só devido às mortes registradas. Os dados são extremamente ineficientes para os mentores que querem mostrar o desempenho extraordinário de seus tributos, mas a questão é que Elijah não teve nada de extraordinário. Então, qual o problema de uma pequena propaganda enganosa?

Os Patrocinadores parecem cair em cheio, pois, quando agradeço a ajuda e digo que preciso ir para “cancelar negócios”, sou requisitada para ficar.

Ao fim da conversa, Burton está olhando para mim boquiaberto.

– Como raios você faz isso?!

– Lição nº 1 sobre pessoas da Capital? - anuncio, orgulhosa. - Elas querem tudo, principalmente o que por algum motivo não podem ter.

Nós de fato mandamos paraquedas a Elijah naquele dia, e dos grandes: três garrafas de água limpa e cristalina. Assistimos aos Jogos até que ele receba o pacote.

“De nada. -J&B,” está escrito no bilhete que enviamos.

Na calada da noite, porém, tudo se mostra em vão. Vemos Elijah ser morto pelo facão do tributo do 11 antes mesmo que ele pudesse encontrar seus aliados.


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Notas finais do capítulo

E que terminem os Jogos Vorazes para June e Burton ):



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