The 69th: For What I Believe In escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 22
Lápis, Papel, Caneta


Notas iniciais do capítulo

Hola, queridos! Espero que gostem desse singelo capítulo escrito com muito carinho e muito, muito amor



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(POV June)

– Prontos? - pergunto aos gêmeos enquanto coloco a cabeça em seu quarto, meu corpo apoiado na porta entreaberta.

Mathew e Daniel acabam me respondendo ao jogarem as mochilas sobre as costas, fazendo-me lembrar das manhãs na Capital quando nos encontrávamos na cozinha antes de irmos todos à escola.

Minha mãe colocava os lanches que levaríamos conosco em pequenos saquinhos. Caminhávamos juntos até o aerodeslizador escolar. Sentávamos um ao lado do outro durante a viagem de meros quatro minutos. Nos dispersávamos ao irmos na direção de nossas respectivas salas de aula. Antes disso, eu dava um beijo no rosto de cada um dos dois.

– Bom dia - eu lhes desejaria caso estivéssemos na Capital. - Me encontrem aqui assim que a aula terminar.

E de fato nos encontraríamos. Voltando para casa, eles me contariam a respeito de seu dia.

Cameron não estaria por perto, isso é fato.

Mas não estamos na Capital agora. Apesar de eu tentar lhes entregar os mesmos saquinhos com sanduíches como minha mãe faria, não posso pegar um e colocá-lo no bolso da frente de minha mochila. Não tenho mochila alguma nas costas.

A manhã é um pouco fria no Distrito 6. Assim que saio pela porta principal junto aos gêmeos, estremeço quando sinto a brisa gelada em meu rosto.

– Pegaram casacos?

Isso é o tipo de coisa que minha mãe diria, mas hoje quem o faz sou eu. Agora que estão sob minha responsabilidade, sinto a urgente necessidade de garantir que ficarão bem pelo resto do dia. Frio, calor, cansaço, medo... Não quero que nada os atinja. Nunca.

Burton tem os braços cruzados sobre o peito quando aparece em nossa frente.

– E aí, preparados para o primeiro dia de aula?

Sua voz carrega um entusiasmo que não me é nada estranho. Lembro-me da animação, das expectativas em relação ao tão esperado primeiro dia.

Os desejos para que tudo seja melhor dessa vez caso comece bem.

– Estou um pouco nervoso - Mathew admite em resposta a Burton. Ele aperta forte com as mãos as alças da mochila que percorrem seu tronco. Além disso, morde o lábio inferior sem parecer que percebe que o faz. Conheço essa postura; ele está exatamente como quando viemos para cá da Capital. - E se ninguém de lá gostar da gente?

Eu e Burton nos entreolhamos. É exatamente esse meu medo, e acredito que o dele também. Sei que Mathew e Daniel não são como as outras crianças do Distrito 6 e que isso pode ser percebido facilmente. Porém, já aceitei o fato de que é inevitável que recebam olhares tortos e cochichos, como acontece com qualquer pessoa que a princípio destoe do lugar onde está. Olho para seus tênis brilhantes e chamativos, para as calças que mais se aproximam da última moda do que de uma vestimenta normal. É claro que tentei mantê-los discretos, uma vez que aqui não é mais a Capital e eles sabem disso. Ainda assim, tudo o que têm e tudo o que são remetem ao lugar de onde vieram. De onde nós três viemos.

Quanto tempo o estranhamento poderia durar? O que os gêmeos teriam que aturar durante esses dias por serem tão diferentes? Burton não soube me dizer quando olhei para ele em busca de uma resposta.

De qualquer maneira, sei que meu trabalho agora se limita a acalmá-los; já mencionei o que precisava ser avisado na noite anterior.

– Vai ficar tudo bem - asseguro Mathew apesar de que eu mesma não estou tão certa disso. - Aposto que vocês vão voltar tendo só notícias boas para me dar.

– June falou que não vai ser nada parecido com a escola da Capital - Daniel diz, mas para Burton e não para mim. - É verdade?

Ele hesita em responder. É claro que vai; mas nem mesmo eu imagino o quão diferente pode chegar a ser.

– Vocês vão ver - é o que Burton responde, enfim. - E não sei se June se lembrou de dar algo para vocês comerem durante o dia, então eu trouxe uma pequena surpresa.

O rosto dos gêmeos acende feito luzes no natal; que criança não adora ouvir a palavra “surpresa”?

Não deixo de lançar um olhar frio a Burton em resposta ao acabou de insinuar a meu respeito.

– Pra sua informação, eu fiz sanduíches - afirmo, fingindo estar orgulhosa de mim mesma.

Mas eu não recebo atenção. Os olhos de Mathew e Daniel estão vidrados em Burton enquanto ele remexe a bolsa que carrega. Depois de alguns segundos, tira de dentro dela algo que reconheço facilmente; algo que, inclusive, está em meu peito desde que retornei da Arena.

São dois bolinhos de chocolate.

– Legal! - Daniel exclama enquanto vasculha a abertura do plástico que envolve o bolo.

– Não vai guardar para depois, não? - Mathew lembra-o depois de já ter guardado o seu dentro da mochila. Daniel hesita, mas acaba cedendo e faz o mesmo. Burton, ao virar-se para mim, dá uma piscadela discreta que logo entendo. Respondo com um sorriso, dando a entender que quaisquer memórias nossas que envolvam bolinhos de chocolate são mais do que queridas por mim.

Acordados, dispostos e tendo recebido uma pequena surpresa, os gêmeos estão prontos para seu primeiro dia de aula no Distrito 6.

Pegamos o trem. Percorrer três estações já é o suficiente para chegarmos até o local onde Burton me diz ser a escola. E eu realmente preciso que ele me avise, pois sozinha eu certamente não perceberia que o lugar é onde de fato queremos chegar.

O espaço é quase inteiramente aberto e coberto de grama não muito verde. Algumas casas de concreto sem pintura estão distribuídas ao longo do gramado, mas não parecem ocupar muito espaço por serem pequenas. Assumo que devem ser onde ficam as salas de aula, uma separada da outra.

Crianças e jovens entram aos montes e se dispersam de acordo com suas idades, penso eu. Pelo menos isso não é diferente do que temos na Capital.

– Essa é a única escola daqui? - Viro-me para Burton enquanto o sigo em direção a uma das salas que ainda não sei qual é exatamente.

Ele concorda com a cabeça.

– Na maioria dos distritos é assim. As prefeituras simplesmente não conseguem bancar mais que isso.

Penso em como todas as crianças do distrito inteiro se concentram em um mesmo lugar, em como cabem em salas tão pequenas. Se eu mesma fico nervosa quanto a isso, não consigo parar de pensar em como os gêmeos estão naquele momento.

Mas eles nem sequer prestam atenção em nós ou têm no rosto expressões apreensivas. Ambos encaram fixamente os grupos de alunos que passam por eles, e vice-versa. Todos estariam juntos em um só lugar a partir de hoje e o choque de realidade é inevitável como eu sabia que seria.

– Ei - Burton para de andar e chama a atenção dos meninos. Estamos todos parados em frente a uma construção pequena de onde saem gritos e exclamações de entusiasmo -, essa é a sala de vocês. Deixem-me ver se consigo encontrar a professora de vocês por aqui.

Ele então entra e eu faço o mesmo atrás dele, assim como os gêmeos ainda acanhados. Confesso que fico envergonhada também, pois, no momento em que piso na sala, vejo que a gritaria cessou e que todos os olhares estão vidrados em nós quatro. Não sei de cara o motivo disso; pode ser a presença de Burton ou a minha, ou a de nós dois juntos; pode ser as roupas de Mathew e Daniel ou, numa postura muito otimista, a simples presença de alunos novos.

Gosto de pensar na última opção apesar de ter quase certeza de que não é exatamente verdade.

Além das crianças perplexas, porém, há alguém mais na sala. A mulher está de costas a princípio, mas logo vira-se para nós - provavelmente depois de perceber que os alunos estão estranhamente quietos. Ela usa uma faixa para prender os cabelos para cima, quase como um turbante, e um vestido rosa claro bem desbotado abaixo dos joelhos. Tem uma aparência mais velha que Burton, apesar de não tanto, e devo confessar que é muito bonita. Cabelos escuros e ondulados emolduram seu rosto, cujo ponto alto são os olhos cor de mel.

– Burton Robertsen? - murmura enquanto se aproxima de nós, e o uso do nome mais o sobrenome de Burton dá a entender que a relação entre eles não passa de vitorioso-espectadora. A expressão que tem estampada no rosto não é muito diferente da das crianças sentadas a seu redor.

– Muito bom ver você também, Kryanna.

É, talvez um pouco mais do que vitorioso-espectadora.

O olhar confuso da mulher já se transformou em um sorriso agradável.

– O que faz aqui? - pergunta, e pela primeira vez parece olhar em minha direção. Admito que eu já estava com o cotovelo dobrado, pronta para chamar a atenção de Burton caso ele não me apresentasse. - E você é June Haylon, não é? A Vitoriosa? - Ela ri sozinha. - Uau, eu realmente não estou entendendo nada por aqui.

– Kryanna, esses são Mathew e Daniel. - Burton aponta para os gêmeos, que se forçam em um aceno amigável apesar da clara vergonha que sentem. Mathew mais que Daniel, é claro; sempre o mais tímido. - Eu estava esperando que pudessem ser seus alunos.

Kryanna; nome estranho esse, não?!

Ela se agacha para ficar mais ou menos na altura dos gêmeos.

– Oi, meninos, vai ser um prazer ter vocês na minha sala. Vão lá começar a conhecer as outras crianças! Podem se sentar onde quiserem.

Daniel me dá um beijo no rosto antes de ir mais fundo dentro da classe. Mathew, porém, leva mais tempo; faz questão de virar-se para mim com os braços abertos, e ver seu pedido por um abraço me dá um aperto no coração. Parte de mim não quer deixá-los ir.

– Bom dia - sussurro em seu ouvido com as mesmas palavras que usava todas as manhãs na Capital antes de nos separarmos. - Me encontre aqui assim que a aula terminar.

Então, assim como fez Daniel, Mathew vai aos poucos distanciando-se de mim e de Burton.

– São seus irmãos? - Kryanna pergunta a mim antes de entrar novamente em sua sala. Faço que sim com a cabeça em resposta. - Aposto que são uns amores.

– São, sim - afirmo, seca.

De certa forma eu simplesmente não consigo retribuir sua simpatia.

**

– Então... - No caminho de volta, resolvo fazer a pergunta que venho segurando desde que saímos da Aldeia de manhã. - Você sente falta?

Burton parece não entender o que quero dizer com aquilo.

– Falta? De que?

– De ir à escola. De acordar todas as manhãs, pegar um saco com lanche na cozinha, jogar uma mochila sobre as costas, passar o dia todo centrado em lápis, papel, caneta.

Ele ri enquanto caminhamos.

– Uau, parece que quem realmente sente saudades aqui é você.

Não nego. Apesar da escola não ser meu lugar preferido na Capital - muitos jovens alienados com perucas, cílios postiços e maquiagem em um mesmo lugar me deixavam tonta -, devo admitir que gostava de aprender. Informações novas postas em minha mente eram capazes de me distrair de tudo ao meu redor que me aborrecia, quase como se a lousa fosse um grande interruptor capaz de apagar as luzes da Capital durante algum tempo. Não sei como seria a escola no Distrito 6, mas o que importa é que agora não há realidade à minha volta da qual eu precise me desligar.

– Por que você desistiu? - pergunto a Burton para tirar o foco de minha leve nostalgia.

– Não sei - é o que ele responde a princípio. - Depois que voltei da Arena, só senti que não precisava mais daquilo tudo. Meus pais não contestaram, então ficou decidido.

– Você deixou que os Jogos simplesmente parassem com a sua vida?! - Meu tom incrédulo sai sem querer, assim como minhas palavras. Porém, Burton de fato retruca sem me dar tempo para retirar o que disse.

– É, June, porque o melhor com certeza seria continuar agindo normalmente. Depois de “pausar” meu ano por causa da Arena e da Turnê, eu deveria ter voltado para a escola, quem sabe faltar um dia ou outro para dar algumas entrevistas. No ano seguinte, parar tudo mais uma vez para uma atividade extra bem legal chamada ser mentor. E, é claro, fazer isso todos os anos até terminar a escola.

Seu monólogo é, para mim, quase interminável. Toda a ironia do mundo parece estar sendo jogada na minha cara para que eu percebesse que estou errada. Mas não engulo em seco e me desculpo como faria segundos antes.

– Ah, é. Até porque muito melhor que isso é uma vida em que não se faz mais nada! - grito, retribuindo seu tom irônico.

Nossas exclamações sem sentido duram tempo suficiente para que um pequeno grupo de pessoas se junte em volta de nós dois como já vimos acontecer. Assim que percebemos o movimento, nossa discussão cessa.

– E lá vamos nós de novo… - comento após um suspiro.

Poderíamos ter trocado os piores xingamentos possíveis, mas nenhum de nós é capaz de afirmar que a situação não é engraçada. E é ainda mais quando acontece pela segunda vez.

Burton não consegue segurar uma piada.

– E esse foi o segundo capítulo da novela da TV Capital...

Mas ele é interrompido por um grito que vem de alguém que não conheço, e Burton parece conhecê-lo tanto quanto eu.

– Vocês estão juntos?

Nós nos entreolhamos. Minha boca está aberta e o “não” já está na metade do caminho de minha garganta, mas Burton fala primeiro. E ele não nega.

– Precisamos conversar - diz em vez disso.


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Notas finais do capítulo

Vocês não têm ideia do quanto é legal escrever sobre a June ciumenta, mesmo que seja só de leve agora. Enfim, espero que tenham gostado! Não esqueçam de me dar sugestões, falar sobre o que pode melhorar e o que está legal nos reviews (:



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