Todo lobo lembra do exato momento em que foi transformado. As sensações que sentiu, as lembranças de sua vida humana... a crença na morte certa, embora ela nunca chegasse.

Eu nunca entendi o motivo da minha transformação. Porque escolheram a mim? Um castigo? Um presente? Eu fora marcado sem consentimento. Obrigado a me afastar de todos aqueles a quem eu amava e viver sozinho através dos anos como um nômade. Observar sem poder interferir a minha noiva chorar minha morte e depois de algum tempo casar-se com outro. Construir uma família. A família que eu nunca poderia ter.

Vaguei pelo mundo sozinho. Apenas eu e aquela fera. A fera que eu lutava constantemente para manter sobre controle na certeza de que se falhasse iria causar a morte a destruição. Eu estava fadado a viver eternamente e não havia nada que eu odiasse mais no mundo.

Londres, dois séculos antes

Inferno. Eu nunca achei que o experimentaria tão cedo, enquanto vivo. Tudo que eu me recordava era de ter olhado para o céu esperando impacientemente pelo fim que me parecia tão próximo. E ele não chegava.

Eu me lembrei da minha família, dos conselhos de meu pai, dos afagos carinhosos de minha mãe e dos belos olhos de Ellie. Pobre Ellie. Eu queria poder me despedir dela, dizer o quanto a amava e que sentia muito. Era a pior parte. Ter a certeza de que nunca mais olharia em seus olhos...seus olhos azuis como o mar. Sua pequena boca de lábios tão vermelhos e de sua pele tão delicada e suave.

Ela sempre foi a minha luz, minha guia. Aquela com quem eu compartilharia a minha vida e daria o meu coração. Agora era apenas uma lembrança que se desvanecia enquanto eu sentia o meu sangue cobrir o meu corpo como um manto quente e confortável.

Eu já me desesperava. Porque a morte não chegava logo? Porque insistia em me fazer esperar e sofrer daquele jeito? Aos poucos a dor deu lugar a uma sensação fugaz de ardor. Como se estivessem queimando-me vivo. Tentei mexer o meu corpo sem sucesso. Aquilo não ia embora.

Desisti de me preocupar com o que eu sentia e prestei mais atenção no que estava a minha volta: os sons dos pássaros, a leve brisa noturna, o farfalhar das folhas na copa das árvores...tudo tão calmo, tão sereno em comparação com meu estado de espírito.

Não soube dizer quando veio. A impressão que eu tive foi de esperar horas, mas talvez eu só tenha ficado ali por uns poucos minutos. O vento ficou mais forte. Tão forte que eu acreditei que me levaria para longe. Era isso: a morte havia chegado. Antes de me entregar a ela eu tentei me lembrar do rosto da única mulher que amei. Surpreendentemente eu não conseguia mais me lembrar de como era. Tudo que eu via eram os olhos negros que me observavam carregados de ódio. Um olhar mais escuro que a noite.

O olhar da morte.