Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 63
Gabriela




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Desde que voltei pra casa tenho aproveitado cada dia como se fosse o ultimo. No fundo, eu ainda temia ter que voltar para a clínica de reabilitação por causa de algum descuido meu, por mais esforçada que eu estivesse sendo. Algumas vezes eu acordava preocupada, morrendo de medo daqueles enfermeiros brutamontes entrarem pela porta do meu quarto e me arrastarem de volta para aquela tortura.

Mas então eu descia, via meu pai e meu irmão sentados a mesa do café da manhã e tudo se acalmava, tudo ficava bem. Eu sentia as forças renovadas todas as manhã, quando eu acordava e via que pelo menos um dos dois, ou até a mesma a mamãe em uma de suas visitas inesperadas, ainda estavam ali.

Só que infelizmente os melhores dias estão passam muito rápido.

Hoje já é dia 31 de dezembro. Parece que o natal que eu tive com os meus pais aqui em casa sem o Pedro - que nos abandonou - foi ontem. Mas se bem que nem faz tanto tempo assim, do natal para o ano novo são só... Seis dias ou sete? Não importa! Eu estou feliz por estar em casa, por ter o meu lar, a minha família e os meus amigos.

Por falar nisso, combinamos de passar a virada do ano juntos, na Avenida Paulista, já que no natal estivemos cada um para o seu lado. Pelo visto não era só eu que estava sentindo falta de uma festa. Digo, das grandes. Das que tem tanta gente que mal tem espaço pra respirar ar puro. Nunca passei a virada do ano na Paulista, mas imagino que deva ser o tipo de coisa que eu tenho precisado muito sentir outra vez.

Às dezoito horas nos encontramos aqui em frente de casa para pegarmos o ônibus juntos. Bianca, Felipe, Luiza, Natália, Maria Eduarda e o meu irmão estavam de branco. Ou melhor: os casaizinhos felizes da vida combinaram de se vestir de branco. Já eu não. Eu prefiro as minhas roupas pretas e rasgadas de sempre. E pra minha surpresa, o Rafael optou pelo mesmo, um jeans escuro básico e uma camiseta preta gola V.

Em meia hora chegamos a nosso destino final, que àquela hora já estava super lotado. Com pessoas diversas para todos os lados. Bebendo, fumando, rindo, conversando, dançando, andando de um lado para o outro. Solitárias ou em grupo. No mesmo momento senti uma intensa agitação crescer de dentro de mim. Mas nem ousei sair de perto dos meus amigos, porque no fundo eu ainda estava apavorada.

Afinal, havia tentações por todos os lados.

Inclusive bebidas e cigarros. Para serem vendidos ou entregues de bandeja a qualquer um que tivesse interesse.

Em outros tempos eu teria adorado a tudo isso. Teria dado um perdido no pessoal e me juntado a quem estivesse disposto a me dar tudo que eu quisesse, sem eu precisar pagar por nada. Mas agora é diferente. Por fora eu sou a mesma Gabi de antes, mas por dentro nem tudo funciona como antes.

Para o alivio de todos.

O palco montado em meio a avenida estava sendo tomado por um cantor qualquer de pagode. Nada contra quem gosta, mas eu particularmente detesto. Por sorte, meus amigos também, ou pelo menos a grande maioria e nós resolvemos nos afastar da multidão, para nos juntar a outra multidão em uma avenida ali não muito longe, onde havia uns barzinhos bem legais e que vendia coisas baratas.

— Nós vamos entrar? – perguntou Maria Eduarda, toda animada, puxando meu irmão pelo braço quando paramos em frente a um dos tantos barzinhos com a fachada em cores neon.

Eu ainda não tinha mudado minha opinião a respeito dessa garota, apesar de estarem todos se acostumando com a presença dela em nosso grupo, agora que é a namoradinha do meu irmão.

Admito ter ficado chocada quando soube e vi com meus próprios olhos que a Bianca tinha se resolvido com a prima, a quem ela odiava até mais do que eu. Só que para o meu alivio, eu não pareço ser a única a não acreditar cem por cento nessa garota que visivelmente está de quatro pelo meu irmão, até bem mais humorada e menos desprezível.

Digamos que ela ainda esteja instalada em minha garganta e isso não parece mudar nem tão cedo. Agora mais do que antes. Já que eu sou terrivelmente ciumenta e sinto que ela tem tirado meu irmão, meu único irmão e melhor amigo, de mim cada vez mais. Além do ciúmes, temo que ela o leve de vez e depois o descarte, como eu sei que ela já fez com vários e ele saia de coração partido.

Mas se isso acontecer eu juro que acabo com ela de vez, mesmo que todos me odeiem por isso depois. Não importa! Afinal, estávamos falando do meu irmão. Ele é precioso demais pra mim. Eu jamais suportaria vê-lo sofrer e jamais suportaria perde-lo pra qualquer garota.

— Nós não podemos. – rebateu a Bianca, agarrada ao Felipe. Os dois continuam sendo o casal mais fofo de toda a fase da Terra. — Alguns de nós ainda somos menores de idade.

Os que ainda não tinham visto a placa que dizia “SÓ É PERMITIDA A ENTRADA DE MAIORES DE IDADE COM O ACOMPANHAMENTO DA IDENTIDADE ORIGINAL” se viraram de uma só vez para ver.

Duda fez uma cara de chateação, mas pareceu entender.

Discretamente revirei meus olhos, impaciente.

— Vamos fazer o seguinte – foi a vez do meu irmão se manifestar. — Duda e o Rafa entram e pegam as bebidas e a gente espera aqui fora. Tudo bem?

Todos concordaram. Exceto eu, que não me manifestei. E o Rafael que não pareceu nenhum pouco satisfeito em fazer companhia a Duda, a quem ele tanto detestava assim como eu, até agora.

Alguns pediram cerveja, outros água e eu refrigerante. Esperamos do lado de fora, enquanto Duda e Rafael iriam comprar tudo com a vaquinha que fizemos.

Depois que estavam todos servimos começamos a andar por aí, dando voltas, para ver se víamos alguém conhecido ou se encontramos pessoas novas e bacanas para nos divertir.

Vi um pessoal que eu costumava andar junto no colégio, mas não dei tanta importância a isso. Eu ainda não estava preparada para esse encontro e só queria mesmo curtir minhas tão merecidas férias.

Paramos em frente a um barzinho, que estava tocando um rock mais leve e clássico e tinha um pessoal vem estiloso parado por ali, bebendo e conversando. Bianca começou a fazer sua própria sensação de fotos, tirando selfie com todos. Eu tentei fugir, mas não houve como. Rapidamente ela postou as fotos que tirou em seu próprio Instagram.

Ao ver que estávamos animados e tentando nos divertir, um pessoal mais velho todo descolado veio falar com a gente. Ofereceram bebidas – alguns aceitaram – e cigarros. Recusei a tudo. Certa de que era o melhor pra mim, pelo menos por um tempo. Até essa insegurança passar.

De jeito nenhum eu queria voltar a se internada por me tornar novamente uma descontrolada.

Começamos a conversar e descobrimos que um deles tinha uma banda pequena e que tocariam dali alguns minutos. Outros trabalhavam com fotografia e publicidade. Gostei de estar ali, ouvindo as pessoas compartilharam suas experiências, já que de uns tempos pra cá eu vinha pensando bastante a respeito do meu próprio futuro.

Quando olhei para o lado o Rafael já tinha desaparecido. Pedro e Maria Eduarda estavam se agarrando em um canto. Natália e Luiza bebendo em uma mesa mais isolada. E a Bianca ainda tentando tirar uma boa foto com o namorado para marcar aquele momento que para eles parecia mágico.

Às vezes, quando eu olhava para eles, eu me perguntava de onde saia tanto amor. E por um momento, por mais que não tivesse uma resposta exata para essa pergunta, eu os invejava. Porque algum dia queria sentir o mesmo por uma pessoa. E o melhor: se correspondida à altura.

O pessoal que ainda conversava comigo, mesmo que por um momento eu tenha me desligado um pouco, se despediram porque como eu havia dito antes, um deles iam tocar por ali. Até prometi dar uma olhadinha daqui a pouco para ver se curtia o som.

Continuei olhando para os lados, vendo aquele lugar – tanto ruas quanto calçadas – lotados de gente e em meio aquele mar de pessoas procurei me interessar por alguma figura interessante que pudesse me distrair de uma forma positiva pelo resto da noite. Já que todos estavam entre casais, exceto eu.

O Rafa na certa já tinha ido atrás de uma qualquer, que pelo visto tinha de monte por ali.

Eu já tinha me conformado que nunca daríamos certo, nem mesmo se eu quisesse muito. Porque ele não queria nem tentar, por medo ou insegurança sabe-se do que. Eu jamais entendia uma pessoa como o Rafael. Sabia que sempre seria assim: quando ele tivesse a fim, ele me procuraria. Ou assim vice-versa.

Aquela noite em especial, pelo visto ele estava interessado em todas, mas não em mim.

Uma pena, mas também não era o fim do mundo.

O que eu posso fazer? Nada.

Apenas aceitar que não fomos feito para ter nada muito sério.

Resolvi cortar o clima mais que quente entre meu irmão e sua namoradinha, só para avisar que eu daria uma volta e qualquer coisa ele poderia ligar no meu celular que estava no bolso do meu jeans.

Sim, era perigoso ficar com ele no bolso e sair por aí, sem segurança. Mas ele já é velhinho mesmo, não é como se eu me importasse tanto.

Resolvi me enfiar mais uma vez entre a multidão no meio da avenida. Sabia que mais tarde teria um grande show, só ainda não sabia quem de fato iria tocar. Mais ouvi muitos boatos a respeito.

Circulei por toda parte, sempre ouvindo os caras darem cantadas super fracas e de muito mau gosto ou até mesmo de garotas que achavam que eu era lésbica. Ofereceram-me mais bebidas, cigarro, baseado, mas eu consegui recurar a tudo isso sem me sentir muito mal.

— Gabi! – quando virei pra trás dei de cara com o mesmo pessoal lá do colégio que eu evitei mais cedo. — Você apareceu!

— Pois é. – digo e sorrio sem graça. Definitivamente eu não estava preparada para aquilo, nem mesmo para encarar o olhar de curiosidade de todos querendo saber por que eu tinha sumido.

— Por onde você andou, menina? – perguntou uma das garotas, ainda sorrindo muito. Visivelmente bêbada, ainda mais com aquele bafo de cachaça pura.

Resolvi contar a desculpa que eu, minha família e meus amigos tinham concordado em dizer sempre que perguntassem isso:

— Ah, por aí. Sabe como é né? – sorri mais uma vez, tentando parecer divertida. — Estava precisando de umas férias antecipadas.

Alguns riram.

Não sei se acreditaram na minha desculpazinha esfarrapada, mas quem se importava? Qualquer coisa eu diria que fui visitar meus avós no Paraná.

Já estava cansada de recusar tanta bebida, mas sabia que de jeito nenhum me daria por vencida e me entregaria para essa perdição. Então tentei levar tudo numa boa. Até fiquei por ali mesmo, dançando e conversando com o pessoal em meio há tantos corpos suados.

Comecei a me divertir pra valer. Dancei livremente como nos velhos tempos, completamente envolvida das batidas altas da musica eletrônica. Dei risada das brincadeiras dos meus colegas do colégio e me distraí exatamente do jeito eu imaginava, quando eu tinha aceitado passar a virada do ano ali.

Algumas vezes olhei para o lado e tive a certeza de que via o Rafael, já muito bêbado e louco, cada hora beijando uma garota diferente: uma loira, uma morena, uma ruiva. E sabe do melhor? Eu nem me senti mal por isso e muito menos fiquei com ciúmes. Apenas ri da situação. Sabendo que ele sempre seria esse Rafael meio inconsequente.

A gente nunca poderia esperar muito dele.

Às onze horas a música eletrônica parou, o pessoal protestou, as cortinas do palco forma abertas e o Rogério Flausino surgiu, todo animado, pulando muito, e mais uma vez o pessoal voltou a vibrar.

O Jota Quest, a grande apresentação da noite, começou a tocar "Tempos Modernos" como abertura de uma grande noite que só estava começando.

A multidão muito rapidamente começou a pular e gritar altos. Todos indo ao mesmo tempo para um lado, depois para o outro. Como se fôssemos todos amigos. Era um vibe incrível. Eu nem me importava com os empurrões, os xingos, os bêbados, o cheiro de cigarro e suor ou a gritaria do meu ouvido. Eu só queria pular com todo mundo e cantar o mais alto que eu podia, até a minha voz acabar.

Depois que a musica tocou, o Rogério, o vocalista, pediu que batêssemos palmas o mais alto que pudéssemos, com as mãos lá em cima e começou a cantar “O Sol”. E todos, absolutamente todos sabiam cantar. Principalmente eu.

E mais uma vez eu me dei conta de que eu não precisava de álcool ou drogas para me sentir a pessoa mais feliz, intensa e livre do mundo.

Eu ou qualquer outra pessoa poderia ser feliz assim, mesmo com tão pouco.

Quando começaram a tocar e cantar “fácil, extremamente fácil pra você e eu e todo mundo canta junto” eu me arrepiei inteira, fechei meus olhos e continuei cantando alto, mesmo com a minha garganta protestando.

E o show inteiro foi assim.

Dez minutos antes da meia noite - a virada para um novo ano, uma nova vida, novas metas, sonhos e desejos - foi que eu voltei a abrir meus olhos e dei uma moderada nos berros. Quando olhei para os lados vi que eu estava sozinha. Ou melhor, não tinha nenhum dos meus colegas e amigos por perto.

Ué, cadê todo mundo?

Tinha uns caras altos e fortões do meu lado, com sorrisos maliciosos e olhos vermelhos, provavelmente de tanto se drogar ou beber. Senti medo naquele instante e quis rapidamente sair dali. Mas ao perceber isso, um deles me puxou pelo braço. Senti tudo travar dentro de mim.

— Me soltem. – pedi, até que com delicadeza.

— Não vai, bonequinha. Fica aqui com a gente e curte mais um pouco. – eles trocaram olhares perversos que eu sabia exatamente o que significavam. — Você não tá a fim de beber com a gente ou quem sabe até...?

— Não! – berrei, sem nem esperar ele acabar de falar. Maldito! Infeliz! Nojento estúpido! Eu queria cuspir neles ou dar um bom chute no meio de suas pernas. Mas eu estava paralisada. — Me deixem em paz!

Caras assim costumam achar que nós, garotinhas, somos indefesas e ingênuas. Acham que podem fazer tudo com nós, só porque somos mulheres e acham que não temos o direito de achar ruim ou protestar. Que devemos aceitar e ficarmos quietinhas, recebendo ordens estúpidas.

Eu tenho nojo de homens assim, que acham que podem tudo. Nem sei o que eu seria capaz de fazer caso tivesse a coragem suficiente para fazer alguma coisa. Eu sei que eles são grandes e muito mais fortes que eu e que isso é muito arriscado e perigoso, mas eu nunca sairia dessa sem lutar. Jamais deixaria qualquer um deles chegarem perto de mim e me tocarem como bem quiserem.

Eu estava sozinha, mesmo rodeado de um milhão de pessoas que não estava totalmente prestando atenção em mim. Então sim, eu estava correndo riscos. E não sei bem como isso aconteceu ou sempre acontecia. Mas bastava eu pensar nele e ele aparecia. Como se fôssemos capazes de nos comunicar telepaticamente.

Rafael apareceu de uma hora pra outra. Sozinho e bêbado. Viu a situação e ficou horrorizado. Olhei para mim e depois para aqueles caras que ainda me seguravam e não demorou muito para ele se meter em confusão, como de melhor ele sabia fazer.

Sim, ele arrumou briga no mesmo instante. Causando o maior alvoroço, fazendo com que o pessoal em volta ficassem surpresos e apavorados.

Rafael socou um dos caras e olha que o cara tinha o dobro do tamanho dele. Mas sim, ele foi corajoso a esse ponto. E eu sabia que não era só porque ele estava bêbado e fora de si. Sei que ele teria agido da mesma forma mesmo sem ter bebido uma gota de álcool.

Ele era assim. O que mais eu poderia esperar?

Depois ele socou um deles, os outros dois vieram pra cima e quiseram logo revidar. Eu fiquei de lado, apavorada o bastante para não conseguir fazer nada a respeito. Mas por sorte tinha um pessoal ali são que logo se meteu na briga e resolveu separar todo mundo.

Aproveitei a deixa para puxar o Rafael para longe dali.

Quando paramos, virei-me para ele ainda muito assustada com suas atitudes. Ele estava ofegante e parecendo um tanto desnorteado. E olha que nem tinham chegado a bater nele de volta.

Segundos depois ele caiu na risada.

Eu fiquei chocada com essa reação.

— Porque você tá rindo, seu idiota? – esbravejei, olhando para ele com uma cara feia. — Poderia ter acontecido o pior. Você sabe, não sabe?

Ele riu mais, mas conseguiu se conter.

— Que nada! Para de se preocupar à toa. – ele me olhava de volta, suado e com o cabelo todo bagunçadinho. Uma graça! — Eu sempre vou levar a melhor nessas situações.

Foi minha vez de rir com sua modéstia.

— Você sempre vai ser um babaca. – rebato, divertida.

— E você sempre vai precisar do meu heroísmo.

Nem tive tempo de rebater mais uma vez, pois ele me puxou pela cintura, eu tropecei e cai diretamente em seus braços, mas ele já estava preparado para me segurar. Colou sua boca na minha e me deu um beijão daqueles de tirar o fôlego.

A banda Jota Quest tocava e cantada “Waiting For You” um pouco antes de começarem com a contagem regressiva.

5...

4...

3...

Eu e o Rafael ainda nos beijávamos desesperadamente.

2...

1...

Houve uma explosão no céu, além da que acontecia dentro de mim.


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Notas finais do capítulo

Fofos, não é? É uma nova Gabi, mas parece que nunca será um novo Rafael. O que acham?



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