Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 34
Rafael


Notas iniciais do capítulo

A semana passa foi corrida para mim, postei capítulos novos, mas não tive tempo de escrever mais. Bom, enfim. Acho que essa semana será mais tranquila e no final de semana pude me adiantar bastante com a história. Tenho muitos capítulos prontos!



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O ponto é: Como eu poderia ajudar a Gabriela? Já deu pra todo mundo perceber que eu não sou a melhor pessoa desse mundo e nem a mais sensata, muito menos a mais responsável, carinhosa, prestativa e estava longe de ser um bom exemplo, um bom amigo ou um simples companheiro.

Antes do meu melhor amigo invadir o meu quarto desesperado atrás da minha ajuda, eu não ainda não me via dado conta da gravidade. Ou eu pelo menos não queria enxergar as coisas como elas realmente eram. Eu preferia dar de ombros, fingir que não estava vendo ou que não era comigo a ter que ficar me preocupando por tão pouco. Ainda mais com problemas dos outros, coisa que eu não tinha nada a ver.

Estava mais que claro que a Gabriela estava... Destruída. A garota enlouqueceu de vez e se entregou para as trevas. As poucas vezes eu a encontrava por aí ela parecia outra pessoa. Seus olhos de uma cor indefinida estavam apagados e com manchas pretas em volta. Ela meio que parecia um zumbi. Nem levantar a voz para me provar ela fazia mais. Como se passasse a maior parte do tempo no piloto automático.

Apesar de todo aquele episodio de quando ela fugiu de casa e eu a encontrei em um estado critico de overdose no meio de uma favela, eu pensei que ela estava só de curtição, fazendo aquilo tudo só para chamar a atenção de todo mundo, do jeito que ela sempre fez. Capaz de qualquer coisa só para ganhar um pouco destaque. Mas pelo visto ia muito, muito além disso. Algo de muito estava acontecendo com ela e pela primeira em muito tempo ela não estava conseguindo lidar com aquilo e optou pelo caminho mais fácil.

Boa parte de nós opta pelo caminho menos complicado.

No fundo, bem lá no fundo, eu a entendia perfeitamente.

Terminei de fumar o meu cigarro e coloquei a bituca dentro do meu cinzeiro que estava sobre a mesinha ao lado da cama. E pela centésima vez aquela tarde a Maria Eduarda estava ligando para o meu celular, mas eu não queria atender. Será que ela não podia me deixar em paz por mais cinco minutos? Eu estava em conflito comigo mesmo e queria um tempo.

Eu estava farto de fingir aquele namoro de mentirinha, sabendo que ela estava me usando todo o tempo, como se eu fizesse parte de uma das suas coleções de Barbie e fosse a sua preferida. Eu estava farto de me esconder atrás daquela mentira como uma garotinha amedrontada. Eu estava farto de ter mentir para os meus amigos só para proteger a minha família que por sinal nunca deu a mínima pra mim. Eu estava farto de ter apenas sexo – mesmo sendo excepcionalmente maravilhoso – porque quando acabava parecia que estava sempre faltando alguma coisa muito importante.

Era como se eu tivesse um buraco no peito.

Agora meu melhor amigo precisava de mim. E tudo que eu sabia fazer era agir como inútil e imprestável que não raciocina direito. Eu queria muito poder ajuda-la. Mas como? Como eu faria para a Maria Eduarda não se meter nisso também e estragar tudo? O Pedro precisava de mim, a Gabriela – apesar de ser uma chata – precisava de mim. E sabe-se lá mais quantos amigos estavam precisando de mim nesse exato momento e eu aqui, escondido no meu quarto, isolado de todo o resto do mundo.

Chega! Eu preciso fazer alguma coisa.

E tinha tomado a minha decisão.

Sentei-me na cama, calcei meu tênis e atendi a porcaria do celular.

— Eu preciso falar com você agora. – digo antes que ela diga alguma asneira que me irrite ainda mais. — Te espero na portaria do seu prédio.

Chegando lá percebi que o fim de tarde ganhava um tom alaranjado. Eu esperei pela Maria Eduarda por uns dez minutos ali naquela maldita portaria. Ela apareceu bem depois com a maior cara lavado do mundo, sorrindo de orelha a orelha e usando um vestidinho claro de verão.

Ela ia me beijar quando eu... Educadamente a afastei com as mãos.

— O que tá acontecendo aqui, Rafael? - ela estava com a sobrancelha levemente levantada. Seus olhos acinzentados ganharam uma tonalidade assustadoramente sombria.

— Eu quero terminar com você. – só depois que eu disse tamanha besteira foi que eu dei conta do quanto estúpido acabei de ser. — Na verdade... Não se termina o que se nunca começou. O que quero dizer é que... Eu cansei desse acordo inútil. Eu não vou continuar enganando mais ninguém, não vou te ajudar a ficar com o Pedro e muito menos acabar com a reputação da Bianca. Eu quero você longe dos meus amigos! E se quiser pode contar pra todo mundo que meu pai é um bêbado e que minha mãe é uma idiota que apanhava do marido e continua o amando. Foda-se! Faça o que quiser.

Pronto. Missão cumprida. Não havia mais nada que eu tivesse que fazer ali e muito menos dizer. A decisão final era toda dela. Eu já havia dado a minha e deixei claro que ela estava livre para agir como quisesse.

Agora eu só precisava encontrar o Pedro e saber o que exatamente ele queria ou esperava de mim.

Cheguei na casa dele pouco tempo depois e percebi que estava tudo muito escuro e parado. Será que não tinha ninguém em casa? Bati na porta umas mil vezes e... Nada. Resolvi dar a volta na casa, indo até o quintal dos fundos, quando vejo a Gabriela deitada ali no escuro sobre a grama.

Era impressão minha ou ela estava...?

— Larga isso agora! – eu gritei avançando em sua direção. Uma Gabriela bem assustada, pega no flagra olhou para mim com os olhos quase saltando para fora. — Você não vai fazer isso na minha frente. Eu não admito!

— Rafael... que merda você está fazendo aqui? – ela levantou-se em um pulo, jogando o que tinha nas mãos no chão como se fosse uma pessoa inocente e não estivesse prestes a se drogar. De novo e de novo.

— Me escuta aqui sua anta, – ignorei sua falsa inocência e seu chororô que não me convenceria e a agarrei forte pelos pulsos, fazendo-a olhar dentro dos meus olhos. — você tem que parar com isso.

— Me solta! – ela gritou, já com lágrimas no rosto e vermelha de raiva como um pimentão. — Me solta seu cretino! Me deixa em paz! – ela começou a se debater, tentando fugir de mim. — Some daqui! – ela continuou gritando, agora chorava. Mas parecia não se dar conta disso. — Você não tem nada a ver com isso. Volta lá pra sua namoradinha escrota e me deixa.

Mas nem morto.

— Eu só vou falar uma vez pra você. – continuo, segurando-a com firmeza, muito perto a mim. Não ligo se ela está chorando, se ela esta brava e muito menos alucinando e falando asneiras. Nada disso me comove. — Você é a escrota aqui. Você não vê que está destruindo a sua família? Seus pais estão preocupados com você. O seu irmão está sem rumo, já não sabe mais a quem recorrer. Você se acha muito especial né? Sempre gostou de fazer drama e chamar a atenção. Mas saiba que você não é a nunca que sofre aqui. E os seus problemas também não são os maiores do mundo. Ou você para com isso, Gabriela. Ou você vai parar em um lugar bem pior. E sabe a onde? A sete palmos da terra. É isso que você quer? Morrer aos quinze anos? Porque se é isso que você quer porque não se mata logo? E polpa sua família e seus amigos de sofreram tanto por você. Você não merece isso, Gabriela. Você não merece nada. Porque você é um lixo, é inútil e imprestável.

Pode ser que eu tenha pegado um pouco pesado. Um pouco não. Muito pesado. Mas ela precisava ouvir cada palavra, mesmo que nem tudo fosse totalmente verdade. Ela só continuava assim, porque as pessoas estavam a tratando com muito carinho, cuidado e paciência. Mas comigo não, comigo não teria nada disso. Até fazê-la entender, de uma vez por toda, que ela não era o centro do mundo.

Depois de tudo que eu disse ela começou a chorar ainda mais. Só que dessa vez pareceu ter reconhecido a verdade, pois enfiou a cabeça no meu peito e ali chorou incontrolavelmente por minutos.

Era assim que ela funcionava: a base de grosseria. Era sim que nós dois funcionávamos. Só quando nos dávamos conta de que estava perdendo tudo. Tudo mesmo. E era aí, só aí, que a ficha caia.

Eu queria abraça-la, reconforta-la, pedir desculpas por ter extrapolado um pouco. Mas eu não poderia amolecer. Não agora.

— Rafa, eu preciso muito de ajuda! – ela deu um passo para trás, para poder olhar-me nos olhos. Estava tudo muito escuro, pouca coisa eu podia enxergar de fato. — Por favor, me ajuda! Eu não aguento mais.

A voz dela transbordava desespero. Seus olhos cheios de lágrimas imploravam pela minha ajuda. Ela parecia mais perdida do que nunca. Completamente atolada na merda e perdida na escuridão.

De repente a Gabriela começou a gritar, a pressionar a cabeça e os ouvidos como se tivesse ouvindo coisas que eu não podia escutar. Ela berrou, falando coisas incompreensíveis. E então caiu no gramado de joelhos, contorcendo o corpo como se estivesse morrendo de dor.

Muito desesperado eu me abaixei junto a ela e tentei a acalma-la. Mas ela não me ouvia e continuava gritando histericamente. Assim os vizinhos pensariam que eu estava a matando. E quando tentei toca-la, ela fuzilou-me com um olhar sombrio e me impediu. Eu não a reconhecia. Não assim.

Eu estava começando ao sentir falta daquele Gabriela maluquinha e radical que raramente passava dos limites, que falava coisas sem sentido, que pegava no meu pé, que adorava me xingar e depois rir da minha cara, que me desprezava. Aquela Gabriela tem os olhos mais bonitos que eu já vi em toda vida, das roupas rasgadas e de tom neutros, da bagunça de seu cabelo castanho-avermelhado sempre solto e esvoaçante, do seu sorriso diabólico e daquele olhar que insinuava muitas coisas perigosas.

— O que está acontecendo aqui?

O Pedro surgiu do nada e veio correndo até nós, tomando sua irmã de mim como se eu fosse um animal prestes a devora-la. Para completar seus pais surgiram logo depois na companhia de dois homens tão grandes que pareciam ogros, vestidos de brancos, como médicos.

Na verdade, eles eram enfermeiros e ambos seguraram a Gabriela pelos braços, um de cada lado, enquanto ela se debatia, gritava alto e chorava. Ninguém precisou me dizer nada, mas pelo que pude deduzir e presenciar, eles estavam levando-a para a reabilitação.

Mesmo contra a vontade dela e seus protestos.

Bom, apesar de isso parecer surreal e até um tanto assustador, afinal, nunca se sabe como essas pessoas irão trata-la em um lugar longe dali, trancado a sete chaves, sem que a gente possa presenciar absolutamente nada. Mas talvez seja a única solução, a única saída. O único jeito de realmente ajudar a Gabi, evitando que ela volte a nos enganar novamente.

Fiquei ali parado, só de canto observando a tudo um pouco horrorizado e me sentindo em parte muito culpado. Senti um frio na espinha. Os enfermeiros acabaram conseguindo acalmar a Gabi, quando enfiaram uma agulha bem grande com um liquido dentro no braço dela e a pegaram no colo e a enfiaram em uma espécie de ambulância.

Quando tudo terminou os pais dela saíram de carro aos prantos, logo atrás da ambulância. E o Pedro, coitado, que parecia tão abalado quanto eu, ou até mais, ficou ali, com os braços cruzados, como se estivesse com muito frio e de seus olhos verdes escorreram lágrimas silenciosas.

Eu sentia muito, por tudo. Não era para as coisas terem tomado esse rumo. Em parte, eu odiava a Gabriela por isso. Porque ela se meteu nessa furada? Porque ela mentiu para nós mesmo depois de quase morrer em um galpão abandonado? Eu não sabia os motivos dela e talvez eu nunca fosse capaz de compreendê-los. Mas por outro lado, eu tinha a esperança que a reabilitação a ajudasse a superar isso. Nesse momento eu deveria focar em outra coisa, como por exemplo, apoiar o meu melhor amigo.

Quando eu me aproximei dele, sem saber ao certo o que fazer... Se veria dar-lhe um abraça, dizer algumas coisas, colocar a mão em seu ombro para mostrar minhas condolências; Pedro me surpreendeu, afastando-se.

— Desculpa cara, eu só quero ficar sozinho agora.

Se eu realmente fosse um bom amigo eu não teria permitido que ele ficasse sozinho e isolado, quando no fundo eu sabia que não era bem o que ele queria. Mas eu de fato não sabia o que fazer, caso ele me quisesse por perto. Então eu simplesmente resolvi escuta-lo. E fui embora.

Deitado em minha cama, passando os dedos de tempos em tempos no meu cabelo, puxando os fios em sinal de frustração, acabei perdendo a paciência com a insistência da Duda em querer falar comigo. E acabei desligando meu celular e o atirando longe.

Acordei no outro dia muito tarde com uma forte de dor de cabeça, como se eu tivesse passado a noite inteira anterior enchendo a cara e tivesse acordado de ressaca. Desci para tomar um remédio e enchi um xícara com café quente.

Dei um salto da mesa - onde eu estava de boa tomando o meu café e pensando na vida - quando alguém bateu forte na porta da minha casa provocando um estrondo horrendo.

Será que era um assalto? Porque era só o que faltava para tudo estar completo. Minha vida estava um desgraça e nada parecia fazer sentido.

Não, não era um assalto. Eu quase fiquei decepcionado por isso quando eu vi a Maria Eduarda parada na minha frente com a maior cara de imbecil do mundo. Ela que tivesse cuidado, porque naquele momento eu estava segurando uma faca do meu pai, caso tivesse sido um assalto.

Como ela era a educação em pessoa, eu nem precisei pedir pra ela entrar - porque afinal não era aquilo que eu queria - e ela já foi entrando. O que eu queria era ela longe. Talvez em outro planeta. Ou simplesmente de volta de onde ela veio, lá no interior com seu papaizinho.

Duda olhou em volta, reparando na simplicidade dos quatro cantos da minha casa, antes de virar-se para mim com um olhar assassino.

— Quem você acha que é, afinal? – ela grunhiu, fuzilando-me com seus olhos tão cinzas quanto um dia de tempestade. — Você não pode simplesmente terminar comigo só porque cansou desses joguinhos, quando na verdade eles mal começaram. Esqueceu que eu tenho coisas contra você?

— A única esquecida aqui é você. Porque eu me lembro muito bem de ter dito que não me importava mais. A decisão é toda sua. Se quiser pode sair agora, correndo por aí e espalhar particularidades minhas.

— Rafael, não. Você não pode fazer isso comigo, não ainda. Eu preciso de você. – sua expressão que até pouco tempo era de um cão raivoso, agora tinha se tornando suavemente desesperada. — Eu ainda nem se quer consegui me aproximar do Pedro.

— E nem vai! – disse eu, prontamente. — Cara, entende. Ele não tá nem aí pra você. O Pedro nunca esteve tão na merda quanto agora. A irmã dele está na pior. Será que você não entende? Na vida dele não tem espaço para mais nada. Entenda isso de uma vez por todas.

Ela bufou, balançando a cabeça ao desviar seu olhar do meu.

— Então, você que sabe. – ela deu de ombros, sorrindo um pouco. Era impressionando como ela conseguia mudar de expressão sempre que queria, sempre que se sentia favorecida. — Alguém vai ter que pagar por isso. E o escolhido é... Você. A não ser que você queira que um de seus amigos pague por você. Nós podemos refazer o nosso acordo.

Eu ri. Ela tá me zoando, é isso?

Já sem paciência eu fui até ela e praticamente a empurrei porta a fora.

— Vaza daqui, sua maluca. – eu gritei, chamando a atenção de um casal de velhinhos que passava na calçada naquele instante.

Bati a porta na cara dela, sem dor ou piedade. Mas a garota é insistente e ficou ali batendo por um bom tempo. Eu tenho certeza de que seus meus pais estivessem presentes ela não estaria dando aquele showzinho. Mas ela sabia muito bem quando agir e foi por isso que ela pareceu aqui essa manhã sem nem avisar.

Foi fácil fingir que nada daquilo estava acontecendo. Porque eu simplesmente peguei meus fones de ouvido, meu computador, aumentei no ultimo volume, me esparramei pelo sofá e me conectei a outra realidade.

Até o comecinho da noite eu consegui me manter longe de todos aqueles pensamentos ruins, ao tentar me distrair enquanto assistia meu animes preferidos pelo Anitube. Mas aí meu pai chegou em casa e estragou tudo. Já não era surpresa nenhuma que ele estivesse... Bêbado.

Fazia um bom tempo que a gente não conversava. Eu evitava ao máximo ter que olhar para ele ou seria capaz de fazer uma besteira. Assim que ele pisou na sala e me viu, soltou uma gargalhada maligna e começou seu showzinho enquanto cambaleava para os lados.

— O que você tá fazendo aqui, moleque? Você não estuda mais não? – ele ria e meio que falava serio também. Não dava pra entender o que se passava na cabeça dele. No fundo dói saber que somos muito parecidos. — E cadê a sua mãe? Eu estou faminto! Você preparou alguma coisa pra gente?

Foi a minha vez de rir, achando humilhante e engraçado aquela situação. Isso fez com que ele olhasse pra mim com a sobrancelha erguida e uma ruga no meio da testa, mostrando o quanto ele ficou irritado com a minha atitude mal pensada.

— E o qual é a graça, posso saber?

— Você, pai. – eu dizia aquela palavra com muito desprezo, qualquer um poderia perceber. — Você é engraçado e ridículo. Porque você não sobe, hein? Porque não vai tomar um banho e dormir para esfriar a cabeça.

Eu juro que disse aquilo numa boa, mas no entendimento dele não foi bem assim. Quando dei por mim, assustado com a atitude dele - já que ele nunca ousou a relar um dedo em mim – meu computador foi parar no chão e ele me puxou pela camisa, até eu ficar de pé, com o rosto bem perto do dele.

Seu bafo me deixou embriagado também.

— Vai baixando bola, moleque. Eu ainda sou seu pai apesar de tudo e você me deve respeito. – ele cuspia no meu rosto e aquilo era horrível. Quase desprezível. — Nunca mais volte a falar assim comigo, ouviu bem?

Ele realmente pegou pesado daquela vez. Bastava ele finalizado seu sermãozinho e ter vazado da minha frente, mas não, sabe o que ele fez a seguir? Bateu a mão na minha cara, fazendo-a queimar de dor.

Eu não pude me segurar e nem aceitar aquilo. Eu não tinha feito nada de mais. Nada que eu nunca tivesse feito. Sendo assim, não pensei nem duas vezes, e avancei na direção dele, fazendo-o cair no chão.

Eu já estava até o topo cheio de problemas pra lidar e agora mais essa.

Eu estava preparado para devolver o tapa quando a minha mãe entrou pela porta e nos encontrou enroscados no chão como se estivéssemos no ringue de uma luta. Ela soltou um grito alto e me puxou pela camiseta para longe do meu pai antes que eu me arrependesse do erro que estava cometendo.

Quem nunca se sentiu tão irritado com os pais ao ponto de pensar, mesmo que por um segundo, em fazer algo a respeito? Se você não, eu posso admitir que sim. Pensei sobre isso inúmeras vezes, mas nunca tinha chegado tão perto disso. E quando refleti a respeito vi que eu nunca teria coragem de devolver na mesma moeda. Não com o meu pai.

Mamãe se baixou para ajudar o meu pai, que nem conseguia se levantar por sinal. Ele se apoiou nela e ficou de pé, com a cabeça baixa, como se não estivesse entendesse o que tinha acabado de acontecer ali.

Eu não fiquei para ver a cena, apenas subi correndo para o meu quarto com lágrimas no rosto.

Eu não queria e nem podia deixar os problemas exteriores – nem mesmo os interiores – afetarem o meu comportamento dessa forma.

Caí na minha cama aos prantos, como uma menininha que acaba de perder o grande amor de sua vida. E enterrei o rosto no colchão para não fazer barulho e todos suspeitassem que eu era um derrotado.

Eu odiava ceder diante das pessoas.

Um bom tempo depois, no qual deduzi que a mamãe já tivesse colocado meu pai de baixo do chuveiro e o colocado para dormir feito um bebezão, ela entrou no meu quarto sem eu nem perceber e se aproximou.

— Filho, tá tudo bem? – perguntou ela, passando a mão carinhosamente pelas minhas costas.

Não consegui me conter por muito tempo, mesmo que já tivesse controlado melhor as lágrimas, e me levantei para abraça-la. Enterrando meu rosto em seu pescoço e voltando a chorar.

Mamãe ficou apenas ali, calada, esperando eu me controlar, enquanto passava a mão nos meus cabelos.

Às vezes ela me entendia como ninguém.

— Mãe, eu to cansado de tudo. – consegui dizer, tentando limpar as lágrimas, enquanto olhava dentro dos olhos dela. — São tantas coisas que eu tenho que lidar. Tudo ao mesmo tempo. A bebedeira do papai, a internação da Gabriela, o sofrimento do Pedro, uma garota que não sai do meu pé. Eu nem sei por onde começar ou o que fazer. Mãe, eu to perdido.

Eu não era muito bom com aquelas coisas, então logo o choro incontrolável tomou conta de mim outra vez.

Eu voltei a abraça-la.

— Mãe, por favor, me ajuda. Me ajuda!

— Ei, Rafa, querido. - mamãe insistiu em fazer carinho em mim, de repente voltei a ser o garotinho dela. — Tenha calma. Você é forte. Você sempre foi tão forte. Eu sei que você vai superar isso. Eu ainda to aqui, esqueceu? Você pode contar comigo sempre.

Sempre podia ser que não.

Mas ela ainda estava ali. Eu ainda tinha a minha mãe. E isso já era motivo suficiente para ter pelo que lutar, pelo que agradecer. Porque no final das contas eu era um sortudo. Não era um filho nada fácil, mas minha mãe ainda me amava de um jeito incondicional. Era paciente e prestativa. Estava sempre fazendo de tudo para me dar do bom e do melhor.

Eu não tinha do que temer.

Eu não tinha do que me envergonhar.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram do capitulo? Mostrei nesse capítulo o lado explosivo e inconsequente do Rafael, mas também mostrei o lado sensível que ele tem. Afinal, ele também é humano. Pelo menos na minha imaginação ele é haha Mesmo que não exista fisicamente. Mas eu imagino que exista muitos como ele por aí, na real. Vocês não concordam?

OBS.: Queria saber se vocês tem algum problema com histórias longas? Porque pelos meus cálculos essa história aqui vai ser um pouco longa. Não muito, mas vai sim. Tem algum problema para vocês? Eu posso dar um jeito de encurtar mais e mais.