Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 28
Pedro


Notas iniciais do capítulo

*Quem quiser dar uma olhadinha na minha nova história eu ficaria muito agradecida.



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É sexta-feira e ultimo dia de aula antes das férias.

No começo da semana fui escolhido pela turma para ser um dos coordenadores para a organização da Festa Junina que o colégio iria realizar esses ano antes de sairmos de férias por um mês. Seriam dois coordenadores por série, sendo assim, seis coordenadores ao todo. Tal de Gabriel e Alex representariam o primeiro ano, eu e mais outra garota que se chama Lúcia estávamos representando o segundo ano e a Maria Eduarda e a Tatiana o terceiro ano.

Dias atrás fui surpreendido pelo beijo da Maria Eduarda e ficar perto dela começou a ser bem constrangedor. Eu ficava todo tenso, nervoso e mal conseguia olhar para ela. Não nos falamos mais depois daquele ocorrido, apesar de ela ter tentando se aproximar diversas vezes. O problema é que não dava pra fugir sempre que eu a via, já que nos últimos dois dias tivemos que nos reunir para conversar sobre os preparativos da festa.

Ela e a Tatiana ficaram responsáveis pelas musicas, pelas danças, figurinos e as apresentações dos alunos. Lúcia e eu ficamos com as barracas com os pratos e bebidas típicas. Sem nada alcoólico, claro. Mas eu tenho certeza que nisso o Rafael daria um jeito. Já os garotos do primeiro ano cuidaram da decoração do colégio.

Não seriamos os únicos encarregados de fazer a festa acontecer. No inicio da semana passada o diretor reuniu todo no ginásio e deu o comunicado a todos sobre seus planos para esse dia. Convidou a todos para participarem, mesmo que no dia não fosse necessariamente ter aula e muito menos lista de presença. Sugeriu também para aqueles que tivessem interesse que organizassem apresentações, danças, ou coisas do tipo. Em todas as salas também foi pedido algum tipo de prato ou bebida. E para aqueles que quisessem: que viessem caracterizados de acordo. E assim, se todos pudessem ajudar de alguma forma, a festa seria um grande sucesso.

Não preciso nem dizer que mais que a metade dos alunos ficaram eufóricos e animados com a festa. Alguns foram formando grupos e planejando os ensaios para as danças, outros iriam pedir aos pais que fizessem algum prato, já outros se uniram para fazer uma “vaquinha” para comprar refrigerantes e as garotas discutiam sobre as roupas.

Hoje o dia estava especialmente agradável, com muito sol lá fora e um calor razoável. Foi uma surpresa e tanto chegar mais cedo no colégio e vê o pessoal já caracterizado. As garotas com as bochechas cheias de pintinhas, tranças no cabelo, vestidos coloridos de caipira e botas. Já os garotos mais simples, com o dente pintado, uma maquiagem preta como se tivessem barba e aquele típico chapéu de palha.

Eu, por exemplo, optei por uma camiseta branca básica, um jeans mais surrado dobrado na canela e deixando a mostra as meias coloridas que eu consegui do meu pai, pintei o dente da frente, fiz uma barba com o lápis de olho na minha irmã e comprei um chapéu de palha também.

A Gabriela ficou em casa dormindo. Ultimamente ela estava sem animo para tudo. O que costumava ser raro para ela. Eu sei que ela tem passado por uma crise bem complicada ultimamente. Mas é difícil entender o que se passa dentro da cabecinha maluca dela quando ela não se abre mais comigo, como se fossemos dois estranhos morando na mesma casa.

Resolvi dar uma folga pra ela.

A festa começaria cedo e terminaria cedo também. Com uma duração mais ou menos de cinco horas. Ao meio-dia estaríamos liberados e depois era só curtir as três semanas inteirinhas podendo acordar mais tarde.

Assim que cheguei ao colégio à primeira coisa que eu fiz foi dar uma circulada para ver se estava tudo em devida ordem. Pelo que vi tudo estava exatamente como imaginávamos. Mas boa parte do pessoal ainda não tinha chegado, era só esperar. O portão iria ser trancado quinze para as nove.

A primeira pessoa que eu vi aquela manhã foi a Maria Eduarda próxima ao aparelho de som e não pude deixar de perceber o quanto ela estava bonita com um vestido rodado azul claro que combinava perfeitamente com seus olhos. Suas pernas esbeltas estavam à mostra e nos pés ela usava uma bota de cano curto. Os cabelos dourados estavam presos em uma trança lateral e ela estava perfeitamente bem maquiada.

Ela é linda, disso ninguém tem duvida. Porém, ela é mesmo uma maluca. Ainda não posso acreditar que ela tenha tido a ousadia de me beijar no meio da rua, na frente de todo mundo, sabendo que eu tinha uma namorada e que mesmo que nosso namoro não fosse o mais perfeito ou dos sonhos, eu a amava e jamais seria capaz de traí-la assim.

Mas também não posso me enganar. Eu não sei, às vezes parece que eu também estou enlouquecendo. O fato é que quando ela está perto, além de ficar todo nervoso, eu quase me sinto enfeitiçado por sua beleza deslumbrante, atraído por seu calor e admirado – e também abismado – com a sua capacidade de dizer e fazer sempre o que tem vontade sem se importar com mais nada além do próprio prazer. E isso é tão errado, não só por eu ser um cara comprometido, mas também porque ela é a namorada do meu melhor amigo. Na certa isso seria uma encrenca das grandes. Talvez eu não esteja bem. Talvez isso não seja nada além da minha imaginação fértil.

Porque será que eu não consigo esquecer a sensação de ter os lábios dela colado aos meus? Nós nem chegamos a nos beijar completamente. Mas foi alguma coisa e parece que também significou alguma coisa. Ou eu não estaria dando tanta importância a isso. Ou eu não estaria pensando tanto nisso todas as noites. Tentando entender porque logo eu, porque logo comigo, porque as coisas teriam que se dificultar ainda mais. Já não bastassem os problemas com a minha namorada, com minha irmã, com a minha família e agora essas duvidas malucas que ficam pairando pela minha cabeça sem que eu possa evitar.

Minha vida com certeza é uma baderna.

Tento ignorar tais pensamentos e assim finalmente vejo a minha namorada entrando no colégio com um vestidinho vermelho com preto e vou até ela, certo de que ela será capaz de dar um jeito nisso tudo.

Natália consegue me surpreender a cada dia, apesar da distancia que vem crescendo entre nós. Nosso namoro deu aquela esfriada no ultimo mês e eu já não sei mais o que faço para mudar isso. Hoje ela está incrível, ainda mais que todos os dias anteriores. O cabelo curto cor de cereja com duas trancinhas e o rosto cheio de pintinhas com lápis preto.

Até parece uma boneca.

Eu a abraço com toda força e percebo que pela reação dela, ela ficou um tanto assustada comigo. Mas logo correspondeu e eu fechei meus olhos. Ficamos assim por um momento. Eu desejando sentir aquele perfume de rosas para sempre e o seu coração batendo contra o meu. Mas bastou abrir meus olhos e ver que do outro lado do pátio a Duda estava dançando com o Rafael, meu amigo, e olhando na minha direção para o encanto acabar.

Acho que ela está querendo brincar comigo. Só pode ser.

— Pedro, você tá bem? – a Nati me pergunta com o cenho franzido, ganhando minha total atenção nesse minuto.

— Ah, sim. Eu estou bem. – eu sorrio, todo sem jeito. E pego sua mão para segurá-la, entrelaçando nossos dedos. — Estou melhor agora.

Levo-a para comer um pastel. Sei que ela adora o de pizza. Aproveito também para pedir um de frango e pego duas latinhas de refrigerante.

Dez minutos depois, enquanto estamos conversando normalmente sobre o quanto a festa está incrivelmente bem organizada, a Bianca se aproxima com o Felipe ao lado.

Ela está linda, como de costume. Com uma saia xadrez não muito curta cor-de-rosa, uma meia-calça clara, uma sapatilha preta estilo boneca e uma blusinha também preta de alça fina. Os cabelos loiros esbranquiçados cheios de ondas e uma presilha na lateral com um laço. Já o Felipe está com um camisão xadrez em tons de verde, um jeans preto e All Star.

Olhando assim, os dois até que ficam bem juntos.

Eles nos cumprimentam e sentam-se conosco.

Em pouco tempo o colégio começa a encher. Tatiana aumenta o volume da musica e um pessoal vai se divertir na improvisada pista de dança no meio do pátio central. As barraquinhas de comidas e bebidas estão nas laterais, espalhadas pelos cantos. O pessoal da diretoria está rodando por ai, para manter tudo sobre controle. Os grupinhos de alunos estão por toda parte, rindo bastante, comendo, bebendo, dançando, conversando ou sentados pelos bancos. Nem parece que é uma festa no nosso colégio.

Hoje o colégio é um lugar livre. Porém, as salas estão trancadas. Vai que um espertinho resolve levar uma garota para dentro de algumas das salas e... Bom, vocês já podem imaginam o que acontece depois disso.

Natália e Felipe estão conversando sobre um prova de Física que tivemos na terça-feira. Papo de nerd. E eu estava de canto, sem saber ao certo o que fazer. Algumas vezes meus olhos encontravam os da Maria Eduarda e eu tinha a impressão de que ela estava me filmando todo o tempo apesar de estar ocupada tentando se divertir e cuidar do som ao mesmo tempo. Então, ao meu lado a Bianca me cutucou.

— Vamos dançar, vem. – ela me puxou pelo braço, sorrindo abertamente. — Eu adoro essa musica!

Enquanto eu e Bianca arriscávamos alguns passos juntos, a Nati e o Felipe pararam para dar risada da gente. Se divertindo com a situação. Pelo menos foi legal e distrativo. A Bianca estava mudada. Com um brilho a mais no olhar e até mais intima comigo. Eu gosta dela assim.

Quando enfim ela resolveu me dar um descanso, para dessa vez puxar o Felipe para dançar eu sentei-me de volta perto da minha namorada que estava comendo pipoca doce. Ela me ofereceu, e eu recusei. Do outro lado vi quando o Rafael acenou para mim e eu acenei de volta. Estava achando muito estranho ele ainda não ter vindo falar comigo e nem como ninguém do nosso grupo. Ele estava bem esquisitão, por sinal.

Por um momento fiquei me questionando mentalmente se o amor ou seja lá o que for que ele sinta pela Duda o mudou. E então me lembrei do sábado, quando saímos para uma festa na boate aqui do centro e ele saiu de lá agarrado a uma garota de cabelo cor-de-rosa. Será que ele havia traído a Maria Eduarda? Bom, eu sempre soube que aquele ali não teria jeito. Mas afinal, porque então ele está namorando com ela? O que será que eles sentem um para o outro? O que fazem quando estão sozinho? Sobre o que conversam ou o quanto sabem um do outro?

Seria um namoro assim como o meu e da Nati?

Eu não sei, mas comecei a sentir um súbito ódio do meu melhor amigo. Porque se ele não sente nada pela Maria Eduarda, então porque ele ainda está com ela se é pra continuar ficando com as outras pelas costas dela? Pode ser que ela seja a mais cruel das garotas desse colégio – disso eu não sei – mas eu não acho que ela mereça algo assim.

Ninguém merece.

— Pedro, o que você tem? – me desperto dos meus devaneios quando ouço a voz da Nati me chamando de volta a realidade. — Você está tão estranho hoje. Tão calado. Aconteceu alguma coisa?

Eu queria ter coragem para dizer: “Sim, aconteceu. A verdade é que o que temos não é mais como antes, como no início, e olha que estamos namorando só há quase dois meses. Algo entre nós mudou, estamos mais distante e tudo ficou tão complicado. Talvez seja por isso que eu tenha começado a sentir tais coisas pela Maria Eduarda e não posso evitar me sentir assim quando ela me faz sentir tão desejado.” Mas eu optei por não dizer nada, certo de que tudo isso era devido ao estresse dos últimos dias.

— Não é nada. – eu acabei dizendo e levantei-me do banco ao perceber que ela tinha acabado de comer sua pipoca. — Vamos sair daqui? Eu quero dar uma volta por aí.

Ela assentiu e também se levantou quando pegou a minha mão.

Ficamos andando pelos corredores do colégio que estavam razoavelmente vazios, apenas com alguns casais apaixonados se abraçando ou se beijando pelos cantos. Olhando para eles eu comecei a sentir falta de um tempo – que parece tão distante – quando também fomos assim: cheios de desejo e paixão um pelo outro e que agora era quase inexistente.

Tento me convencer de que todo casal passa por isso.

Depois fomos até o jardim, onde continuamos andando em silencio sobre a grama e debaixo do sol forte das dez da manhã. Eu ainda estava com o pensamento distante e pensando no que eu gostaria de poder dizer a ela, mas não conseguia dizer, quando Natália me surpreendeu, virando-me de frente para ela, ergueu-se nas pontas dos pés e me beijou.

Levei minhas mãos até a sua cintura e a puxei para mais perto, intensificando aquele contato. Eu sentia falta daquilo. Dos momentos íntimos de carinho, quando não precisávamos dizer nada um para o outro e mesmo assim sabíamos exatamente o que o outro queria.

Aquele beijo foi ótimo. No começo mais feroz e depois foi ficando mais lento e mais romântico. Era exatamente o que eu precisava. Ou o que eu achava que precisava. Pelo menos por um momento, por um curto momento, tudo pareceu em perfeito sintonia. Não existiam mais os problemas, as dificuldades, pensamentos perturbadores e nem a Maria Eduarda.

As apresentações aconteceriam na quadra. E foi para lá que todos foram após o anuncio do Diretor. Eram poucas apresentações. No geral, mais alunos do primeiro ano. As onze e meia boa parte da comida e das bebidas haviam acabado e o pessoal já parecia bem exausto. Sendo assim, passamos a limpar e recolher praticamente tudo antes de deixar o colégio para as “tias” da limpeza.

Ao meio-dia e cinco já estávamos todos de férias e só voltaríamos ao colégio dali três semanas. Era um peso a menos nas minhas costas.

Cheguei a casa e me surpreendi ao ver que meu pai já estava em casa, ou, nem tinha ido trabalhar aquele dia. Ele estava largado no sofá, de frente para a tevê, mas não era como se estivesse prestando a atenção em uma reportagem qualquer que passava naquele momento.

Ele parecia pelo menos dez anos mais velho, seus olhos estavam inchados de tanto chorar e o nariz vermelho. Ele bem que tenta disfarçar ou esconder. Mas eu sabia que o motivo daquela tristeza toda: a minha mãe ter saído de casa após ter contato toda à verdade. Foi um choque para ele quando aquele dia sentamos para conversar como uma família. Meu pai ficou chocado e decepcionado ao saber das traições da mamãe. E só depois que ela terminou de falar e se desculpar, ele entrou em estado de negação. Ela dizia que ia sair de casa e ele implorava para que não. Ela insistia, pois reconhecia o seu erro, mas ele estava disposto a perdoa-la.

Meu pai a amava.

E é por isso que ele continua assim, uma espécie de morto-vivo, após quatro dias em que ela se foi. Sim, parece pouco tempo. Afinal, são só quatro dias com a ausência dela. Mas eu aposto que nenhum filho nesse mundo deseja ver o próprio pai nesse estado. Dói até na alma.

Aproximei-me devagar e sentei ao lado dele. Meu pai virou-se para mim e deu um meio sorriso, como se quisesse dizer que estava tudo bem e que aquilo iria passar. Mas eu duvidava muito e por isso eu sentia que deveria fazer alguma coisa, qualquer coisa, para ajudar.

— Olha, pai – comecei, olhando nos olhos dele. — eu não posso nem imaginar o que você está sentindo agora, mas posso ter certa noção, porque eu também sinto falta dela, apesar de ter concordado com a ida dela. O que você precisa entender é que foi e será melhor assim. Vocês já não estavam mais juntos, não literalmente. Isso aqui estava desgastado e falido. A mamãe já não te amava mais e eu sinto muito, muito mesmo por isso. Mas melhor do que eu você deve saber que nem tudo dura para sempre.

Ele assentiu vagarosamente e seus olhos se encherem de lagrimas novamente. Meu coração se apertou ainda mais.

— Talvez você nunca deixe de gostar dela e que seja dolosamente difícil superar o termino de um casamento de vinte anos. Mas não é impossível, pai. Você sabe. Pensa pelo lado positivo: nós ainda estamos aqui. – procurei por sua mão e a apertei de leve. Ele já estava chorando baixinho. — Eu estou aqui. A Gabi está aqui. E nós ainda somos uma família. Não é como se a mamãe tivesse morrido. Você e ela merecem ser felizes. Merecem outras chances e outros amores. Mas antes você precisa se convencer disso. Ficar chorando aqui e não ir para o trabalho não vai ajudar em nada.

Antes que eu pudesse continuar ele me puxou para um abraço. Um abraço que há muito tempo meu pai não me dava. Talvez desde que eu era um garotinho. E eu o abracei de volta, sentindo os olhos marejarem. Não só ao me dar conta do quanto eu senti falta daquilo ou por não poder tirar a dor dele para ele não sofrer mais, mas sim, porque foi ali, que eu me dei conta de que eu acabara de dizer a ele se encaixava em mim também e algumas coisas que eu estava vivendo naquele momento.

— Eu te amo muito filho. – ele disse, fungando no meu pescoço. — Obrigado por tudo. Eu tenho muito orgulho de você.

Fechei meus olhos para absorver melhor aquele precioso momento.

— Quer saber? – levantei-me, tentando sorrir. — Vamos parar com esse chororô. Eu sei que você vai dizer que eu ainda só tenho dezessete anos, mas eu vou pegar uma cerveja pra gente na geladeira.

Segundos depois eu voltei para o sofá, para o lado do meu pai e entreguei a ele uma cerveja. Ele apenas riu. E continuamos ali, tendo uma tarde só entre homens. Bebendo algumas poucas cervejas, assistindo a alguns jogos na tevê e jogamos conversa fora. Fingindo esquecer que tínhamos um milhão de problemas para enfrentar. Ele até mais do que eu, claro.

Foi uma tarde bem agradável. O tipo de momento em que eu raramente tinha com o meu pai. Ele por estar sempre ocupado no trabalho e exercendo a função de pai durão. E eu por dar importância aos meus problemas e exercendo a função de filho adolescente. Mas naquele momento eu me dei conta de que nem tudo estava perdido e que sempre teríamos uma chance de tentar, tentar, até as coisas boas acontecerem.

No comecinho da noite, quando percebi que meu pai já estava melhor e tinha passado mais de quatro horas sem derramar uma lagrimas e se lamentar pela mamãe, eu subi para tomar um banho e logo depois sai muito apressado, pois eu precisava urgentemente conversar com a Nati.

Eu não queria que o nosso relacionamento chegasse a esse ponto, onde permitiríamos que as mentiras arruinasse todo o resto.

Assim que cheguei à casa da Nati toquei a campainha. Quando ela me viu pela janela da sala ficou evidentemente surpresa, fez um sinal pedindo para que eu esperasse e dois minutos depois abriu o portão pra mim.

Ela já estava de pijama, o cabelo preso e de meias, apesar de não estar fazendo frio. Eu sabia que ela tinha essa mania. Na verdade eu a conhecia de um jeito que nunca imaginei ser possível. Por isso ter essa conversa com ela seria bastante difícil para mim.

— Pedro, nossa, que surpresa! Eu não esperava que você...

— Desculpa por vir sem avisar. Mas é importante.

— Ah, e... Tem que ser agora? Eu estava cuidando do Lucas e...

— Eu posso ser rápido. Só me escuta, ta?

Ela assentiu.

Eu não sei por que, mas eu estava com pressa para soltar de uma vez tudo que estava preso na minha garganta antes que me faltasse coragem. Tudo que eu tinha para falar era complicado, deveríamos estar mais calmos, talvez até em outro lugar mais reservado e não no meio da calçada, na frente da casa dela. Mas já que ela estava ocupada eu precisava ser direto.

— Você já deve ter percebido que o nosso namoro tem dito dias péssimos, até mais do que dias bons. – comecei, olhando dentro dos olhos negros dela. Eu estava nervoso, quase impaciente. E ela curiosa e atenta. — Todo casal passa por isso, mas ainda vamos fazer dois meses de namoro! Eu não quero esperar fazer um ano, dois ou dez anos para nos darmos conta de que isso já não está mais funcionando. Eu não quero que sejamos covardes, acomodados ou que tenhamos medo de sermos sinceros um com o outro. Não quero ficar empurrando isso com a barriga, como se fosse saudável para nós. Eu não quero que sejamos infelizes e amargurados por termos sonhos frustrados e não conseguirmos fazer nada a respeito. Eu não quero que a gente chegue longe, assim como meus pais, para nos darmos conta de que isso não está certo e que já tentamos de tudo e continua errado.

Natália cerrou os olhos.

Já estava de noite, mas os postes da rua nos iluminavam o bastante para ver a ruga de interrogações estampada em sua testa.

— Pedro, eu não estou entendendo...

— Nati, só escuta ta?

Ela assentiu novamente, passando o peso da perna pra outra e ainda olhando-me atentamente.

— Isso está me matando. Eu não quero mentir pra você. Tudo que eu queria era poder te amar, te fazer feliz, dar tudo que você precisasse, que juntos fossemos completos e apaixonados, apesar de todas as dificuldades, dos altos e baixos, e de algumas diferenças. Mas não é nada disso que eu estou sentindo agora. Não é assim como tenho me sentindo nesses últimos dias. Sei que já passamos por isso antes, mas cada vez que acontece – e sempre acontece – parece pior que a anterior e eu já não sei lidar com isso, não sei mais o que fazer para concertar, não sei o que você quer, ou o que eu quero e onde somos capazes de chegar.

Suspirei, dando uma pequena pausa para respirar.

— A distancia entre nós deu espaço para novos sentimentos e pensamentos na minha vida. Eu tenho me sentindo fortemente atraído por outra garota. – dizer isso fez seus olhos sobressaltarem. Pelo sua expressão ela esperava de tudo, menos isso. Mesmo assim eu tinha que aproveitar a coragem e continuar: — Eu tento evitar, mas não é como se eu tivesse controle sobre isso. Mas fica despreocupada, porque não aconteceu nada entre nós e nem aconteceria. Não enquanto ainda estamos juntos. Eu não seria capaz de fazer isso com você. Nunca. Pode confiar em mim.

Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, mas eu não permiti. Ou perderia o fio da meada.

— Eu gosto de você, Nati. Eu amo muito você. Mas acho que precisamos dar um tempo. Para descobrirmos exatamente o que queremos, onde queremos chegar e até onde somos capazes de ir juntos. Eu não quero te perder. – dei um passo à frente e só então percebi que ela estava prestes a chorar. — Mas eu realmente acho que isso é necessário para nós. Não é um ponto final e nem uma decisão definitiva. Apenas um tempo para nos redescobrir e saber se é isso mesmo que queremos e se seremos capazes de continuar com isso mesmo sabendo que pode não dar certo. E no fundo algo me diz que você concorda com tudo isso também.

Eu tive que parar por aí para abraça-la. Pois ela começou a chorar pra valer, molhando a minha camiseta. Mas eu não me importava. Eu só me importava com o bem estar dela. E sempre seria assim. Pois ela é uma garota maravilhosa e eu sabia, não, eu tinha total certeza, mas sentia que se um dia terminássemos, se isso realmente chegasse a acontecer, seriamos capazes de sermos grandes amigos.

— Bom, só para concluir – esperei alguns minutos até que ela se acalmasse para continuar com aquela dolorosa missão. — é um tempo. Não estou pedindo que pare de me ver, falar comigo ou me procurar quando precisar de um amigo. Eu quero que sejamos sempre assim: unidos. Até porque conhecemos um ao outro melhor do que ninguém. Dois meses de namoro serviu para muita coisa e certamente foi uma das melhores fases da minha vida. Eu nunca, nunca mesmo senti nada parecido por ninguém e a primeira vez a gente nunca esquece. – sorri e consegui fazê-la sorrir também. Acho que ela pensava assim também. — Fica bem, tá?

Beijei o topo de sua cabeça.

— Não esqueça que eu sempre estarei aqui por você.

Dizer isso só à fez voltar a chorar ainda mais, soluçando alto e tentar esconder o rosto com as mãos. Ela parecia um tanto humilhada, envergonhada, eu não sei dizer. Mas a minha intenção não era aquela. Eu só estava tentando evitar o pior para nós dois no futuro.

Não tive muitas escolhas. Pode até ter parecido um tanto egoísta e insensível da minha parte ir embora e deixa-la ali, chorando sozinha, como se eu tivesse acabado de abandona-la.

Eu simplesmente não conseguiria seguir com isso a diante, presenciando-a chorar e partindo meu coração em mil pedaços. Nesse caso, eu precisava ser forte por nós dois ou arcaríamos com as consequências das nossas fraquezas em um futuro não muito distante.

O que ela, o que eu e todos precisam entender é que eu fiz isso pelo bem de nós dois.


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Notas finais do capítulo

E ai gente, o que acharam desse tempo que o Pedro pediu para a Nati? Vocês entendem o lado dele? Ou acham que ele agiu pelos motivos errados? Será que eles ainda têm volta?



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