Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 22
Gabriela


Notas iniciais do capítulo

Ai meu coração! Estou sorrindo feito uma boba nesse momento. É que eu acabei de ler a recomendação maravilhosa que a Cecília fez para a história. Juro que não acreditei. Não esperava que essa história fosse recomendada tão cedo, já que tenho pouquíssimos leitores. Mas pelo visto não importa a quantidade. O que importa é que os poucos leitores que eu tenho me fazem muito feliz por estarem sempre por perto. Obrigada, Cecília. Pela milésima vez. Você é adorável e muito especial para mim. Por isso, dedico esse capítulo a você ♥



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Eu não sei o que está acontecendo comigo, mas de repente sentir está acabando comigo em todos os sentidos. Foi justamente por isso que eu evitei tantas coisas nesses meus últimos anos de vida e agora está tudo desmoronando porque eu simplesmente resolvi me importar: me importar com as mentiras e as traições da minha mãe, me importar com a rejeição dos meus amigos, e especialmente, me importar com o Rafael.

Nesse momento ele está aproveitando a “escapadinha” que deu da aula sabe-se lá do que para ficar de papo furado com a tal Duda. Bem que a patricinha avisou. Como se não bastasse uma, agora temos duas. E para a minha total desgraçada essa aí, a mais recente, resolveu também grudar no Rafael feito carrapato justamente quando a outra, do mesmo ciclo de amigos que eu, largou o osso. Eu nem sei porque isso me incomoda tanto, já que eu e ele nunca fomos e nunca seremos nada além de amigos.

Quando a Bianca falou que deveríamos tomar cuidado com a tal priminha recém-chegada do interior, eu achei que fosse drama da parte dela que nunca gosta de se sentir ameaçada e nem intimidada por ninguém. Então, nem dei importância e por fim eu ri da situação.

Mas de uns dias para cá as coisas tomaram outros rumos. De cara eu percebi que a tal Maria Eduarda é bem bonita. Tem estatura mediana, a pele naturalmente bronzeada, os cabelos dourados cheio de ondas, os olhos de um azul acinzentado incrível, um sorriso largo e cheio de dentes alinhados e branquinhos, um corpo exuberante cheio de curvas. Sem contar as roupas, que mesmo não sendo as do meu estilo, reconheço que fazem as outras garotas babar. Ela também é muito desinibida, assim como eu. Tem certo brilho no olhar e charme ao andar. E mesmo de longe é possível sentir a fragrância adocicada de seu perfume.

Desde o primeiro instante que ela pisou o pé no colégio eu já sabia que os garotos, de todos os anos, iriam cair matando. As garotas por sua vez, umas iriam morrer de inveja, outras iriam cair aos seus pés implorando por um pouco de atenção. Eu, no caso, assim que a vi senti indiferença. Mas agora já não é mais assim. Eu me irrito só de olhar pra ela.

Ela nunca chegou a falar comigo diretamente, mas já acenou de longe e até sorriu abertamente na minha direção. Talvez esperando que eu retribuísse de alguma forma. Coisa que não rolou. Já que eu estou longe de ser a simpatia em pessoa. E as coisas só pioraram quando eu vi que o Rafael estava babando – no sentido literal da palavra – na novata. Aí eu senti o ódio crescer dentro de mim por ele por ser tão babaca por deixar uma patricinha qualquer brincar com seus sentimentos.

Eu ainda não sei quem é pior: ele por ser um completo tapado, mordendo qualquer pedaço de carne que passa pela frente, mesmo que só tenha osso - que não é o caso dela. Ela por estar abusando da minha paciência, sendo tão atirada, tão ousada e provocante. Ou eu por estar dando mais importância a isso do que realmente deveria.

— Gabriela, quando é que você vai aprender? – a inspetora Dolores, a mais rabugenta de todos os tempos resolveu implicar comigo naquela manhã pela segunda vez. Eu não estava tendo um bom começo de dia, tendo tudo para piorar ainda mais. — Estamos em horário de aula ainda, você não percebeu? – não respondi, permanecendo calada e com um bico feio que definia bem a minha falta de humor. — Porque você está fora da sala então?

Quando uma ideia diabólica surgiu na minha mente, eu comecei a sorrir, causando certo espanto na inspetora. Pelo jeito ela já sabia reconhecer aquele meu olhar peculiar. Que não é muito diferente do da loira escrota que está agora aos beijos com o Rafael no final do corredor. Aqueles ali se acham muito espertos. Mas eu sou mais. E se essa Duda acha mesmo que vai cantar de galo aqui no meu terreno está muito enganada.

Agora eu sei que deveria ter dado ouvidos á patricinha numero um, já que sua ruindade não chega nem perto da crueldade da patricinha numero dois. Elas podem até ser da mesma família, mas com certeza a numero dois é muito pior e eu já estou em alerta faz tempos quanto a isso.

— É que eu to com um problema, Dolores. – viro-me de frente para ela. A mesma cruza os braços e me olha séria, na certa duvidando de mim. Mas não me deixo abalar. — Tipo assim: é muito injusto vocês do colégio ficarem de implicância comigo todo o tempo, como se eu fosse a principal mente criminosa desse lugar. Quando na verdade existem tipinhos piores escondidos por aí. Eu posso te dar um exemplo, se você quiser.

— Eu estou ouvindo.

Tento conter um sorriso. Pelo visto ela mordeu a isca.

— Se você virar bem a cabeça e mirar os olhos naquela direção. – eu aponto, tentando ser o mais discreta possível. — Vai ver que nesse momento tem dois adolescentes, cheios de hormônios, praticamente tirando a roupa um do outro no final do corredor. – quando ela vê o mesmo que eu, seu queixo cai e seus olhos praticamente saltam do rosto. — Que eu saiba isso não é permitido aqui nesse colégio. Ou é e eu não sabia?

Claro que ela não me responde, pisando duro, toda furiosa em direção ao Rafael e a tal Maria Eduarda que estavam mesmo, praticamente tirando a roupa um do outro no corredor. Olha que essa nem é a primeira vez e eu fico me perguntando quando foi que essa palhaçada começou.

Tento me esconder atrás de um pilar para não se vista pelos culpados, já que hoje eu só inocente. Assim tento me poupar da confusão que está por vir e que tem tudo para piorar quando eles souberem, ou quando o Rafael souber, que eu os dedurei na maior cara de pau e sem ressentimentos.

Quase vou ao chão de tanto rir daquela cena. Onde a inspetora, antes de arrasta-los até a direção, gesticula feito uma louca descontrolada, enquanto provavelmente dar um sermão daqueles nos dois, dizendo o quanto os jovens de hoje em dia não tem um pingo de respeito nem por eles mesmos. Pela expressão do Rafael ele está entendido, já deve ter ouvido aquelas mesmas palavras mais de mil vezes e a tal Duda parece surpresa ou até amedrontada, com medo de que venha o pior a seguir.

— Eu disse que ela era uma cobra, não disse? – quase tive um infarto ao sentir aquela voz tão perto de mim. Logo minhas gargalhadas cessaram, dando espaço a surpresa em ver a Bianca ali, logo atrás de mim.

— Meu Deus, Bianca! Você quer me matar de susto? – é a vez de ela rir e ao ouvir o som daquela risada que raramente acontece por minha causa, eu quase começo a simpatizar com ela. Quase. — O que faz aqui, afinal?

— Estava indo ao banheiro quando a sua compulsão de risos me chamou a atenção. Então eu vir até aqui saber do que se tratava. E quando vi aquela outra cena – com os olhos claros ela apontou na direção do Rafael e da Duda sendo levados para a direção. — eu liguei os pontos. E pra ser sincera, pela primeira vez eu to bem orgulhosa de você.

— O quê? – eu sorria, achando aquela nossa conversa um máximo. — Mas não fui eu. Não foi minha culpa. Eu juro que não fiz nada dessa vez. Como você pode ter tanta certeza?

— Quem mais poderia ter uma ideia tão cruel, Gabi? – ela parecia me desafiar, com aquele sorriso torto acompanhado de uma sobrancelha de fios loiros arqueada. — E eu não vejo mais ninguém aqui além de nós duas. Eu também tenho quase certeza de que essa inspetora aí, a beira da morte, não teria visto os dois se alguém não tivesse sutilmente insinuado algo.

O.K. Ela me pegou. Eu sou a culpada. Mas só em parte.

— Olha, eu até gostei desse seu novo visual mais alternativo. – resolvi mudar de assunto, só para variar. — Quando você cansar dele, pode até me fazer uma doação de tudo que você comprou. Mas se você está tentando se parecer comigo, sabe-se lá porque, acho que não tá funcionando.

Fiz uma careta, ela retribuiu, mas não parecia ofendida com o meu comentário inofensivo. Eu só queria descontrair, sem ter que me entregar por meus crimes. E também essa situação toda da Bianca está radicalmente mudada era um tanto bizarra. Incluindo mudanças de roupas, cabelos, unhas e maquiagem que não tinham nada a ver com ela, mas que para ser sincera eu até que estava gostando, ela estava à cara da Taylor Momsen. Agora ela não parecia tanto só mais uma patricinha e sim uma estrela do rock. Eu ainda desconhecia o porque de tudo isso. E no fundo, eu estava começando a sentir falta das roupas cor-de-rosa dela cheias de brilho.

— Vai se ferrar, Gabriela. – ela riu, mostrando o dedo do meio e depois simplesmente saiu, super bem humorada.

Bianca seguiu até o banheiro e eu, não tive escolhas, a não ser voltar para os últimos minutos da minha adorável aula de Química.

Às quatro da tarde eu ainda estava em duvida se iria para casa e dava de cara com a minha mãe preparando o jantar ou se eu ia fazer uma visitinha ao Augusto, já que eu estava me sentindo muito culpada por seu irmão ter o tirado do colégio depois daquele nosso mal entendido no galpão.

Bom, enquanto atravesso os portões do colégio cheguei a uma conclusão que foi um tanto obvia. Já que agora eu tinha nojo da minha mãe e também não era como se eu estivesse fazendo esforço para falar com ela, cansada dela tentar me enrolar com seu papo furado de quem sente muito por tudo que aconteceu aquele outro dia. Eu ia ver o Augusto, claro.

Mas antes que eu pudesse colocar o pé na calçada, senti uma mão bem gelada envolver a parte superior do meu braço. Olhei para trás e dei de cara com a tal Duda. Essa cretina. Nem tive como fugir ou me livrar de suas garras, já que ela estava cravando as unhas na minha pele.

Maria Eduarda me arrastou para a lateral do portão, em um espaço mais vazio. Para deixar o percurso livre para os outros alunos que estavam de saída. Alguns grupinhos em volta olhavam disfarçadamente para nós, tão curioso quanto eu com essa repentina aproximação da novata comigo.

— Foi você, não foi? – ela rosnou, ainda segurando o meu braço. Não preciso nem dizer que eu não estava nenhum pouco intimidada. — Eu vi você rindo enquanto nos levavam para a diretoria. – é, parece que a caipira está nervosinha. — Por sua causa garotinha, eu recebi uma advertência.

— Primeiramente – abri um sorriso bem sacana, me livrando das mãos dela. — Olá, eu sou a Gabriela. Prazer. Acho que ainda não fomos devidamente apresentadas. – forcei uma falsa simpatia. — Segundo, eu não sei se você sabe – meu sorriso desmanchou, foi coisa rápida. Se ela queria me intimidar, eu também queria intimida-la. — mas o colégio está cheios de câmeras. A culpa não é minha se você resolveu ficar se agarrando em plena luz do dia pelo corredor crente de que ninguém iria ver.

Pelo visto minhas palavras repletas de sarcasmos só serviram para irrita-la ainda mais. Mas isso também não me assustava nenhum pouco.

— Agora se me der licença, eu já estava de saída, fofa. – sorri antes de virar as costas e seguir meu caminho, deixando-a para trás.

Afinal, quem essa ordinária pensa que é?

Fiquei até às dez da noite no apartamento minúsculo que o Augusto dividia com os irmãos no Jardim Ângela. Para nossa sorte ele estava sozinho, assim ficamos fumando livremente enquanto morríamos de rir daquela estúpida comedia que passava na tevê a cabo.

Mas nada me tirava da cabeça aquela cena nojenta da língua do Rafael deslizando para dentro da boca da Maria Eduarda.

É apenas o efeito das drogas ou eu estou morrendo de ciúmes dele?

Consigo acordar um pouquinho mais feliz no dia seguinte, quando me dou conta de que mais uma sexta-feira enfim chegou.

Levanto, tomo um banho morno, visto qualquer peça de roupa que consigo encontrar em meio a minha bagunça, pego minha mochila, não passo maquiagem e nem penteio o cabelo. Estou atrasada. Sendo assim, encho rapidamente uma vasilha com leite frio e cereal. Tento devorar tudo em segundos, enquanto a maior parte escorre pelas laterais da boca.

Pedro também acordou atrasada aquela manhã. Coisa que não acontece sempre. O espertinho acha que eu não sei que ele e a Natália ficaram trancados em seu quarto até um pouco depois da meia-noite fazendo vocês sabem bem o que.

Eu e ele vamos conversando o caminho inteiro até o colégio.

Todas as minhas aulas são um saco, eu não sei se quero dormir aquelas primeiras horas do dia ou sair correndo da sala na primeira oportunidade. Só presto atenção mesmo na aula de Filosofia, que como eu já disse é uma das poucas que realmente me interessam. Assim, pelo menos por alguns minutos eu consigo deixar a minha mente livre.

À tarde o sol esquenta pra valer, a temperatura incrivelmente subiu nessa ultima semana. Pego um elástico preto no fundo da minha mochila para prender os cabelos na aula de ginástica que será ao ar livre hoje. Lá passamos boa parte do tempo apenas nos aquecendo.

Não tem como não ver o Felipe fingindo ler um de seus quadrinhos na arquibancada. Tento não sorrir com a imagem dele em baixo do sol escaldante, sendo irritantemente intelectual. Ele gosta de mim, é notável. Para todos os lados que eu olho lá está ele. Na certa tudo seria bem mais fácil se eu também pudesse gostar dele e não do babaca do Rafael.

Não... Espera aí. Eu acabei de dizer que...?

Esquece isso.

Quando o sinal para o termino da aula tocou de longe, eu corri até a minha mochila e acenei para ele quando ele ergueu os olhos claros na minha direção. Ele sorriu de volta, um tanto encabulado. Ele é bem fofo quando quer. Tenho me surpreendido bastante por ele estar se soltando mais.

No finalzinho da ultima aula de Economia, surpreendi-me ao receber uma mensagem de texto do meu irmão onde dizia que todos nós – o grupo – estávamos convocados para nos encontrar em frente ao colégio dali a alguns minutos para resolver uns assuntos importantes. Isso me deixou bem curiosa, então fiz questão de guardar meu material rápido e zarpar dali.

Pedro, Natália, Felipe e Luiza já estavam por lá, próximos a uma arvore do lado direito, esperando por mim, por Bianca e Rafael.

— Será que dá pra vocês me dizerem o que é que ta acontecendo? – resolvi perguntar, morrendo de tédio com todo aquele suspense.

— Você vai precisar ter um pouquinho mais de paciência. – pediu a Natália, sorrindo de maneira cúmplice para o meu irmão ao seu lado. — Afinal, não estão todos aqui ainda. Vamos esperar mais um pouco.

O silencio se estendeu entre nós.

Pedro e Natália começaram a se abraçar e trocar alguns beijinhos bem irritantes. Luiza parecia estar conversando com alguém pelo celular. E Felipe estava olhando para os lados, assim como eu, esperando pelo resto.

— Olha ali a Bianca! – Felipe anunciou, apontando para a rua. Todo o resto olhou na direção da ponta do dedo dele.

Pelos menos agora só faltava o Rafael, que eu não duvidava nada estar por aí agarrando a Maria Eduarda atrás do colégio.

Para a surpresa de todos Bianca não estava sozinha. Ela estava muito bem acompanhada por sinal. Um cara alto, forte, de olhos, cabelos e pele do mesmo tom e dono de um sorriso incrivelmente sexy. Eu já disse que ela é uma garota de sorte? Mas que estava com a farda do exercito. Os dois parados em frente ao que carrão que supostamente pertencia a ele.

— E quem é aquele ali? – Felipe quis saber, não perguntando a ninguém em particular. Olhei para ele, rápido até demais.

Impressão minha ou ele estava levemente enciumado com o que via?

Ultimamente eu estava tendo muitas impressões de tudo a minha volta. Eu nem sei por quê. Mas isso era estranho pra mim.

— Ah, aquele ali é o Danilo. – Luiza resolveu responder, deixando o celular de lado por um minuto. — O primeiro namorado da Bianca.

A vida amorosa da Bianca não interessa, não é mesmo?

E cadê o Rafael?

— Eu vou lá falar com eles e chamar ela. – anunciou a Luiza, saindo em dispara em direção à amiga e o novo... Ou de novo... Namorado?

E foi aí que o Rafael resolveu aparecer, mas não sozinho. Ao seu lado estava nada mais nada menos que Maria Eduarda com um sorriso sínico.

— Oi, gente. – ela praticamente cantarolou e eu revisei os olhos.

— E então, nós vamos? – Rafael perguntou, olhando para todos.

Nós vamos? Como assim? Vamos onde? E com ela também?

Minutos depois estávamos em uma sorveteria qualquer não muito longe do colégio tomando sorvete como se fossemos todos amigos, onde nos sentamos em uma mesa grande que pudesse caber todos.

Na verdade, a única intrusa ali era a Duda. E eu não era a unica que estava achando ruim não. Bianca, ao meu lado, estava praticamente fervendo de raiva e fuzilando o Rafael (o culpado) com os olhos. O resto parecia levemente desconfortável com a "nova" integrante do grupo.

— Porque estamos aqui mesmo? – perguntei, já sem paciência.

— É o seguinte: amanhã é um dia especial. Será o aniversário do nosso grande amigo aqui – meu irmão resolveu abrir o bico, sorrindo para o Felipe do meu outro lado . — e estávamos pensando em fazer uma festinha, bem particular, mas não sabemos exatamente onde.

Desliguei-me do resto da conversa, onde todos discutiam animadamente sobre possibilidades do local para a tal comemoração do aniversário do Felipe, quando a Duda colocou a mão na coxa do Rafael.

Ai, Deus. Era só o que me faltava mesmo.

E pior: ele sorriu intimamente para ela como quem aprova aquele gesto. Então quer dizer que está mesmo rolando algo sério entre eles?

Não me aguentei. Eu precisava fazer alguma coisa para chamar a atenção em uma tentativa falha de dizer que eu não estava gostando nenhum pouco daquilo, mas que ainda assim não iria ficar pra trás.

Sendo assim, muito rapidamente levei a mão até o rosto do Felipe, fazendo-o se virar para mim bem assustado com a minha atitude. Ignorei os outros olhando para nós também intrigados. Eu também não sabia ao certo o que deu em mim. Eu apenas coloquei minha mão na nuca dele e o puxei ferozmente para um beijo. Um beijo de verdade diante de todos.

No inicio senti a tensão no corpo do Felipe, quase como se não fosse capaz de retribuir, ou como se não soubesse se deveria ou não retribuir. Qualquer pessoa no lugar dele reagiria assim. Mas eu sabia, melhor do que ninguém, o quanto ele queria que aquilo acontecesse. Então eu resolvi facilitar as coisas, na tentativa de fazer o Rafael ficar com ciúmes.

Não foi um beijo demorado, mas também não durou apenas alguns segundos insignificantes. Eu tinha noção sim de que estavam todos olhando para nós, mas não era como se realmente importasse. Aquilo tinha que parecer real, tinha que parecer verdadeiro. O Rafael tinha que se dar conta de que ele não era o único que poderia se dar bem.

Quando enfim me afastei do Felipe, admito que um tanto sem jeito, foi quando tive coragem de olhar para todos os rostos ali presentes. Meu irmão estava horrorizado. Bem feito, isso era para ele aprender como eu me sinto quando ele fica agarrando a namorada do meu lado. A Natália estava com um sorrisinho, assim como a Luiza. O Felipe vermelho de vergonha. A Duda – para o meu total espanto – sorrindo diabolicamente como quem aprova a situação. O Rafael intrigado, como quem pergunta o que foi que aconteceu ali e por fim a Bianca simplesmente levantou-se e saiu correndo.

Não entendi nada.

Não eram bem aquelas reações que eu esperava.

— Er... Então, como estávamos dizendo...

Pedro era muito bom em contornar a situação.

Saí lá fora para fumar um cigarro, pois eu não havia dito basicamente nada útil para ajudar os meus amigos naquele problema. Alguns adultos que passavam pela calçada naquela noite me reprovavam com olhares duros ao me verem – tão nova, tão jovem, tão cheia de vida – fumando.

— Me passa um aí também. – ouvi o Rafael pedir ao se aproximar. Fiz exatamente o que ele pediu, bem vagarosamente.

Ele agradeceu com um aceno.

— Então, o que foi aquilo lá? – ele perguntou, virando-se para mim ao soltar a fumaça pela boca. E eu sorri vitoriosa, porque achava que o beijo que dei no Felipe não serviu de nada além de constranger todos.

— Nada de mais. Deu vontade e eu fiz. – dei de ombros, evitando o contato de seus olhos verdes-escuros. — Por quê? Não gostou?

Ele soltou uma risada alta desprezível.

— Fala sério, Gabriela. Você está querendo insinuar que fez aquela ceninha lá dentro só para saber se eu gostaria ou não?

— Não, não foi bem isso que eu quis dizer. – tentei dizer, embaraçada pela frieza de suas palavras. — Eu só queria saber se...?

— Eu fiquei com ciúmes? – ele completou. — ah, Gabriela. – ele continuou rindo e eu quis socar a cara dele. — Você acha mesmo que eu iria sentir alguma coisa por você? Não brinca assim.

Não voltei para casa aquela noite, ainda com a mochila nas minhas costas. Eu só conseguia pensar em duas coisas naquela noite enquanto caminhava por aí sem um rumo: a primeira delas é o quanto eu sou patética por pensar que por um momento poderia me vingar do Rafael. Ele que é tão esperto quanto eu. Segunda coisa, é que eu faria qualquer coisa agora para poder me livrar desses pensamentos tão perturbadores.

Mas eu tinha a solução. Quer dizer, não eu exatamente. Mas eu conhecia alguém que poderia ajudar. Alguém que prometeu ajudar sempre que eu precisasse. Assim, peguei o primeiro ônibus que apareceu.

— Gabriela? – Augusto parecia surpreso com a minha visitinha repentina quase nove horas da noite.

— Desculpa por não ter avisado que viria. – digo, meio constrangida por estar sendo uma pedra no sapato ultimamente. — Mas eu preciso daquilo lá, lembra? Eu não trouxe a grana, mas cara, eu realmente precis...

— Você não quer entrar? – ele me interrompeu com a pergunta e um sorrisinho bem sacana nos lábios.

— Não, não. – respondo rapidamente. — Estou meio sem tempo. Mas será que dá pra você me arrumar aquilo lá? Eu estou com uns problemas, mas assim que puder te arrumo a grana que estou te devendo.

Ele suspirou.

— Tudo bem, Gabi. Eu disse que não precisava ser agora. – ela deu um braço pra trás dentro do próprio apartamento. — Eu vou lá dentro pegar o que você quer. Você espera aqui?

Enquanto espero não consigo evitar roer as unhas do dedo.

Augusto demora bem mais do que eu previa.

— Aqui está. – ele me entregou o que eu precisava. — Mas tome cuidado. Vê se pega leve dessa vez, Gabriela.

Ele ri e eu sorrio, saindo correndo de lá assim que posso.

Não posso levar o que tenho na mochila para casa e não consigo pensar em nenhum outro lugar para consumir o que tanto quero sem que alguém fique pegando no meu pé. Mas continuo andando por aí esperando que uma ideia brilhante surja na minha cabeça.

Não demora muita e ela aparece. Não é das melhores, mas pelo menos ali, em um beco vazio, eu posso ter certa privacidade.

Após consumir a droga sinto-me um pouco melhor, mas não é suficiente, então aproveito para gastar o pouco do meu dinheiro em um bar qualquer de esquina. Compro três cervejas e bebo sozinha, enquanto um grupo de tarados fica de olho em mim. Mostro o dedo para eles.

Ainda não consigo parar de ouvir as palavras do Rafael na minha mente e nem o sorriso intrigante da Duda de horas atrás. Eu quero chorar, eu quero gritar, eu quero esquecer, eu quero sumir, quero desligar meus sentimentos, quero estar em qualquer outro lugar que não seja aqui.

Acabo chegando a casa, passando pela sala, ignorando o questionário do meu pai e o olhar triste da minha mãe de quem tem culpa no cartório e tranco-me no meu quarto, batendo forte a porta.

Jogo-me em minha cama, sentindo as lágrimas escorrem por minhas bochechas. E penso: quando foi que eu perdi totalmente o controle?

Uso o restinho do que eu consegui com o Augusto que está no bolso do meu jeans rasgado. Mas nem isso é capaz de me desligar por alguns segundos, ou preencher esse vazio no meu peito ou tirar tais pensamentos da minha cabeça de uma vez por todas. Ainda me sinto mal, me sinto um lixo, me sinto infeliz e me sinto péssima e estúpida.

Onde foi que eu cheguei?

Acho que estou começando a enlouquecer de vez.

De repente começo a ouvir vozes altas no fundo da minha mente, começo a ver pessoas passando por mim sem conseguirem me enxergarem de fato como se eu fosse um fantasma, ouço a buzina de carros e motocicletas, sinto o peito apertado, as lágrimas aumentarem, sinto o chão sair de baixo de mim, sinto um peso enorme nas minhas costas.

Fecho meus olhos e tento tapar meus ouvidos.

Tento me concentrar por alguns segundos. Nada disso pode ser real, nada disso pode ser verdade. Nada disso está mesmo acontecendo. É só a minha imaginação. E só a minha cabeça sem mais espaço para nada.

Agora tudo está calmo e silencioso. Não há nada além de mim e o escuro. Minha mente está vazia. Eu já não choro mais. Meu coração bate tranquilamente. Está tudo tão calmo e aqui no escuro parece tudo tão seguro. Meu corpo parece leve como uma pena.

E de uma hora para outra eu simplesmente apaguei. Perdendo-me de vez.


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Notas finais do capítulo

Eita, parece que a Gabi está mesmo muito mal. Desculpem-me qualquer errinho. Desculpe-me não saber muito bem como falar sobre drogas e todos seus efeitos. Eu realmente não entendo nada disso e espero que vocês também não haha Mas aí, o que será que levou a Gabi a isso?