Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 16
Pedro


Notas iniciais do capítulo

Já vou logo avisando que sei capítulo é bem tenso. Sei que muitas de vocês vão querer me matar ou algo parecido haha Mas faz parte. A gente supera, não é mesmo? E também não teria graça nenhuma se essa história não fosse no minimo interessante para vocês. Eu dou o melhor de mim!



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Passamos as primeiras horas daquela manhã nublada organizando a exposição que faríamos no colégio durante o resto do dia. Duas vezes por ano, uma em cada semestre, nós do colégio organizávamos esse evento, no intuito de expor nossos trabalhos e projetos para arrecadar dinheiro para a melhoria do colégio ou até mesmo para contribuir nas viagens acadêmicas que organizamos todos os anos. Os portões do colégio ficariam o dia todo abertos para toda a comunidade interessada em nos ajudar.

Por volta das onze da manhã estava praticamente tudo acabado: as obras e trabalhos feitos pelos alunos de todos os anos em seus devidos lugares para a exposição, a banda do colégio ajustando o som no pátio central, a limpeza de salas e corredores em ordem, a decoração simples enfeitando as paredes do colégio, os alunos circulando de um lado para o outro revisando os últimos detalhes e os docinhos e salgados, além do suco, estavam quase prontos para receber os convidados assim que os portões fossem abertos.

— Rafael? – o chamei, assim que finalmente o encontrei no final do corredor do segundo andar. Ajudando um grupo de garotas do primeiro ano a colar alguns cartazes nas paredes, na parte mais alta.

Ele virou-se para mim.

— Você por acaso viu a Nati por aí? – perguntei curioso. Desde as oito da manhã eu não via a minha namorada. Estava começando a ficar preocupada com o seu repentino sumiço.

Eu e ela precisávamos conversar. Agora que eu havia finalmente terminado a minha parte na colaboração da exposição achei que seria legal da minha parte ir procura-la para termos aquela conversa que vínhamos adiando há dias. O problema é que tivemos uma pequena briguinha no domingo e ainda estamos naquele clima meio chato entre nós que só me deixa cada vez mais desconfortável. Eu queria resolver isso logo.

Foi uma briguinha boba, coisa que acontece com qualquer casal.

— Na ultima vez em que eu a vi ela estava na sala de Artes.

— Tá, valeu. – digo, já me afastando. — Depois a gente se vê.

O colégio pode até ser grande, mas quando todos os alunos estão percorrendo livremente pelos corredores, mesmo que atarefados, o prédio parece pequeno pra tanta gente. Alguns colaboram mais que os outros. Tem sempre aqueles espertinhos que aproveitam a ausência dos professores e a falta de aulas para ficarem zanzando de um lado para outro como se não tivessem nada para fazer, só para se divertir a custa dos mais dedicados.

Fiquei parado na porta da sala de Artes no primeiro andar, estático com o que vi assim que cheguei. Não pude evitar ficar furioso, cheio de ciúmes ao ver a minha namorada sobre uma daquelas escadas de mãos - daquelas que se pode levar de um lado para o outro – enquanto um garoto segurava suas pernas com suas duas grandes mãos imundas, como se aquele gesto fosse impedi-la de cair a qualquer momento.

Natália estava tentando pendurar umas bandeirinhas coloridas, daquelas bem parecidas com as de festas juninas, na parte de cima do quadro-negro.

Eu não estava furioso só com a aproximação e a intimidade daquele garoto em relação a ela. Eu estava furioso também porque aquela não era uma tarefa para ela, que poderia cair a qualquer momento no chão e quebrar uma parte do seu frágil corpo. Aquela não era uma tarefa para nenhuma garota. Não que eu seja estupidamente machista. Mas eu imediatamente me perguntei para que servia aquele bando de machão ali presentes naquela mesma sala se não para ajudar em tarefas assim?

Mas pelo visto nenhum deles moveu um só quer dedo para ajudar. Agora para segurar a minha namorada enquanto ela faz a parte mais difícil e arriscada o garotão ali logo resolveu agir rapidamente. O que me deixou extremamente irritado. Porque se tem uma coisa que eu detesto são pessoas aproveitadoras. E isso não poderia ficar assim.

— Não precisa mais se preocupar. – pedi ao espertão, assim que me aproximei. Ele me olhou assustado, rapidamente soltando as pernas da minha namorada como se acabasse de se dar conta de que estava se deparando com um leão furioso. — Deixa que eu cuido disso.

Ao ouvir a minha voz a Nati olhou para baixo e sorriu. Eu tentei sorrir de volta, mas acho que não foi um dos meus melhore sorrisos.

Esperei até que ela terminasse o trabalho e pudesse descer para conversarmos melhor. Quando ela terminou de pendurar as tais bandeirinhas com alguns escritos eu a peguei pela mão e a levei para fora daquela sala, longe de todos os olhares curiosos.

— O que foi? – ela foi logo perguntando. — Porque está com essa cara?

— É só que... eu não gostei do que acabei de ver.

Ela me olhou de um jeito torto, como se eu tivesse acabado de dizer que tinha avistado uma nave espacial no céu.

Ainda não fez nem um mês que estamos namorando pra valer, mas a cada dia que se passa tenho ainda mais certeza de que isso, o que temos, vai durar uma eternidade. Porque é o que eu quero. Eu gosto muito dela. Muito mais do que eu consigo dizer em palavras. E é por esse motivo que nos últimos dias temos brigado por pequenas coisas, porque nunca antes eu tinha lidado com um sentimento que me consumisse tanto.

Por mais que eu tenha certeza dos meus sentimentos em relação a ela, eu nunca terei total certeza do que ela sente por mim. Apesar de confiar inteiramente nela. Ainda assim existe aquela insegurança massacrante que me faz ter ciúmes dela. Um ciúme idiota que eu nunca senti antes nem por nada e nem por ninguém. Nem mesmo pelas minhas coisas.

Tudo isso por medo de algum dia perde-la.

— Você não pode está falando sério, Pedro. – ela riu, sem humor. Eu vi em seus olhos negros o quanto ela estava irritada com o que acabara de ouvir de mim. — Você não está com ciúmes do Caio, está?

Caio? Mas quem é Caio?

Ah sim, o espertão aproveitador.

Não respondi a sua pergunta de imediato, desviando o olhar envergonhado. Eu admito estar sendo muito infantil. Ficando enciumado com tão pouca coisa. Mas não é como se eu pudesse me controlar ou evitar.

— Pedro, você está me sufocando com esse seu ciúme bobo! – ela continuou, agora com um tom de voz mais bravo do que o normal. Coisa que geralmente acontecia. A Natália é uma pessoa muito controlada.

Como se tivesse se dado conta de que estava perdendo o controle, ela parou de falar. Suspirou fundo para manter a calma. Eu voltei a olhar para ela, engolindo em seco ao ver a magoa estampada em seus olhos. Ela não disse mais nada a seguir, apenas saiu de perto de mim.

Eu me sentia estúpido. Eu queria concertar as coisas entre nós e não dificultar ainda mais. Mas acabei complicando tudo. Eu e a Nati não estávamos tendo a nossa melhor fase e eu só queria que isso não se prolongasse muito. Não havia nada que eu pudesse fazer agora, por isso decidi dar um tempo até que a poeira abaixasse.

Segui pelo corredor a procura do Felipe. Seja lá o que ele estivesse fazendo, talvez estivesse precisando da minha ajuda. Mas antes que eu pudesse encontra-lo acabei me deparando com a minha irmã sentada em um canto no corredor como se estivesse... Dormindo? Ela faz parte daquele grupinho de que não estão nem aí para os eventos escolares. Ou ela estava cansada demais ou parecia bem triste e desanimada com a vida. Pelos últimos acontecidos deduzo que seja a segunda opção.

Resolvi me aproximar, sentando-me ao lado dela no chão.

— Gabi, você está bem?

Ela ergueu a cabeça, olhando-me com os olhos verdes – ou seriam azuis? – vermelhos. Aparentemente ela estava em um estado bem pior do que normalmente se encontra. Senti-me culpado. Será que estávamos pegando muito pesado com ela dando-lhe um gelo depois do que ela fez com a Bianca? Provavelmente sim. Isso ia fazer duas semanas!

— O que você acha, imbecil? – ela rebateu, chateada e nervosa.

— Ei, calma aí garota. Eu só queria conversar.

— Conversar? – ela fez ar de ofendida e revirou os olhos. — Você me despreza, me descarta, me joga fora como se eu fosse um brinquedinho e agora você quer conversar comigo. Qual é a sua, Pedro?

— Pega leve, Gabriela. – agora eu fiquei irritado. Até porque foi ela que começou com toda aquela infantilidade e não eu. Ou nós. O grupo. — Quer saber? – levantei-me, ainda a fuzilando. — Você não quer conversar, por mim tudo bem. Só não vou ficar aqui pra você ficar pisando em mim.

Deixei-a para trás, sem condições alguma de continuar aquela conversa que mal havia começado.

Assim que o pessoal foi adentrando o colégio, interessados na arte e na musica não tive mais tempo para ajudar ou para ir atrás da minha namorada para conversar. Na verdade poucas vezes eu a vi durante todo o tempo e sempre que eu a vi ela parecia bem ocupada tentando deixar todos à vontade, mostrando os trabalhos e passando-lhe informações.

Comecei a ficar cansado por volta das três da tarde de tanto rodar de um lado para o outro conferindo se estava tudo bem. Ao ver a Bianca e o Felipe sentados no refeitório eu resolvi me aproximar para descansar um pouco e comer algo. Mas acabei interrompendo uma conversa bastante interessante entre eles. Para minha total surpresa, que poucas vezes presenciei esses dois de conversinha.

Na verdade aquele era um fato inédito.

O que foi que eu perdi?

— Vou deixar vocês à vontade, meninos. – Bianca levantou-se. Ela estava incrível aquele dia, como de costume. Com um vestido floral de cores claras e sapatilhas. Os cabelos claros e finos estavam presos em um coque. — Eu vou procurar a Luiza. – ela anunciou, como se nos devesse isso.

Esperei ela se distanciar para me voltar ao Felipe.

— Quer dizer que agora vocês são amiguinhos? – resolvi tocar no assunto, só para descontrair. O Felipe fez uma careta e eu ri.

— Não, cara. Não é nada disso. – ele fez questão de se explicar, como se temesse que eu pensasse algo a mais. — Ela é... Legal.

O.K. Ele não me venceu. Mas também não insisti no assunto.

Peguei um pão com carne moída e um suco de uva daqueles de caixinha que estavam servindo aquela tarde.

Por mais que eu tentasse me distrair com a movimentação do colégio, cheio de gente nova e curiosa com os nossos trabalhos, eu não conseguia tirar da minha cabeça duas coisas preocupantes.

Uma delas é o meu desentendimento com a minha namorada. E a outra é a minha irmã e seu estado emocional que anda muito abalado ultimamente. Ela não é assim. E isso me preocupa. Mas não importa quantas vezes eu tente me aproximar, ela sempre me afasta como um animal ferido. É difícil saber exatamente o que se passa dentro da cabeça dela.

Lá pelas cinco horas, após todos irem embora e darmos uma organizada de leve no colégio, fui à procura da Natália, só para saber se ela estava bem o suficiente para querer a minha companhia na volta pra casa.

Quando eu mais precisava encontra-la, é quando ela desaparecia completamente. Demorei alguns longos minutos até encontra-la no almoxarifado no térreo. E pela segunda vez no dia acabei ficando estático com o que vi naquele pequeno cubículo cheio de materiais de limpeza.

Natália e Luiza estavam frente a frente, a poucos milímetros uma da outra, como se estivessem prestes a se... beijar. O que pra mim era algo completamente inusitado. Eu nunca que imaginei que algum dia presenciaria algo assim. E se eu tivesse chegado alguns segundos depois tenho certeza que teria flagrado o exato momento em que suas bocas estariam coladas. Uma cena (de garotas se beijando) que mexe com a fantasia de qualquer garoto da minha idade. Mas não comigo.

Além de muito surpreso, eu fiquei furioso.

A Nati seria mesmo capaz de me trair? E ainda mais, com uma garota?

Isso não podia ser real.

— Vocês por acaso podem me explicar o que está acontecendo aqui? – perguntei. Ao ouvirem a minha voz elas se deram conta de que não estavam sozinhas em plena privacidade. Subitamente elas se afastaram uma da outra, evidentemente desconfortáveis com a minha presença.

— Pedro? Não é o que você está pensando. – a Nati se aproximou, os olhos negros desesperados. Ah, nada como aquela velha desculpa. Coisa que comigo não cola. Convenhamos. Essa desculpa aí é velha e só sendo idiota mesmo para acreditar.

Até porque eu não estava pensando nada, eu estava vendo com meus próprios olhos.

Sem conseguir dizer nada, apenas balancei a cabeça negativamente. Inconformado com essa situação e ri pelo nariz, sem humor e paciência. Aquilo não podia esta acontecendo justamente comigo. Só poderia ser algum tipo de castigo. Não sei. Mas virei às costas e sai dali, ouvindo a Nati – em vão – tentar se desculpar comigo enquanto me perseguia pelo corredor.

Aquela quinta-feira estava sendo um daqueles dias que se você soubesse que tinha tudo para dar errado você nem ser quer se daria o trabalho de levantar da cama. De repente eu me sentia exausto. Cansado de tudo. Traído e enganado. Tinha acabado de levar uma punhalada pelas costas da minha namorada. A garota que eu amo e tenho dedicado minhas horas e meus últimos dias inteiramente a ela.

Eu esperava isso vindo de qualquer pessoa. Até mesmo do meu melhor amigo que é um sem noção na maior parte do tempo. Ou da minha irmã, que age sem pensar nas consequências. Mas não da Natália. A garota fofa, educada, respeitosa, ingênua, delicada que eu tanto amo.

A cada dia que se passa eu me surpreendo mais com o mau caráter das pessoas.

Andei depressa até a saída do colégio. Eu não sabia se chorava, por me sentir exageradamente dramático e estúpido. Ou se explodia de raiva, por estar sendo sempre manipulado – de certa forma – pelos mais próximos, a quem tanto confio. E para piorar a Natália não parava de me perseguir. Com aquelas voizinha fina irritante, pedindo o meu perdão e tudo mais. Só faltava ela se ajoelhar na minha frente. O que seria o mínimo que ela poderia fazer depois de tudo que me fez passar hoje.

— Por favor – me virei de frente para ela, parando pelo caminho ao suspirar profundamente por alguns segundos para manter a calma. — me deixa em paz por algumas horas. Depois a gente conversa, Natália.

— Não! Pedro, não! – ela parecia uma criancinha mimada, batendo o pé no chão de um jeito extremamente irritante. De repente, de uma hora para outra, eu comecei a odiá-la com todas as minhas forças. Cada detalhe que eu costumava amar nela agora me irritava além do limite.

— Meu, por favor. É tudo que te peço. – fuzilava-a com meus olhos, enquanto ela olhava para mim com aquela carinha de cachorrinho abandonado. Os olhos escuros brilhando de tanto segurar as lágrimas.

No fundo eu sentia uma vontade imensa de abraça-la e dizer que juntos iríamos superar aquilo. Por outro lado eu queria por as minhas duas mãos em volta do pescoço dela e estrangulá-la até a morte, perguntando-me porque ela havia me traído daquela forma.

O amor às vezes nos deixa meio paranoico.

Tá, tudo bem que ela não chegou a me trair diretamente. Não que eu tenha visto. Vai saber o que aconteceu antes de eu chegar lá. Mas mesmo assim não justifica a proximidade que ela estava tendo com a Luiza – cara, a Luiza! - em um local praticamente isolado do resto do mundo.

— Eu quero ficar sozinho agora, pode ser?

Mesmo relutante ela assentiu, deixando uma lágrima escorrer pelo rosto. Controlei-me ao máximo para não enxugar a lágrima para ela. Porque se tem uma coisa que deixa um homem sem chão é ver uma mulher chorar e não saber como agir diante dessa situação.

Vinte minutos depois eu estava em casa, finalmente. Ouvi a voz dos meus pais vindo da cozinha. Pelo visto eles estavam tendo uma discussão bem feia. Mas não me atrevi a ir até lá. Pelo contrário, fui até o meu quarto, bati a porta com força só para dizer que eu cheguei e estava bem ali escutando tudo, tirei os sapatos e desabei sobre a minha cama.

Fiquei um bom tempo encarando o teto branco do meu quarto sem saber ao certo o que pensar.

Alguns minutos depois ouvi as vozes se calarem no andar de baixo, indicando que aquela briga tinha terminado. Tive ainda mais certeza quando a porta da frente bateu. O pessoal aqui de casa tem essa mania de descontar a raiva nas portas. Coitadas. Reuni forças e levantei-me. Fui tomar um banho. Depois desci para comer algo e vi que lá em baixo não tinha mais ninguém.

O que foi bom pra mim, assim não tinha porque ficar justificando o porque da minha cara feia.

Jantei em frente à televisão, largado no sofá. Mas confesso que estava no piloto automático. Não ouvia nada e não tinha consciência dos meus atos. Eu apenas agia conforme o esperado. Aquela cena, de horas atrás, não saia da minha mente. E isso estava acabando comigo cada vez mais.

Eu não sabia o que faria depois, quando tivesse que ter aquela conversa com a Natália. Não sei se seria capaz de perdoa-la e seguir nosso namoro normalmente. Não sei se teria coragem suficiente para terminar com ela e partir para outra, em busca de algo melhor. Não sei se dizia a mim mesma que estava exagerando, pois aquilo não passou de um mal entendido ou se esperaria para ouvir o lado dela da história.

Se bem que, pensando melhor, eu já deveria ter suspeitando há muito tempo que existia algo entre elas. A Natália sempre ficava tensa com quando a Luiza se aproximava. A Luiza vivia encarando a mim e a Natália. E sempre que eu tocava no assunto, querendo saber algo a mais, a Natália mudava de assunto, evitando falar sobre aquilo. Eu já deveria ter percebido que ela me escondia alguma coisa. Mas ingênuo como eu sou, pensei que era só mais uma briguinha dessas que acontece entre amigas.

Nunca que eu iria imaginar que era algo além de uma simples amizade. Até porque não é muito comum pra mim presenciar garotas tendo um relacionamento mais sério. Pode até ser mais normal ou comum relacionamentos homossexuais nos dias de hoje. Eu particularmente não tenho nada contra. Sou a favor do amor, isso sim. Acho que são válidas todas as formas de amar. Mas a gente nunca espera que algo assim aconteça bem de baixo do nosso nariz. Não com a minha namorada e uma amiga.

Eu precisava conversar sobre isso com alguém. Primeiro pensei no Rafael, mas ele iria rir da minha cara do jeito que é tão sem noção e desligado para esse tipo de coisa. O Felipe mal abre a boca para responder a chamada, imagine só para conversar sobre relacionamentos. Eu não sou muito íntimo da Bianca, apesar de gostar muito dela. Descarto a Luiza e a Natália. Assim só sobra a minha irmã, a Gabriela. Mas não é como se ela fosse à pessoa mais recomendada para se conversar sobre essas coisas.

Mas, caramba, ela é garota. Garotas são boas de papo. Elas realmente entendem muito mais de certas coisas que nós garotos. E eu até aceito que ela me critique, me julgue ou coisas assim. Ela é minha irmã! Ou, ela nem precisa dizer nada. Eu quero alguém que apenas me ouça. Isso basta.

Deixo meu prato na pia, desligo a televisão e subo, para o andar de cima, rumo ao quarto da minha irmã. Eu não a vi desde que cheguei. Nós não nos encontramos mais desde a tentativa falha de conversar com ela hoje mais cedo no colégio. Mas talvez ela tenha chegado depois de mim, como normalmente acontece. Enquanto eu estava no banho.

A Gabriela anda muito mais estranha que o normal, muito mais distante, mais grossa e arrogante. Às vezes ela até parece mais triste, magoada ou ressentida. Talvez esteja na hora de parar de dar um gelo nela e a deixar fazer parte do grupo novamente. Acho que ela já aprendeu a sua lição. Talvez depois de fazê-la me ouvir, seja a minha vez de fazer com que ela se abra comigo. Afinal, somos amigos. Somos irmãos.

Bato inúmeras vezes em sua porta, até perder a paciência e resolver entrar de uma vez. Vai ver ela está ouvindo suas musicas altas no fone de ouvido e não tenha me escutado. Mas acabo me deparando apenas com a bagunça de seu quarto. A Gabriela não está ali.

Em meio a todas aquelas coisas espalhadas pelos quatro cantos do quarto escuro – afinal, como ela consegue respirar ali dentro? – vejo um bilhetinho ou uma carta deixada por ela, ou por alguém, sobre a cama.

Irmãozinho querido (é mentira, ok?), sei que provavelmente você será o primeiro e talvez o único a encontrar esse bilhete. E também é um dos únicos a quem pelo menos devo uma explicação descente para a minha partida. É, isso mesmo que você acabou de ler: eu fui embora. Exatamente. Assim, sem mais nem menos. Mas pera lá, eu vou tentar explicar porque. Mas só porque você iria ficar muitíssimo preocupado comigo e isso não me parece justo.

A questão é a seguinte: eu cansei. Cansei de absolutamente tudo na minha vida. Estou farta dessas pessoas hipócritas que vivem uma vida de mentira e enganações. Por isso resolvi dar um tempo. Mas não se preocupe. Voltarei assim que me sentir preparada para encarar a minha realidade. Por favor, não tente me encontrar e nem me ligar. Até porque não sou burra o bastante para deixar pistas ou rastros do meu paradeiro. Eu nem ser quer levarei meu celular, porque não quero a polícia do estado inteiro me rastreando. Eu realmente preciso desse tempo. Mas relaxa, eu vou ficar bem. Eu sei me virar sozinha e você sabe disso.

Fica bem, ta? Eu ficarei, pelo menos assim espero.

Como se já bastasse estar passando por uma crise no meu namoro com a Natália, agora também tenho que lidar com o sumiço da minha irmã.

Tem como ficar pior?

Não, por favor. Nem precisa responder a essa pergunta.


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Notas finais do capítulo

E ai, gente. Vocês sabem porque a Gabi resolveu ir embora, assim, do nada? Ou melhor, onde será que ela se meteu? Bom, não vou relevar isso agora e nem tão cedo. Mas posso afirmar que os próximos capítulos estarão voltados para o sumiço dela, ta? Espero que estejam ansiosos.