Mesmo tendo dezesseis anos a impressão que eu tinha era de que a qualquer momento eu teria um infarto e cairia durinha por algum corredor desse colégio.

Eu não conseguia entender como aquela loira falsificada com sotaque britânico havia tido a capacidade de me desafiar daquela maneira. Mas eu avisei pra quem quisesse ouvir: ela vai se arrepender. Ah, se vai. Não sei como ainda, mas vai.

– Eu nunca havia visto ela por aqui - Abbie soltou enquanto andávamos em direção a nossa sala. - Será que ela é uma agente secreta infiltrada pra exterminar todos os duendes do colégio? Sabe, existem bastantes escondidos. Esses dias eu vi um debaixo da mesa da professora de História. Ele roubou dez dólares dela.

– Agentes secretos costumar se camuflar entre os demais. Eles não chegariam num conversível cor de rosa e desafiariam a garota mais popular do colégio - Clove disse. - E Abbie, quantas vezes eu vou ter que te dizer que duendes não existem?

Abbie abre a boca num pequeno o, surpresa.

– É claro que existem - ela brecou ferozmente no corredor. - E você não vê porque é burra demais.

Clove me lançou um olhar de alguém que pede ajuda para se livrar de uma situação desagradável.

Eu ainda estava aérea desde o que acontecera no estacionamento. Nunca na minha vida aquilo havia acontecido.

– Katniss - Clove estalou os dedos na minha direção. - Está tudo bem?

– É pra responder? - perguntei incrédula. - Você não se lembra do que aconteceu?

– Ahh - ela grunhe revirando os olhos com descaso. - Você tem que esquecer isso. Parece até que você está com medo dela. Vamos logo, não quero me atrasar.

Talvez eu estivesse com medo. Só um pouquinho. Medo de ela destruir o meu império nesse colégio, ou pior, roubá-lo de mim. Mas eu nunca iria admitir isso.

– Ela tem um cabelo bonito - Abbie disse enquanto eu colocava minha bolsa numa carteira qualquer. Ela havia ficado impressionada demais com a ousadia da aluna nova e isso estava me irritando.

– Não, Abbie - Clove advertiu sentando-se ao meu lado. - O cabelo dela é horrível. Na verdade, ela é toda horrível.

Abbie arregalou os olhos. Uma mecha ruiva de seu cabelo caiu sobre eles e ela a retirou.

– Nós não gostamos dela? - perguntou indignada. - Por quê?

Clove suspirou frustrada. Acho que ela estava começando a ficar de saco cheio da Abbie. Será porque, né?

– Ela é má. E você não gosta de pessoas más - Clove replicou como se falasse como uma criança de cinco anos, enquanto alguns alunos entravam na sala.

–Ah... - soltou Abbie - Má. Muito má.

– Quem é má? - perguntou Cato se aproximando de Clove e a beijando.

– NEDSC - respondi rapidamente jogando meu cabelo sobre o ombro.

Cato se sentou à frente de Clove, enquanto me lançava um olhar confuso.

– Ne o quê?

– NEDSC - Clove repetiu. - Não É Da Sua Conta, amor.

Cato bufou e começou um assunto particular com a namorada. Gale entrou na sala algum tempo depois e se sentou ao meu lado.

– E então, Kat? - ele perguntou me beijando no rosto. - Conseguiu sobreviver sem mim?

Tentei ignorar o gigantesco ego do meu namorado. Às vezes, o ambiente fica até mais apertado quando ele chega, é sério.

– É claro - respondi. Gale havia passado as férias inteiras na Espanha com os pais, só nos falamos por telefone.

– Será que Marvel não estudará com a gente esse ano? - perguntou Abbie me fitando. Assim que ela se calou e antes que eu pudesse responder a figura excêntrica e colorida de Marvel apareceu na porta.

– Ah não - Cato exclamou seguindo meu olhar. - Achei que ficaríamos sem o Maravilha por esse ano.

Clove deu um tapinha nele.

– Não fala assim, Cato.

Marvel berrou um bom dia enquanto vinha em nossa direção. Pelo menos, eu e as meninas acenamos de volta. Ele percorreu a sala rebolando até nós. Usava sapatos de couro lustrosos e uma calça de alfaiataria com suspensórios. Seu cabelo estava intacto pelo gel, e ainda por cima, ele ostentava um óculos escuros de marca.

Marvel é nosso melhor amigo “homem”. Coloco entre aspas, porque digamos que ele não se comporte como um. Gale e Cato o apelidaram de Marvel Maravilha no ano passado. Admito que na oitava série tive uma quedinha por ele. Ok, um abismo mesmo. E então, os garotos me disseram que ele não gostava de garotas. Quase entrei em depressão. E o pior: eu claramente achava que ele também gostava de mim.

– Como estão, meus amados? - Marvel cantarolou.

– Ai preciso vomitar - Cato disse se afastando de nós, sendo acompanhado de Gale, e se juntando a outros garotos que já haviam chegado. Revirei os olhos com a atitude deles.

Marvel não pareceu se importar muito. Ele ficou mirando as costas do Cato enquanto este atravessava a sala. Bem, pelo menos eu achava que eram as costas. Vai saber.

– Minha nossa senhora da purpurina - Marvel se abanou. - Se ele não tivesse dona, eu catava... Entendeu?

Ele nos olhou com uma cara de lesado tentando nos fazer entender o trocadilho. Clove não curtiu muito.

– É, mas tem, querido - Clove respondeu a ele. - E estamos muito bem, obrigada.

Marvel fez uma cara de descaso, e enquanto isso o nosso “querido” professor Haymitch entrava na sala aos tropeços, sua maleta preta tinha folhas saindo pra fora.

Marvel sentou-se do meu outro lado.

– Fiquei sabendo do ocorrido no estacionamento - ele cochichou com cautela. - Ai, amiga. Que péssimo.

– Abram os livros na página 245 - disse nosso professor, meio... grogue.

– Desculpe professor, mas o livro só vai até a página 196 - notei a desagradável presença de Annie Cresta, em uma das carteiras da frente.

Annie Cresta é a garota mais invejosa que eu conheço. Tudo começou na quinta série quando meu pai decidiu gastar muito dinheiro e fazer a festa de aniversário mais cara que eu já tivera. O tema seria Estrelas de Cinema e eu iria de Marilyn Monroe. Já estava tudo pronto, o bufê, a fantasia, a decoração... Então, eu recebo o convite de aniversário da Cara-de-Bolacha Cresta. Infelizmente, ela fazia aniversário antes de mim. E qual era o tema? Advinha.

Estrelas de Cinemas! E não, não foi uma simples coincidência, porque ela também se vestiu de Marilyn Monroe. Desde então, sempre competimos uma com a outra. Mas é obvio que eu possuo muito mais vitórias do que aquela songamonga, tirando, é claro, o lance do pônei.

– Hm - respondeu o professor arqueando as sobrancelhas. - Então faz o seguinte: acha o primeiro capítulo e o copie inteiro no caderno. Tá bom assim?

A sala toda grunhiu em decepção. O Sr. Abernathy se jogou na cadeira e esticou os pés sobre a mesa.

– Estão insatisfeitos? - ele perguntou irônico. - Capítulo um e dois.

–Ah, não! Meus dedos vão se encher de calos - resmungou Marvel mirando suas mãos.

– Quer o terceiro também, Sr. Marvel? - Marvel escorreu um pouco na cadeira e negou com a cabeça. - Certo, então comecem a copiar.

Não sei como o Panem College, o colégio preparatório mais renomado da cidade, aceita um professor alcoólatra como ele. Daddy precisa saber disso. Meus pensamentos foram interrompidos pela chegada da siliconada e oxigenada dona de um conversível cor-de-rosa que está estacionado na minha vaga: Glimmer.

– Olá, professor - ela disse, entrando na sala e lançando um olhar cínico pra mim e um atrevido para o Gale, que retribuiu com um sorrisinho. Cachorro!

Ela se sentou em uma das carteiras vazias. Inacreditavelmente ao lado de Annie Cresta. Talvez idiotas se atraiam.

O professor olhou para Glimmer com uma cara de paisagem.

– Quem é você? - perguntou ele.

– Glimmer Charlotte Lyonne II - respondeu ela sorridente, cruzando as pernas e jogando o cabelo loiro sobre o ombro.

Arghhhhhhhhhh!!!