A Beira Da Loucura escrita por Guilherme


Capítulo 4
Dores do passado




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Adair tem estado mais receptivo comigo esses dias, claro que ele continua com o jeito frio e sem emoção de sempre só que agora ele parece se esforçar para mostrar que minhas visitas estão sendo importantes para ele, e isso está me deixando realmente feliz. Acabou que Adair tem sido como um amigo para mim porque ele é a única pessoa que eu estou tendo dialogo nesses dois meses que me encontro nessa clínica, eu falo tão raramente com a minha mãe e minha amiga – e ainda assim é só por e-mail –, já tentei conversar com alguns dos outros internos mas era como conversar com uma criança de cinco anos e os que não pareciam crianças só ficavam calados o que tornava nossa conversa em um monologo. Me levantei para ir visitar Adair, coloquei minha blusa de moletom e sai um pouco apressada do meu quarto para não me atrasar. Quando cheguei em sua porta pude escutar o som de Belle and Sebastian tocando, ele tem escutado muito esse CD e eu estou começando a ficar viciada nas músicas – preciso baixar essa droga –, bati na porta e não houve nenhum sinal de vida provavelmente ele não escutou minhas batidas por causa do som que estava meio alto, coloquei minha mão na maçaneta girando-a e abrindo a porta lentamente, quando entrei no quarto me deparei com Adair sem camisa deitado na cama encarando o teto, senti meu corpo se enrubescer e minhas bochechas queimaram mas mesmo assim eu não conseguia parar de encarar a parte de cima do seu corpo que estava nua, ele tinha o corpo definido não aqueles corpos definidos que parecem que vão explodir de tanto musculo era algo natural e eu não faço a mínima ideia de como ele conseguiu esse corpo, que eu saiba ele não faz nenhum exercício e...

– O que foi ? – Ele falou me encarando, céus eu nem tinha percebido que ele havia parado de olhar o teto para me olhar.

– N-nada. – Ótimo, eu gaguejando que nem uma adolescente idiota. – Você não acha que está meio frio para você estar sem camisa? – Falei apesar de estar sentindo um enorme calor agora.

– É que eu acabei de chegar da corrida.– Imagina ele correndo e pingos de suor descendo pelo seu abdômen maravi... PARA COM ISSO JENIFFER !– Por que você está com as bochechas vermelhas ?

– Ah é que está meio calor né ?!

– Você não falou que estava meio frio agora a pouco ? E por que você está de moletom então ?

– É, que deu calor do nada... Talvez eu esteja entrando na menopausa.– Mas quem diabos fica na menopausa com vinte e cinco anos ?! Eu sou retardada.– Mas isso não importa, eu quero saber desde quando você corre ?

– Desde de sempre, eu fazia natação e as vezes participava de maratonas quando eu vivia lá fora, os médicos falavam que esses tipos de exercício eram bons para distrair minha mente e como aqui não tem piscina eu só pratico as corridas. – Está ai o motivo do corpo definido !

– Ah sim, por que nunca me contou que você corre ?

– Porque isso não é algo importante.

– Eu poderia correr com você, que horas você sai para correr ?

– Eu corria de noite mas os supervisores acharam melhor eu mudar meu horário e eu comecei a correr de manhã. – Por isso as vezes eu não o via no café da manhã. –Só hoje que eu tive que correr a tarde porque eu estava com raiva e achei que correndo fosse melhorar.

– E funcionou ?– Mesmo sabendo que era só preciso ele tomar o remédio que ele não teria os ataques eu fiz essa pergunta, eu não tinha o direito de contar totalmente a verdade para ele por mais que cada célula do meu corpo gritasse para que eu falasse.

– Sim. – Eu assenti.– Eu acho que eu tenho um pouco de medo daquela coisa entrar em mim. – Me senti uma cretina por não contar logo para ele, eu tenho que contar.

– Adair você...– Deixei a frase morrer, eu não tive coragem de chegar para ele e falar que ele é o seu próprio monstro, quer dizer, pelo menos uma parte dele é.

– Eu o que ?– Eu sou péssima inventando desculpas ainda mais quando eu estou nervosa. Droga !

– Você terminou de ler seu livro ?– Até que não foi tão ruim ou foi ?!

– Estou nas ultimas páginas, por que você quer saber ? Eu já disse que não vou te emprestar.– E agora o que eu falo ?! Merda, merda, merda, merda, merda...

– Não, é, que, você, é, hum, bem, eu nunca mais vi você lendo e eu fiquei curiosa... Foi só isso.– Eu sou uma anta.

– Estou lendo de noite agora, já que suas visitas se tornaram fixas achei melhor trocar o horário de ler. – Sorri de lado e me deitei ao seu lado um pouco afastada para não ficar perto de mais daquele abdômen nu.

– Adair você poderia me falar mais sobre você ? É que a gente conversa a um tempo e eu não sei quase nada sobre sua vida e isso me deixa um pouco frustrada. – Disse olhando para o teto igualmente a ele.

– Eu fui diagnosticado aos oito anos, como você já sabe, depois disso minha vida foi ir em consultas psiquiátricas, tomar dezenas de remédios todos os dias, ir duas vezes por semana a aula de natação e correr 1km por dia. As aulas de natação eram isoladas nunca havia nenhum aluno ali quando eu estava e meu professor sempre estava com dois enfermeiros ao seu lado, quando eu comecei a participar de maratonas eu tinha que correr a 3km de distância dos outros participantes. Eu não podia ir para escola por conta dos meus problemas então eu sempre tive professores em casa, claro que eu não podia chegar perto deles havia um vidro no escritório do meu pai que me separava dos mesmos.

“A minha primeira professora foi a Ruby, ela era uma senhora de cinquenta anos e era até que legal, mas ela parecia morrer de medo de mim, Ruby nunca ao menos chegou perto do vidro para falar comigo sempre ficava do lado da lousa e se esforçava para ser gentil. Aos quinze anos meus ataques voltaram mais fortes do que antes e eu tinha que dormir com uma camisa de força com dois enfermeiros ao meu lado, minha casa era como uma prisão e aquilo me sufocava. Minha mãe tentava esconder mas eu sabia que ela também tinha medo de mim eu podia ver em seus olhos amedrontados e meu pai ele quase nunca ficava em casa, ele dizia que era por causa do trabalho, mas ele estava apenas fugindo. Eu não tinha amigos, as poucas pessoas ao meu redor eram médicos me sedando, psiquiatras falando que um dia eu me curaria disso e meus pais que me olhavam como se eu fosse uma aberração.

Aos dezessete anos eu resolvi fugir de casa, eu conheci o Madson e ele me ajudou deixando eu morar na casa dele e me oferecendo emprego na loja de seu pai, eu fiquei com eles durante alguns meses e depois tudo acabou pois eu tive outro ataque e o pai do Madson ligou para os meus pais. Eles me trancaram em uma clínica e eu fiquei lá durante dois anos, eu não lembro de muita coisa sobre essa clínica porque a maioria do tempo eu estava dopado. Fiquei alguns meses na casa dos meus pais e com meus vinte e um anos eu vim para cá, eu pensei que eu seria dopado como no outro lugar só que aqui é diferente, eles me dão alguns remédios e dizem que eu não vou sofrer mais ataque dessa coisa que me possui. Eu só não entendo o motivo dessa droga vir atrás de mim, as vezes eu só queria que tudo isso parasse, por isso evito sentir raiva porque tenho certeza que esse monstro é atraído pela minha raiva.”

Quando ele terminou de falar senti meus olhos arderem, eu não queria chorar na frente dele, mas só de imaginar o tanto que ele sofreu me causa uma dor estranha, eu só queria que ele não tivesse passado por tudo isso. Me virei e o abracei forte, por mais que eu soubesse que o abraço não seria retribuído eu precisava fazer isso, para a minha surpresa senti seu braço passando pela minha cintura, ele estava retribuindo meu abraço e eu estava agora com um sorriso idiota no rosto, queria continuar ali pelo resto do dia mas percebi que eu estava o sufocando então tive que solta-lo.

– Você ainda fala com o Madson ?

– O Madson é o cara que as vezes me traz cocaína, ele simplesmente me dá nunca cobrou nada. – Talvez ele ache que a vida de Adair já é uma droga e se ele ingerir mais um pouco não vai mudar em nada. – E você ?

– Eu o que ?

– Fala sobre sua vida.

– Eu tinha pais que se amavam e me amavam, tinha alguns amigos e levava uma vida normal e feliz, isso tudo só até meu aniversário de quatorze anos. – Dei uma pausa porque falar disso ainda dói. – E meu pai saiu para comprar meu presente e faleceu num acidente de carro, um caminhão passou por cima do carro dele e ele morreu bem antes de chegar ao hospital, minha mãe entrou em depressão e nós resolvemos nos mudar porque tudo naquela casa lembrava ele e isso só fazia a depressão dela se agravar.

“Na nova cidade tudo era horrível, mas eu fingia que estava tudo bem só para ver minha mãe melhorar, eu não tinha vontade de sair de casa e por isso não conhecia ninguém do meu bairro e na escola eu era praticamente invisível. Quando eu fiz meus quinze anos entrou uma menina nova na escola, o nome dela era Emma e nós acabamos ficando amigas, ela me contou que nunca conheceu seu pai e que havia acabado de perder a mãe e agora ela estava morando com os seus tios que não davam a mínima para ela e eu contei minha história também e meio que nós começamos a compartilhar nossas dores e frustações uma com a outra.

Até a faculdade minhas únicas companhias foram a minha mãe e a Emma, só que ai a universidade que eu havia conseguido bolsa era na cidade vizinha e eu tive que mudar de casa e morar em uma república e me sentia desesperada por me ver completamente sozinha. Fiz faculdade de jornalismo, eu até gostava e eu também tinha feito alguns colegas o que me deixava mais entusiasmada. Na festa de encerramento do curso onde eu receberia meu diploma eu conheci uma mulher e a gente ficou conversando praticamente a noite toda, descobri que ela era sócia de uma editora e eu falei sobre meu interesse em escrever um livro e que eu já tinha alguns rascunhos, ela pediu para que eu enviasse-os para ela e assim eu fiz, dois anos depois recebi um e-mail da mesma dizendo que realmente havia se interessado pelo os meus rascunhos e que ela estava disposta a publicar um livro meu e se eu ainda estivesse pensando sobre isso as portas estariam abertas. Naquele tempo eu estava trabalhando num estúdio de fotografia como designer do site da empresa e na edição das fotos, as vezes eu me arriscava a tirar algumas fotos mas não era nada profissional e eu também tinha um blog de coisas aleatórias no qual eu tinha bastante leitores e eu tinha um imenso carinho por ele, enfim, eu não tinha muita coisa a perder então eu larguei tudo e me dediquei completamente para o livro. Algumas semanas depois eu decidi procurar uma clínica onde eu ficasse alguns meses internada para que eu pudesse ter mais ideia sobre o tema do meu livro e até mesmo inspiração e bem hoje eu me encontro aqui.”

– Na primeira vez que eu te vi achei que você era uma idiota de uma psiquiatra infiltrada querendo puxar assunto comigo.

– E agora o que você acha ?

– Que você ainda é uma idiota por querer assunto comigo, a única coisa que mudou na minha teoria é que você não é tão chata quanto uma psiquiatra.

– Acho que eu vou levar isso como um elogio.

– Como quiser.

Ficamos mais alguns minutos deitados um ao lado do outro em silencio, eu ainda estava digerindo a história do Adair e ele deveria estar fazendo a mesma coisa com a minha história. Notei que por hoje não haveria mais assunto então me levantei e fui embora, quando cheguei no meu quarto fiquei pensando um pouco sobre minha vida e percebi uma coisa: que a dor de perder meu pai continuava viva em mim da mesma forma de quando eu tinha quatorze anos, essa coisa de que o tempo cura tudo é uma grande mentira. O tempo só coloca uma barreira em uma enchente e quando essa barreira não suportar mais a força da água tudo irá desmoronar como antes. E agora eu me encontrava em um choro compulsivo e sentia que tudo estava desmoronando e dessa vez não tinha minha mãe ou a Emma para me ajudar a reerguer minha barreira. Eu estava sozinha.


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