O Teste da Deusa escrita por Risurn


Capítulo 29
Capítulo Vinte e Oito – Doce Ilusão


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! POR FAVOR LEIAM AQUI
Primeiro, me perdoem pela demora em postar, mesmo! Não tenho nenhuma desculpa pra dar pra vocês, mas eu realmente não consegui postar antes.
Segundo, acho que eu já respondi a maioria dos reviews, então queria dizer um MUITO OBRIGADA pelo apoio que a história tem recebido ♥
Terceiro, eu recebi DUAS recomendações desde o último capítulo, acreditam?
Então, eu vou dedicar um capítulo pra cada uma, o primeiro vai pra Manu, que já é minha leitora de outras histórias e recomendou aqui essa minha história sofrida, obrigada, de coração! Esse capítulo é pra você.
Quarto, e não menos importante: Helly, obrigada por me ouvir surtar, responder as perguntas mais aleatórias, me acompanhar nessa loucura de usar o canva e esperar tão pacientemente por novos capítulos, sou muito grata ♥
P.S.: Também editei o design da capa :3

Eu avisei que a história havia sido revisada, então achei legal citar algumas coisas:

Mudanças significativas:
— Percy e Annie foram morar em Nova Roma, e estudaram lá, não em Yale e Princeton.
— Sally teve um filho (como visto em As provações de Apolo)
— Luke não apareceu na primeira parte da história, porque eu preferi mudar e deixar como devia: ele morreu na guerra com Cronos.
(E várias pequenas mudanças que eu não anotei, sinto muito)

Relembrando os últimos capítulos:
— Annabeth e Nico vão até o Alasca, na busca da deusa desaparecida.
— Afrodite diz para Annabeth coisas que ela se recusa a acreditar
— As caçadoras aparecem e ajudam Nico e Annabeth, e, após isso, todos vão para o acampamento com a ajuda de Apolo.
— Quíron não pode se comunicar com mais ninguém e faz Annabeth líder do acampamento
— Chalé 13 foi destruído por um ataque
— Annabeth perde o controle das visões entre os multiversos e desmaia

Aproveite o novo capítulo!



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— Achamos que você não ia acordar nunca.

Apertei minha cabeça, tentando sentar e piscando devagar.

— O que aconteceu? – Tentei perguntar, mas minha boca parecia cheia de areia.

— Você está se transformando em um oráculo? – Um menino com um pouco mais de dez anos surgiu à minha frente, me dando um susto. Ele tinha manchas de graxa na parte detrás dos braços e na barra da calça. – Eu ouvi você falando sobre outra realidade enquanto dormia. O que isso significa?

— Harley, você está assustando ela.

Uma voz soou no fundo da minha mente, me deixando confusa: Treze anos.

Olhei ao redor e percebi que estava em uma sala pequena, que tinha uma mesa de pingue-pongue ao centro. Além de Harley, consegui contar outras onze pessoas, totalizando treze semideuses grandes em uma sala pequena.

Sentei direito em uma das cadeiras, tentando me ajeitar da melhor forma possível. Eu estava junto com os conselheiros, e só podia agradecer a qualquer divindade que teve pena de mim e fez essa situação toda acontecer no inverno. Dessa forma, haveriam menos campistas, menos conselheiros e consequentemente menos dores de cabeça.

— Você está bem? – Nico se dirigiu a mim sem rodeios, apesar de estar perto da saída, na direção oposta à minha. Nós trocamos um olhar de alguns segundos: eu buscando apoio e ele buscando respostas.

Respirei fundo antes de levantar e ir para o lugar que Quíron normalmente ficava. Nesse pequeno movimento eu pude observar uma garota que me lembrava muito Clarisse torcer o nariz.

— Estou. – Respondi, tentando soar mais tranquila do que me sentia. – Como Thalia observou antes de destruir o teto do pavilhão, nós precisamos conversar. – Ela sorriu como se estivesse tudo bem, e eu sorri de volta, tentando não pensar em como resolveria a goteira tamanho família.

— Onde está Quíron? Nós queremos respostas, Nico e Percy não tinham nenhuma e nós estamos cansados de esperar. – Peter, o conselheiro do meu chalé não estava me atacando. Ele queria apenas respostas lógicas que o fizessem decidir me apoiar ou me atacar.

Eu já estava na vantagem, tendo o apoio de Nico, Percy e Thalia, mas não sabia por quanto tempo ficaria daquela forma.

Ao mesmo tempo, fiquei confusa com a fala de Peter, me lembrando com clareza que Percy dissera que os conselheiros chefes estavam cientes da situação de Quíron. O que, por Atena, significa que todos estão cientes para aquele filho de Poseidon?

A porta abriu de repente, me assustando, e Jason passou por ela, sorrindo.

— Desculpem o atraso, eu estava em uma conferência com Reyna. – Ele riu sozinho depois de falar, e negou com a cabeça, como se não acreditasse em como soou exibido. – Perdi algo?

Neguei com a cabeça, pedindo para ele sentar e todos me olharam em expectativa. Era como se eu não pudesse respirar. Na realidade, percebi que eu não podia respirar quando tentei puxar o ar.

Logo, eu vi várias pessoas diferentes. Percy mais jovem, Charles, Silena, Clarisse, Luke... Tantos conselheiros de outras épocas. Pisquei, encarando Harley, o menino que provavelmente era filho de Hefesto e que perguntou se eu era o Oráculo. Será que estou me transformando nisso?

Percy encostou na parte detrás da minha perna com o joelho, me puxando para a realidade. Foi um toque discreto, mas que me fez ficar agradecida. Ele estava sentado à minha direita, com os braços cruzados e encarando a mesa. O ar voltou lentamente a circular pelos meus pulmões.

— Quantos chalés nós temos atualmente?

— Você se diz a nova líder e nem ao menos sabe quantos somos?

O conselheiro de Hermes resmungou, encarando a conselheira de Ares, como se não acreditasse na piada que eu era. Nem eu acredito.

Repeti minha pergunta, e uma garota me respondeu.

— Somos vinte e três chalés agora. Por ser inverno, os chalés de Iris, Tique, Hecate, Dionisio, Nice, Bóreas e Eros estão vazios. O conselheiro de Hipnos deve estar dormindo, porque eu vi ele mais cedo, e a conselheira de Deméter precisou cuidar de uma urticária de uma das meninas do meu chalé. Agradeça aos filhos de Hermes. Saiba que nós com certeza lançaremos maldições em vocês.

Eu sabia que a parte final não se dirigia a mim, então tentei sorrir e me sentir mais a vontade.

— Quem é você?

— Sou Helena, do chalé de Afrodite.

— Helena, o que você acha do que está acontecendo?

— E vai dar ouvidos pra uma filha de Afrodite? – A garota de Ares apenas revirou os olhos e colocou um dos pés sobre a mesa de ping pong.

Jason olhou para mim, como que pedindo permissão e eu apenas assenti. Eu estou tentando ganhar tempo. Será que isso é muito óbvio?

— Uma das semideusas mais corajosas que conheço é filha de Afrodite, Mauri. Se ela quisesse, conseguiria fazer todos nós matarmos uns aos outros com apenas uma frase. Ela poderia começar uma guerra civil entre nós e o acampamento Júpiter. Ela conseguiria fazer com que os quatro filhos dos três grandes presentes nessa sala destruíssem o acampamento inteiro em questão de minutos. Bem, ela é minha noiva, então não fale mal das minhas cunhadas. Helena, pode por favor falar?

Vi Percy fazer um sinal de positivo para Jason, e alguns se encararem, desconfortáveis. Ver Jason falar de Piper daquela forma me deu calafrios. Quanto poder a minha amiga, uma das mais corajosas filhas de Afrodite, havia acumulado nos últimos anos? Quão poderosa ela se tornara? E por que é tão subestimada por todos?

Eu torci com todas as minhas forças para que Helena tivesse qualquer traço do charme de Afrodite. Torci para que ela se parecesse minimamente com Piper. E que, claro, ela estivesse do meu lado.

Por favor Afrodite, se você realmente está me ajudando, faça isso por mim.

Helena olhou ao redor e pigarreou antes de falar. Era estranho encontrar timidez entre filhos de Afrodite.

— Eu acho que todos deviam se acalmar e ouvir com o que ela tem a dizer. E depois, se quiserem, se matem. Mas eu acho que todos irão concordar no final, se ela se provar lógica.

“Prontinho, de presente pra você, mais rápida que as entregas Sedex de Hermes!”

Tive um sobressalto quando a voz soou alta na minha mente. Afrodite é...

Percy pigarreou e descruzou os braços. Eu sentia o efeito das palavras de Helena relaxando os ombros de todos na sala.

— Annabeth, comece antes que eles pulem para a parte do “se matem”.

Um gosto ruim parou na minha boca quando percebi que eu não podia mais evitar o que estava acontecendo.

— Acho que todos sabem a minha história mais recente. Eu recebi uma missão do oráculo onze noites atrás, desde então, eu fui daqui até o Alasca e voltei, procurando Afrodite. Tudo está relacionado com vinte dias atrás, quando eu acordei em Nova Roma. Aparentemente, a minha falta de memória está relacionada a algum problema entre os deuses. Eu não posso receber ajuda de nenhuma divindade e todos aqueles que realmente sabem o que está acontecendo precisam de afastar de mim. Quíron... Quíron tentou me ajudar e agora ele está impossibilitado de falar com qualquer pessoa.

— O que aconteceu com ele? – Kayla, uma filha de Apolo que estava no acampamento há um bom tempo parecia preocupada. Um olhar de alguém que já considera Quíron um pai. Abaixei a cabeça sem conseguir responder. Puxei o ar pela boca, tentando não ficar nervosa e perder o controle novamente. Agora que eu não tinha as dores de cabeça com tanta frequência, era difícil saber quando as visões viriam. – Ele não morreu, não é? Ele não pode estar morto. Quíron não pode morrer. Ele... Ele precisa treinar heróis!

Não respondi, porque eu não tinha uma resposta para aquilo. A situação atual de Quíron era realmente viver?

— Kayla, está tudo bem. Eu não senti a morte dele. Eu só... Sinto uma linha de vida muito fina.

Meu coração se partiu com aquela frase. Eu não lembrava o nome da garota, mas sabia quem era: a filha de Thanatos. Eu já ouvira falar dela. Era uma fazia parte do grupo dos três semideuses brasileiros do acampamento, mas eu não sabia que ela falava inglês. Paulo, o filho de Hebe, estava em um canto, olhando para todos tentando prestar o máximo possível de atenção. Além dos dois, eu não sabia onde estava e nem quem era o terceiro semideus brasileiro.

Quando olhei para Kayla, percebi que ela não parecia confiar muito no radar de morte da filha de Thanatos, e seus olhos se voltaram para Nico.

Durante um segundo eu os vi felizes, em um outro mundo, mantendo uma relação próxima. Seriam amigos? Cumplices? Amantes? Ou algo mais direto os ligava?

Quando pisquei novamente, tudo estava no seu lugar e Nico falava. Percy me encarava sério, e seus lábios gesticularam uma pergunta silenciosa: você está bem?

Assenti e voltei minha atenção para Nico.

— Então... Eu concordo com Livia. Quíron não morreu. Pelo menos, não mentalmente. – Nico me encarou e eu senti que ele conseguia compreender o estado de Quíron.

— Como eu dizia, Quíron não consegue se comunicar com todos, mas entrou em contato comigo.

— E por que você foi escolhida? – O filho de Hermes se manifestou outra vez. – Existem campistas mais experientes que você no acampamento.

Percy tentou não fazer uma cara de descaso muito grande quando começou a falar.

— Como quem Phill? Quem, exatamente, segurou os céus, venceu o labirinto de Dédalo, sobreviveu à Cronos, Aracne, ao Tártaro e Gaia além dela?

— Você sobreviveu.

— É ai que você se engana: eu não lutei com Aracne, Annabeth fez isso sozinha. Então, deixa ela terminar.

Eu só sentia gratidão e medo fluírem em mim.

— Eu fui escolhida porque sou a parte central da nova profecia. E se quiserem que tudo volte ao normal, eu preciso cumpri-la. É a única forma.

— E como nós podemos ajudar? Como isso tudo começou? – Peter continuava sério e pensativo. Talvez ele esteja do meu lado.

Eu preferi ocultar deles sobre a loucura de Afrodite, sobre Nêmesis, sobre os multiversos... Ainda haviam limites entre nós. Eu poderia confiar em todos?

— Me ajudem a seguir as instruções de Quíron. Ele deu ordens simples. Primeiro, não devemos realizar nenhuma captura à bandeira até ele voltar. É perigoso. Os monstros da floresta podem sair de controle sem ele por perto, e existem os deuses e monstros que estão tentando me matar. Eles não respeitam os limites do acampamento, ou suas leis mágicas.

— Então, você é o problema? – Mauri murmurou. – Por que você não vai embora? Tudo ia bem antes de você decidir voltar pra cá.

— Por que nós acolhemos todos os semideuses Mauri. E se Annabeth precisa de nós, iremos ajuda-la. É a função do acampamento. E é a única forma de termos Quíron de volta.

Me surpreendi ao constatar que sim, Peter está do meu lado.

— Nós também temos a questão do toque de recolher. Como não teremos mais capturas à bandeira, o jantar será servido às seis. Serão duas horas para comer, fogueira e irem para as cabines. Todos de acordo?

Eu não senti sinais de empatia vindo deles.

— Olhem. Essa situação também é complicada para mim. Quíron me disse que continuaria a mandar instruções. Eu não quero ser a líder de vocês, e vocês não querem que eu lidere. Ninguém está feliz, mas precisamos fazer isso se queremos que todos sobrevivam. Vocês vão me ajudar?

O grupo assentiu e um a um, se levantaram.

— Por favor, está tarde, não vão sozinhos para as cabines. Ok? Acho que precisaremos de mais reuniões por um tempo.

Mauri e Phill me encararam, como se não engolissem o que eu dizia, mas continuaram andando.

Percy, Nico, Jason e Thalia não saíram da sala, mas eu me obriguei a ir até a porta da casa grande e observar um a um, sumirem nas sombras. Tive um sobressalto quando percebi que um deles ainda estava na varanda.

Na verdade, era ela. Uma semideusa. E eu tenho quase certeza de que ela estava na reunião com todos nós, sem dizer uma única palavra, apenas avaliando a todos.

Ela continuava me encarando, como se soubesse muito mais do que eu.

Não que isso fosse particularmente difícil.

— Algum problema?

Ela negou, pegando minha mão e a analisando. Depois de alguns segundos, voltou a me encarar e a soltou.

— Eu sabia.

— O que... Você sabia o que exatamente?

Abri minha mão e olhei entre os dedos, buscando alguma resposta.

— Sobre você. Isso tudo que está acontecendo. – Ela envolveu o ar ao redor de nós com o dedo e suspirou. – É culpa da minha mãe.

— Sua... mãe?

Um arrepio me subiu a espinha.

A garota continuava me encarando, como se conseguisse enxergar tudo o que está acontecendo. O sotaque dela me denunciava que a conselheira não é do nosso país.

— Nêmesis. Mas você já sabe disso.

Arregalei os olhos e olhei ao redor, com medo que alguém nos ouvisse. Ou pior, que Nêmesis ouvisse.

— O que...

— Eu não vou conseguir te ajudar. Eu sei que existe um acordo e que você é um motivo importante. Eu consigo sentir isso em outros campistas também, eles estão envolvidos. – Ela suspirou. – Mas não posso falar. Posso acabar fazendo uma quebra temporal ainda maior.

— Quebra... Temporal?

— Você vai acabar entendendo com o tempo. Bom, não muito tempo, afinal, os prazos são curtos. – Ela sorriu, como se aquilo fosse uma piada. – Boa sorte. Espero que não encontre com minha mãe, ela não costuma ser amigável.

Diferente de outros campistas, eu não precisei me esforçar para não ver a garota em outros universos. Ela não estava em nenhum outro.

— Não adianta me procurar, você não vai me encontrar. – Ela murmurou em tom alegre enquanto me dava as costas, me surpreendendo. – Não precisa se assustar também. Você só está sendo um pouco previsível com essa coisa de confusão mental e tal.

Pisquei algumas vezes enquanto ela se afastava, antes de me recuperar do torpor.

— Ei! Qual o seu nome?

Ela virou para mim, caminhando de costas e sorrindo.

— Hellen. Meus amigos me chamam de Helly. – Repeti o nome apenas com os lábios, sem emitir som. – Mas não precisa se preocupar em memorizar isso. Você não vai conseguir lembrar de mim, de qualquer forma.

Levei um susto ao sentir uma mão nas minhas costas e me virei, dando de cara com Nico.

— Tudo bem? Por que demorou tanto?

— Eu estava falando com a... – Me virei, apontando para onde ela estava um segundo antes, mas Hellen não estava em lugar algum. – Pra onde...

— Quem? – Nico olhou ao redor, procurando por qualquer pessoa.

— Hellen, a filha de Nêmesis. – Nico franziu o cenho.

— Eu não conheço ela.

Suspirei.

— Nem eu.

Me virei, pronta para voltar para dentro, mas Nico segurou meu braço, me impedindo. Ele suspirou e olhou para o teto de madeira da varanda.

— Estamos bem? Quer dizer, você está bem?

Meu corpo se suavizou e me aproximei de Nico, meus dedos fazendo um carinho em seu rosto que o fizeram fechar os olhos. Aquilo parecia certo, mas ao mesmo tempo tão errado.

— Se eu estou bem? Nico, como pode perguntar isso depois do que aconteceu hoje com você?

— Eu vou sobreviver. Era só... Um chalé. Meu lar de verdade é junto com aqueles que eu amo. – Apertei meus lábios em uma linha, não sabendo exatamente o que dizer. – Mas você virou líder do acampamento em uma tarde. Eu não posso mesmo te deixar sozinha por mais de cinco minutos?

— Por favor, não. Talvez na próxima vez eles me chamem para reger o olimpo.

Ele sorriu, mas voltou a ficar sério enquanto fitava meus olhos.

— Quanto Percy sabe?

Tanto quanto você, pensei em dizer. Eu estou enganando os dois.

— O suficiente para ficar ao meu lado.

— Ainda é muito estranho ver ele ao seu lado, te ajudando. Quer dizer, vocês têm toda aquela questão do ódio que...

— Que eu não me lembro.

— É. Isso. Mas... Bom. Ver vocês lá, lado a lado no refeitório... Imaginei o que teria acontecido caso tivessem tomado caminhos diferentes quando eram pequenos. Vocês pareciam assustadoramente poderosos juntos.

Nico, não me enlouqueça ainda mais.

— Que bobagem. Aquele cabeça de alga nem é tudo isso.

Algo se fragmentou dentro dos olhos de Nico assim que eu proferi a frase.

Vários pontinhos surgiram na frente dos meus olhos e eu saí de foco.

“— É melhor você ir. – Falei num misto de empolgação e tristeza, se é que é possível. – Cuide-se, Cabeça de algas”

 

“Eu estava furiosa pela estupidez dele, mas mais do que isso, estava preocupada, então o beijei.

— Tenha cuidado, Cabeça de alga.”

 

“— Não sei o que minha mãe vai fazer. – Encarei-o nos olhos. – Mas eu vou lutar ao seu lado.

Ele parecia confuso.

— Por que?

— Porque eu sou sua amiga, Cabeça de alga.”

 

“Ele não parava de falar, e eu já estava ficando impaciente.

— Cale a boca e só me abrace um pouco, cabeça de alga.”

 

“— Eu nunca, mas nunca vou tornas as coisas mais fáceis para você, Cabeça de Alga. Acostume-se a isso.”

Pisquei e estava de volta, com Nico me segurando no lugar.

Arfei, antes de piscar.

— De onde vem tudo isso?

Nico pareceu confuso.

— Isso o que? Olha, se você desmaiar sempre que estivermos prestes a discutir, eu nunca vou ganhar.

Me soltei dele e fiquei de pé sozinha, tentando sorrir.

— Acho que essa é a ideia. Vamos, eles devem estar esperando.

Como eu imaginei, estavam todos sentados ao redor da mesa, conversando enquanto me esperavam.

— Tudo bem com você? Pareceu meio tensa antes.

Encarei Percy, como se ele estivesse brincando.

— Tensa por ter que assumir um acampamento? Quando eu nem lembro direito do lugar? Por ter sido avisada que todos sabiam da situação, quando ninguém sabia de nada? Tem razão, eu não devia ficar tensa.

Ele sorriu, como se me achasse engraçada e eu queria virar a mesa na cabeça dele. Talvez os outros me ajudassem.

— Eu me confundi. Eles ficariam sabendo essa noite. Eu estava enrolando que ele estava em uma conferência muito importante. Talvez seja melhor manter a desculpa.

Assenti, ocupando uma das cadeiras, muito mais relaxada agora. De repente, um estalo soou na minha mente.

— Onde está o Sr. D?

Eu não sei se os outros também não haviam se dado conta da falta dele, mas todos pareciam surpresos.

— Eu nem... – Percy tentou lembrar. – Eu nem lembro quando foi a última vez que vi ele. Na verdade, acho que depois que vocês foram embora eu não vi mais ele. Precisei resolver a crise do chalé explodindo sem a ajuda dele ou de Quíron.

Troquei um olhar rápido com Nico, esperando que ele me entendesse.

Deuses tinham que manter distância de mim.

— Jason, você pode me fazer um favor? – Ele assentiu. – Diga a Piper que Afrodite lhe mandou um recado: ela está bem, então Piper não precisa se preocupar tanto,  sim?

Jason parecia surpresa.

— Você falou com Afrodite? Onde? Como...

— No Alasca. – Thalia respondeu por mim. – Foi onde nós nos encontramos.

Jason encarou a irmã e assentiu. Devia ser estranho para ele ser mais velho que sua irmã mais velha.

— Thalia, você vai ter que falar com as garotas. Nada de captura a bandeira. Eu não sei o quão insistente elas conseguem ser.

Muito. Acredite em mim. Mas acho que não terá de se preocupar, estamos apenas de passagem.

— Sobre isso... Gostaria de fazer um pedido. Queria que vocês ficassem um pouco mais. Digo, as caçadoras. Vocês forneceriam uma proteção vital ao acampamento. Eu preciso da ajuda de todos vocês, não vou conseguir administrar tudo sozinha.

Nico ofegou ao meu lado, mas o movimento foi tão leve, que só eu percebi. Bem, ou talvez Thalia, já que ela levantou os olhos em direção a ele.

— T-tudo bem. Eu só vou conversar com as meninas antes. E também preciso pedir permissão para Ártemis.

Assenti, sentindo meu corpo pesar.

— Então nós podemos nos reorganizar aqui. Se as caçadoras realmente ficarem no acampamento, você pode assumir as aulas de arco Thalia? – Percy falava diretamente com ela. – Eu não sou nem um pouco bom naquilo e assumir todas as aulas está sendo difícil.

Suspirei. Percy seria um líder melhor?

— Claro. Você nunca foi bom nisso peixinho.

— Talvez nós devêssemos adicionar “Aprenda a ser um lenhador” às matérias Cara de Pinheiro, o que acha?

— Você acha que Grover aprovaria isso? Se alguém cortasse o Junipeiro sem querer...

— É. Você tem razão. – Percy engoliu em seco, imaginando alguma coisa. – Vou deixar você ganhar essa.

— Suponho que você vai continuar com as aulas de esgrima. – Nico se dirigiu a Percy, que assentiu.

— Na realidade, estou alternando com Jason. Nós estamos ensinando a estratégia romana agora. Luta com gládio e tal. O chalé de Deméter continua responsável pelas aulas de hipismo, técnicas de combate a monstros com o chalé de Hermes e o chalé de Hefesto está cuidando da parte “faça sua própria arma”. Aliás, Harley é um perigo, alguém devia deixar uma babá com o garoto, ele é mais doido que Leo. Ele vai explodir o acampamento.

Jason se espreguiçou.

— Os conselheiros continuam com as inspeções matinais, e sempre vai existir a opção de fazer canoagem com as náiades e escalada com os fau... sátiros. Sátiros. Estamos com os gregos aqui. Sabe, é muito confuso ter que ficar trocando entre um acampamento e outro. E eu nem sei se vou conseguir fazer o que precisava. Sabe, eu precisava de reuniões com Quíron sobre os novos campistas. A minha visita quase sempre significa que um novo chalé será construído, e eu preciso avaliar as áreas de santuários e templos, ver quais deuses precisam de altar. Basicamente, todo deus que tem um filho no acampamento precisas. Eu precisava das listas dos últimos reconhecidos, assim eu consigo manter meu juramento e ajudo os deuses a manter o deles a Percy.

— Acho que eu posso procurar por esses documentos, talvez Peter me ajude.

Jason assentiu e eu sorri, um pouco aliviada. Parecia tudo sob controle.

— Nico, você vai para o meu chalé, certo? – Percy convidou.

— Na verdade, eu prefiro ficar com Jason. Ele e Piper não podem ficar sozinhos no chalé, de qualquer forma.

Percy assentiu, e me encarou.

— E você, onde vai ficar? Até onde sei, você não tem visitado muito seu chalé.

Thalia pareceu surpresa.

— Annabeth Chase, uma rebelde? Quem diria.

Tentei sorrir e olhei ao redor.

— Vou ficar aqui. Assim os campistas vão me encontrar mais facilmente. E alguém precisa vigiar a entrada para o Oráculo.

Eles assentiram e um a um, foram levantando.

Quando chegamos a varanda, não deixei de ficar apreensiva.

— Vão ficar todos bem?

— Annabeth, provavelmente somos os quatro semideuses mais poderosos do acampamento. Filhos dos três grandes. Todos juntos. Sabe o que isso significa?

— Um super imã para monstros?

— Também. – Jason ponderou. – Mas também significa muito poder. Ficaremos bem. Isso é, se não começarmos uma guerra civil no caminho.

— Por Atena, não façam isso.

Você vai ficar bem aqui sozinha?

Assenti, tentando sorrir. A ideia de ficar sozinha numa casa com o oráculo me apavorava mais do que qualquer coisa.

— Vou ficar bem. Nos vemos no café.

E um a um, sumiram nas sombras ao longe.

A casa era grande e desprovida de ruídos, principalmente quando eu era a única nela. A enfermaria permanecia vazia, sem o Sr. D resmungando, tudo parecia sombrio.

E foi assim, enrolada em um cobertor e deitada em um dos sofás perto do quarto de Quíron, que eu dormi.

***

Por favor.

Por favor, me salve.

Abri os meus olhos, assustada, olhando ao redor. Ainda estava escuro e a casa parecia silenciosa.

Por favor.

Pisquei, sentando no sofá, me encolhendo ainda mais.

Se ninguém está aqui comigo, quem está falando?

***

Havia se passado exatamente uma semana desde que eu fora feita líder do acampamento.

Uma semana resolvendo questões que eu nem mesmo podia imaginar.

Uma semana perdida entre várias dimensões.

Um novo campista havia chego, a enfermaria parecia cada vez mais lotada, mesmo que não tivéssemos mais capturas à bandeira, o que fazia o fluxo de circulação na casa grande crescer e me fazer temer que encontrassem Quíron. Ele também não havia me transmitido mais nenhuma informação, mesmo que eu tentasse ouvir algo. Todos os dias eu ficava pelo menos uma hora lá dentro, apenas olhando para ele, que tinha um olhar perdido.

Os confrontos entre as caçadoras e os chalés de Apolo e Afrodite ficavam cada vez mais frequentes, me fazendo perder completamente a cabeça: “somos os melhores em arco e flecha”, “nossa resistência é melhor”, “Ártemis é melhor que Apolo”, “Como vocês vivem sem romance?”, e, o mais frequente “nós não precisamos de vocês aqui, homens”.

Eu havia assumido algumas aulas de grego antigo, que, para a minha sorte, não estava perdido profundamente em minha mente.

Durante a noite, os conselhos eram longos e a sala de reunião parecia cada vez menor. Ficávamos horas discutindo sobre os problemas e o que fazer para melhorá-los, mas eu via pouco sendo feito de fato.

Eu também não conseguira nem uma única boa noite de sono, sempre acordada pela voz sussurrando pedidos de socorro, pedindo para que eu fosse mais rápida... Quando eu nem conseguia descobrir quem era e o que queria.

Apesar de não ter mais dores de cabeça, eu havia perdido completamente o controle das minhas visões e a única coisa que eu queria fazer era me encolher e chorar. Eu não conseguia mais saber o que era real e o que era ilusão, minha mente entrando em colapso.

Eu via campistas sussurrando coisas contra mim, caçadoras repudiando cada dia no acampamento, monstros surgindo nos limites da floresta, apenas observando.

Eu precisava de Nico, precisava da ajuda dele, mas estava sempre ocupado demais com os problemas de Jason em organizar o novo chalé e os novos santuários do templo, não que eu o culpasse, claro. Ele estava aliviando meu trabalho.

Era por isso que eu almoçava com Percy hoje, e não com Nico.

O filho de Poseidon sentou ao meu lado e ao lado de Argos após fazer suas oferendas e tentou sorrir amigavelmente.

— O que você acha que nós treinarmos um pouco hoje? Vou ter um tempo livre já que Jason organizou uma competição entre os alunos, e faz um tempo que você não pratica.

Suspirei, mexendo a comida no meu prato sem muita animação.

Eu estava evitando Percy.

Deliberadamente evitando.

Mesmo que ele só oferecesse sorrisos, ajuda, resolvesse meus problemas e fosse paciente.

Evitava por que as coisas que se passavam na minha cabeça pareciam reais demais e eu tinha medo de simplesmente aceitar tudo aquilo. Todas as minhas visões pareciam se relacionar a ele de alguma forma, e, nos poucos minutos que eu conseguia dormir, tinha pesadelos com as coisas que Afrodite me disse.

Suspirei.

— Claro.

Ele pareceu satisfeito e continuou a comer, quando Jason e Nico apareceram no pavilhão. Era a primeira vez que ele estava almoçando no mesmo horário que eu. Acenei para os dois e os convidei para que comessem aqui conosco, mas Nico negou.

— Essa mesa é para os professores e instrutores do acampamento. Há menos que nós coloquemos Defesa contra as artes das trevas no currículo, eu terei que passar a vez.

Maneei a cabeça, ponderando a possibilidade e os fazendo rir. Sorri um pouco triste enquanto Nico ia para a própria mesa, sozinho, e Jason se juntava a nós.

Percy se aproximou de mim e disse que tudo ia melhorar quando Quíron voltasse ao normal. Esse é o problema.

Concordei com a cabeça e disse que apareceria na arena mais tarde.

Assim que me vi longe de todos, comecei a correr. Atravessei os chalés e quando meus pulmões começaram a doer, parei nos campos de morangos.

Me agachei entre eles e me permiti respirar.

Haviam dias como hoje em eu queria desistir. Enquanto corri pra cá, eu vi outros campistas de várias dimensões correndo na mesma direção que eu.

Agora, ao meu redor, eu os ouvia gritar, rir, namorar, chorar, se esconder...

Mas eles não conseguiam me ver, ou ver uns aos outros, porque eles não eram reais. Então eu precisava lidar com toda a loucura sozinha.

Eu os ouvia reclamar dia e noite, contar histórias absurdas, segredos, mentiras...

E eles estavam sempre lá. Algumas vezes, eu me via. Me via correndo, brigando, lutando, gritando, rindo. Já ficara tão habituada em ver todos, que nem me surpreendia mais, ou desmaiava, quando as visões chegavam. Eu continuava ali, mas minha cabeça parecia a ponto de explodir.

Tudo parecia tão mais fácil nas outras dimensões.

Deitei no chão, olhando para o céu azul e uma lágrima escorreu de cada lado do meu rosto.

Você sabe como fazer isso parar.

Você sabe o que precisa fazer.

Neguei com a cabeça e chorei mais. O que eu estou pensando em fazer?

Eu preciso acabar com isso.

Segurei minha adaga que estava presa a cintura com uma das mãos e sequei meus olhos com a outra. Respirei fundo, deixando minha loucura sucumbir.

Eu ouço os boatos que dizem que perdi a cabeça. Que eu não deveria estar no lugar de Quíron.

Me pus de pé e respirei fundo.

Eu não posso conter os boatos, mas posso me tornar uma louca.

Corri direto para a arena e esperei, impaciente, Percy chegar. Ele pareceu surpreso quando me viu, mas sorriu. Desejei que ele não tivesse feito aquilo, porque me fazia questionar tudo o que estava prestes a fazer.

— Tudo bem Annabeth? Você está com uma cara estranha. Você... Chorou?

Desembainhei minha adaga e o ataquei em um golpe preciso. Ele pareceu assustado quando deu um pulo para trás, mas em menos de um segundo, Contracorrente já estava em suas mãos.

— Tudo bem. Acho que fiz a pergunta errada. Eu prefiro conversar um pouco antes, mas vamos fazer do seu jeito.

Ele sorriu, mas eu não estava com paciência para brincadeiras. Eu só preciso acabar com tudo isso.

Continuei atacando-o, como se minha vida dependesse daquilo. Percy era um oponente mais do que formidável, ele deveria ser o melhor espadachim que eu conhecia.

— Annabeth! – Ele arfou, fazendo um arco longo com a espada, me afastando. – O que está havendo?

Percy estava quase sem ar pela intensidade de meus ataques, mesmo que eles fossem desajeitados.

Reuni minha determinação e apertei os lábios, sentindo lágrimas subirem aos meus olhos, e tentei puxar o ar, sem muito sucesso.

— Eu preciso fazer isso parar.

Vários véus caíram ao meu redor, conforme eu assistia lutas do passado, futuro, de outras dimensões... Minha cabeça começou a girar.

— Fazer o que parar? Você está bem? – Ele abaixou a espada e eu larguei a adaga que produziu um ruído metálico ao alcançar o chão.

Neguei com a cabeça, enquanto as lágrimas escorriam.

— É a única solução. Preciso tentar.

— Tentar o que Annabeth?

Me aproximei de Percy e parei em sua frente.

Respirei fundo e sussurrei um “me desculpe” antes de o puxar pela camiseta e o beijar.

Eu não sei exatamente o que esperava.

Talvez fogos de artificio.

Uma explosão entre nós.

Que as vozes em minha cabeça silenciassem.

Que eu simplesmente acordasse, como se tudo isso tivesse sido um longo, longo sonho.

Mas eu sei que eu não esperava o que aconteceu: Percy me afastando, falando algo que não conseguia compreender e indo embora, me deixando ali sozinha.

Deixei meu corpo pender e cair no chão.

Tudo deu errado.

Estou acabada.


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Notas finais do capítulo

Caso não tenha lido as notas iniciais, volta lá, por favor.
Enfim, queria agradecer outra vez a Manu, sua linda!
Obrigada e até o próximo!