Nos dias que se passam, Nicolas está mais distante, seus pais estão de férias do trabalho e resolvem viajar para a Itália. Assim, ele precisa sair da escola direto pra casa para cuidar dos gêmeos, então a cada dia passamos menos tempo juntos. Por esse motivo resolvo dar uma chance e procuro me reaproximar de Melissa. Temos aproveitado as oportunidades para passarmos algum tempo juntas como antigamente, mas apenas quando ela não está com Tobias, nesses momentos eu me afasto.

Estamos deitadas no tapete do quarto de Melissa quando ela bloqueia o celular e suspira antes de dizer:

— Você e Tobias precisam se entender.

— Se for falar dele eu vou embora — retruco.

— Miranda, eu estou falando sério — ela se senta, ficando de frente para mim — você está sendo infantil.

— Não fui eu quem me afastou dele.

— Ele não vê dessa forma. Miranda, eu ouvi o seu lado e ouvi o dele, vocês dois estão equivocados, eu tenho certeza que depois de uma conversa vocês vão se entender. E nós vamos poder resolver outros assuntos também.

— O que quer dizer com isso? — digo levantando a sobrancelha. — Que "outros assuntos"?

Ela balança a cabeça.

— Não é nada — Melissa solta um suspiro antes de continuar. — Por favor, dê uma chance a ele. 

Eu pondero por um momento. Chego à conclusão de que se eu não der uma chance a Tobias, Melissa não me deixará em paz, então eu cedo. Mesmo tendo a certeza de que essa conversa não nos levará a lugar nenhum eu concordo.

— Tudo bem. Amanhã após as aulas — digo.

Melissa bate palminhas, alegre e me abraça.

— Obrigada, obrigada!

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No dia seguinte, Melissa passa em minha casa para irmos à escola. Às 7:45h ouço a buzina de seu carro e pego minhas coisas antes de sair de casa. Ela está sorridente e sei o motivo.

— Após as aulas — digo. — Não quero falar com Tobias antes disso.

Ela parece confusa mas concorda, para ela isso não faz sentido, mas sei bem o motivo dessa condição. Não contei à Nicolas que iria dar uma chance a Tobias, depois dele ter me dito especificamente para não fazer isso, não sabia como ele iria reagir se eu dissesse que estou fazendo exatamente o contrário do que ele me pediu. Não pensei no que faria caso resolvesse me acertar com Tobias, se isso acontecer, não acho que será possível esconder de Nicolas, mas decido não pensar nisso agora.

Ao chegarmos à escola, avisto Tobias na entrada principal.

— Eu vou dar a volta — digo a Melissa. — Nos vemos na aula?

Ela concorda e segue para encontrar com Tobias.

 As aulas passam e o sinal toca anunciando o intervalo. Melissa sai antes de mim, pois iria se encontrar com Tobias novamente e eu espero Nicolas vir até a sala para nos encontrarmos, mas ele demora muito então resolvo sair para procurá-lo.

 Assim que saio do pátio principal para ir ao gramado onde Nicolas provavelmente estaria me esperando, avisto um movimento anormal, mas não conseguia ver o que estava acontecendo por conta da quantidade de pessoas em volta.

Decido voltar e procurar Nicolas novamente dentro da escola, mas vejo Melissa alguns metros à frente parecendo preocupada. 

 Quando chego perto dela pergunto:

— O que está acontecendo?

Ela morde a almofada do polegar. Um gesto típico de Melissa quando está nervosa.

— Acho melhor você mesma ver — ela disse, apontando para a multidão de pessoas.

Abri a boca para perguntar novamente o que estava acontecendo, mas fechei logo em seguida, não iria adiantar nada, Melissa estava nervosa demais para falar. Ao invés disso, tentei abrir caminho em meio as pessoas, mas era inútil. Estava prestes a dar meia volta quando avistei o cabelo castanho de Tobias, e, um segundo depois, vi seu punho com um pouco de sangue. Mas o que diabos estava acontecendo?

Continuei minha trajetória, agora com mais motivação. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo. Após algum esforço, cheguei ao meu destino apenas para um segundo depois me arrepender.

Preferia não ter chego.

Senti meus músculos se retesarem. Estava imóvel. O que diabos significava aquilo?

Eu não consigo acreditar no que vejo.

Confirmo o que havia visto antes: é mesmo Tobias. Mas o que vejo a seguir é completamente inacreditável. O sangue que vi no punho de Tobias pertence à Nicolas.

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Volto alguns anos no tempo.

Estou de volta aos meus cinco anos. Estou brincando com Melissa no parque. Papai e tio Daniel estão à alguns metros de distância, conversando. Não muito longe, mas também não tão perto para ouvir o que aconteceria a seguir.

Perto de nós havia um grupo de adolescentes. Dois deles, uma garota e um garoto, estavam de mãos dadas e vez ou outra eu os via se beijando.

Eu poderia estar confundindo, mas a garota tinha um namorado.

Mais tarde, descobri que tinha razão. Um garoto de cabelos castanhos e muito forte aparece. Era o namorado da garota. Eles não o veem e se beijam novamente. A expressão do garoto muda drasticamente. Por um momento ele parece confuso, mas dois segundos mais tarde assume uma expressão de fúria que até mesmo eu, em toda aquela distância nos separando estremeci. Com toda a certeza não queria aquele garoto furioso comigo.

Ele se aproximou aos berros e agarrou o garoto pela camisa, o jogou no chão e começou a socar seu rosto. Em poucos segundos tinha uma poça de sangue no chão e ele estava completamente sujo com o mesmo sangue, que pertencia ao outro garoto, enquanto a garota gritava histericamente. Àquela altura, agradecia aos céus por não conseguir ouvir, apenas ver. O terror que senti já fora ruim o bastante.

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O que senti naquele momento foi o mesmo que senti na briga entre os dois garotos na infância. A diferença era que, agora, eu conhecia as pessoas que estavam brigando. Eram meu melhor amigo e meu namorado, e, por mais que eu achasse que a garota estava errada naquela época, agora entendia o que ela sentia.

Não, isso não pode estar acontecendo, não é verdade. Pisco os olhos uma, duas, três vezes, eu preciso acordar. Quer dizer, é um sonho, não é? Isso tem que ser um sonho.

Abro a boca, mas não sai som. Não sou capaz de falar e percebo que também não consigo me mover. Não, eu estava errada! Isso não é um sonho, é um pesadelo!

— Tobias... – Digo muito baixo, mas nem eu posso me ouvir. Apenas ouço o som do meu coração batendo.

Junto todo e qualquer resquício de forças que ainda me restam e grito o mais forte que consigo. Tobias para. Seu punho à alguns centímetros do rosto de Nicolas e vira em minha direção, provavelmente procurando de onde vinha a voz.

— Parem. – Digo agora mais alto. – O que diabos está acontecendo? — Abro espaço entre algumas pessoas e paro na frente de Nicolas. — O que está acontecendo? – Repito.

— Sinceramente, Miranda. Eu não sei o que você viu nesse garoto —  diz Tobias.

De repente me sinto tomada por um acesso de raiva e não consigo me conter.

— Eu não sei o que eu vi em você, Tobias. Eu realmente achei que você podia ser uma pessoa diferente, melhor. Eu realmente achei que você pudesse mudar, mas olha, eu estava errada. Você me decepcionou, Tobias. Não acredito que pensei em te dar uma chance. - Cuspo as palavras.

Toda a fúria se esvai quando Tobias se vira e eu vejo Nicolas. Meu Deus, Nicolas! Ele está sentado no chão com uma mão sobre o olho e sangue escorre do canto de sua boca.

— Você está bem? – Pergunto, mas é uma pergunta idiota. É claro que ele não está bem. É claro que está machucado e é claro que ele não revidou. Como conseguiria? Ele não tinha a menor chance. – O que você tinha na cabeça quando foi entrar nessa briga, hein?

— ...ele é um canalha. – Ouço Tobias dizer. A fúria me toma novamente, mas a afasto. Não importa. Nada disso importa.