Apenas Corte escrita por Aprimorada


Capítulo 2
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Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Bem, não sei ao certo quando tudo isso começou. Algumas lembranças estão quebradas em minha mente, pequenos pedaços de dores que aliviei com cortes e drogas. Incrível, como as vezes ultrapassamos nossos limites. Nunca que eu iria imaginar chegar onde chegue. Serio, sem exagero. É surpreendente. Se você me disse que estaria aqui neste chão gelado olhando o teto branco, enquanto meu sangue fugia de meus pulsos. Eu jamais acreditaria, porque eu era feliz. Juro, eu era tão feliz, era satisfeita com meu corpo e me gostava do jeito que era. Como isso pode ter acontecido? Ainda me lembro como era feliz.

Que sol mais radiante, aquele quentinho aconchegante, aquela brisa de leve, que raspava meu rosto. Meu cabelo loiro voavam e um sorriso se brotava. Que sensação maravilhosa. Minha mãe me abraçando. Ela era tão linda, cabelos longos, lisos e loiros. Tinha um cheiro de rosas que eu amava. Estranho como que o tempo apaga as memorias. Sabe porque? Pelo simples fato de eu não conseguir me recordar a cor favorita da minha mãe, serio, não há o que eu tente fazer, eu simplesmente não me lembro, mas por outro lado, tem coisas que tento me esquecer e não me esqueço por nada. Não há drogas que as façam sumir.

O sangue escorria pelo meu braço indo em direção ao piso branco do banheiro. A dor era grande, mas não maior que a dor que estava tomando conta de meu interior. Uma dor que machucava muito, que me cortava por dentro. A dor de um coração partido.

Sequei minhas lágrimas, fiz um curativo em meu pulso e me olhei no espelho. Meus cabelos loiros ondulados moldavam meu rosto. O olhar perdido, escuro de tristeza que destacava a minha maquiagem borrada pelas lágrimas. Essa era a minha vida, a vida de uma garota que buscava refúgio em se auto-mutilar para tentar para a dor que seu coração estava sofrendo. Esse seria qual corte? Já perdi as contas, de quantas vezes me afoguei nesse objeto cortante tentando amenizar o que sentia dentro de mim.

Enquanto eu caminhava em direção a escola, com a cabeça baixa, eu ia pensando em como consegui chegar até onde cheguei, apesar de eu ter apenas quinze anos. Já passei por tantas coisas, tantas coisas que me testaram. Mas tudo nessa vida tem um motivo, nada vai além do que não é planejado.

Logo avistei a escola, enxuguei as lágrimas levemente marejados e verifiquei se minhas cicatrizes no pulso, cobertas por uma pulseira, não estavam aparecendo. Respirei fundo e adentrei o portão do colégio. Enquanto caminhava, observava todos os alunos com seus amigos, rindo, conversando, contando como foi o fim de semana. Logo avistei outro grupo, um grupo ao qual eu pertencia, vi meus amigos, e meu amor mais secreto do mundo.

— Olá, meninos – eu abri um sorriso ao cumprimentar os garotos. Alex, era o mais fofo e mais romântico da turma, Daniel fofo também, mas um pouco mais idiota, Travis era o mais briguento e encrenqueiro e, por último, o garoto que me fazia suspirar e também chorar: Jeremy, o garoto de meus sonhos.

— Oi, Anne – Alex veio em minha direção me dando um abraço — Ah garota, como você está? Não te vi na festa sábado, achei que tinha acontecido alguma coisa, só não fui até sua casa porque tenho medo de seu pai – assim que disse, ele deu uma super risada que também me fez rir.

— É que eu estava com um pouco de dor de cabeça – foi a única desculpa que consegui dar, já que sábado eu estava ocupada me cortando em meu banheiro após uma briga com meu pai.

— Ah, tudo bem. Bom galera, vamos indo – enquanto Alex caminhava, os outros garotos iam dando um abraço em mim. Até chegar a vez de Jeremy, ele se aproximou meio sem graça e deu apenas um sorriso acenando com a cabeça e seguindo os outros. Eu me esforcei para sorrir também, mas logo que ele se afastou uma dor invadiu meu peito.

Vou tentar explicar o motivo dele ser o meu amor. Conheço ele desde os meus nove anos, eramos amigos por incrível que pareça. Estudamos todos os anos juntos e mesmo tendo só nove anos, já o amava. Ele brincava e conversava comigo de tudo, até me apresentou os meninos. Era uma amizade muito intensa, porém foram se passando os anos, e ele foi se afastando. Ai arrumou uma namorada, Hanna e isso acabou abalando a nossa amizade de vez. Hoje em dia ele não está mais comprometido, mas também não somos grandes amigos. Somos apenas conhecidos.

— Somos apenas conhecidos – essas palavras saíram da minha boca, como um sussurro, tentando segurar as lágrimas que teimavam em descer. Eu havia dito aos garotos que me encontrava com eles na sala de aula, já que precisava dar uma passadinha no banheiro. Enquanto me olhava no espelho, sem maquiagem alguma, somente os vermelhos naturais dos lábios e os olhos inchados de tanto segurar o choro — Por quanto tempo vou sofrer por você, Jeremy? – novamente essas palavras saíram como um sussurro.

Após lavar o rosto, respirei fundo e fui caminhando até a sala. Eu sentava na última carteira do canto da sala. Sou do tipo de pessoa que sentava na última carteira para tentar ser invisível, mas mesmo assim não funcionava, os meninos sempre sentavam perto de mim, principalmente o Alex.

— Bom dia alunos!

A professora Dolores chegou na sala, toda sorridente com uma pilha de livros. Os deixou sobre a mesa junto com sua bolsa. E logo começou a passar lição, muita lição mesmo, copiei tudo, troquei poucas palavras com Alex, já que ele era o único que eu conversava, já que os outros meninos eu tinha pouca intimidade. Bateu o sinal do intervalo, me levantei e sai, no caminho, esbarrei no Jeremy, eu sou bem desastrada.

— Me desculpe. Me desculpe.

— Calma. Foi nada.

Ele sorriu meio que de canto, o sorriso mais lindo e perfeito de todo o mundo. Corri para a arquibancada e me sentei lá, coloquei meus fones e fiquei sentada, talvez pensando em uma forma de fugir dali. Tocou o sinal e eu voltei, as duas ultimas aulas, por pura sorte, passaram rápido, sai rapidamente da escola, sem nem dar tchau para os meninos, eles eram os meus únicos amigos, colegas. Fui para a casa. Eu fui crescendo em uma família cheias de conflitos. A impulsividade tomou conta de mim, depois das minhas brigas com o meu pai. Eu sempre penso em me matar. E já pensei em me jogar do Décimo quinto andar do prédio em que moro, mas tudo bem né. Meu pai, o Fredick, além de eu achar o nome dele ridículo, ele é aqueles caras, tipo tiozão, que adora pegar umas menininhas da minha idade. Viver com ele nunca foi “um problema” porque ele sempre passa a maior parte do dia na rua, e eu fico uma parte no colégio, e o resto do dia em casa. Minha mãe, Carmem, era o a mulher perfeita, ela morreu de câncer quando eu tinha apenas dez anos, por sorte ainda me lembro do seu sorriso e do seu cheiro de rosas.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Volto a escrever quando ganhar reviews. #nãosejamleitoresfantasmas