Silent Hill: The Artifact escrita por Walter


Capítulo 20
A Casa Mal Assombrada Parte 1


Notas iniciais do capítulo

"O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente." - Mário Quintana



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/529086/chapter/20

Estamos em um pequeno corredor delimitado por grades. Há uma espécie de grama sintética ao lado e algumas luzes em forma de abóbora posicionadas no chão que estão estranhamente acesas, iluminando um pouco o lugar. Ainda sim, Chang usa a lanterna.

–Estamos mais perto agora. Essa é a mansão assombrada, nada que precisemos nos preocupar.

Ótimo, uma mansão assombrada dentro de uma cidade assombrada... Na teoria, nada que tivesse aí dentro poderia ser tão assustador quanto esse lugar. Se tivéssemos sorte, isso seria apenas um brinquedo.

Chegamos ao final do corredor e Chang entra no outro, que dá em uma porta, o que provavelmente é a entrada do brinquedo. Posicionamo-nos na frente e Chang tenta abrir o lugar: trancado. Retiro o canivete do bolso e abro a porta sem mais problemas. Vamos entrando um pouco e a porta ser fecha sozinha. É um hall sem nada, com apenas quatro paredes e mais uma porta à frente. De repente, uma voz começa a falar.

–Bem vindos A Mansão Assombrada Borley. Estamos felizes porque você veio!

Eu e Chang nos entreolhamos.

–Er... É coisa do brinquedo...

–Okay...

–Por favor, entre e dê uma olhada se você acha que está pronto para cruzar a porta.

Ouço um barulho de porta destrancando e logo imagino um brinquedo automático dando mais realidade ao lugar. Se nenhum outro brinquedo funciona nessa droga de parque, a mansão assombrada precisa funcionar... O que seria bem provável para tal contexto. Vamos até a porta e Chang a abre. Dou três passos para dentro do local e começo a ver. Isso aqui não parece mais um simples brinquedo, mas me lembra um lugar muito familiar, um lugar o qual vivi praticamente toda a minha infância, o lugar onde eu...

–Chang, mas o que é tudo isso?

–Er... É apenas um brinquedo.

–Mas porque estou vendo tudo isso? Parece...

–Parece?

–Minha casa!

[Acabo de entrar e ouço o barulho de soluços. Não era uma coisa muito estranha de se encontrar em minha casa, infelizmente. Minhas aulas acabaram mais cedo hoje fazendo consequentemente com que eu chegasse mais cedo em casa para a minha tristeza e arrependimento. Eu tinha aulas todas as manhãs e tardes, o que fazia com que meus dias fossem inteiramente dedicados ao colégio, mas nem tanto ultimamente, pois meus pensamentos agora ficavam resguardados em casa, particularmente minha mãe.

Ouço o barulho da porta da frente se fechar bruscamente às minhas costas e vou caminhando lentamente por dentro da casa não muito grande. Os soluços parecem vir de cima. Continuo até chegar à cozinha, me permitindo subir as escadas e dar de cara com um pequeno corredor iluminado unicamente pela luz do último quarto, o quarto dos meus pais. O barulho continuava e parecia ser emitido dali. Abri a porta do primeiro quarto, isto é, o meu quarto, jogando a pesada mochila em seguida para dentro e fechando a porta em poucos segundos. Minha respiração acelera junto com meus batimentos cardíacos e logo sou tomado pelo medo. Medo de alguém ter entrado em casa, medo de terem matado alguém, medo de terem roubado algo, ou então... Medo que meu pai tenha bebido novamente.

Tento andar devagar para que a pessoa que está emitindo o som não perceba que estou me aproximando, estragando assim a percepção dela. Minha mãe não pode saber que estou aqui, não até que eu a veja chorando pra ter certeza. Com cuidado, me coloco junto à parede, ouvindo assim um barulho mais alto de choro e soluços. Tento me colocar em frente da porta o suficiente para ver alguma coisa mesmo sabendo o que me espera dentro do cômodo. Meus olhos finalmente se deparam com a parte dentro do quarto, fitando uma mulher sentada em cima de uma cama de casal que parece chorar muito. É a minha mãe.

Ainda em silêncio, tento ouvir alguma coisa, pois a maioria das pessoas costumam falar com si mesmos em momentos de desespero. Eu deveria ter corrido até ela, a abraçado... Minha mãe enxuga as lágrimas um pouco com as mãos e sem virar na minha direção, fala:

–Matt, pode entrar. Eu sei que está aí!

Fico indeciso sem saber sem saber se entro confirmando que estava ouvindo ou se fico escondido negando até a morte. A primeira reação que tenho é a segunda opção. Tiro rapidamente a cabeça e faço um rápido movimento pela parede, me escondendo por completo novamente. Fico em silêncio por alguns segundos, até que ela torna a falar.

–Matthew? Você está aí?

Continuo em silêncio, mas se meu coração pudesse ser ouvido estaria fazendo um barulho ensurdecedor. Eu sei que minha mãe não deveria saber que estou aqui, e talvez não saiba ainda.

–Matt?

O silêncio predomina no lugar.

–Ah Sarah... Você deve estar ficando louca! Quem sabe ele não te bateu forte demais na cabeça?

–Quem bateu nela? Meu pai? –Sussurro pra mim mesmo. Como ela poderia estar fazendo piadas com algo tão sério?

–E ainda mais, Sarah, agora você tem que mandar Matt para Silent Hill!

–Me mandar pra Silent Hill? Mas porque? – Sussurro pra mim mesmo novamente. Aquele lugar não tem nada de bonito e especial, mais parecendo uma cidade abandonada.

–Ah Sarah... Porque você teve que casar com aquele traste?

Porque ela está falando sozinha? E o que meu pai fez além do de sempre para que ela reclame tanto?

–Mãe! – Entro rapidamente surpreendendo-a.

–Matthew?!

Olho para ela mais de perto. Ela está com um dos olhos roxo, marcas de asfixia no pescoço e vários hematomas nos braços e no rosto. Ela foi espancada, espancada pelo meu pai e eu não fiz absolutamente nada!

–Mãe! – Corro até ela, mas ela se afasta.

–Matt...

Olho pra ela esperando por alguma explicação. Meus olhos se enchem de lágrimas.

–Vá arrumar suas malas! Você vai para a casa da sua tia em Silent Hill!

–O quê?? Mas mãe... E isso?

–Nada de mas!

–Mãe... O papai bateu em você de novo, não foi? E essa vez foi a pior.

–Matthew! O que foi que lhe disse?! Vá arrumar suas malas agora!

–Não mãe! EU NÃO VOU! Eu vou falar com o papai, ele tem que parar com isso já!

–MATTHEW LIWARD, VOCÊ NÃO VAI FALAR COM SEU PAI! VÁ ARRUMAR SUAS MALAS AGORA!

–MAS QUE GRITARIA É ESSA AQUI?

Minha mãe e eu nos viramos em direção à porta onde está um homem parado diante dela. Barba cobrindo um queixo quadrado, óculos espessos e sobrancelhas juntas: Meu pai. Mamãe recua em direção à parede oposta à porta e eu fico parado apenas observando ele. Papai está com cara de alguém que passou a manhã inteira bebendo, não demonstrando nenhuma emoção além de raiva, ódio e desprezo. Minha mãe chora.

–Eu já disse que não quero ninguém gritando aqui dentro dessa casa!

Mamãe assente com a cabeça, mas eu não consigo. Eu tenho que fazer alguma coisa, não posso deixar isso se repetir de novo. Meu pai bebe, fica bravo e minha mãe e eu que sofremos. Mas agora, agredir a mamãe dessa forma foi ir longe demais. Tenho que por um fim nisso, um fim o mais rápido possível. Ou isso, ou essa situação vai continuar se repetindo por toda a nossa vida. Ele dá as costas e quanto já está quase saindo do quarto, decido falar.

–Pai... O senhor não é um homem.

Ele se vira imediatamente pra mim, retornando pra dentro do quarto e me encarando. Seu rosto não demonstra nada menos do que ódio.

–É o quê menino? REPITA ISSO!

–O... O... O senhor não é um homem! Você bebe e espanca a mamãe... Você não cumpre o seu dever... Você não coloca comida em casa e por isso a mamãe me manda pra casa da minha tia. Você não é um homem e muito menos UM PAI!

Percebo que talvez tenha feito a coisa errada. Meu pai me olha não mais com expressão de ódio, mas com outra coisa que não consigo descrever. Ele olha firmemente nos meus olhos e consigo sentir tal sentimento indescritível perpassar pelo seu corpo. Meu coração continua acelerado.

–Já que sua mãe não te ensinou... Vou te ensinar a ter respeito e educação, Matthew!

–O que você vai fazer Tyler? – minha mãe pergunta entre os soluços.

–O que deveria ter feito há muito tempo!

Meu pai me puxa pelo braço com muita força me arrastando pelo quarto a fora. Eu grito, mas é inútil. Ele me arrasta do quarto até a escada pelo corredor e mesmo que eu tente me soltar ou me segurar nas paredes, um cara de 37 anos é bem mais forte que um de 12. Eu tento firmar meus pés no chão, mas estes me abandonam deslizando sobre o piso de madeira. Meu pai está furioso e usa toda a força que tem para me puxar até a escada. Sinto meus pés escorregarem no chão e caio sentindo uma forte dor na perna. Ele continua me puxando, agora me arrastando sobre o piso. Continuo gritando com todas as minhas forças e fôlego, mas ele pouco parece se importar.

–Não Pai, NÃO!

–Você vai aprender a respeitar seu pai... LEVANTA!

Ele me puxa pelo braço com tanta força que me levanta e me põe de pé. Não consigo imaginar o que ele está prestes a fazer. Estamos diante da escadaria, tento me segurar no corrimão no primeiro degrau.

–Vou te ensinar a me respeitar, garoto!

Sinto um forte empurrão e em seguida o chão se desfaz por sob meus pés. A terceira sensação é a pior, pois sinto uma forte dor no meu rosto, pernas e braços: estou caindo escada abaixo. Todas as partes do meu corpo batem contra os degraus me fazendo gritar a cada segundo que se passava. Meu corpo e seu peso me levam para baixo e todas as outras coisas ao meu redor fazem silêncio, observando atentamente o barulho do meu corpo sendo metralhado pelas batidas nos degraus da escada. Ao longe, consigo ouvir gritos e soluços... Mais um segundo e sinto uma forte dor no meu braço esquerdo, provavelmente o meu osso deslocou. Grito, mas nada é ouvido nem por mim mesmo, pois só consigo sentir dor, ouvir dor... Mais alguns segundos e sinto um baque forte na cabeça, fazendo todo o meu corpo gelar. Finalmente sinto, enfim, um chão firme e espaçoso. Fico ali caído, de olhos fechados e gemendo. Cada centímetro do meu corpo dói, mas o dor mais forte é de saber que o meu pai me odeia e que esse sentimento é recíproco. Eu o odeio, com todo o meu ser e um dia ele vai pagar por tudo isso. Continuo no chão, chorando de dor.

–TYLEEERRR!!! VOCÊ É UM MONSTRO!

Ouço passos vindo em minha direção, mas nem consigo abrir os olhos de tanta dor que sinto. Ainda ouço gritos ao longe, mas não consigo compreender. Se for meu pai que estiver vindo, o que provavelmente é, talvez eu esteja em uma situação ainda pior. De repente e inesperadamente, sinto um forte chute no meu estômago que me faz gemer. A dor se irradia por todo o corpo e sei que meu pai vai me matar aqui, não tenho mais forças pra lutar ou pelo menos me defender. Ele me puxa fortemente pela camisa, o que me faz ficar sem fôlego por alguns instantes. Ele me põe de pé e sinto um forte cheiro de álcool que me deixa um pouco desorientado. Meu pai está bêbado, completamente bêbado. Abro os olhos e vejo a mesma expressão indescritível no rosto dele.

–Espero que isso te sirva de lição, menino!

Reúno todas as forças que ainda me restam no corpo e as concentro na perna, chutando meu pai em cheio na canela. Ele grita, mas não me solta.

–IDIOTA! PARECE QUE NÃO VAI APRENDER NUNCA MESMO!

Ele golpeia meu rosto, acertando em cheio no queixo. A dor se mistura com o gosto de sangue que provo assim que a mão dele acerta meu rosto. Ele me joga no chão em seguida e me deixa caído. Eu sinto ódio, ódio do meu pai.

–SARAH! AMANHÃ NÃO O QUERO AQUI!

Meu coração se enche de raiva, de ódio. Como alguém poderia fazer algo tão horrível e nem se dar conta do que fez? E ainda por cima me expulsa de casa, me destruiu, me magoou. Esse cara não é um homem, é qualquer coisa menos isso. Sinto ódio, ódio! Meus olhos se enchem de lágrimas que se misturam com o sangue que sai dos ferimentos do meu rosto. Ódio! É o único sentimento que sinto agora. Ouço passos apressados vindos até mim, minha mãe. Ela me pega nos braços com um pouco de esforço e me leva escada acima, para o meu quarto e me deitando em minha própria cama.

–Matt, eu já volto...

Fico deitado sozinho por mais alguns minutos remoendo tudo, tanto a dor física quanto a emocional causada por Tyler. Tyler, porque ele não é mais o meu pai, ele é qualquer coisa menos isso.

...

–Matt, eu tentei te avisar... – ela começa a cuidar dos meus ferimentos. Seu rosto está embebido em lágrimas e ela não consegue dizer mais uma palavra sem estar com a voz “entorpecida” – seu pai bebeu novamente hoje, não deveria ter dito aquilo. Eu chamei um taxi e vamos ao hospital ver se está tudo bem com você. De lá, eu vou te levar a Silent Hill. Eu sei que já conversamos sobre isso, mas... É o lugar mais próximo daqui que posso te levar. Só essa vez, certo? Tenho certeza de que quando o Tyler estiver sóbrio, ele vai voltar atrás...]

–... Por suicídio! – Vejo um cortina acender junto com um barulho de trovão e a voz masculina, mostrando um corpo enforcado. Sinto certo desconforto ao ver a cena. Não entendo o que aconteceu, mas Chang olha pra mim de uma forma estranha.

–O que foi?

–Você... Estava agindo com um louco!

–Mas ein?

–Um louco Matthew! Você estava gritando com as mãos na cabeça... Você falou sozinho. Quem é Tyler?

–Mas... Eu não lembro de ter dito nada.

Olho ao redor. Não parecia em nada com a minha casa aquilo. Era apenas um cenário de algum brinquedo, um corredor mostrando uma espécie de sala de jantar envoltas por fitas de isolamento da polícia e grades, tudo manchado de sangue. Estava a cortina acesa com o corpo enforcado na janela e uma porta do outro lado do corredor em “L”. Minha cabeça dói um pouco e confesso que passei alguns momentos em “off”, não lembrando absolutamente nada do que ocorreu nesses momento que Chang disse ter me visto com as mãos na cabeça. Era como se eu estivesse revivendo ou sonhando outra realidade... Mas não sei o que fiz realmente, era a sensação que eu tinha quando vivenciava esses flashes. Talvez esse lugar seja de fato assombrado.

–Não importa... Matt, vamos continuar. Temos que ir logo, por Anette!

–Okay...

–Apenas tente não enlouquecer... Assim como os outros.

–Tentarei.

Caminhamos até a porta e Chang gira a maçaneta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ah, desculpem a demora em postar... Eu estava sem muita criatividade esses dias. Espero que tenham gostado do capítulo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Silent Hill: The Artifact" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.