Silent Hill: The Artifact escrita por Walter


Capítulo 12
Papai


Notas iniciais do capítulo

"O abandono é tão traiçoeiro quanto à morte, porém a morte ainda é compreensível." - Alison Santini



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–Matthew, olha pra mim! – Anette me olha firmemente ainda com um pouco de lágrimas nos olhos.

Estamos sentados em uma das fontes que ficam no jardim do hotel, um pouco à frente da entrada principal. Eu havia decidido continuar, mas ela se recusou a dar qualquer passo sem ter um pouco mais de explicações. Mateus pareceu não se importar muito em falar dos acontecimentos, mas nos deixou um pouco “a sós” e foi sentar no cais, observando o lago enevoado. Ambos sabíamos que provavelmente a garota não fazia ideia do que estava acontecendo ali e ainda por cima havia perdido o seu pai de uma forma que ninguém gostaria de perder. A única coisa que sinto dela é um pouco de compaixão, já imaginando no que ela terá de enfrentar quando as coisas começarem a aparecer.

–O que você quer? – Pergunto automaticamente.

Ela me olha fazendo uma careta. Provavelmente fui frio de mais no modo em como falei, mas sinceramente, já sei o que ela vai dizer. Vai dizer que perdeu o pai, que não sabe se vai suportar toda a dor que sentiu por ele e que não faz ideia do que está acontecendo nessa cidade. Sinceramente, eu pretendo dar crédito apenas a ultima parte.

–Matt... – ela começa colocando a mão na barriga – O professor Thompsom... Como pode fazer aquilo? – Seus olhos voltam a encher-se de lágrimas.

–Bem...

Tento começar, mas imediatamente penso que poderia não ter sido exatamente o professor. Primeiro porque essa cidade entrou em minha mente arrancando as coisas que havia até na mais profunda região e trouxe à tona. Depois, a percepção da cidade provavelmente varia entre cada pessoa que está presente, uma vez que eu via os manequins, o professor apareceu e não viu absolutamente nada de estranho e Mateus viu um pouco mais além, achando até mesmo que eu era uma das coisas, fugindo e se trancando dentro de uma daqueles prédios. Mas como explicar isso pra ela?

–Você... não vai dizer nada?

Volto a olhar pra ela. Seus olhos agora encharcados em lágrimas me observam como se pedissem uma palavra de consolo, como se me visse como alguma espécie de ombro amigo. O que eu poderia fazer? Estudei com Anette desde que comecei a cursar a faculdade, pois todo semestre sempre caía em uma turma que ela também havia se matriculado. Acabei criando certo laço com ela e de fato, fazia sentido que ela realmente esperasse alguma coisa de mim, como se fosse responsável por ela. Além do mais, se eu não tivesse tido a brilhante ideia de ter vindo a Silent Hill, ela não teria vindo parar aqui. Penso em dizer qualquer coisa.

–Você já teve a impressão de que já esteve aqui?

A expressão de surpresa dela é evidente. Ela não esperava por isso.

–Sim... Mas porque eu já estive aqui... – ela fala entre soluços – Eu nasci nessa droga de cidade, Matt. Meu pai na verdade me adotou. Ele me encontrou junto com uma carta que dizia de onde eu era e que um dia eu deveria voltar pra cá... Eu sempre pensei em um dia pisar em Silent Hill novamente, mas soube dos rumores que rondavam sobre o lugar e desisti. Afinal, cidades abandonadas não são meu forte. Mas... esse foi mais um motivo pra que eu viesse aqui junto com aquele... aquele... Canalha! – Ela recomeça a chorar e deita a cabeça no meu ombro.

–Engraçado... Eu nunca estive aqui, mas tenho lembranças de que, quando criança, frequentemente vinha aqui na casa de alguma tia. O que não faz sentido, já que naquela época essa cidade já estava abandonada...

Ficamos em silêncio por um momento. Anette provavelmente devia estar tendo uma confusão mental, uma vez que se a cidade já era abandonada, ela não tinha como ter nascido aqui e tão pouco eu ter tido lembranças desse lugar quando criança. Meus flashes me mostravam aqui, ou tendo alguma relação com essa cidade, mas ainda sim eu não conseguia dizer se realmente aquelas lembranças eram totalmente minhas... Mais pareciam ser de uma outra pessoa que se misturavam com meus pensamentos. Isso não faz sentido, já que me lembro claramente do meu pai que tinha problemas com álcool, mas não consigo me lembrar de vir a Silent Hill periodicamente por causa disso. Na verdade, as coisas aqui parecem comuns, familiares. Mas mesmo assim não consigo me lembrar de nada tão claro que me mostre dentro dessa cidade antes dos eventos recentes.

–Matt... Eu nem consegui dar um fim honroso ao meu pai...

–Anette... Eu não sei o que há nessa cidade, mas talvez pode não ter sido o professor Thompsom que o matou. Esse lugar me parece muito estranho e vez por outra sinto como se ele roubasse lembranças minhas, transformando a cidade num palco perfeito de terror pra mim. Talvez isso tenha ocorrido com você.

Ela me olha pensativa. Seu rosto está completamente manchado de maquiagem borrada, o que deixaria a moça engraçada se não estivéssemos nessa situação.

–Matt, o que mais você viu?

–Bem... Desde que cheguei aqui, as coisas parecem muito estranhas. Eu cheguei na cidade e logo ela “mudou”.

–Como assim?

–Olhe bem pra isso que estamos vendo. Agora imagine nenhuma luz, o céu absolutamente escuro, o chão substituído por grades, um forte cheiro de coisas podres e enxofre... Um forte calor emanando de dentro do chão... Imagine o inferno aqui.

Ela arregalou os olhos. Provavelmente ainda não teve tempo para ver o que acontece quando a cidade “muda” de percepção. Talvez por que a cidade se revele diferente para ela, não sei.

–Isso é sério?

–Sim, muito sério. As coisas aqui são completamente estranhas quando a cidade toma outra forma. Sem contar que a frequência de coisas que aparecem tentando nos matar aumenta. É como se toda a cidade e tudo que acontece convergisse pra sua morte.

–Será que foi isso que aconteceu com...

–Talvez, Anette. Mas não podemos tomar nenhuma certeza, até porque o professor também está em Silent Hill.

–Sim! Foi ele quem nos trouxe... E por falar nisso, Chang e Don também estão perdidos!

–É mesmo. Temos que avançar, temos que procura-los!

–Vá chamar Mateus, eu me recomponho aqui.

Eu assinto com a cabeça e a deixo sentada na pequena fonte. Me aproximo do cais e vejo o garoto sentado com as pernas voltadas pra dentro do lago mas sem tocá-lo. O garoto me lembra muito, o jeito como senta e observa tudo aquilo, coberto por névoa. Acima dele, a luz do poste que pode ser observada do outro lado do lago tremeluz, dando a mesma sensação mística que havia sentido antes. Me aproximo um pouco mais e me sento ao lado dele.

–Você explicou pra ela?

–Eerr... Mais ou menos. É difícil fazer que alguém entenda tudo isso sem nunca ter presenciado.

–Certo.

Olho o rosto dele e sinto um ar depressivo. O menino parece que esteve chorando, ou pelo menos quase.

–Mateus, tudo bem?

Ele suspira, o que indica que não. Fico em silêncio esperando ele falar alguma coisa.

–Eu... Eu sinto falta do meu pai. Eu juro que eu queria encontra-lo, mas... Às vezes sinto que ele me abandonou.

De alguma forma, consigo sentir compaixão dele diferente de como senti com Anette. Eu não costumo ter esse sentimento empático com pessoas, afinal todo o meu passado apontou exatamente para isso, tudo o que passei com minha mãe e com meu pai nos seus últimos dias de vida. Aquilo me deixou a pessoa mais fria do mundo, aquilo... A lembrança da ultima semana de vida do meu pai me vem à mente e começo a me corroer de raiva por dentro. Tento não lembrar e continuar a conversa com Mateus.

–Sabe, Mateus... As pessoas às vezes nos abandonam. Não estou falando que seu pai fez isso, mas se ele tiver feito... Bem, o destino se encarrega de colocar pessoas outra vez em nossas vidas que acabam nos ajudando com tudo isso.

O garoto olha pra mim tentando esboçar um sorriso, mas este não sai com perfeição. A consequência disso é que ele desaba em meus braços, chorando como se uma coisa terrível tivesse acontecido. Talvez toda a carga emocional proporcionada por tudo isso tenha perturbado de mais a mente de um garoto de apenas doze anos, não preparado o bastante pra isso. Sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto.

–Eu não queria que ele tivesse me abandonado... Ele era importante pra mim, ele era meu pai!

Meus olhos se enchem de lágrimas. Talvez eu também sentisse falta do meu pai, que na verdade nunca esteve muito presente na minha vida e quando estava, fazia questão de demonstrar o quanto era ruim. Abraço Mateus e choramos juntos. Nossas lágrimas se misturavam umas com as outras... Meu pai sempre me abandonou desde criança e Mateus estava passando pela mesma coisa, mas de forma diferente.

–Va... Vamos Mateus. Temos que encontrar seu pai.

O garoto ainda chorando se recusa a me soltar, fazendo com que eu derrame um pouco mais de lágrimas.

–Eu... eu... eu não aguento essa droga de cidade!

Eu assinto com a cabeça e o levanto. Enxugo um pouco as minhas lágrimas.

–Tá bom Mateus. Nós vamos sair daqui, eu lhe prometo.

Ele agarra a minha mão como se algo tentasse me puxar para distante dele e nos encaminhamos até a fonte onde Anette estava sentada. Ela nos observa em silêncio, não dizendo nenhuma palavra pelo menos com a boca. Ela nos segue até chegarmos em frente à porta dupla. Respiro fundo e giro a maçaneta. A porta não abre. Procuro pelo canivete e tento forçar a fechadura: não abre.

–Droga!

–Matt... – ele fala entre soluços – use o Selo de Metatron!

Por um momento fico parado sem compreender exatamente o que ele queria dizer, mas depois me toco que talvez agora seja o momento de testar se essa coisa funciona. O que me intriga é que ele sabia exatamente o que eu deveria pegar naquela igreja... O que é estranho.

–Hm... Okay.

Começo a vasculhar dentro da mochila e encontro o pesado objeto de ouro com o Selo marcado na sua frente. Seguro firmemente em minhas mãos, mas nada acontece.

–Matt... Abra a porta.

Com o Selo na mão direta, toco na maçaneta com a outra mão...


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