Behind The Lines escrita por mandiproost


Capítulo 6
2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/529037/chapter/6

Abri os olhos e olhei o celular. Oito horas da manhã. Passei as mãos nos olhos ainda levemente adormecidos e estiquei meu corpo. Gostava de momentos no quais eu não tinha consciência dos meus problemas. Logo depois de acordar, um pouco antes de cair no sono, enquanto assistia um filme ou quando tocava. Mas todos esses momentos, infelizmente, eram passageiros.

Sentei na cama e olhei para o chão. Fixei meus olhos na jaqueta de couro pendurada na cadeira a minha frente. Não havia nada de interessante para se observar, mas meus pensamentos já estavam a um milhão. Senti minha cabeça pesando para frente.

Os últimos dois meses haviam sidos repletos de lembranças. Tudo o que eu fazia, tudo o que acontecia comigo parecia, de alguma forma, estar conectado à ele.

 

“‒ Não venha, por favor. ‒ a mensagem piscava em meu celular enquanto eu arrumava uma pequena mochila com algumas roupas, itens de higiene e remédios.

‒ Já tomei minha decisão. ‒ respondi. ‒ O ônibus sai às 14:30. Devo chegar em São Paulo perto das 17h.

‒ Não acho necessário você vir, eu vou melhorar logo.

‒ Amor, você está doente, sozinho, sem remédio e não contou para seus pais, que moram em outra cidade. Estou indo para São Paulo e isso não está aberto para discussões.

 O ônibus atrasou cerca de quinze minutos. Tentei dormir no caminho, mas a preocupação fazia com que eu me mexesse de cinco em cinco minutos. Ao chegar no ponto, desci e caminhei até o lugar que ele iria me encontrar. Entrei no carro e olhei para ele. Branco como um papel, olheiras escuras e suor escorrendo pela testa.

‒ Como você está? ‒ perguntei tentando não parecer tão assustada.

‒ Mal. ‒ ele respondeu enquanto dirigia até a entrada do prédio.

Ao subir o elevador pude sentir que sua temperatura estava extremamente alta. Da minha mochila tirei um termômetro. Entramos no pequeno apartamento que ele dividia com mais outro quatro estudantes.

‒ Deite aqui e coloque isso embaixo do braço. - ordenei enquanto deixava minhas coisas no chão.

Fui até a cozinha, peguei um copo de água e sentei na cama.

‒ Só mais dois minutos. ‒ disse enquanto passava a mão nos cabelos dele. Seus olhos estavam fechados e sua respiração estava curta.

Abri a mochila que havia trazido e tirei um pote com a comida do almoço.

‒ Vou esquentar um pouco pra você, tudo bem? ‒ perguntei com calma.

‒ Não estou com fome. Almocei faz pouco tempo. ‒ ele respondeu enquanto tentava se ajeitar na cama molhada de suor.

Peguei o termômetro dele e vi que media 39 graus.

‒ Certo. Nós vamos ao hospital. ‒ constatei. ‒ E isso também não está aberto para discussões.”

 

Não sabia ao certo o porquê daquela lembrança ter me atingido naquele momento. Era claro que quase todas as memórias que eu revivia incluíam ele, tanto as boas quanto as ruins. Mas algumas me deixavam encabulada, pensando no real motivo por trás.

Liguei a internet do celular e esperei as notificações aparecerem. Não havia nada dele. Havíamos terminado há exatamente dezesseis dias. Ficamos sem nos falar durante doze. Depois desse período eu tive minha primeira crise. Assustei todo mundo, menos a mim. Logo depois resolvi entrar em contato com ele. Era óbvio que para mim não havia acabado.

 

“‒ Mãe, estou saindo! ‒ gritei da sala enquanto colocava a chave na porta.

‒ Ele já chegou?

‒ Sim! Tchau! ‒ fechei a porta e entrei no elevador. Chequei minha maquiagem no espelho. Ele não gostava quando eu me produzia demais, achava que escondia minha real beleza. Eu me contentava com um lápis e um rímel, mas eu me empolgava em algumas situações.

Abri o portão do condomínio e vi o carro dele parado do outro lado da rua. Enquanto eu esperava os carros passarem para atravessar, pude ver que ele sorria como um bobo olhando para mim, o que me fez sorrir também.

‒ Ai, que coisinha mais bonitinha! ‒ ele disse enquanto eu entrava.

Mesmo depois de dois anos namorando ele ainda tinha a mesma reação e eu ainda ficava vermelha com isso.

‒ Pára! ‒ respondi dando um tapa no braço dele, dando risada.

‒ Me dá um beijinho, chuchu! ‒ ele pediu enquanto inclinava a bochecha para mim e dava seta para sair da vaga, me fazendo sorrir.

Estar com ele era basicamente sorrir o tempo inteiro. Qualquer coisa que ele dizia, qualquer piada idiota, qualquer movimento exagerado demonstrando carinho trazia uma necessidade de sorrir até doer as bochechas. Todos os gestos de amor, por mais simples que fossem, faziam meu mundo parar de girar, como se eu tivesse tirado ele dos meus sonhos.”

 

‒ Vamos tomar café da manhã? ‒ minha mãe apareceu na porta do meu quarto com um sorriso no rosto, me tirando de um transe que poderia durar horas.

Acenei positivamente e levantei da cama.

Se as lembranças fossem tudo o que havia restado, eu as guardaria num cofre a sete chaves.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Behind The Lines" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.