Uma sombra entrou pelos portões. Apenas isso, uma sombra, mal notada pelos guardas em seu tempo ocioso sob o Sol escaldante do verão. Entrando pelos portões da frente, ela atravessou o gigantesco jardim, atravessando pontes e ocasionalmente subindo nas sakuras que via pelo caminho florido para fugir da patrulha no interior da mansão.

        Usando pedras, despistou a maior parte dos guardas para a parte sul do lugar, perto das portas para o saguão de entrada. A grande mansão em estilo oriental completamente quadrada era grande, com mais de cem aposentos, que dividiam suas funções entre salas para cerimônia de chá, pintura, poesias e os aposentos dos moradores, claro. Na ala norte ficava a academia de artes marciais, talvez entre todos os aposentos o mais freqüentado por todos. Mais ao norte ainda, separado por um denso bosque de bambus que formava um intrincado labirinto, ficava a ala dos guardiões.

        Agora praticamente sem supervisão, a sombra se estendeu até uma das portas de correr na ala leste, entrando por uma delas entre todas as abertas. Com um suspiro pausado, comemorou a entrada, depois de dias esperando pelo sol correto – o mais quente possível – para que os guardas fervessem dentro dos uniformes de tecido grosso e ele tivesse mais oportunidade de não causar algum tumulto. Tudo devia ser perfeito, só notariam sua presença ali na hora do jantar. Entrou por uma porta apressadamente, fechando-a sem ruído atrás de si, e lá estava. Um quarto, completamente arrumado, com um incenso ainda incandescente em cima de um minúsculo criado-mudo. A cama estava impecavelmente feita no chão, o travesseiro de madeira completamente alinhado no centro da cama. A única coisa que dava a entender aquele ter sido um quarto de criança eram as pinturas nas paredes, sem nenhuma maestria. Suspirando novamente, deixou cair a mala que trazia nas costas, que ao impacto, tilintou o barulho de metal.

        Triunfante, retirou a capa que cobria o corpo a partir da cabeça, revelando vestes surradas de viagem. O rosto melado de suor era fino e suave, apesar de muito bronzeado por causa do sol, com grandes manchas de poeira logo abaixo dos olhos extremamente puxados. Seu cabelo, agora completamente ensebado, era comprido e preso de forma desleixada e frouxa por um elástico, deixando a franja solta. As mãos eram calejadas e seus músculos retesados em todas as partes do corpo. Não era muito alto, mas inspirava segurança por causa do físico rijo.

- Eu estive a ponto de matá-lo algumas vezes. – Disse uma voz atrás do homem: uma figura totalmente vestida de preto com uma máscara branca de raposa, traje de um ninja guardião, deitada relaxadamente em cima da cama.

- Que cruel Sheng! Você podia ter me dito que estava aí. – Disse o intruso sem se virar.

- Perderia a graça. Afinal, você é a última pessoa que merece um aviso do tipo. – Disse o ninja rindo.

- Tem razão... Mas... Bom te ver, amigo. – Disse o garoto suado se virando com um sorriso no rosto.

- Posso dizer o mesmo, Jovem Mestre. – Sheng retirou a máscara até a altura da boca para revelar um sorriso igualmente sincero.

        O homem suado em trajes de viajem que havia entrado na gigantesca mansão principal do Clã Yao, um dos mais influentes na grande nação de Xing, era nada menos que um dos primogênitos da família, Woi’Fang Yao. Sua história, contada a partir de hoje por este seu narrador, irá abalar todas as estruturas e crenças da gigantesca nação a quem  negou um Imperador.