Diário de Uma Semideusa escrita por Lúcia B Wolf


Capítulo 11
Semideuses Nunca estão em Segurança




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Tudo aconteceu tão rápido. Quando dei por mim, minha espada estava no chão com a ponta ensanguentada. Logan, ainda de pé, pressionava o corte no lado esquerdo do abdome, perdendo cachoeiras de sangue por entre os dedos. Eu não ouvia os gritos horrorizados das pessoas, ou o choro desesperado de Becky. Naquele momento só havia eu, Logan e o fato de que ele podia morrer por minha causa.

Seu olhar pousou em mim, frio, enquanto ele caía. Fui rápida o suficiente para segurar sua cabeça antes do choque contra o chão, apoiando-a em meu colo. Com as lágrimas rolando soltas pela bochecha, pousei a mão delicadamente sobre a dele, sentindo o sangue quente.

– Logan… - As palavras morreram antes de chegarem à minha boca, e comecei a chorar desesperadamente. Log ainda olhava para mim, e mesmo com as vistas embaçadas, percebi que aquele brilho gélido estava se esvaindo. Apertei os olhos e abracei-o com todas as minhas forças.

De repente, senti como se algo quente estivesse tocando meu coração. Sem perceber, eu murmurava algo rápido e repetidamente, enquanto apertava o corpo dele contra o meu. Havia um brilho dourado, tão forte que foi visível através das minha pálpebras fechadas.

E de repente, sumiu. Tudo que senti foi o frio.

***

Eu não estava dormindo, mas também não acordara ainda. Era como se minhas forças tivessem sido arrancadas de mim, de modo que acordar era terrivelmente difícil. Lutei contra aquele cansaço, contra o sono e as pálpebras fechadas, contra a parte de mim que não queria acordar nunca mais. E abri os olhos.

Sentia-me fraca como nunca pensei que ficaria um dia, e o cômodo ao meu redor custou a entrar em foco. Estava na ala hospitalar, e percebi que o sol que entrava pelas janelas e iluminava meu rosto acabara de nascer. Até mesmo virar a cabeça era difícil, e quando consegui, meu coração parou. Logan deitava-se na cama ao lado.

Tentei me levantar, mas meu corpo parecia feito de chumbo. Com muita força de vontade - a única que me restava, rolei pro lado e caí no chão com um baque. Logan acordou assustado.

– Cice! - Ele exclamou, se levantando. Usava apenas calças largas quando correu até mim, passou os braços ao redor de meu corpo e colocou-me de volta na cama, escorada nos travesseiros. Éramos os únicos na sala.

– Achei que… estivesse… morto - falei baixo e com dificuldade. Ele não respondeu. - Eu…

– Não fala nada. Você sabe o que aconteceu? - Suspirei, tentando fazer que não com a cabeça. - Você me curou.

– O... quê?

– Olha isso. - Logan ergueu o corpo. Senti minhas bochechas corarem ao ver que uma vida inteira de treino havia definido bem seu corpo, principalmente os braços e o tronco. Ele possuía algumas cicatrizes discretas de batalhas passadas, mas a que ele apontava era branca e alta como a que eu tinha no ombro. A cicatriz recente era em formato de meia-lua, com uns 5cm. Meu queixo caiu.

– Pelas… barbas…

– Não, não fala isso.

Pelos deuses, eu quase falei “pelas barbas de Merlin”! pensei, assombrada. Era a coisa mais bruxa a se dizer. Suspirei novamente enquanto fechava os olhos, absorvendo a energia do sol que entrava pela janela.

– Por quanto… tempo eu apaguei?

– Dois dias - Logan pegou da mesinha ao lado da cama uma garrafa de plástico e me entregou. - Beba isso, vai se sentir melhor.

Ele ergueu a garrafinha até que o canudinho estivesse ao alcance da minha boca. Ao tomar tudo já me senti um pouco melhor. Era suco de abóbora, com alguma substância mágica colocada por Madame Pomfrey.

– Coma alguns desses também - continuou Logan, avaliando as embalagens de doce sob a mesinha. - Reed deixou essa caixa de Sapos de Chocolates para você.

Sorri enquanto ele me entregava um dos Sapos. Logan sentou-se ao meu lado na beirada da cama, e recusou quando ofereci alguns dos doces. Me senti bem melhor depois de comê-los.

– Mas como você está? - Perguntei, alguns minutos depois.

– Bem. Madame Pomfrey queria que eu ficasse aqui de observação e repouso, mas não me sinto diferente.

Assenti com um suspiro. – Acho... que não foi a primeira vez que fiz isso, Log.

Levei a mão ao ombro esquerdo e abaixei a alça da blusa. Ele se aproximou e passou os dedos pelas três linhas em forma de garra.

Sempre que alguém tocava naquele lugar minha mente se transportava para o dia em que tudo aconteceu. Eu podia ouvir a janela se estraçalhando quando a fúria irrompeu por ela, a dor de suas garras rasgando minha pele, o sangue manchando os papéis coloridos de azul claro. Naquele momento em que Logan corria os dedos livremente pela cicatriz, porém, minha mente não foi para o passado. Começou a vagar em pensamentos que eu vinha matando nos últimos dois anos, um formigamento começando em meu estômago. Respirei rapidamente. Foco, Cice. Foco.

– Mas como foi que fiz isso?

– Quíron e Dumbledore estiveram aqui - respondeu ele, soltando meu ombro. - Eles disseram que você possui o Dom da Cura.

Franzi a testa.

– Dom da Cura?

– Sim. É um dos dons mais raros e valiosos do nosso mundo. Dizem que Apolo leva 1000 anos para escolher alguém pra possuí-lo.

– Dentre seus filhos?

Logan fez que não.

– Qualquer um que seja merecedor. Nesse milênio, o escolhido foi você.

Pensei sobre aquilo, e um nó formou-se em minha garganta.

– Por que eu não curei minha mãe, então? Por que eu consegui me curar, e não a ela? Pra que eu tenho esse Dom se não me serviu pra nada?

Logan levantou uma sobrancelha, com os olhos novamente frios.

– Pra nada? Se não tivesse se curado naquela noite, você teria morrido. Se não tivesse me curado lá no arsenal, eu teria morrido. Isso não significa nada pra você?

Droga, você tem que estar certo toda vez?, pensei contrariada. Engoli em seco, sentindo as lágrimas se formarem em meus olhos. Log estava próximo o suficiente, então o abracei. Por alguns instantes ele permaneceu imóvel, depois abraçou-me de volta. Senti sua mão percorrer meu braço e colocar a alça da blusa de volta no lugar.

– Achei que ficaria bravo comigo pelo que aconteceu - eu disse ao parar de chorar.

– Fiquei mesmo - ele deu de ombros. Olhou em meus olhos logo em seguida, com um certo brilho que eu não entendia. - Mas o tempo foi passando, e você não acordava. Ninguém sabia o que tinha acontecido. Tive… medo, Cice. Temi que você não acordasse mais. - Log baixou a cabeça, envergonhado, e deu um meio sorriso. - Da próxima vez, lembre-me de usar armadura.

Dei uma risadinha.

– Ainda terá uma próxima vez?

– Você não vai se livrar de mim assim tão fácil.

***

Algum tempo depois, Madame Pomfrey apareceu trazendo mais suco de abóbora para mim e anunciando uma visita para Logan. Era Becky. A moça entrou apressada na sala, com suas vestes da Corvinal e um livro grosso nas mãos. Arregalou os olhos ao me ver sentada na cama, mas logo se recompôs e gritou:

– VOCÊ! Você quase o matou!

A cada palavra gritada por ela, minha cabeça fincava. Respondi o mais alto que consegui.

– Eu? A culpa foi toda sua, sua peste!

– Calem a boca vocês duas! - Logan disse com voz grave. - Isso aconteceu por causa dessa briguinha ridícula entre vocês, e eu já estou de saco cheio disso!

– Que gritaria é essa aqui? - Era a voz de Madame Pomfrey, que saiu apressada de seu quartinho ao lado da ala hospitalar e veio até nós com uma carranca. - Isso é um hospital, não a casa da mãe-Joana! Senhorita Brooks, pra fora!

– O quê?! Eu acabei de chegar!

– Não quero saber! Eu disse PRA FORA!

Becky lançou mais um olhar furioso em minha direção antes de sair, com lágrimas nos olhos.

– E vocês dois - a Madame agora voltava-se para Logan e eu, - nem mais um pio.

Dito isso, ela saiu da sala. Logan mais uma vez passava a mão pelo cabelo.

– Eu juro que não sei o que você viu nela - falei num cochicho.

Ele bufou. Depois suspirou, antes de responder.

– Nós crescemos juntos, no Acampamento Meio-Sangue. E ela sempre foi linda e inteligente. Era a única garota com quem eu conseguia conversar na adolescência.

Tive vontade de pular da cama e socar a cara dele.

– E?

– E o quê?

– Só isso?

Logan bufou mais uma vez. – Eu não quero falar sobre isso, Cice.

– EU DISSE - era a voz de Madame Pomfrey mais uma vez - NEM UM PIO!

.

Logan e eu não falamos muito nas horas seguintes, e acabei cochilando. Acordei com a Madame retirando as embalagens vazias da mesinha ao lado da cama. Ela franziu as sobrancelhas e disse, ao me ver desperta:

– Tem visita pra você, senhorita. Mas fique sabendo que se vocês elevarem a voz um pouquinho que seja…

E deixou a frase no ar enquanto saía. A cama de Logan estava vazia, os lençóis trocados, e ele fora de vista.

Lee, Emily, Elizabeth e John entraram pelas portas da ala hospitalar, parando ao redor de minha cama.

– Cice!

– Como cê tá?

– Estávamos tão preocupados…

– Pelas barbas de Merlin… - John abraçou-me fortemente antes de terminar a frase.

– Oi, gente - respondi, vermelha, quando ele finalmente me soltou.

– Nós tentamos vir te visitar algumas vezes, mas Madame Pomfrey não nos deixava entrar - disse Liz.

– Não dê mais esses sustos na gente - disse Emily, - te juro que o meu coração não segura outra barra dessas. Cê recebeu os doces?

– Por ser seu irmão eu pude entrar algumas vezes - disse Lee - mas você estava apagadona.

– Recebi e comi todos os doces, Emily - respondi sorrindo. Puxei Lee pela mão e ele sentou-se ao meu lado na cama. - Muito obrigada por terem vindo, todos vocês. Tá tudo bem, estou bem agora. E então, o que aconteceu por aqui enquanto estive apagada?

– Hogwarts inteira só fala sobre o que aconteceu com vocês lá no arsenal - respondeu John, dando de ombros.

– Ela tem o Dom da Cura, cara! É claro que todos vão comentar - disse Lee.

– É, eu sei - falei. - Mas foi um péssimo jeito de descobrir.

– Não se preocupe - respondeu ele enquanto bagunçava meu cabelo. - Você sabe o que isso significa?

– Como assim?

– Cê vai ter que aprender a dominar essa parada aí - disse Emily, - pra salvar a vida das pessoas e essas coisas. Acho que Quíron quer trocar uma ideia com você sobre isso.

– E quem não quer!? - disse John.

– Estão dizendo que até Dumbledore ficou impressionado - falou Liz com um misto de orgulho e assombro no rosto fino.

– Não é pra menos - retrucou Lee. - Não é todo dia que aparece alguém com um poder desses.

Dei de ombros. Não era uma dádiva muito boa se eu beirasse a morte toda vez que a usasse. – Eu já ficaria satisfeita se Madame Pomfrey me liberasse logo. Vocês viram o Logan por aí? Acho que ele já saiu.

– Aquele pãozão tava nas aulas hoje - provocou Emily, que se arrependeu na hora ao ver John torcer o nariz.

– Ele estava com a Becky? Ela veio aqui…

– Ele está bem - John falou rispidamente. - Não tem com o que se preocupar.

Emily e eu trocamos um olhar. O ar do cômodo ficou visivelmente mais pesado.

– Que tal uma Ambrosia? - Lee apressou-se em balançar o doce sob meu nariz, que fiquei satisfeita em aceitar. Madame Pomfrey não demorou a reaparecer - convidando os quatro a se retirar.

– Eu gostaria de ficar um pouco a sós com ela, Madame - John falou polidamente, enquanto os outros três já se preparavam para sair. - Somos um casal. Só mais cinco minutinhos - ele acrescentou rapidamente ao ver que ela não estava convencida. A curandeira suspirou aborrecida, mas assentiu.

– Cinco minutos.

E ficamos a sós.

– Desculpa por… - começou ele, corando atrás dos cabelos cor de areia.

– Tudo bem.

– É só que… As pessoas falam, sabe, sobre vocês dois…

– Ei - segurei o medalhão de ouro entre os dedos, mostrando o lobo em alto relevo - faço parte da sua matilha agora, se lembra?

Ele sorriu ainda de cabeça baixa, e eu o abracei. Observei uma borboleta entrar voando por uma das janelas, rodopiar pelo quarto e sair por onde entrou.

Você sabe o que está faltando, Cice. Se lembra daquela vez que vocês voaram juntos?

Sim, lembro. Lembro-me de voar acima das torres mais altas do castelo, lembro-me do vento gelado em meu rosto, lembro-me de sentir aquele frio na barrigada, como se houvesse uma festa de borboletas no meu estômago.

Só que agora não tinha festa.

– Está prestando atenção, Cice? - John me olhava nos olhos.

– O quê? Oh, desculpe-me…

– Escute, e preste atenção dessa vez. Você está em perigo.

Encolhi os ombros.

– Semideuses sempre estão em per…

– Não - ele me sacudiu de leve, mas com urgência. - Vai piorar agora. Você possui um Dom raro e poderoso. Feitiços e poções não são tão fortes quanto você, que pode salvar pessoas à beira da morte. Alguns dizem até que o Dom da Cura pode trazer alguém de volta dos mortos. Vão vir atrás desse poder, Cice, e se não conseguirem tomá-lo de você, vão te levar junto.

Passou pela minha cabeça que nem mesmo Logan poderia falar tão a sério. Mas é claro que podia.

– Mas quem? Quem vai tentar roubá-lo de mim?

A voz de Madame Pomfrey soou fria como o aço de uma espada.

– Seu tempo acabou, senhor Reed.


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