Julgamento escrita por Luc


Capítulo 3
Desaparecida


Notas iniciais do capítulo

Mais uma personagem. Quem adivinha?



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Alicia caminhou atrás de Mabruke em silêncio. Ele a guiou por uma série de quartos, até que chegou ao final do corredor.
–Este é seu quarto, Srta. Alexander. Mabruke pode ajudar em mais alguma coisa? - O negro virou-se para Alicia.
Alicia havia visto poucos negros de perto em sua vida. Trabalhou a vida inteira em uma casa da família pra quem sua mãe trabalhou antes dela. Eles não aceitavam empregados negros, diziam que todos eram crias do demônio. Alicia sempre achou suas peles cor castanha linda.
– Mabruke, você se incomodaria em me reponder uma pergunta? - Ela tinha as mãos cruzadas à sua frente, quase sempre. Um gesto nervoso, mas característico dela, com receio de chamar muita atenção pra si mesma.
– Sim, senhorita.
– Você sabe o que acontece nessa casa? -Enquanto perguntava, entrou no quarto e olhou ao redor. Era simples, com uma cama, um armário, uma escrivaninha, uma cadeira ao canto e uma janela com vista para o jardim. Havia um quadro na parede, de uma paisagem com uma dama sentada na grama.
– Eu não entendo, Srta. Alexander. - Mabruke tinha as mãos cruzadas na costa, educamente esperando à porta.
– Você está ciente do que sua Senhoria pratica nessa casa? Você não acha errado? - Ela perguntou enquanto se sentava na cama. - Alguém já se machucou?
Mabruke levantou o queixo levemente e algo mudou em seu olhar.
– Mabruke só tem a agradecer a Srta. Smartchild. A Srta. Smartchild é uma mulher boa, ela confia em Mabruke e Mabruke confia nela. Nada que ela faz é para causar mal a ninguém.
O mordomo começou a se retirar, demonstrando irritação.
– Mabruke, você não respondeu se alguém já se machucou. -Alicia se levantou, indo atrás dele.
O homem parou devagar no corredor e hesitou, tudo muito brevemente. Depois continuou a andar até sumir da visão de Alicia, virando o corredor.
Alicia entrou no quarto novamente e notou que acima da escrivaninha haviam alguns livros. Ela passou os olhos pelos títulos. "Intrudução ao Espiritismo", "Médiuns", "Mitologia Egípcia e Vertentes"...
Alicia havia sido criada pela família, que nunca foi muito religiosa, até os 13 anos de idade. Depois de ambos os pais morrerem de Tuberculose, ela foi "gentilmente abrigada" pela família que empregava sua mãe como cozinheira. Eles a atrataram abusivamente durante sua vida inteira. Ela comia sobras de refeições, dormia na própria cozinha em uma cama improvisada e quando esteve doente, trabalhou do independente da doença, sem tratamento especial da parte da família da casa. Aprendeu a ler com os pais, e resolveu que não deixaria nada das coisas que seus pais lhe deram para trás. Escondida, pegava livros pela casa e lia durante a noite e de manhã. Apesar de todas as condições, era uma jovem inteligente.
Dos livros que havia lido, grande parte tratavam de assuntos religiosos, aprovados pela Igreja Anglicana. Sendo assim, Alicia absorveu ideias critãs, que em boa parte direcionavam preconceitos à certas práticas. E assim foi com a garota: ela aprendeu a ter certo preconceito. Então grande parte da alta sociedade que frequentava a casa de seus chefes começou a trazer certos assuntos para dentro da casa.
Em certas visitas de amigos de sua Senhoria, Alicia escutou trechos de conversas que diziam sobre a nova "moda". Sessões espíritas, leituras de futuro com ciganos, rituais ocultistas... Todos que traziam esses assuntos na casa dos Penhalow eram convidados a se retirar. Esse assunto era imoral e pecaminoso. Uma prática nojenta.
E Alicia concordava. Até o dia em que algo "imoral e pecaminoso" aconteceu com ela.
Ela estava sentada, perto da pequena horta dos fundos, colhendo algumas raízes, quando aconteceu. Sua visão desfocou-se e derrepente ela não estava mais nos fundos da casa dos Penhalow. Ela estava nas ruas de Londres, perto do mercado. Ela conhecia aquela rota. Havia uma garota loira, não mais velha que ela, correndo. Havia um homem atrás dela, correndo, tentando alcançá-la. A garota dobrou uma esquina e entrou em um beco sujo, encostando-se na parede. Caminhou até o final do beco para descobrir que terminava em um grande muro de pedras escuras. Ela olhou nervosamente para trás. O homem ainda não havia alcançado-a. Ela encostou-se no canto da parede, esperando que quando ele passasse, não a notasse.
Então ele passou, um borrão preto correndo. Ela suspirou em silêncio. Talvez agora estivesse em segurança. Escorreou pela parede, com a mão sobre o peito, em alívio.
Mas assim que sentou-se, o homem voltou, entrando no beco. Ela levantou-se assustada, os pulmões enchendo-se para gritar, mas ela não conseguiu. Nada saiu. De repente ela se sentiu cansada, imensamente exausta, pesada... E começou a cair. O homem estranho pegou-a em seus braços antes que ela atingisse o chão sujo do beco.
A última coisa que Alicia viu através dos olhos da loira, foram os olhos castanhos e o sorriso branco na pele morena do homem.
Alicia voltou a si e caiu para trás, em choque, deitando no chão. Sem entender o que aconteceu, começou a soluçar, mas nada saia de seus olhos, uma lágrima sequer. Decidiu que estava louca. Havia atingido a insanidade, enfim, depois de anos de abuso.
Uma semana depois, estava no mercado, evitando a rua que havia visto em "seu estado de loucura". Quando ouviu um policial fazendo um aviso, espalhando um papel na mão dos comerciantes. Era uma imagem de uma garota. Uma garota loira.
Tudo que ocorria ao redor de repente ficou em câmera lenta. Todos os sons da rua silenciaram-se. Ela pegou o papel da mão do policial que distribuía-o.
Havia uma imagem da garota loira. Seu nome era Genevieve Finley. Haviam várias coisas escritas no papel, mas em letras garrafais a palavra "Desaparecida" chamava atenção.
Era a mesma garota da visão que Alicia teve uma semana antes.


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Notas finais do capítulo

Descobriram quem é a Genevieve?



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