Distúrbio escrita por Mário


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

A beleza costuma matar.



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Não basta ser eu, tem que dar uma festa de aniversário que ninguém vai só para agradar a mamãe e fazê-la pensar que tenho amigas.

Coloco os convites nos armários das garotas da torcida depois da aula. Espero que tenham pelo menos o trabalho de abrí-lo antes de jogá-los no lixo.

A escola é tão tranquila vazia. Nem parece que foi aqui que sofri com os apelidos dos meus primos ou fui humilhada pela garota que um dia disse ser minha melhor amiga. É que as coisas se complicam no ensino médio. Não é bobagem chorar no banheiro porque é gorda. As pessoas não entendem. Elas esperam que todos sejam iguais. A mesma cintura. A mesma cor de cabelo. A mesma altura. A mesma cor da blusa. Ser diferente quer dizer ser uma aberração.

Mas eu tentei. Juro que tentei.

Tomei todas as pílulas que a nutricionista me passou. Todas de uma vez. Fui parar no hospital para uma lavagem. Entrei em depressão e tomo outros tipos de pílulas. Visto roupas com tamanhos para modelos e quase morro sufocada. Mas quero ser bonita. Como? Gordos não são bonitos. Não adianta o dinheiro que gaste com maquiagem, serei eu até a morte.

Quando o mundo mudar, me acorde...

Enquanto isso, deixe tudo como estar...

Pode ser que quando você mexer, piore alguma coisa...

Não estou sozinha.

Escuto uma música. Uma melodia leve que me lembra as nuvens (quero dizer algodão doce, mas tenho que entrar no vestido que mamãe comprou).

O som vem do laboratório de química.

Cristovão Mills.

Sexo...

Digo, meninos como o Mills fazem meu lado animal virem à tona. Até eu, Becky Flink, tenho desejos obscuros. E isso graças a minha tia pervertida que me ensinou o que é isso. Tipo, a mulher abre as pernas ou então fica de quatro, o homem vem e “ai, ai, querido, vai!”. O que foi? Eu também assisto true blood.

Que pena que meu pai não me deixou convidar nenhum garoto.

Como se algum quisesse me beijar! Garotos jogadores de futebol com barriga definida preferem outro tipo de meninas que minha tutora de sacanagens chama de donas de peitos sinalizadores ou bundinha pula-pula. Bem, não quero falar sobre isso. Não hoje. Quem sabe amanhã. Agora, tenho que entregar os restantes dos convites.

Saio de fininho da área do laboratório e sigo em direção ao auditório.

Nas sextas, por essa hora, os meus amigos nerds se encontram para jogar batalha naval ou candy crush.

Empurro as portas duplas que dão para o salão onde temos quer ouvir as palestras sobre o mundo sem volta das drogas.

Que silêncio!

Acho que cheguei um pouco cedo.

Acendo a luz.

Deve estar havendo um vazamento porque a parede está molhada.

Me sento num banco e toco algo. Algo frio.

Ai, meu Deus!

Uma mão. A mão de Liz. Minha amiga Liz.

Os seus olhos estão arregalados para o teto. O teto ensanguentado.

Liz, minha amiga, o que fizeram com você?

O que fizeram com os seus cabelos recém-tingidos de laranja?

Tiraram o cabelo da minha amiga. Tiraram a sua vida!

Meu Deus, monstros mataram a minha amiga de cabelos laranja!

Eu não quero ver! Quero fechar os olhos!

Corro. Corro deste mundo. Ele não é meu.

– Socorro! – Grito. – Socorro! Minha amiga está ferida! – Ferida? Ela está morta. Tenho que acreditar. Tenho que tentar acreditar!

– Ei, porquinha, porquinha!

Meu Deus! Os irmãos gêmeos alemães... foram eles!

Eles estão vindo. Eu sou a porquinha. Eles vieram me buscar para o abate.

Tenho que lutar. Tenho que lutar pela minha amiga...

Tropeço para a frente. Tento seguir em frente, mas é impossível. Eles mataram minha amiga.

– Ei, porquinha, porquinha. Venha aqui. Temos um presentinho para você.

Eles batem nos armários com bastões. Sinto os meus ossos estralarem como os cadeados que voam para o auto. Não quero morrer!

O mais alto me alcança.

– Não! – Nunca imaginei acabar assim. Pensava em ataques cardíacos ou acidentes de carro, mas assassinato... Eles pelo menos pagariam? – Por favor, não...

– Vamos brincar, sua vaca! –

O bastão está nos meu peito. Sinto o meu coração preso pelo peso da arma.

Rezo para ser rápido.

Não vai doer.

Sou jogada de cara com uma porta que se abre e continuo rolando... rolando... água...

Caio dentro da piscina do ginásio.

Ai, meu Deus! Não sei nadar!

– Vamos, sua cadela! Nade! Nade!

Estou afundando... afundando...

Cabelos... fios laranja... roxos... uma cabeça... Ai, não! Não! Fred não! O meu par nas aulas de dança. Ele não! Não!

Estou engolindo água... estou engolindo os fios, a pele enrugada do meu amigo. De repente, tenho amigos.

O mal pula na piscina. Me puxa para o oxigênio e o terror.

Quero morrer!

– O que foi, baleia? Não está gostando de brincar com os amigos?

Eles são tão bonitos. A beleza costuma matar.

– Por quê?

A cabeça careca de Fred toca a minha perna. Como eles conseguem? Como eles conseguem matar? Eles vivem com isso ou escondem em algum lugar para dormirem? Eles dormem?

– Nós só queremos nos divertir!

O que está a minha direita encosta o bastão nas minhas pernas.

Não! Não! Não!

Isso é nojento. Quero vomitar!

– Ninguém nunca tocou você assim, não foi? – O da esquerda tira uma faca. Meu cabelo. Meu cabelo...

– Não... – tento afastar a madeira de mim... tento afastar as suas mãos imundas de sangue...

Sangue... a parede molhada... estou suja... imunda... podre...

– Fica quieta, sua porca!

O mais baixo pega os meus cachos – os cachos que minha mãe – fez e os cortam...

Sua mão, sua mão cheia de sangue, me puxa para o afundo. Nunca pensei chegar mais fundo. Estava no fundo do poço. Agora, estou no fundo da piscina.

Fecho os olhos...

A água entrando nos meus ouvidos...

Trinco os dentes... nada vai passar... enfim, vou começar uma dieta...

Outro cacho é cortado... jogado...

Não vou aguentar até o final...

Pego suas pernas e puxo para trás.

Eles caem.

Corro desengonçada para fora.

Não vou conseguir. Eles são mais rápidos.

Mas eu ao menos tentei.

– Sua vaca!

Chego ao gramado do colégio. Estou tão perto da civilização... deixei os meus amigos para trás... vou voltar um dia para buscá-los...

– Ai!

Um taco acertou minha cabeça. Estou sangrando, mas não vou parar. Não posso parar!

Consegui engolir a dor durante toda a minha vida, não vai ser mais difícil dessa vez.

– Sua puta!

Não escuto. Já atravessei o portão...

– Eu vou te colocar de quatro!

Não estou nem aí. Já atravessei a rua...

E o mundo pára. Para a mulher e o seu filho, para o senhor lendo o jornal, para o carro e um dos assassinos.

Eu vi o corpo do mais baixo voar pelo ar assim que o veículo o atingiu.

Me senti leve. Não queria chorar, mas o estrondo que sua cabeça fez quando bateu no asfalto, arrancou uma parte do terror dentro de mim.

Eu estou no chão. No chão da calçada, não no asfalto manchado de sangue...

Não são mais gêmeos.

Só resta um.


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