Frühling in Berlin escrita por Nina


Capítulo 1
1. Haifisch




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- Você viaja. Ainda essa semana.

Ouvir essa frase assim que entrei na sala dele me fez lembrar da máxima universal “nunca sabemos como será o dia assim que acordamos”. Era a minha terceira semana de trabalho na revista. Passei meses sem conseguir um emprego. Minto. Oportunidades surgiram, pós-formatura, mas nada se comparava a isso: trabalhar em uma revista de visibilidade nacional, conhecida por todos, na boca do povo, servindo de referência para inúmeras bandas de garagem, compositores em formação e intérpretes de barzinho em ascensão. Não que fosse exatamente a minha área.

Depois que a maior emissora televisiva de cultura jovem faliu, a minha geração e a atual precisaram de uma nova entidade educacional para idolatrar. Ok, temos o advento da internet, melhor qualificada para nos dar voz e vez,mas ainda me impressiona o fato de que as pessoas compram revistas. Sim, ainda acontece. E isso é muito bom, é o que mantém o meu salário fixo ao fim do mês. Embora eu saiba que, para a mídia, sempre há horizontes, sempre haverá exibicionismo e gente que se alimenta e depende disso. Pelo menos nesse século.

A questão é que sou ninguém aqui na Partitura. Não estou reclamando, afinal, tenho apenas três semanas. Meu trabalho se limita a servir café para o meu chefe e colegas. Às vezes olho pela janela e invento futuras matérias. Ainda não tivemos reunião de pauta, cheguei no meio do processo de uma nova edição. Querem que eu observe tudo e aprenda aos poucos aquilo que me foi ensinado na faculdade de Jornalismo e no estágio. Em outras palavras, devo resumir a experiência em: não tenho muito o que fazer aqui. Logo, foi com bastante surpresa que recebi essa notícia do Gregório, o editor-chefe.

- Mas Gregório…

- Você é alemã, não é?

Gregório possui uma característica ímpar e, ao mesmo tempo, completamente clichê: fala com qualquer pessoa, dentro do escritório, sem tirar os olhos de sua mesa e/ou computador - típica cena de filme norte-americano. Na ponta de seu nariz aquilino, moram óculos redondos que parecem ter séculos.

- Só porque eu tenho um nome, inspirado numa avó alemã, isso não significa que…

- Não importa, Liese. Até sexta você precisa dar o fora. Você vai para Berlim.

- Como assim Berlim?!

- Veja isso.

Gregório virou para mim o monitor. O que havia ali era, no mínimo, inesperado. Um site de notícias anunciava a separação de uma renomada banda com duas décadas de sucesso entre público e crítica, uma grande perda para o heavy metal mundial.

Por quase dez segundos, não consegui expressar absolutamente nada. Pisquei os olhos de nervoso, levei a mão esquerda até a boca, mas lembrei que deixei a oncofagia de lado desde que consegui o emprego. Limpei o dedo na calça jeans. Gregório, sempre impaciente, falou por mim.

- Soubemos esta manhã, logo cedo. Antes de você chegar.

- Com certeza é um trote - afirmei. - Um boato que surgiu em alguma rede social, sem sombra de dúvida…

-Não.-Elemeinterrompeu. Um hábito, eu diria - Para não causar confusão, os integrantes gravaram um vídeo de cinco minutos, explicando os motivos. Bem, o vocalista vai iniciar carreira solo, o que é ridículo, olha só para ele, já passou dos cinquenta! Um guitarrista continuará com o seu projeto paralelo e o restante, certamente, cairá no ostracismo.

- Tá de brincadeira!

Me virei e, imediatamente, roí as unhas sem perceber. Quando me dei conta, fiquei de perfil para o Gregório e enrolei uma mecha do meu cabelo.

- Você sabe, - ele começou - esse pessoal é muito arredio. São eficientes, gostam de rapidez. Conseguir algo mais sobe isso não será fácil para a maioria.Todos aqui estão com funções urgentes para fechar essa edição. Não é uma edição qualquer, é nosso aniversário de dez anos, o primeiro sem a WTV. As vendas cresceram muito nos últimos meses, por isso estou contratando pessoal e…

- Eu já sei, eu já sei…

Sim, eu sabia. Faz bastante tempo que conheço o Gregório. Quando a minha irmã mais velha tornou-se publicitária, foi ele quem lhe deu um emprego no marketing da então semi-falida WTV. Gregório é um quarentão bossa-novista. Também é inexplicável que ele conheça tanto de pop internacional e tenha mais paciência para esse tipo de conteúdo do que uma adolescente de catorze anos ouvindo Backstreet Boys no quarto. Meus tropeços recentes em vida adulta mostraram-me que as pessoas tem uma personalidade na vida social e um comportamento completamente diferente no ambiente profissional. Gregório não foi o primeiro a me ensinar isso, mas é um forte exemplo atualmente.

Aqueles caras foram o primeiro exemplo. No palco, seis grandes figuras quase adversárias. Assistindo entrevistas, making-of’s e constatando a espontaneidade deles, vi que eram uma família. Seis homens comuns, mas também havia um destino em comum: serem ídolos. Ídolos de toda uma geração, ídolos originais. Artistas, não celebridades. Gente que cria, expande e inspira. Era inacreditável que estivessem se separando.

- Então Liese, Liese! - Gregório, olhando para mim, me fez voltar à realidade. - Eu sei que você gosta da banda. Eu li seus textos. Preciso que você vá até Berlim, já consegui uma entrevista com o vocalista…

- Oquê?! O que disse?! - Precisei sentar, pois acreditava menos no que ouvia naquele instante do que na notícia veiculada em toda a mídia.

- Eusei, Liese, controle-se e ouça. Me ouça com atenção. - Ele olhou nos meus olhos para ter certeza de que eu estava atenta. - Você fala muito bem o inglês e conhece alemão, logo, com a redação atarefada, não há escolha melhor no momento, moça de sorte. Você pega o avião na sexta. Se prepare, são quase quinze horas de vôo, mas com escala. A escala será em Londres. Evite perder tempo, quero você logo em Berlim. A entrevista será na segunda, logo no início da tarde, te passo o nome do hotel depois, deve estar aqui em algum lugar… - Enquanto ele falava e folheava os diversos papéis sob a mesa, eu assentia. - Fique atenta ao fuso horário. Para a sua sorte, é primavera lá, não vai morrer de frio, não tanto quanto se imagina, acredito… Você está bem, Liese?

Eu estava pálida, olhei meu reflexo no vidro da janela. Pálida. Olhos abertos, esbugalhados. Lábios secos.

- Sim, sim, estou… ótima.

- Maravilha. - Ele voltou sua atenção para o computador. Continuei sentada, rígida, embora encostada. Meus dedos batiam no braço da cadeira, eu mordiscava o canto do lábio inferior, meus olhos se fixavam em algum ponto no chão, mas sem enxergar o que quer que estivesse ali. A sujeira próxima ao carpete, talvez? Devaneei. E Gregório me pegou de surpresa novamente: - Foi um amigo.

- O quê? - Perguntei.

- Você deve estar se perguntando sobre como consegui essa entrevista. Eu tenho um amigo de longa data na imprensa germânica. Ele conhece o vocalista. Posso dizer, com convicção: quem tem amigos, tem tudo.

- E você pode ir agora, Liese.

Levantei-me bruscamente, quase derrubei a luminária no aparador lateral.

- Ah, sim, óbvio. - Já estava na porta quando me lembrei: - Gregório…

- Sim… - Uma vez enclausurado em seu trabalho, era difícil fazê-lo voltar a atenção para qualquer outra coisa.

- Muito obrigada.

Mas então ele levantou a cabeça e finalmente ajeitou os óculos.

- De nada, Liese.


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