Xena Warrior Princess: Season 7 escrita por Lady Anne


Capítulo 3
7x02 - Consequences


Notas iniciais do capítulo

Tinham tudo para ter um passeio calmo e tranquilo, mas como nada na vida dessas duas guerreiras é um mar de rosas, é claro que não foi assim que aconteceu.
De repente, Xena e Gabrielle dão de cara com uma garota que gosta muito de dar chutes em rostos, e, para piorar, algo na aldeia próxima das Amazonas está muito errado. Não poderia ficar pior, certo? Errado.
Parece que o organismo de Xena não aceitou tão bem a volta repentina do mundo dos mortos, e agora está mostrando reações... Não muito boas.



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Uma brisa suave colava o cabelo de Xena em seu rosto enquanto caminhava. De onde estava podia ver as águas claras do mar Egeu refletirem o brilho do Sol da manhã. Gabrielle estava ao seu lado, observando alguma coisa na floresta à direita. Não estavam muito longe da praia, andariam mais dez metros à esquerda e chegariam a um penhasco, depois vinham as areias claras e então o mar, onde na linha do horizonte se misturava com o azul do céu claro sem nuvens.

Tudo parecia novo e ao mesmo tempo comum para Xena. Há uma semana estava morta, revivendo suas piores lembranças no Inferno, e agora estava viva outra vez. Gabrielle havia devolvido seu chakram, que voltara para sua cintura – onde era seu lugar. Ela estava diferente, percebeu Xena; não fisicamente - apesar de estar novamente com o cabelo cumprido -, mas por dentro, como se tivesse amadurecido no ultimo ano, vivenciado novas experiências que a teriam mudado intimamente.

Quando Miguel apareceu na cabana da Madame T. causou um alvoroço nas duas. ‘’Vocês duas têm trabalho a fazer’’ foi o que ele disse, para simplesmente desaparecer logo em seguida. Soltou uma bomba e nem ficou para ver o estrago causado. Depois disso Gabrielle não soube fazer outra coisa além de perguntar a Xena sobre suas lembranças do Inferno, coisa que Xena não fez por pura e simples falta de vontade de contar sobre sua experiência no outro lado; isso era algo que queria esquecer o quanto antes possível.

Xena colocou uma mecha de cabelo esvoaçante atrás da orelha e puxou mais um pouco as rédeas de Argo ll (até que elas encontrassem outro cavalo as duas estavam revezando na montaria), avançando em direção à floresta. Era uma parte um pouco escura, a posição das folhas nas árvores dificultava a penetração dos raios solares, o caminho se tornou mais estreito e linear, diferente do caminho tortuoso e inclinado em que estavam antes. Estavam cercadas por árvores dos dois lados, e por plantas de pequeno porte que cercavam essas árvores, preenchendo os espaços vazios que restavam.

Então Gabrielle se virou para Xena, nervosa, porém, determinada.

— Xena – Começou. – Eu preciso mesmo saber, vamos, me conte só uma vez. Gabrielle a olhava com a mesma cara que uma criança faz quando pede algo a mãe sabendo que ela não vai deixar, mas, mesmo assim, não perde as esperanças.

— Gabrielle... – Xena disse, em tom de alerta. Iria começar tudo de novo. As duas iriam discutir o dia inteiro e no final do dia nenhuma iria conseguir o que queria.

— Por favooooor – Continuou Gabrielle com uma voz melosa. Xena bufou. Essa espertinha pensa que consegue alguma coisa com isso, eu morri, não fiquei estúpida, pensou Xena. – Eu te ajudei com sua alergia ontem, o mínimo que você pode fazer é me contar alguma coisa, só uma coisinha.

Xena olhou para Gabrielle intrigada. – Não era uma alergia! – Disse, tocando o braço onde agora havia pequenas bolinhas vermelhas. Tinha percebido isso ontem, ao ver várias regiões do seu corpo com pontinhos vermelhos. Gabrielle havia feito uma pasta com ervas que diminuiu a coceira, por um tempo, mas hoje parecia haver mais deles, e estavam em todo o lugar: pernas, braços, barriga. As botas cobriam até o joelho e a armadura cobria a barriga, o único problema eram seus braços. – É só uma coceira. Já, já vai passar.

— Vai nessa. – Gabrielle respondeu em tom de deboche. – Isso está com cara de ser catapora. Você mesmo disse que nunca havia pegado catapora, e todo mundo pega catapora na vida, então...

— Então nada – Xena cortou Gabrielle. Ela havia ignorado essas pestinhas de bolinhas vermelhas a manhã inteira, mas agora elas voltaram a coçar. – Olha só isso, Gabrielle – Disse gesticulando com a cabeça enquanto coçava o braço incansavelmente. – Foi só você falar que elas começaram a incomodar outra vez.

Gabrielle abriu a boca para responder, mas foi interrompida por um barulho no pico das árvores - um chacoalhar de folhas secas. Xena parou imediatamente, com Argo ll relinchando com a parada súbita, e seguiu o olhar de Gabrielle em cima delas. Nenhum sinal de vida, apenas os galhos das árvores se movendo com o vento, se chocando umas com as outras. As duas deram mais alguns passos lentamente quando ouviram um grito – uma tentativa falha de um grito de guerra. Alguém surgiu por entre as árvores e veio até elas com três mortais seguidos, aterrissando no chão e pulando em cima de Gabrielle, que deu um passo para trás, mas não foi o suficiente. Tudo que Xena viu foi um punhado de couro sobre um corpo um pouco menor do que Gabrielle – apesar de que tamanho não vale muito quando se tá deitado – pulando em cima da loira.

As duas garotas caíram no chão, e saíram rolando, até que Gabrielle conseguiu chutar a garota com os pés unidos e joga-la para cima, a qual deu um mortal duplo no ar e aterrissou perfeitamente em frente a ela, um sorriso convencido dançando no rosto. Eu vou socar essa pestinha, pensou Gabrielle enquanto se levantava as pressas. A garota girou e direcionou seu olhar para Xena, que já havia soltado a rédea de Argo ll e estava com a espada na mão. A menina tinha uma dúzia de pedras nas duas mãos – que havia tirado de só os deuses sabem de onde – mirou e jogou-as em Xena, que desviou todas com a lâmina da espada, enquanto Gabrielle havia pegado o par de sais e atirou-os em direção a menina, que desviou com facilidade e, dando uma risada alta, deu impulso para cima – junto com mais um mortal feito com perfeição – e sumiu em meio às árvores.

Respirando fundo e audível, Gabrielle andou até onde seus dois punhais estavam cravados no chão e os puxou com força, limpando-os logo em seguida.

— Pelos Deuses – Disse, com os olhos atentos a qualquer movimento em cima das árvores. – O que foi isso?

— Era só uma garota – Xena respondeu. Havia guardado a espada, e estava com o chakram na mão; o que fez Gabrielle se perguntar o que ela estava tramando. – E era boa na parte dos mortais, mas claro que você percebeu isso, não é? – Disse, e ouviu Gabrielle bufar em resposta. Xena então andou até parar onde a garota misteriosa havia estado alguns segundos atrás. Estava com os olhos fechados, atenta a qualquer ruído ao seu redor. Então, abriu os olhos e lançou o chakram para cima. O chakram subiu cortando o ar, e voltou segundos depois, junto com o barulho de alguém gritando e caindo pesadamente no chão. Xena recolheu o chakram e o prendeu em sua cintura, sorrindo enquanto a garota, ainda caída toda desarrumada, a olhava com raiva.

Enquanto Xena puxava a garota com força do chão pelo braço e a empurrava contra o tronco de uma árvore, Gabrielle foi até Argo ll e tirou uma corda da cela, entregando à Xena.

Como tinha anos e anos de prática, Xena usou toda a corda em questão de segundos.

— Isso machuca – Disse a garota enquanto Xena terminava de dar o último nó – nas mãos e envolta dos braços – na corda e a passava no tronco da árvore. ­

— Bom – Xena disse. Ela deu dois passos para trás e cruzou os braços sobre o peito, encarando a garota com um ar de superioridade. – Deveria ter pensado nisso antes de nos atacar feito uma louca.

Agora que não estavam mais tentando se matar, Xena pôde analisar a menina com mais atenção. Ter pensando que ela era só um pouco menor do que Gabrielle foi um erro terrível – ela era bem mais baixa do que isso. Deveria ter, no máximo, 15 anos. Vestia um top preto de couro, com mangas curtas e mal recortado na barra, a barriga seguia descoberta até encontrar o cós da calça, onde se encontrava um cinto preto e simples a segurando. O tecido seguia justo nas pernas da menina, até encontrar o começo da bota – também preta – de couro, já desgastada. Usava um colar simples, com algo pequeno pendurado. Tinha os cabelos castanhos, liso, uma franja cobrindo a testa. A combinação de sua franja com o rosto pequeno dava-lhe um ar de inocência. Ela parecia uma versão morena de Gabrielle, pensou Xena, quando a conheceu.

Gabrielle apontou a ponta de seu sai em direção à garota, que encarou a lâmina próxima a seu rosto e engoliu em seco.

— Agora – Gabrielle disse, com um quê de mau humor em sua voz. – Vai nos contar porque nos atacou.

A Garota, que antes olhava temerosa para o sai apontado em sua direção, desviou o olhar e encarou Gabrielle com um sorriso de escárnio começando a se formar. – O quê foi? – Disse. – Ficou nervosinha porque eu te ataquei, foi?

— Responda a pergunta – Xena mandou.

A menina bufou, tentando em vão mexer os braços.

— Eu respondo. – Disse. – Só se me soltarem.

— Eu acho que não. – Gabrielle respondeu.

— Bom – Começou, revirando os olhos. – Eu ataquei vocês porque estavam pedindo por isso. – Disse casualmente. – Digamos que eu não goste que imitem minhas heroínas. Quando eu vi vocês duas assim, não resisti.

— Você... O quê? – Gabrielle disse. Ela relaxou o braço, totalmente confusa com o que ouviu.

— Você por acaso é surda? Pronto, já disse o que vocês queriam. – A Garota disse; então se virou em direção a Xena. – Pode me soltar agora?

— Como assim? Imitando quem? – Xena perguntou, ignorando totalmente o que a garota disse. Seus olhos fixos em seu rosto.

A Menina suspirou alto, murmurando algo como ‘’Zeus, dê-me paciência’’.

— Xena, a Princesa Guerreira, e Gabrielle, a Poetisa de Batalhas... – Disse com a voz enrolada. – Falem sério, vocês duas são lerdas.

Ao ouvir aquilo, Xena começou a rir. Gabrielle também a acompanhou, enquanto a garota as encarava como se fossem duas malucas. Gabrielle até guardou seu sai, e Xena descruzou os braços, relaxando sua postura ereta.

— Terminaram? – A garota perguntou, entediada.

Xena pôs a mão sobre o abdômen, conseguindo controlar o riso, mas ainda mantinha um sorriso divertido no rosto.

— Então, você... – Começou.

— Roxane. – A garota respondeu. – Meu nome é Roxane.

— Roxane... – Xena disse em tom divertido. Esticou o braço e desamarrou as cordas em volta da garota. – Acho que hoje é seu dia de sorte.

Roxane encarou-a confusa. Estava tensa, como se esperasse um ataque das duas mulheres a qualquer momento.

Gabrielle se aproximou das duas, ainda mantinha um sorriso no rosto. Xena então gesticulou para ela e a para a loira ao seu lado. – Xena, a Princesa Guerreira, e Gabrielle, a Poetisa de Batalhas. – Disse, imitando o que Roxane dissera.

Roxane ficou imóvel por alguns segundos, absorvendo tudo aquilo, então começou a gargalhar alto.

— Claro que são. – Disse. – E eu sou a Afrodite.

— Estamos dizendo a verdade. – Gabrielle disse.

— Então provem.

Gabrielle virou-se de costas e colocou o longo cabelo sobre os ombros, mostrando suas costas e, consequentemente, o dragão enorme enfeitado.

— Quantas pessoas você acha que teriam essa mesma tatuagem? – Disse e se virou, cobrindo o dragão com o cabelo.

Roxane estreitou os olhos e se virou para Xena. – E você?

Xena deu de ombros e deu impulso para cima, fazendo um mortal junto com seu grito de guerra. Aterrissou no chão e sorriu casualmente.

Roxane, que antes as encarava com descrença, arregalou os olhos e deu um gritinho, correndo para abraçar as duas – mantendo cada braço em volta de uma. Xena e Gabrielle ficaram imóveis, parecendo duas estátuas, enquanto a garota as apertava e suspirava de alegria.

— Então, tudo bem. – Xena disse enquanto afastava a garota com o braço. – Acho que já está boa essa coisa toda de abraço.

— Me desculpem. – Roxane disse. Respirava alto e rapidamente, como se estivesse correndo há horas, apesar de não ter andado nem dois metros para abraça-las. – É que eu nem acredito que vocês estão aqui mesmo! Quer dizer, eu cresci ouvindo suas histórias e passava horas... Espere! – Roxane estreitou os olhos e encarou Xena, confusa. – Você não estava morta?

Xena sorriu desconfortável. – Na verdade, eu estava sim. – Respondeu. – Mas é uma longa história.

Roxane sorriu. É claro que não havia entendido nada, mas resolveu não tocar mais no assunto.

— Roxane, o que faz aqui sozinha? – Gabrielle perguntou, olhando em sua volta como se estivesse tentando enfatizar o fato dela estar mesmo sozinha na mata. – Onde estão os seus pais?

O sorriso de Roxane se desfez no mesmo instante. De repente não era mais aquela garota corajosa que as havia atacado agora pouco, nem a garota alegre por conhecer as heroínas de quem sempre ouvira falar.

— Os meus pais... – Começou tensa, os olhos grudados em seus pés e a cabeça cabisbaixa. – Eles estão mortos.

Gabrielle quis voltar no tempo e não ter feito essa pergunta, mas como não podia, tocou o queixo da garota com a mão e ergueu sua cabeça, olhando-a com um sorriso sincero. – Desculpe. Eu sinto muito.

Roxane fungou de leve, então estava recomposta de novo, como se nada tivesse acontecido. – Está tudo bem. Estou me acostumando a ficar sem eles, eu preciso.

— Então você está aqui sozinha? – Xena perguntou, quebrando o silêncio que ficara entre elas.

— Sim... Não. Quer dizer, eu não sei ao certo. – Respondeu. – Sempre quis ser uma amazona, então quando minha cidade foi atacada e meus pais se foram, resolvi ir atrás delas, mas não me aceitaram. Eu sei que, como eu não sou filha de uma amazona e nem recebi o direito de casta, não sou a melhor qualificada para a aldeia; eu até implorei a elas, mas não me ouviram. Disseram estar muito ocupadas para perderem tempo comigo. – Abaixou a cabeça e olhou para suas roupas. – Eu até precisei roubar minha roupa. Para comer e ter onde dormir eu me viro.

— Não sabia que havia uma aldeia amazona perto daqui. – Gabrielle disse com a voz baixa, mais para si mesma.

— Existe sim. – Roxane disse. – Não é exatamente perto daqui, mas conseguimos chegar lá em um dia.

— Ótimo. – Xena foi até Argo ll, que até então apenas olhava parado toda aquela situação, e puxou as rédeas do cavalo, conduzindo-o para onde elas estavam antes. – Porque vamos até lá, e você – apontou o dedo para Roxane – será nossa guia.

Roxane abriu um sorriso maior do que o próprio rosto, então deu um pulo e montou nas costas da Argo ll. Gabrielle olhou estranha, mas não disse nada, deu de ombros e foi para o lado do cavalo, onde Xena estava.

— Amazonas em novos territórios. – Gabrielle disse. – Isso é muito estranho, não acha? Será que as amazonas estão com problemas?

— Não faço ideia. – Xena respondeu. Enquanto caminhavam, a floresta parecia acolhê-las ainda mais. O Sol já estava um pouco mais forte, a área onde estavam estava mais iluminada – ainda que os galhos atrapalhassem um pouco os raios solares. – Vamos descobrir quando chegarmos lá.

Roxane, que estava em cima do cavalo, então começou a passar a mão pelo braço, à procura de algo ali, então virou o rosto para Xena, examinando-a. – Eu não vou pegar catapora só porque eu te abracei, vou?

— Eu não estou com catapora!

Gabrielle chegou mais perto do ouvido de Roxane:

— Ela está na fase de negação – Sussurrou.

Xena virou o rosto na mesma hora, e encarou Gabrielle com os olhos cerrados. – Eu não estou em negação porque eu não tenho nada para negar! E eu não tenho catapora. – Falou entredentes, já passando a mão pelo braço para começar a coçar as bolinhas impertinentes que ali estavam.

Roxane olhou para Gabrielle, que a olhou na mesma hora. As duas riram baixo e voltaram sua atenção para a estrada. Fizeram uma curva para a direita e seguiram para a aldeia das amazonas.

*******

Já estavam caminhando há horas. O Sol estava mais fraco, não deveria faltar muito para ele se pôr. Durante todo o trajeto, não encontraram dificuldade, apenas dois planaltos, os quais passaram facilmente com Argo ll. O caminho fora seguro, nenhuma armadilha ou emboscada; o solo ainda estendia-se plano diante delas. O único problema eram as árvores, a cada passo que davam parecia que a mata as cobria ainda mais, como se as estivessem protegendo de algum mal lá fora.

Roxane não parou de falar nem por um segundo. Sempre tinha histórias de como lutava - e vencia - com seus amigos onde morava, algum fato engraçado que sabia ou então, dava sua opinião sobre as lutas e batalhas que as duas guerreiras haviam participado, no passado. Definitivamente se parecia com Gabrielle quando Xena a conhecera, sempre tagarela, sonhando alto, e com uma história atrás da outra para contar.

— E teve aquela vez quando íamos roubar comida do templo de Ares. – Roxane suspirou em deleite, colocando as duas mãos sobre o coração e beliscando o lábio inferior com os dentes. – Ares... – Disse dengosa – Eu tenho uma queda por ele desde que eu me conheço por gente. Ele é tão lindo, sexy, incrivelmente sexy, perfeito, e aquele couro, aquela espada, é tão... Tão...

— Incrivelmente sexy? – Sugeriu Gabrielle num tom divertido ao repetir o que a garota havia dito.

Roxane balançou as cabeças exageradamente, várias vezes, concordando. Xena olhou para as duas e revirou os olhos, voltando sua atenção para a estrada.

Roxane a olhou com os olhos brilhando.

— Sinceramente, Xena. – Disse. – Eu não sei como você conseguia resistir. Eu jamais faria isso, ele é tão...

— Sim, sim, ele é tão incrivelmente sexy, nossa... – Xena completou, sua voz carregada de sarcasmo.

Roxane abriu a boca para responder, mas foi calada com o som agudo de vários gritos de guerra em uníssono.

Desceram todas aos montes, pousando como gotas de chuva se chocando contra o chão. Ostentavam máscaras feitas com penas coloridas em forma de cabeças de animais – pássaros, em geral. Vestiam todas as roupas praticamente iguais: vestidos curtos de couro, sem alça, com um cinto adornado com dentes e ossos na cintura. Suas botas eram envolvidas com várias cordas que mais pareciam pedaços de carne.

Gabrielle conseguiu contar dez amazonas ao todo. Seis delas estavam no chão, mirando suas lâminas em direção às três mulheres; as outras quatro ainda se penduravam sob as árvores, seus arcos todos prontos para atirar no menor sinal de ataque. Algumas eram mais baixas do que as outras, Gabrielle observou, assim como Roxane.

Xena e Gabrielle pararam de andar no mesmo instante, enquanto Roxane descia das costas do cavalo e ficava ao lado das duas. As três ergueram os braços sobre a cabeça e uniram as mãos – o símbolo de paz das amazonas.

A mais alta das amazonas – e a que estava mais próxima de Xena – retirou a máscara e as encarou, desfazendo a posição de ataque. Tinha os cabelos castanhos e ondulados que passavam o ombro, olhos incrivelmente castanhos e um rosto longo e magro, as maçãs do rosto bastante proeminentes.

— Vocês conhecem o símbolo de paz das amazonas. – Ela disse. Sua expressão um tanto curiosa. – Quem são vocês?

As três desfizeram o símbolo com as mãos. Gabrielle foi a primeira a responder.

—Sou Gabrielle. E Elas são Xena – gesticulou para a mulher ao seu lado – e Roxane – apontou para a garota do outro lado. – Uma amiga nossa.

— Gabrielle. – A amazona disse, quase como se já a conhecesse há anos. – A Rainha Amazona. – Completou sorrindo. Parecia que mesmo depois de tanto tempo longe delas, Gabrielle ainda possuía algumas fãs. Ela inclinou a cabeça levemente em direção a Gabrielle; um sinal de respeito. – É uma honra conhecê-la. Sou Falyse.

— É um prazer conhecê-la também, Falyse. – Gabrielle respondeu.

As amazonas que ainda estavam no tronco das árvores guardaram seus arcos e desceram pelas cordas suspensas em direção ao chão; pousaram e se juntaram as outras – que já não estavam mais em posição de ataque, apenas aguardavam paradas novas instruções.

Os olhos de Falyse foram de Gabrielle até Xena, que a encarava indiferente.

— Xena, a Princesa Guerreira. – Ela disse em tom decorado. – Ouvi dizer que estava morta.

— Também ouvi isso. – Xena respondeu divertida. – Mas sou mais difícil do que parece.

Falyse riu e fez um sinal com os dedos; todas as amazonas levantaram suas máscaras, revelando suas faces sérias e seus olhos carregados de determinação. Outra amazona – com os cabelos escuros e o rosto rechonchudo - se desvencilhou das outras e andou até ficar lado a lado com Falyse. Estava de frente com Xena e Gabrielle, mas seus olhos não estavam direcionados a elas, e sim, à Roxane.

— Depois do que Eulália disse a você – a garota disse, sua voz era seca e cortante – achei que nunca mais a veria. O que pensa que está fazendo aqui?

— Thyia, já chega. – Falyse mandou. A menina recuou um pouco, mas não parou de encarar Roxane com um sorriso falso, seus olhos perfurando a garota.

Roxane, que até então havia ficado de cabeça baixa, ergueu os olhos devolvendo o olhar de Thyia. Parecia estar reunindo todas as suas forças emocionais para fazer aquilo, o que fez Xena se perguntar o que as amazonas haviam feito com ela.

— Quem é Eulália? – Gabrielle perguntou.

— Ela é nossa rainha. – Falyse respondeu. – Aliás, espero que não se importem, mas teremos que levá-las até ela.

— Claro que não. Nosso plano era mesmo encontrarmos vocês. – Gabrielle disse.

— Ótimo. – Falyse disse. – Sigam-me. Ela se virou e começou a andar, com mais cinco amazonas ao seu lado.

Thyia ainda encarava as três, parecia que iria ficar o dia inteiro fazendo isso se pudesse. Finalmente voltou seu olhar para Roxane, que havia voltado a montar o cavalo.

— Eulália vai comer você viva quando chegarmos. Parecia estar imaginando a cena, e caso acontecesse mesmo, ela estaria na primeira fileira do espetáculo.

— Veremos. – Xena disse desafiadora, puxando as rédeas de Argo ll e seguindo Eulália e as outras. Thyia apenas deu de ombros, mal se importando com ela, e correu para acompanhar as amazonas mais à frente.

*******

— Então... – Xena começou – O que me pode dizer sobre essa tal de Eulália?

— Que estaríamos todas mortas se não fosse por ela. – Falyse respondeu.

Estavam caminhando por entre a mata não fazia nem dez minutos, cercadas por nada mais do que verde e mais verde. Xena olhou por detrás de seu ombro, e avistou Gabrielle e Roxane rodeadas pelas outras amazonas. Roxane ainda estava nas costas de Argo ll, os ombros baixos e o olhar fixo em todas as amazonas, quase como que as venerando; todas exceto uma: Thyia. A amazonas em particular ainda mantinha a pose firme de superior e indiferente a todos. Gabrielle puxava as rédeas. Seu olhar atento a qualquer movimento de Roxane, como se quisesse proteger a menina de qualquer mal que a atacasse. Xena estava se perguntando o que Roxane teria feito para ganhar essa preocupação de Gabrielle. Será que a loira se via dentro daquela garota, assim como Xena viu?

Xena desviou o olhar e encarou Falyse, que caminhava tranquila ao seu lado.

— O que quer dizer? – Perguntou.

— Há dois anos nossa antiga aldeia foi atacada. Ninguém soube como aconteceu, apenas aconteceu. – Falyse disse com pesar em sua voz. Seu olhar se tornou mais sério. – O exército que nos atacou nos superava em número, estratégia e inteligência. Apenas as mais jovens, como eu e as outras, e crianças conseguiram sobreviver. Estávamos perdidas, sem casa, sem família e sem honra. Eulália foi quem no ajudou a reconstruir nossa nova vida. E considerando a situação dela, ninguém esperava que fosse capaz de fazer isso. Ela é uma verdadeira heroína.

— Qual era a condição dela naquela época? – Xena perguntou.

Passaram por uma espécie de entrada – ou saída – natural feita pelas próprias folhas, e saíram da mata fechada. A mudança de visual afetou seus olhos, e Xena teve que piscar algumas vezes para desfazer a irritação. Agora estavam numa área muito mais iluminada. O caminho era quase reto, cercado por pequenas plantas dos dois lados, decorando a passagem. Ao redor era uma imensa área de vegetação rasteira, que se seguia até encontrar mais mata fechada. No meio dessa enorme área descoberta estava a aldeia das amazonas. Xena já conseguia ver a entrada dali, o arco majestoso adornado com armas.

— Eulália havia acabado de se tornar uma amazona. – Falyse respondeu. – Quase um ano antes havíamos a encontrado perdida na floresta, então a recolhemos e a treinamos. Ela se tornou uma grande amazona. Mesmo assim, não é todo dia que se vê uma novata controlando a situação.

Gabrielle havia se juntado a Xena e Falyse, com Roxane montada no cavalo logo atrás. Havia duas amazonas guardando a entrada – uma de cada lado –, armadas cada uma com uma lança. Elas lançaram um aceno com a cabeça ao verem Falyse e voltaram a suas posições. Xena passou pelo arco e entrou na aldeia – seguida por Falyse e Gabrielle. Logo veio uma amazona e pegou as rédeas de Argo ll e a levou – provavelmente – para o estábulo, obrigando Roxane a desmontar e seguir as três mulheres a pé. As outras amazonas estavam logo atrás delas, e, após entrarem, cada uma se dispersou para um canto.

A aldeia era formada por, no máximo, trinta cabanas unidas lado a lado de modo a formarem uma figura circular. As três mulheres caminharam pelo chão de terra batida, enquanto Gabrielle observava as moradias. Eram todas barracas feitas de palha ou com pedaços de madeira. Eram todas cabanas pequenas ou médias, com o teto reto ou decaído para frente. No meio da aldeia estava algo em torno de vinte amazonas treinando. Lutavam lutas imaginárias com espadas, lanças, machados e adagas. Outras estavam em dupla lutando corpo a corpo, ou até treinando saltos e defesa. Pararam para olhar Xena e Gabrielle quando estas passaram perto, mas logo voltaram ao treinamento.

Falyse continuava a caminhar em direção a cabana mais longe, a única que possuía o telhado arredondado, de palha e com três degraus na entrada, com uma amazona armada de cada lado. A cabana da rainha, pensou Gabrielle.

Falyse chegou até a cabana, subiu os degraus e entrou. Passaram-se alguns segundos e ela saiu, convidando Xena, Gabrielle e Roxane para entrarem. Do mesmo jeito que era simples por fora a cabana era simples por dentro. Possuía apenas um conjunto de armas – espadas, arcos, bastões, lanças e machados – numa estrutura de madeira na parede esquerda, uma cama simples e pequena no canto direito e uma mesa grande com uma cadeira no centro. Uma amazona estava sentada na cadeira. Ela fincava uma adaga na mesa e a retirava para, logo em seguida, finca-la novamente. Ela parecia estar pensando longe quando Falyse entrou na cabana e se posicionou em sua frente – fazendo uma reverência logo em seguida –, por isso, piscou para sair do transe e se levantou, jogando o corpo para frente e se apoiando com as duas mãos na mesa. Era tão alta quanto Xena. Vestia um top de couro com alças que se enlaçavam em seu pescoço formando um X sobre o peito, uma saia curta e justa de couro adornada com um cinto feito de ossos, sua bota – igual a que todas as outras usavam – vinha até abaixo do joelho, e usava braceletes que pareciam pedaços de tecido rasgados. Seu cabelo loiro e liso estava desarrumado sobre os ombros, emoldurando o rosto longo e sério que encarava Xena, Gabrielle e Roxane de cima a baixo. Não era exatamente bonita, mas algo em seus olhos verdes e a forma de suas sobrancelhas combinando com sua expressão sempre séria e firme a tornava interessante de se olhar.

— Minha rainha – Disse Falyse. – A encontramos na floresta. Acho que gostaria de conhecê-las melhor. – E apontou para as três mulheres atrás dela.

Eulália contornou a mesa e parou em frente às três. Seus olhos foram direto em Roxane, que, ao perceber, se encolheu atrás de Gabrielle. Percebendo a intimidação, a barda pôs um braço na frente de Roxane e encarou Eulália da mesma forma – ameaçadora e fatal. O olhar da rainha amazona então parou em Xena, que, Gabrielle percebeu, estava se segurando ao máximo para não voltar a coçar o braço. Ela precisava mesmo dar um jeito naquilo.

— Obrigada, Falyse. – Eulália disse. – Pode se retirar. Quero ter um momento á sós com elas.

Dito aquilo, Falyse lançou um olhar de pena em direção a Roxane, assentiu com a cabeça e saiu.

Estando as quatro sozinhas, Eulália deu meia volta e voltou a se sentar na cadeira, pegou novamente a adaga e começou a gira-la por entre os dedos.

— Falyse disse que queriam me encontrar. – Disse. – Por quê?

Gabrielle tomou a frente do trio, passando por uma Xena neurótica coçando os braços e a cabeça freneticamente.

— Soubemos que estavam com problemas, então viemos ajudar. – Esticou o braço para trás e puxou Roxane para si. – E também queremos insistir que aceitem Roxane como uma de vocês.

Eulália parou o que estava fazendo e encarou a menina entre os braços da barda, um sorriso de escárnio começando a se formar. A rainha amazona apontou então a ponta da adaga para ambas, fazendo um muxoxo com a língua. A adaga era simples, percebeu Gabrielle, com exceção do cabo, adornado com uma rosa espetada por várias flechas.

— Roxane... – Eulália sorria para a garota, um sorriso tão falso que Gabrielle sentiu ânsia de vomito ao ver aquilo. – Você era tão tagarela da outra vez que nos encontramos, e acho que sei por que não pronunciou uma só palavra até agora. – Havia parado de sorrir, mas mantinha o olhar cortante sobre Roxane, como se quisesse arrancar a pele da menina com o poder da mente. – Sei que não fui das mais amigáveis quando nos conhecemos. Não estava muito receptiva aquele dia. Meus berros devem tê-la assustada.

— Então vai torna-la uma amazona?

— Não, mas como vocês duas a trouxeram aqui e não estão com cara de quem vão embora cedo, têm minha permissão para treiná-la. Ao final do treinamento, eu decido se ela fica ou vai embora. O que acham?

Aquilo estava longe de ser uma oferta amigável, e Gabrielle sabia disso, mas resolveu ignorar por enquanto. Não valia a pena brigar por isso agora, ainda mais quando estava curiosa para saber qual o problema que as amazonas estavam enfrentando no exato momento. Concordou com a cabeça, devolvendo o sorriso para ela.

— Parece bom, por enquanto. Mas e sobre o problema que vocês estão tendo? Há alguma coisa em que possamos ajudar? – Olhou para Xena, que estava mais preocupada em coçar suas bolinhas vermelhas do que na conversa em si. – Ou talvez eu possa ajudar, apenas.

— Então souberam do nosso probleminha. – A voz da rainha amazona mostrava que não estava muito feliz de terem espalhado a notícia, quem quer que fosse.

— Não exatamente. – Gabrielle respondeu.

Eulália respirou fundo, levantou da cadeira e olhou para suas armas penduradas como se fossem a coisa mais interessante de se olhar no planeta. Parecia a todo custo estar evitando falar sobre aquilo. Finalmente, olhou para Gabrielle e, para sua surpresa, estava com um semblante triste, como se por algum motivo tivesse um pouco de culpa em tudo aquilo e mais culpa ainda tinha por não ter feito nada. Gabrielle não podia fazer nada além de olhar surpresa para a mulher em sua frente e esperar pela história.

— Já foram oito até agora. Eles vêm à noite, de madrugada ou até mesmo no meio da tarde. A cada vez eles roubam uma de nossas irmãs. Uma de cada vez. Dias se passam e roubam outra. É o mesmo padrão como da outra vez que nossa antiga aldeia foi destruída. Não posso deixar isso acontecer com elas de novo. Não posso e não vou. Eu as salvei da outra vez, posso salvar de novo.

— Como da outra vez? – Gabrielle estava um pouco perdida na história.

— Falyse me contou. – Disse Xena. Parecia que sua coceira havia cessado temporariamente, e voltara a prestar atenção na conversa. – Vocês foram atacadas há quase dois anos. O mesmo padrão dos ataques recentes. Roubavam uma por uma, até sobrarem as mais indefesas. Destruíram sua antiga aldeia, mataram suas irmãs. Você, Eulália, as ajudou a reconstruírem suas vidas depois disso. Falyse disse que você foi uma verdadeira heroína para elas.

Eulália parecia estar agradecendo Xena silenciosamente com os olhos.

— E o que vocês fizeram? – Gabrielle perguntou.

— Nada. O que podemos fazer? Eles não montam acampamentos, estão sempre a cavalo. Não seria louca de separar as amazonas em grupos menores e mandar saírem sem rumo á procura das desaparecidas, seria suicídio.

— Estamos aqui agora. Faremos o possível para ajuda-las. Não é Xena?

— Ah, claro. – Xena voltara a coçar os braços. Gabrielle percebeu que precisava dar um jeito naquilo imediatamente.

— Falyse conhece muito bem remédios para praticamente tudo. Ela a ajudará com essa coceira. – Disse Eulália; até ela havia percebido que tinha alguma coisa errada. – Ela também mostrará sua nova cabana, ficarão nela durante o tempo que passarem aqui. É melhor se apressarem, o Sol irá se pôr logo.

*******

Havia um espelho adjacente à cama – cama a qual Xena se encontrava dormindo. Gabrielle encarava seu reflexo com certa estranheza. Quando Falyse havia aparecido em sua nova cabana trazendo sua nova roupa Gabrielle sorriu e agradeceu – estava ansiosa para se sentir como uma amazona novamente – (não que não se sentisse nas outras horas, mas havia lago de especial em vestir as roupas de uma). Agora podia perceber o quanto um ano longe das amazonas lhe fez falta. Não estava se sentindo mais uma amazona com aquelas roupas, mas sim uma estranha vestindo roupas de uma desconhecida – como quando recebeu o direito de casta, teve que vestir roupas de uma estranha, aprender costumes que eram estranhos para ela, agira como todos queriam que ela agisse.

Terminou de colocar o cinto e se abaixou para arrumar seus sais no par de botas em seus pés, o cabelo caindo sobre os olhos e tampando sua bochecha. Acabou por vestir um top simples de couro com alças finas, emoldurando seus seios, a saia de couro ia um pouco acima do meio das coxas, justa e com pregas presas que balançavam cada vez que andava.

Xena sussurrou alguma coisa que Gabrielle não conseguiu ouvir muito bem e se virou na cama, puxando ainda mais o cobertor sobre si. Falyse havia passado uma espécie de pasta rosa nas bolinhas vermelhas no corpo da amiga, e, aparentemente, havia funcionado. A sopa que Xena tomou logo em seguida à fez capotar em cima da cama, não despertando nem quando Roxane derrubou o espelho no chão enquanto o trazia para a cabana. A rachadura era bem visível na parte inferior do objeto.

Gabrielle olhou rapidamente para fora da cabana e só o que viu foi escuridão e tochas acessas, chamuscando quando uma corrente de ar passava por entre as chamas.

Esperou duas amazonas de guarda passarem em sua frente e correu para trás da cabana da rainha e mais um pouco, entrando na floresta que cercava a aldeia. Já fazia três horas que havia escurecido, as únicas amazonas acordadas eram as que estavam de guarda, revezando de hora em hora; para Gabrielle, que sabia como essas rondas funcionavam, foi fácil passar por elas e seguir seu caminho.

Entrar na floresta foi fácil, o difícil foi andar sem tropeçar nas raízes das árvores. Em meios a alguns leves arranhões nos braços e alguns tropeços por descuido, Gabrielle entrou mais ainda na floresta até encontrar uma árvore que considerou boa para ficar, subiu sem dificuldade até chegar à altura desejada. Escalou até um tronco que julgou forte e resistente e sentou-se, enticando e cruzando a perna para se acomodar melhor. A noite estava serena, a lua brilhava maravilhosamente no céu, lançando uma luminescência azulada sobre as árvores, dando um tom de mistério por onde ela passava. Escondida em meio às folhas que a camuflavam – e estando há, pelo menos, dez metros do chão – Gabrielle pôde sentir, agora calmamente, o ambiente intoxicante que a selva exalava. O cheiro das folhas, o vento se chocando contra suas pernas, o canto de algumas aves teimosas demais para estarem acordadas até tarde, o ar quente e ao mesmo tempo reconfortante invadindo suas narinas e dançando por entre seus fios de cabelo. Tudo era tão...

Ouviu um barulho ecoar abaixo dela, o som oco de alguém tropeçando em alguma raiz pertencente á árvore na qual estava. Olhou rapidamente para onde ouvira o barulho e avistou Roxane retirando o pé esquerdo de uma raiz enlaçada na outra. Estava com um cobertor sobre os ombros, e sorriu ao ver que Gabrielle a observava. Andou até ficar rente à base da árvore e sorriu novamente para a loira acima dela.

— Posso subir até aí e ficar com você? – Berrou, em alto e bom som. Ótimo, pensou Gabrielle, por que não grita mais alto? Acho que alguém ainda não te ouviu. Gabrielle, então, revirou os olhos e levou o dedo indicador até os lábios, fazendo um sinal de silêncio. Visto aquilo – e, aparentemente, percebido o que havia feito – Roxane deu um sorrisinho amarelo e começou a escalar o tronco.

A mesma facilidade que a garota tinha para dar mortais com perfeição no ar tinha para escalar árvores, e fez Gabrielle se perguntar com quem – e quando – ela teria adquirido tal habilidade. Fazendo o mesmo caminho que Gabrielle, a garota a alcançou em questão de segundos. Gabrielle descruzou as pernas e se moveu para o lado para Roxane conseguir se sentar.

— Onde você estava até agora? – Gabrielle sussurrou enquanto Roxane terminava de se acomodar ao seu lado. – Eu estava ficando preocupada.

— Se estava mesmo preocupada deveria ter ido atrás de mim e não ter vindo aqui.

— Você me entendeu.

Roxane deu um risinho – Estava com Falyse. Ela estava me mostrando todas as armas que ela tem. Disse até que eu podia ficar com uma delas. – Completou sorridente.

— Ah... E as amazonas são legais com você como Falyse? Quero dizer, no geral? – Não queria tocar num assunto delicado como esse, mas precisava saber. Por alguma razão – que Gabrielle tinha suas suspeitas – a loira havia se apegado a menina, e estava odiando vê-la sofrer por causa das amazonas.

— Elas são sim. –Roxane respondeu cordialmente. – Quer dizer, a maioria. Aquelas que são mais ligadas à Eulália, claro, me odeiam.

— Mais ligadas à Eulália?

— Elas são suas favoritas. Sempre têm preferência.

— E Falyse não é uma das favoritas da rainha?

— Ela é, mas não se comporta como as outras. Ela é... Diferente. Consegue entender?

— Claro que sim. – Gabrielle afirmou com um sorriso compreensivo. – Só quero que me responda uma coisa: as amazonas não... Machucaram você? Certo?

Roxane se aquietou de repente, comprimindo os lábios e puxando mais o cobertor para si. A noite não estava fria para ela precisar de um cobertor, mas ela parecia tão à vontade com ele que Gabrielle nem tocou no assunto. Virou a cabeça para frente e encarou a lua, tão profundamente que parecia estar refletindo sobre o que estava prestes a responder. A luz azulada corria por entre seus cabelos e serpenteava em seus olhos, parecia mais menina do que nunca agora.

— Nunca me socaram nem ameaçaram. Quer dizer, Thyia já fez isso várias vezes, mas é só isso, ameaças vazias. – Se virou para Gabrielle e retraiu os lábios. A voz chorosa ameaçando fugir por entre os dentes. – Mas foram as palavras dela. Socos e ameaças amedrontam, mas não doem mais do que palavras.

— Eulália? O que ela disse a você? – Podia jurar que se Eulália aparecesse em sua frente agora mesmo a socaria até a junta de seus dedos sangrarem – e, provavelmente, não se importaria e continuaria mesmo assim.

— Quando eu disse que meu sonho era ser uma amazona ela... – Roxane parou, fungou o nariz e fechou os olhos, como se estivesse expulsando pensamentos maldosos de sua mente. Então respirou fundo, a voz soando pesada, carregando dor, magoa e lamentos. – Ela zombou de mim. Disse que eu nunca poderia sequer sonhar em ser uma amazona, que essa vida não era para mim. Disse que guerreiras já nascem com o dom, e não aprendem a ser quem são com o tempo. Ela... Destruiu meus sonhos.

Gabrielle respirou fundo enquanto absorvia tudo que acabara de ouvir. Delicadamente, pôs seu braço em volta de Roxane, e foi como passar por um portal: o enjoo repentino, seu corpo sendo sugado do chão, a sensação de vazio preenchendo vazio. Era como se tivesse vivenciado tudo aquilo, feito parte do ocorrido. Podia ver essas cenas claramente em sua memória, como se sempre estivessem estado lá: Eulália humilhando Roxane, a jogando contra o chão, zombando da menina. Podia sentir o sangue fervendo como se tivesse magma em suas veias.

Roxane se aproximou, repousando sua cabeça na intersecção do pescoço e a clavícula de Gabrielle. A loira permaneceu imóvel, sentindo sua pele umedecer-se com pequenas lágrimas que caiam e escorriam por seu corpo, levando consigo tudo que não queria mais. Apertou mais o braço que segurava a garota.

— Ela está errada. – Afirmou Gabrielle, quebrando o silêncio que havia se instalado entre elas. – Eulália, quero dizer. Algumas pessoas nascem, sim, com esse dom, mas há outras que o ganham com o passar do tempo. Eu, por exemplo, sou a prova disso. Aos quinze anos, jamais imaginaria que conseguiria segurar uma espada na mão sem derruba-la e machucar meu pé. – Confessou, e sentiu o peito de Roxane vibrar enquanto ria silenciosamente. – E quanto a ser amazona, eu também não nasci assim, apenas me tornei uma pelo...

— Pelo direito de casta que recebeu da princesa Terreis, irmã da rainha das amazonas, Melosa. – Completou Roxane, a voz sem mais nenhum vestígio de que havia chorado segundos atrás. – Já sei disso. A história de como se tornou uma amazona é uma das minhas preferidas.

— E pelo que Xena me contou – Continuou Gabrielle – Eulália nem sempre foi uma amazona. Qual a moral que ela tem para dizer isso agora?

— Mas é diferente. – Defendeu Roxane. Gabrielle pôde perceber que ela já estava recuperada. Até sorria enquanto falava. – Ninguém a ensinou a lutar, Eulália já sabia quando a encontraram. Tudo que fizeram foi ensiná-la os costumes, e nada mais.

— O problema é dela, porque nós vamos começar o seu treinamento em combate amanhã. – Gabrielle disse. Roxane levantou a cabeça e a encarou, os olhos arregalado em êxtase. – Eu falei sério hoje. Vou torna-la uma amazona, Roxane, assim como eu. – Terminou e sentiu os braços de Roxane a apertando, enquanto a menina repousava sua cabeça onde estava antes. Podia sentir o sorriso da garota mesmo não conseguindo ver seu rosto totalmente do ângulo em que estavam. E ficaram as duas ali, Gabrielle com um abraço em volta de Roxane, e Roxane com sua cabeça apoiada no pescoço de Gabrielle.

De repente, Gabrielle notou uma movimentação no seu lado esquerdo. Sem fazer um único movimento brusco, virou a cabeça e se concentrou onde seus olhos haviam visto algo se mexer. Abaixo dela, entre a junção de troncos de árvores e pequenas plantas, Gabrielle pôde perceber, ao se concentrar totalmente, um leve brilho prateado escondido nas sombras. O brilho se moveu ligeiramente, junto com a folhagem, depois se aquietou novamente. Seria o brilho de uma armadura? Uma lâmina, talvez?

— Hmm... – Sussurrou Gabrielle para Roxane, se desvencilhando da garota logo em seguida. – Não saia daqui. Eu volto já.

Roxane não se opôs, apenas a encarou com seus olhos castanhos fazendo uma careta enquanto Gabrielle descia da árvore em que estava da mesma forma como subiu – decidida.

A guerreira aterrissou no chão com um pulo ágil – quase como que um gato faria ao descer de um lugar alto. Esticou seus braços em direção á suas botas e puxou seu par de sais, posicionando-os, cada um, na extremidade inferior de seu antebraço.

Olhou novamente na direção onde, ainda a pouco, havia visto o brilho ofuscado. Nada. Era como se tivesse evaporado com a aproximação dela. Ironicamente, no exato momento, Gabrielle avistou o brilho novamente, já estava distante, desaparecendo e aparecendo conforme passava por áreas mais e menos iluminadas pela Lua. Colocou-se a correr.

Talvez fosse o cansaço ou o receio de correr em disparada durante a noite, mas o brilho misterioso começou a desacelerar em meio às trevas da floresta, o que deixou Gabrielle curiosa. Subitamente, Gabrielle parou, seus pés fincando na terra com a parada repentina, cerrou os olhos para melhor concentração e posicionou seus braços em sua frente, a ponta de seus sais brilhando perigosamente na escuridão. Mirou e lançou. As lâminas cortaram o ar com um brilho prateado e fincaram na outra direção, distante de onde a loira se encontrava. Tudo que Gabrielle conseguiu ouvir foi o barulho de duas pontas se chocando contra o carvalho, seguido de um rasgo de tecido. Rapidamente, correu até onde havia deixado suas amiguinhas, e viu: o pedaço escarlate pendurado entre o tronco de uma árvore e lâmina fincada nele. Puxou com um das mãos as duas lâminas e as guardou nas laterais de suas botas, analisando a peça colorida logo em seguida. Era um tecido fino, simples, um pouco menor do que sua mão; deveria fazer parte da manga de uma blusa.

Olhou ao redor e não havia mais nenhum sinal de que alguém estivesse passado por lá, o ambiente voltara a ficar ameno. Gabrielle bufou.

— Droga. – Disse.

Como não havia mais nada a se fazer, a loira deu meia-volta até chegar ao carvalho onde Roxane a esperava com os braços cruzados sobre o peito e um olhar indignado.

— Você saiu correndo no meio do mato e nem trouxe alguém com você? Achei que tinha alguém nos seguindo.

Gabrielle olhou-a confusa.

— Está zangada porque ninguém nos atacou?

Roxane pareceu pensar sobre aquilo por um segundo, depois sorriu em desculpa.

— Só achei que seria legal ver você lutando contra alguém aqui, agora, no escuro e tal.

— Não. Não seria. – Gabrielle retrucou. – Venha. Já está tarde e amanhã precisamos acordar cedo.

Roxane concordou com a cabeça e se juntou a ela, e as duas iniciaram seu caminho para a aldeia, a lua as iluminando a cada passo que davam.

*******

O cajado rodopiou duas vezes no ar e desabou pesadamente no chão; mas não antes de se chocar contra a testa e o pé da garota, ao mesmo tempo.

Roxane levou a mão direita na testa e gemeu de dor – já havia se cansado de chacoalhar os pés para afastar ardência que se instalava li, não passava mesmo. Levantou a cabeça e olhou de cara feia para a guerreira a sua frente. Gabrielle continuava com um braço apoiado na cintura enquanto o outro segurava um cajado. Ela balançava a cabeça enquanto suspirava como se quisesse dizer: “Eu avisei”.

— Não começa. – Alertou Roxane. Recuperou o cajado e começou a maneja-lo entre os dedos outra vez, como Gabrielle a havia ensinado. Eram movimentos simples. Passamentos da arma de uma mão para a outra, desviar e bloquear ataques diretos, além de conseguir manter o cajado – em movimento – em cima de sua cabeça e nas laterais de seu corpo. Era como uma dança. Uma dança na qual Gabrielle seria a estrela da peça, enquanto Roxane interpretaria o cenário ao fundo, invisível, livre de possíveis constrangimentos.

Estavam treinando em frente à cabana já há algum tempo. A manhã estava fresca, e carregava o cheiro de carne assada do café da manhã. Xena ainda dormia pacificamente, enrolada num mar de cobertores, o que era um tanto anormal para seus padrões de horário, mas Gabrielle não estava preocupada. Sabia que quanto mais a amiga descansasse, melhor estaria quando acordasse. Havia dormido pouco aquela noite. Parte pelo estado de Xena, parte por tomar conta de Roxane e parte por se preocupar tanto com a situação critica das amazonas. Diferente de Roxane, que havia acordado tão animada para seu treino, porém, sua animação de desfez a partir do momento que começou a levar cajadadas na cara. De vez em quando, uma ou outra amazona passa por elas e soltava frases como ‘’Observem meninas, o projeto ‘’Quero ser amazona’’’’, ‘’Você terá trabalho com essa aí’’ ou até mesmo ‘’Nossas crianças de três anos lutam melhor do que isso’’, mas Roxane fingia que nem escutava, e Gabrielle tentava fazer o mesmo, embora pudesse sentir o olhar feroz de Eulália sobre elas a todo instante.

Roxane sentiu seus dedos se enroscarem no cabo de madeira, em seguida, uma dor forte na cintura e ouviu o cajado cair novamente no chão. Respirou fundo e encarou Gabrielle, os olhos implorando para que ela visse o óbvio.

— Desisto. Estou cansada de ficar toda dolorida. – Nem se deu o trabalho de se abaixar e pegar o cajado novamente, apenas cruzou os braços sobre o peito e começou a bater um dos pés no chão, como pessoas impacientes fazem, só que esse não era seu caso.

Gabrielle se aproximou e pegou o cajado do chão, parando na menina revoltada em sua frente e a olhando compreensivamente.

— Também não foi fácil quando aprendi a manejar o cajado, levei várias cajadadas na cara, como você. – Gabrielle confessou, e em seguida estendeu o cajado para Roxane. – Mas não desisti, e aprendi com os meus erros. Fiquei tão feliz quando parei de me acertar sozinha.

Roxane deu risinho e aceitou o cajado.

— Tudo bem. – Começou a dar voltas com o cabo em volta de si mesma, mais confiante no ato. – Me ensine de novo aquele passo.

*******

Eulália não conseguia ver aquilo sem rir. Gabrielle gritando instruções de como manejar o cajado corretamente, e a garota estúpida só o derrubando no chão. De novo... De novo... E, que surpresa, de novo.

— Isso é patético. – Disse para ninguém em particular.

Estava recostada na entrada de sua cabana. Uma rainha observando seu reino sentada no trono. Correu o olhar pelo local, inspecionando tudo e todas. Avistou Thyia no fundo, ela treinava luta corpo a corpo junto com as outras, apesar de que ela estava, claramente, em vantagem. Ela sempre fora boa em lutas – principalmente frente a frente –, era fria e dura com seus oponentes, além de sempre ter um plano B para tudo, razão pela qual fora a primeira que Eulália se apegou. Com Falyse fora diferente. Ela era boa demais, solidaria demais, vivendo para obedecer a ordens e nunca questioná-las, sempre pensando nos outros e jamais nela, apenas. Era uma ótima guerreira – sem dúvida –, mas no quesito ‘’coragem’’, Falyse perdia para Thyia.

Procurou por Falyse até onde seus olhos alcançaram, e a avistou liderando um grupo de dez amazonas no canto esquerdo da aldeia. As amazonas formavam duplas enquanto lutavam com espadas. Avançavam, defendiam e atacavam até que se cansassem, para então se levantarem e reiniciarem a sequência de golpes. Falyse deu mais um comando e olhou na mesma direção de Eulália. A rainha amazona gesticulou com a cabeça para trás de si – para sua cabana – e entrou. Segundos depois Falyse apareceu.

— Está tudo bem, minha rainha?

— Eu não sei. – Disse Eulália. – Diga você. Porque emprestou seus dois bons cajados para aquelas duas treinarem?

Falyse se calou durante alguns segundos, escolhendo cuidadosamente suas próximas palavras. Eulália tinha consciência de que Falyse sabia sobre sua fácil perde de paciência. Ela não iria querer vê-la irritada, não hoje, pelo menos.

— Só quis ajuda-las. E já que Gabrielle disse que queria ensiná-la primeiro o manuseio do cajado, achei que não faria mal emprestar minhas armas de combate.

— Então você e Gabrielle são amiguinhas agora. – Acusou Eulália. – Peço desculpas pelo mal entendido. – Concluiu ironicamente.

— Foi para isso que me chamou? – Perguntou Falyse de cabeça baixa.

— Na verdade, não. – Eulália andou até estar frente a frente com Falyse e a olhou de cabeça erguida. – Quero que me diga o que disse para aquelas duas, Gabrielle e Xena, e, principalmente, o que disse sobre mim para elas?

— Nada importante. – Começou Falyse despreocupada. – Apenas as informei de nosso terrível situação, e sobre você eu não contei nada que as outras amazonas não saibam: de quando a encontraram perdida na mata, de como a treinaram e a tornaram uma de nós, e de como nos salvou. Isso é tudo.

Eulália parou por um segundo e considerou tudo que acabara de ouvir. Já tinha ouvido falar nas lendárias aventuras das duas guerreiras, de como lutaram batalhas épicas, sempre ajudando os oprimidos por toda a Grécia, e de como eram inteligentes a ponto de desafiarem os próprios deuses olímpicos. Elas não podiam ficar por muito tempo. Não, elas... Elas descobririam então tudo iria por água a baixo. Ali era o seu lar agora, e ninguém – principalmente duas estrangeiras – iria tirar isso dela, não depois de tudo pelo que passou para chegar até ali. Se elas descobrissem, se todas as suas irmãs descobrissem... Pelos deuses, ela seria morta, com toda a certeza seria morta, assim como...

Não. Não, não, não... Não podia pensar nela agora, ou então começaria a tremer.

Na época pareceu plausível tudo que fez por ela – tudo que foi obrigada a fazer por ela -, mas já não tinha tanta certeza.

Encarou Falyse, que a observava curiosa – provavelmente pela súbita falta de palavras da rainha. Falyse... Minha doce Falyse. Mesmo sendo bruta e, até mesmo, injusta com ela, sempre estaria lá, um apoio quando não se tem mais nada em que se apoiar.

— Eulália, você não está bem, está? – Perguntou a amazona, visivelmente preocupada.

Poderia contar com ela para tudo, tudo menos isso. Falyse, eu tenho um segredo e... Eu preciso te contar. Não sei por onde começar só... Perdoe-me.

Falyse...

As palavras estavam ali, só faltava-lhe a voz. Sua garganta estava travada, seus pensamentos batendo em sua cabeça como um pedaço de madeira. Qualquer uma que entrasse ali e a visse saberia que algo estava errado. Precisava concertar isso agora. Fechou os olhos com força e afastou as lembranças indesejadas, então balançou a cabeça para sair do transe. Estava tudo bem outra vez.

— Está tudo ótimo. – Respondeu com a voz mais confiante que pôde. Seu truque sempre fora esse: sua habilidade de mostrar autocontrole e confiança. – Pode ir.

Falyse hesitou, confusa com a mudança repentina de expressão. Por fim, assentiu com a cabeça e se foi.

Eulália caminhou até chegar à entrada da cabana e assumiu a forma como estava antes – recostada na parede. Tudo estava igual – as amazonas ainda treinavam umas com as outras, o Sol ainda brilhava no céu, aquecendo os corpos em movimento abaixo dele –, menos ela. Por fora ainda era a rainha confiante e poderosa que deixava todos acreditarem que conheciam, por dentro era uma bola de fogo de autodestruição, consumindo-se de dentro para fora.

*******

— Quando vou treinar com uma espada? – A voz de Roxane mostrava cansaço enquanto falava.

— Não será hoje. – Gabrielle parecia imune ao cansaço, mesmo com o Sol forte sobre sua cabeça. Talvez a resposta para isso seja que ela não estava fazendo esforço algum – pelo menos, não o esforço com que está acostumada a fazer todos os dias.

As duas lutavam agora. Ou melhor, Gabrielle atacava e Roxane tentava defender de todas as formas com o cajado. Depois que Roxane desistiu da derrota seu treinamento realmente começara a fluir. Primeiro, já conseguia fazer movimentos básicos com o cajado sem bater em si mesma, segundo, Gabrielle percebeu que seus reflexos eram muito bons, não eram como os de uma guerreira experiente – claro – mas eram melhores do que esperava ser, e terceiro, Roxane tinha uma facilidade de aprendizado nata, razão pela qual estavam treinando defesa e ataque agora mesmo.

—Por quê? – Roxane desviou de um ataque de Gabrielle feito por baixo, depois se esquivou de mais um. – Acha que não consigo?

— Sei que consegue – Gabrielle fez mais um ataque simples com o cajado, o qual Roxane conseguiu desviar com sucesso, mas não escapou do segundo – um movimento duplo vindo de Gabrielle. A garota tentou se apoiar no cajado em sua mão, mas não conseguiu ser tão rápida. Caiu de costas no chão. – Mas ainda não é a hora. – Gabrielle complementou, entendendo o braço em direção a Roxane, caída, com um pouco de terra nos joelhos, mãos e cabelos.

Roxane revirou os olhos para o que acabara de ouvir, então segurou o braço de Gabrielle e se levantou, sacudindo sua roupa e passando as mãos no cabelo para tirar a terra impertinente.

Gabrielle estava prestes a apontar mais um lugar sujo de terra quando ouviu um gemido baixo, que logo se estendeu até se tornar um lamento. Alguém gemia de dor.

‘’ Gabrielle. ’’

Gabrielle arregalou os olhos e virou em direção à cabana, de onde o som vinha.

Xena.

Pelos Deuses, o que acontecera a ela? Gabrielle pensou o pior. Largou o cajado onde estava e correu.

— Hei. – Gritou Roxane ao longe. – O que houve?

Gabrielle não respondeu, apenas correu até chegar à porta improvisada da cabana. Pela primeira vez, percebeu que estava ofegante, e suas mãos estavam formigando, mas ela sabia que não era por estar cansada – porque não estava -, nem por ter corrido ao Sol; era por ela, Gabrielle se preocupava com Xena mais do que com ela mesma.

No fim das contas, a cabana estava em perfeita ordem, tudo como deixara hoje de manhã, exceto Xena. Ela estava sentada na cama, sem os cobertores que a cobriam, com uma cara de desânimo.

Gabrielle soltou um peso que, até então, não havia percebido que segurava.

— Xena, você me assustou. Achei que tivesse acontecido alguma coisa.

Xena virou a cabeça ligeiramente e lançou um olhar de ‘’você só pode estar brincando comigo. ’’

— Não seja idiota, Gabrielle. É claro que aconteceu alguma coisa.

Confusa, Gabrielle franziu a testa. Não fazia sentido para ela, afinal, Xena estava bem – considerando que estar com bolinhas vermelhas por todo o corpo seja sinônimo de estar bem.

—O que houve, então? – Perguntou pacientemente. Com dois passos ficou ao lado de Xena e se sentou na cama. Agora que estava mais próxima a ela, Gabrielle pôde notar alguns problemas. Xena estava pálida, não como um fantasma, mas pálida. Seus olhos estavam cobertos por profundas olheiras arroxeadas e seu cabelo, bom, era como se não o lavasse há semanas. Suas bolinhas vermelhas estavam mais claras. Era como se a pasta que Falyse fez fosse a ambrósia milagrosa.

Xena franziu os lábios e bufou em derrota enquanto erguia seu braço direito em sua frente. Gabrielle estava quase perguntando o motivo de tudo aquilo quando ouviu um som de vidro quebrando. Deu um pulinho na cama e olhou assustada na direção do braço de Xena que se mantinha estendido.

— O que foi isso?

— Esse – Xena gesticulou em direção ao estalo, ou seja, seu braço. – é o problema. Eu estou toda estalando!

Gabrielle ficou sem palavras durante alguns segundos, apenas ficou lá, encarando Xena que mantinha em seu rosto uma expressão de irritação.

— Bem... Eu acho que...

— Minha cabeça estala – Continuou Xena, agora com a voz mais elevada. –, meu pescoço estala, meus braços estalam, minha perna estala! – Para provar que não estava mentindo, Xena esticou de repente a perna esquerda, para logo ouvir-se o barulho de ossos chocando-se entre si. Gabrielle pôs sua mão sobre seu joelho e fez uma cara de dor, o estalo pareceu ter vindo dela. – Procure Falyse para mim depois, Gabrielle, quero agradecê-la pessoalmente.

— Mas Xena – Insistiu Gabrielle –, não acho que Falyse tenha culpa nisso. Quero dizer... – Completou a loira ao ver o olhar zangado da amiga – Talvez não tenha sido a pasta que fez isso com você.

— Eu não sinto minha perna direita e meus dedos doem. – Reclamou Xena. – Acho que essa coisa de morrer e volta à vida não fez muito bem para o meu sistema imunológico.

Gabrielle riu com a afirmação. Segundos depois ouviu alguém se aproximando rapidamente, a respiração audível mesmo fora da cabana.

— Vocês ainda estão aqui! – Era Roxane na porta. Parecia assustada e ao mesmo tempo ansiosa. – Gabrielle, é melhor você ir lá fora.

— Por quê? Aconteceu alguma coisa.

— Sim. – Deu um longo suspiro. – Nós meio que estamos prestes a ser atacadas.

Gabrielle levantou subitamente da cama e agarrou Roxane pelo braço e a puxou para dentro.

— Fique aqui e tome conta de Xena.

— O quê? – Roxane exclamou no exato momento em que Xena disse ‘’ De jeito nenhum. ’’

— Roxane, não discuta comigo – Gabrielle já estava com seu par de sais nas mãos. Seu olhar foi de Roxane, em pânico, para Xena, encarando-a mortalmente.

— Se você acha que eu ficarei aqui enquanto você luta lá fora, está muito enganada. – Ela disse.

— Você mal consegue se levantar – Retrucou Gabrielle.

— Claro que eu... – Xena se apoiou com os dois braços na cama, ignorando os estalos mais do que audíveis no ato, mas logo escorregou e caiu novamente, bufando com a derrota. – Esquece.

Gabrielle estava saindo da cabana, todo o seu corpo já pronto para o combate, quando ouviu Xena a chamando. Virou e a encarou.

— Tenha cuidado. – Disse Xena.

— Eu sempre tenho. – Assegurou Gabrielle.

A loira trocou um rápido olhar com Roxane que já dizia tudo: ‘’Nem pense em sair daqui. ’’ Roxane assentiu em silêncio.

Gabrielle respirou fundo e saiu.

Lá fora, o Sol brilhava árduo, iluminando os corpos de guerreiras em movimento – de um lado para o outro – na aldeia. Em meio ao tumulto, só o que conseguia ouvir eram comandos berrados ao vento: ‘’Espadas, cajados, machados... ’’, ‘’Arqueiras, se preparem!’’, ‘’Quero todas em formação. Agora. ’’. Olhou na direção oposta e avistou Falyse, estava rodeada pelas garotas mais jovens, incitando-as a entrarem na cabana a sua frente e permanecerem ali. Gabrielle correu até ela com passos largos, trombando contra algumas amazonas que passavam na trajetória.

Falyse ergueu os olhos quando Gabrielle se aproximou, estava preocupada.

— Todas as crianças já estão a salvo. Onde está Roxane?

— Está com Xena na cabana. – Respondeu Gabrielle. – Ela ficará bem.

A amazona pareceu ter ficado mais tranquila, mas Gabrielle sabia que não estava. Mais um ataque. Mais de suas irmãs para serem raptadas. Era o pensamento de todas ali na aldeia, e sabia disso.

— Nossas guardas voltaram ainda a pouco avisando sobre as tropas. – Informou Falyse. Estava empunhando uma espada em cada mão, percebeu Gabrielle, seus punhos unidos ao cabo rudimentar de madeira. – Já devem estar muito próximos agora.

— Onde está Eulália?

Falyse correu os olhos rapidamente em sua volta, depois gesticulou com a cabeça atrás de Gabrielle, na direção oposta.

Gabrielle se virou, concentrando-se ao olhar perto da entrada da aldeia, e avistou uma cabeleira loura destacando-se entre as demais a sua volta. Eulália.

Correu o mais rápido que pôde. Tudo a sua volta parecia um redemoinho. Amazonas apareciam em sua direção de todos os lados, carregando espadas, flechas e machados. Diversas vezes teve que parar abruptamente para não colidir com alguém.

Eulália estava reunindo um grupo com trinta amazonas, todas empunhando uma ou duas espadas em cada mão. Ao se aproximar, Gabrielle percebeu que havia outro grupo de amazonas ao lado. Arqueiras. Sete delas, todas com a flecha já posta sobre o arco.

— Gabrielle. – Soltou Eulália, aliviada. – Que bom que está aqui. Nossas irmãs já estão quase todas em suas formações. Será ótimo ter você lutando conosco.

Naquele momento, mal parecia a rainha amazona que Gabrielle conhecera ao chegar à aldeia. A expressão de superioridade fora trocada por uma de preocupação, frustração e receio. Não se comportava mais como alguém diferente de todas, mas como igual. Gabrielle quase sentiu empatia por ela.

Eulália gesticulou com a cabeça para o grupo de guerreiras, e essas caminharam juntas até saírem dos limites da aldeia. No exato momento, outro grupo de amazonas tomou o lugar delas. Eulália verificou rapidamente se todas estavam armadas e em formação e deu a ordem de partida.

Falyse passou por elas liderando um grupo pequeno de amazonas. Eulália e Gabrielle as seguiram, deixando a aldeia para trás.

Gabrielle encarava ávida a floresta a sua frente, atenta a qualquer movimento suspeito. Ao seu lado, Eulália liderava as tropas, a mão inquieta sacando a espada.

Um silêncio prostrava entre elas. O silêncio antes de a batalha começar.

Sentiu suas mãos úmidas de suor. Mas não estava nervosa. Era o medo da derrota, medo de não conseguir proteger suas irmãs.

Olhou para Falyse, atrás de Eulália, confiante e destemida. Não estava nem um pouco com medo. Ao contrário. Estava com um sorriso no rosto, o tipo de sorriso de alguém que prefere a paz à guerra, mas se diverte quando é preciso lutar. Gabrielle sorriu sem mostrar os dentes e apertou mais forte as lâminas com a mão.

Então eles vieram.

Montavam cavalos negros, enormes e ferozes. As celas combinando com as armaduras negras e reluzentes dos soldados.

Há tempos Gabrielle não via essas mesmas feições. A expressão de quem esperou, durante muito tempo, seu prêmio, e agora havia ganhado. Estavam famintos de sangue.

Havia cerca de setenta soldados, todos armados com espadas ou lanças. As amazonas não estavam em desvantagem, mas também não sairiam vantajosas. Não eram simples guerreiros. Eram soldados treinados; Gabrielle percebeu pelo modo como se comportavam – organizados, seguindo uma hierarquia.

Um guerreiro – o primeiro na linha de batalha – chamou a atenção de Gabrielle. O guerreiro avançou com o cavalo e parou, tomando o comando do exército. Tudo que ela conseguia ver era o pouco do cabelo louro vazando pelas frestas do capacete. Os braços fortes e bronzeados se contrariam quando esse ergueu o braço e agarrou o capacete com a mão livre – o capacete voando e caindo a poucos metros diante dele.

Gabrielle quase deixou o queixo cair, e sentiu Eulália endurecer ao seu lado. ‘’Um parente distante de Apollo’’ seria a definição mais correta, na opinião dela. Os olhos dele rodearam toda a área e pararam em Gabrielle – ou em Eulália, ao seu lado, ela não tinha muita certeza –, dois rubis brilhando sobre o Sol. Ele sorriu – um sorriso malicioso, indiscreto e silencioso – e sacou a espada.

A batalha havia começado.

Os cavaleiros avançaram – seus cavalos relinchando enquanto pareciam soltar fogo pelas órbitas. Gabrielle ouviu as arqueiras, na linha de combate atrás de Falyse, prepararem suas flechas nos arcos e mirarem.

— Atirem! – Eulália gritou o comando.

As flechas cortaram o ar com um brilho fosco e acabaram por acertar alguns dos soldados na linha da frente. Os outros continuaram firmes, emitindo gritos animalescos de guerra.

As amazonas tiveram tempo para mais um ataque com flechas antes dos dois lados se colidirem. Gabrielle sentiu gotas respingarem em seu rosto e quando percebeu Eulália já estava distante dela, lutando junto de Falyse no outro lado. Passou as costas da mão no rosto, deixando-a suja com o sangue.

Gabrielle deu um pulo para o lado quando o primeiro soldado a alcançou. Com o cabo do sai ela prensou e puxou suas pernas, jogando-o no chão – o cavalo continuou correndo até sumir em meio a batalha. Com o guerreiro ainda no chão, Gabrielle ergueu a perna e o chutou bem na cabeça, fazendo o capacete voar pelos ares, revelando a cara feia e cheia de cicatrizes do homem. Rapidamente, ele se recompôs, levantando-se às pressas com a espada na mão. O guerreiro avançou em direção a ela com golpes pesados e desajeitados, os quais Gabrielle desviou com as lâminas, até que ele tentou um golpe mais abusivo e deu chance a ela de retirar sua espada com um giro e um chute. A espada rodopiou e caiu ao seu lado, no exato momento em que Gabrielle encerrou a luta com dois golpes precisos na garganta do soldado, o sangue jorrando enquanto ele caia no chão.

Instintivamente, virou-se e lançou seus dois sais em dois soldados que haviam acabado de desmontar de seus cavalos. Cada lâmina acertou o peito de um, derrubando-os com suas espadas ainda em mão. Gabrielle correu até onde estavam – acertando com um soco outro soldado no meio do caminho – e recolheu as lâminas, escarlates até o cabo.

Olhou em volta e, pela primeira vez, percebeu o redemoinho que aquilo havia se tornado. Aparentemente, todos os soldados já haviam descido dos cavalos e agora lutavam corpo a corpo com as amazonas. E elas aguentavam firmes, lutando com tudo que tinham enquanto as arqueiras trocavam seus arcos por espadas e lanças.

Secou uma gota de suor que escorria em sua testa com o antebraço e se lançou contra o primeiro guerreiro que avistou.

Apesar de estarem em campo aberto – e perto de uma floresta – o calor que se instalava nos corpos em ação era insuportável. E o Sol parecia não querer cooperar, quase como se chegasse mais perto da Terra a cada segundo que passava. Gabrielle podia sentir uma leve camada de suor cobrindo seu corpo, que se juntava em meio a gotas de sangue que respingavam em seu rosto, braços, tronco e pernas.

Outro guerreiro caiu em sua frente quando Gabrielle avistou Falyse, ela também estava nas mesmas condições que Gabrielle – suada, com respingos de sangue por todo o corpo –, mas contava com o apoio de outra amazona para dividirem o esforço. Enxergou mais a frente Eulália e o comandante do exército. Eles lutavam intensamente, quase como se um pressentisse o movimento do outro, algo estranho e curioso até.

Foi então que ouviu um grito perto de onde estava. Gabrielle se virou no mesmo instante, e viu. Uma amazona caída no chão, enquanto um soldado pairava sobre ela, apontando sua espada em sua direção.

Correu até alcançá-los, acertando um golpe na nuca do homem ao se aproximar. A amazona pareceu suspirar de alivio, recolheu seu machado caído no chão e levantou. A garota agradeceu, mas Gabrielle mal teve tempo de responder que a jovem amazona já estava se virando e atacando o soldado mais próximo.

De repente, algo estranho aconteceu.

Seguindo ordens que Gabrielle não vira de quem fora todos os soldados, repentinamente, cessaram a luta e retiraram-se.

E Gabrielle não era a única que estava confusa. Ela se virou em todas as suas direções e tudo o que viu fora as amazonas paradas, todas confusas, olhando incrédulas enquanto o exército dava meia-volta e se retirava – o pouco dos soldados que conseguiram encontrar seus cavalos, subiram neles e se foram galopando.

Um murmúrio deu vida e se espalhou rapidamente. Gabrielle entendia poucas palavras e suspiros enquanto passava por entre o campo de batalha. As amazonas que não estavam machucadas ajudavam a levantar as que estavam machucadas, ou caídas no chão.

Gabrielle passou por uma amazona com vários cortes na coxa e nos braços, estava deitada no chão enquanto outra amazona a ajudava a ficar em pé, quando viu Eulália se jogar, frustrada no chão ensanguentado. Aproximou-se, parando ao lado de Falyse, que encarava Eulália, com a cabeça abaixada, preocupada.

— O que houve? – Assustou-se com o quão pesada sua voz saiu. Seu peito ainda subia e descia ferozmente cada vez que respirava forte e rápido.

Fez se um silêncio entre elas, até que Falyse soltou um suspiro pesado e brusco. Deveria estar tão cansada quanto Gabrielle.

— Thyia. – Ela respondeu por fim. Havia um ar de preocupação em seu rosto, misturado com dor e frustração. – Eles a levaram.

*******

O cheiro de suor e sangue fresco alcançava até a entrada da aldeia, depois, para o alívio de todas, desaparecia sem deixar rastros.

A amazona apoiada nos ombros de Gabrielle estava bastante ferida, e gemia a cada passo que davam. Atrás delas haviam várias no mesmo estado: amazonas servindo de apoio para as feridas, uma ou outra precisando ser carregada. A sua frente, Gabrielle via Eulália – a uns cinco passos de distância – caminhar de cabeça baixa enquanto Falyse a acompanhava.

O caminho de volta foi feito em silêncio, apenas o barulho de passos rastejando no chão seco. O calor da batalha podia ter se cessado, mas o Sol ainda continuava a castigar, roubando cada gota de suor que restava.

Chegando à aldeia, Gabrielle direcionou a amazona ferida até uma das primeiras cabanas à direita, onde as mulheres feridas estavam sendo postas, descansando, para serem curadas. E foi quando quase caiu para trás.

Seus olhos estavam presos à figura a sua frente, ou melhor, as duas figuras a sua frente. Perto da entrada da cabana de Xena, Roxane estava parada, apontando uma lança para uma coisa caída em sua frente.

Gabrielle nem teve tempo de raciocinar e correu de encontro à menina. Ao se aproximar viu que não se tratava de uma coisa e sim de um menino. Ao considerar pelo tamanho, ele deveria ser da mesma idade Roxane, ou menos até. Tinha leves cicatrizes no rosto queimado pelo Sol, apesar da franja escura e espessa cobrir algumas perto dos olhos e bochecha, deduziu Gabrielle. O garoto estava descalço, vestindo uma calça de um tecido surrado e uma blusa vermelha que...

— Roxane, largue a lança.

Até então, a menina agarrava a lança com tanta força que as juntas de suas mãos estavam brancas, então deu um suspiro aliviada e soltou a lança no chão.

Gabrielle se ajoelhou perto do rosto do menino, que arregalou os olhos em pavor, e Gabrielle pôde ver que, parte do motivo de seu cabelo parecer tão espesso era a presença de um líquido vermelho escorrendo por sua têmpora. Sangue. Ela virou seu rosto em direção à Roxane, que observava tudo parada de braços cruzados sobre o peito.

— Você bateu nele? – Apesar da pergunta acusatória, havia um pouco de orgulho na voz de Gabrielle.

— Ele me assustou. – Defendeu-se Roxane.

Então Gabrielle puxou o tecido escarlate de dentro de sua bota e mostrou na frente do rosto do garoto, que engoliu em seco. Te peguei, pensou Gabrielle.

— Era você nos espionando naquela noite, não era? – Ela perguntou enquanto olhava discretamente para a manga do menino, toda rasgada.

Mas ele não teve nem a chance de formular uma resposta quando foi puxado violentamente do chão por um braço forte na gola da camisa.

Eulália agarrou o menino pelos ombros e aproximou seu rosto do dele e soltou um rugido baixo.

— Era uma armadilha todo esse tempo. – Disse Eulália entredentes, encarando perigosamente o menino. – Uma armadilha para raptarem Thyia e ainda desse pestinha nos espionar outra vez.

Gabrielle levantou-se rapidamente, preocupada com o que Eulália faria em seguida com o garoto.

— Eulália, eu acho melhor não...

— O que é isto? – Cortou Eulália, olhando para o tecido vermelho na mão de Gabrielle.

— Eu encontrei preso num tronco de uma árvore à noite. – Respondeu Gabrielle com um suspiro. – É dele.

— Ah, então agora você também esconde segredos de sua rainha. – Disse Eulália com a voz mais seca possível. – O que mais tem para compartilhar conosco, Gabrielle?

Por algum motivo, Gabrielle não gostou nem um pouco do modo que ela pronunciou seu nome.

— Nada. – Disse. – Nada importante.

A rainha amazona encarou-a durante alguns segundos, imóvel como uma estátua, até que soltou um riso baixo, sem mostrar os dentes. Só então Gabrielle soltou o ar que nem havia percebido que segurava.

— O garoto fica comigo. – Disse a rainha amazona, encarando todas de cima a baixo. – Que ninguém interrompa-me enquanto eu estiver com ele, ou sofrerá as consequências. – Terminou com a voz afiada como as lâminas forjadas por Hefesto, e Gabrielle podia jurar que a última frase havia sido direcionada estritamente a ela.

Eulália apertou o menino contra si e saiu do círculo amontoado de amazonas que havia se formando ao redor, arrastando o garoto para longe.

Gabrielle encarava sem foco toda aquela situação até que sentiu Roxane se aproximar. Gabrielle então se permitiu ser abraçada por ela, com a menina apoiando seu queixo na clavícula de Gabrielle.

— Sei que eu soquei o cara e tal – Disse Roxane com a voz baixa. – Mas agora eu estou com dó dele. Quero dizer, Eulália não saiu daqui com uma cara muito amigável.

Gabrielle não respondeu, mas concordava com ela. E ela precisava resolver aquilo.

*******

— Isso não está certo. – Disse Gabrielle pelo que parecia ser a milésima vez. – Isso não está nada certo. Ela não pode fazer isso, mesmo sendo a rainha. – Continuou, para ninguém em particular.

— Na verdade – Intrometeu-se Roxane. – É por ela ser rainha que ela pode, sim, fazer isso.

— Detesto dizer isso – Disse Xena – mas Roxane está certa.

Gabrielle bufou e virou-se para as duas morenas, jogando os braços para cima em irritação.

— Vocês beberam?

Ambas olharam para Gabrielle com uma cara de tédio, do tipo ‘’É sério que você está perguntando isso?’’

— Esquece. – Gabrielle deu mais uma volta pelo centro da cabana.

Xena ainda estava deitada em sua cama, a pele avermelhada, o cabelo todo embaraçado e coberta até a cintura por um cobertor leve. Roxane se encontrava em pé, ao lado dela na cama, os braços cruzados e mordendo os lábios nervosamente.

— O que você vai fazer agora? – Perguntou Roxane temerosa.

— Eu não sei. Eu não consigo pensar, eu... – Gabrielle começou a elevar o seu tom de voz quando percebeu e parou, levando as duas mãos em direção ao seu rosto. – Eu só sei que tenho que parar Eulália.

— Você fala como se ela estivesse matando o garoto. – Disse Xena – Relaxe.

Gabrielle retirou as mãos dos olhos e encarou a amiga com os olhos fumegantes, e podia jurar que se Xena não estivesse nesse estado que está ela, a esganava com as mãos no pescoço.

— Relaxar? Relaxar, Xena? – Gabrielle não pôde se conter. Faltava muito pouco para ela não gritar. – Você, absolutamente, não está na sua melhor. Foi essa sopa que Falyse te deu. – E apontou para a tigela vazia encostada ao lado da cama, no chão. – Daqui a pouco você está delirando.

— Não fale bobagens. Eu... – Xena começou a dizer, mas foi interrompida por um bocejo, e mais outro, e mais outro. – Eu só... – E caiu exausta no amontoado de cobertores.

Roxane abaixou-se e pegou a tigela, levando-a até o nariz e cheirando.

— O que será que tinha nessa sopa?

— Acho melhor você não cheirar isso. – Disse Gabrielle, e Roxane pôs a tigela no chão e se afastou. – E você – Ela apontou para a menina com o dedo indicador – fique quieta e cuide dela. Eu já volto.

Gabrielle nem esperou para ver a reação de Roxane e saiu da cabana. Lá fora, a visão de tudo estava um borrão, sua mente estava concentrada na cabana ao lado da de Eulália, onde ela sabia que a rainha e o garoto estavam.

Duas amazonas guardavam a entrada, e logo quando Gabrielle as viu soube que teria problemas.

Ao se aproximar e parar em frente a elas, as garotas encararam Gabrielle e a receberam com poucas palavras.

— Você não pode entrar. – Disseram em uníssono.

— Mas eu preciso falar com Eulália. É urgente. – Na verdade, eu quero soca-la com todas as forças, pensou Gabrielle, mas ‘’falar’’ serve.

— Que parte de ‘’não pode entrar’’ você não entendeu? – Disse a mais alta das duas, ao lado esquerdo de Gabrielle.

Para não iniciar uma discussão logo ali, Gabrielle revirou os olhos e deu meia-volta, e seguiu em direção à entrada da aldeia.

Ao chegar à primeira cabana, perto do arco de entrada, Gabrielle pôde ouvir algumas amazonas gemendo de dor enquanto recebiam curativos; o leve cheiro de sangue rodeando o local. Ela se esgueirou por entre as duas cabanas ali, a fim de andar ao redor da aldeia sem ser notada por amazonas de guarda. E correu.

A cabana de Eulália era longe da entrada da aldeia, portanto, Gabrielle correu o mais rápido que pôde no começo, até que começou a se aproximar, então diminuiu o passo. Quando chegou à parte inferior da cabana, Gabrielle já andava normalmente, tomando cuidado para não pisar em nenhuma folha ou graveto no chão que fizesse barulho. Ela se agachou ao lado da parede – metade de palha e metade de madeira – e ficou em silêncio. Ser descoberta logo ali era tudo que Gabrielle não precisava naquele momento.

No início, era como se ninguém estivesse dentro da cabana, mas então ela os ouviu. Passos ecoavam lá dentro, secos como o som de um machado cortando uma árvore. Então pequenos murmúrios começaram a se formar – vindos do garoto, concluiu Gabrielle.

Os passos de repente pararam, e deram lugar a uma sucessão de socos; Gabrielle pôde perceber o que eram pelo som oco que ouvia. Enquanto o som seco só aumentava pequenos gemidos de dor penetravam pelos ouvidos de Gabrielle, a fazendo tremer de raiva por dentro. Quem Eulália pensa que era para socar alguém indefeso? Tudo bem que era aliado do inimigo, mas era uma criança afinal de contas.

Os socos sessaram, e finalmente alguém disse alguma coisa.

— Eu vou perguntar pela ultima vez agora. – Gabrielle ouviu Eulália dizer, a voz tensa e séria. – Onde está a amazona que vocês raptaram?

Nada do garoto responder.

— ONDE ELA ESTÁ? – Eulália berrou, mas então mudou o tom para um sussurro quase inexistente. – Não me obrigue a te bater mais ainda, e sabe que eu posso. Agora, me diga onde Adrion está levando as amazonas raptadas. Eu sei que você sabe.

Gabrielle prendeu a respiração. Adrion? Não, ninguém sabia o nome dos soldados, e, principalmente, o nome do comandante deles. Falyse teria dito se soubessem, então... Em nome de Zeus, como Eulália sabia?

Já não aguentava mais. Ela sairia dali, daria a volta e entraria na cabana de Eulália, encurralaria a rainha na parede e exigiria respostas; estava prestes a fazer isso quando ouviu o garoto se manifestar pela primeira vez.

Primeiro foi uma tosse seca, do tipo que machuca a garganta, que depois deu início a um engasgo fraco. Foi assim por alguns instantes até que o garoto começou finalmente a falar. A voz fraca e enroscada.

— Eu... – Gabrielle teve que se concentrar muito para conseguir ouvi-lo. Pela dificuldade em falar, concluiu que ele estivesse com a boca toda cortada e machucada. Ela apertou o punho. – Eu falo, eu... Sei onde está... – tossiu mais três vezes – o acampamento de... Adrion.

— Onde está? – Gabrielle ouviu Eulália perguntar. Então ouviu o som de três passos e alguém agachando no chão. É claro. Ele iria sussurrar no ouvido dela, o menino mal conseguia falar uma frase sem engasgar. E foi exatamente o que ele fez. Depois, ouviu alguém rir em silêncio.

— Excelente. – Eulália disse. Maldição, pensou Gabrielle. Ela daria tudo para ter ouvido o que o garoto havia dito.

Mais passos ecoando até diminuírem e sumirem. Eulália havia deixado o recinto. Gabrielle suspirou, aliviada por poder se mexer novamente, e se levantou. Era hora de agir.

*******

Quando Gabrielle entrou na cabana, Falyse estava ajoelhada no chão, terminando o curativo na perna de uma guerreira deitada. Ela ergueu a cabeça e acenou para Gabrielle, que fez um sinal com a cabeça para segui-la até lá fora.

Gabrielle saiu e Falyse apareceu logo atrás, limpando a mão ensanguentada com um pano qualquer.

— Está tudo bem? – Ela perguntou. Gabrielle inclinou a cabeça e suspirou.

Não, não estava tudo bem. A cabeça de Gabrielle era uma confusão de pensamentos e ideias, entrelaçando-se num oceano repleto de dúvidas. O que esses guerreiros tinham contra essas amazonas? Era só coincidência os ataques terem começado pouco tempo depois de Eulália ser encontrada? O que não estavam contando para ela? Por que não matavam ninguém, só machucavam e raptavam? Qual o segredo de Eulália? Onde fica o acampamento dos guerreiros? Onde fica? Adrion. Adrion, Adrion... Quem é Adrion?

— Adrion. – Gabrielle soltou de repente, sem nem ao menos pensar no que falaria em seguida. – Esse nome é familiar?

Falyse estreitou os olhos e encarou Gabrielle confusa. Ela estaria pensando numa resposta ou apenas achando que Gabrielle estava falando loucura? Então seus olhos se arregalaram e sua expressão mudou.

— Existe uma história... – Ela cruzou os braços e lambeu os lábios enquanto Gabrielle se inclinava para prestar mais atenção. – E provavelmente é sobre o mesmo Adrion que falamos.

— Qual é essa história?

— Não é muito comum amazonas desrespeitarem as regras – ainda mais regras máximas –, por isso, quando algo assim acontece é comum as amazonas mais velhas assustarem as mais novas com esse tipo de história.

‘’De acordo com o que me contaram, há alguns anos uma amazona violou uma das regras mais absolutas das amazonas: ela engravidou de um soldado, abandonou a tribo e foi viver com ele. E parece que quando a encontraram, ela estava em casa com ele e os dois filhos, e ouviram-na gritando ‘’salve Adrion e minha filha... Salvem-nos!’’

— E qual era o nome da menina?

— Ninguém sabe. – Falyse respondeu casualmente. – Mas essa história já deve ter sido modificada várias vez até ter chegado a mim. Mas o que tudo isso tem a ver? Porque a curiosidade?

— Não é nada. Só... Ouvi esse nome e fiquei curiosa. Obrigada. – Ainda não era hora de entregar tudo à Falyse, Gabrielle ainda precisava de um plano.

— Tudo bem – Estava claro que Falyse não estava totalmente convencida, mas deixou por assim mesmo. – Com licença, preciso voltar aos curativos. – Deu meia volta e entrou novamente na cabana.

Gabrielle continuou lá parada, encarando o nada, até que deu meia volta e seguiu caminho até a cabana onde Xena e Roxane estavam.

*******

A cada árvore marcada a mancha se tornava mais clara e difícil de ver; estrategicamente bem feita. Eulália não perceberia nada disso sem a informação valiosa do garoto em sua tenda.

Já estava caminhando por aquela mata o que pareciam horas – o que ela esperava que não fossem. Siga pelas manchas marrons nas árvores e chegará ao acampamento, havia dito o garoto. Manchas marrons no tronco de uma árvore. Maravilha.

Não parava de revisar o plano em sua cabeça: acharia o acampamento e encontraria seu irmão, o convenceria a soltar todas as amazonas presas e negociaria para ele parar com os ataques. Ela conseguiria fazer isso. Era um bom plano, era um bom plano... Era um plano de merda.

A esta altura, tudo ao horizonte de Eulália era bloqueado com a visão da mata fechada; o calor impregnando em suas roupas e pele. Ela estava prestes a...

— Ora, ora, ora. Que surpresa você por aqui.

Ele estava lá, o soldado, ao lado da árvore à sua frente. Ele deu mais um passo quando mais três soldados, todos em suas armaduras brilhando a luz do Sol, se juntaram a ele. Ela conseguiria derrota-los, todos, mas não era para isso que ela estava ali. O guerreiro estava agora diante dela, seu capacete à altura de seus olhos, uma mão no cabo da espada na bainha.

— Eu quero falar com ele. – Ela disse firme, confiante. Uma verdadeira rainha. – Sem truques desta vez. – E levantou as duas mãos na altura da cabeça.

Ele riu.

*******

— Eulália e Adrion? Sério mesmo? – Perguntou Roxane cética. Ela rodeava os cantos da cabana com os braços cruzados sobre o peito, encarando Gabrielle como uma enfermeira encara um louco no manicômio.

— Agora tudo faz sentido, certo? – Gabrielle estava sentada na ponta da cama com os cotovelos apoiados um em cada joelho.

— Então eles são irmãos?

— Sim.

— E Eulália ter sido encontrada logo após os primeiros ataques começarem não foi coincidência?

— Não foi.

— E tudo isso não passa de uma vingança por parte dos dois?

— Isso.

— Eu não estou entendendo muito bem. – E com isso, Roxane se aproximou da beirada da cama.

— Roxane, é muito simples. – Gabrielle disse e se levantou, ficando em pé em frente à garota.

— Tão simples que resolveu em cinco minutos, né... – Roxane abaixou a cabeça e sussurrou para si mesma, mas não fora baixo o suficiente.

— O negócio é sério aqui. A única coisa que eu ainda não entendo é porque Eulália não continuou com o disfarce. Por que de repente ela se voltou contra o irmão?

Roxane empurrou para o lado o corpo mole de Xena na cama (ou melhor, o amontoado de cobertores) e se sentou no espaço pequeno que restara.

— Vai saber né. – Disse.

Gabrielle então se virou para a menina.

— Onde está Eulália?

Roxane torceu os lábios por alguns segundos, então se ajeitou e disse:

— Eu acho que ela saiu, e já faz um tempinho.

— Tudo bem. Roxane, você fic...

— Eu sei, eu sei. – Cortou Roxane. – Para eu ficar aqui. Sem problemas.

Gabrielle se levantou e saiu.

*******

Ele não parava de encara-la por um segundo, enquanto dava voltas ao redor da cadeira onde ela estava sentada; cada passo soando alto na terra batida.

Fora levada até o acampamento – escoltada pelos guardas. Com exceção da enorme quantidade de cavalos ali e o fato de usarem barracas – ao invés de construírem casas com palha e madeira – a aldeia era idêntica ao das amazonas. A cabana onde estava também era idêntica à sua: poucos pertences e o arsenal de armas como peça principal.

Eulália observava tudo com um olho, enquanto o outro seguia o irmão a cada movimento. Não fazia ideia de como se comportar na presença dele. Sua respiração estava falha; era por medo? Ansiedade? Não sabia.

Observou seu rosto – os incríveis olhos verdes iguais aos dela, o cabelo louro e um pouco arrepiado –, os músculos dos braços à mostra na armadura reluzente. Em outras circunstâncias, Eulália teria corrido até ele e o abraçado, então choraria até não poder mais de tanta saudade, mas não ali, não agora, não quando um estava contra o outro.

Então ele parou, se aproximou e se apoiou nos braços da cadeira, seu rosto a centímetros do dela.

— Então quer dizer que voltou a si, irmã. – Disse Adrion com a voz grave e um leve sorriso de deboche pairando nos lábios. – Finalmente. Confesso que estava com saudades.

— Eu... Eu não voltei para você, irmão. Vim aqui pedir que parasse com tudo isso, de uma vez por todas, os ataques, as ameaças. Tudo. – Ela esperava uma reação de raiva, ódio ou até mesmo um soco na cara, mas não o que Adrion fez em seguida. Partindo dos lábios já entre abertos, ele abriu um sorriso de canto a canto, enquanto voltava a ficar totalmente em pé e andar pelo chão da barraca.

—E por que eu faria isso?

— Porque somos uma família. Porque um dia você jurou que jamais machucaria alguém com quem compartilhasse o mesmo sangue. – O chão estava caindo ao redor de Eulália. Adrion a olhava, sorria, seus olhos não a deixando nem por um momento. Mas era apenas isso. Ele a olhava, não a escutava. — Você, continuando com essa matança, essa raiva sobre elas e sobre mim, você só está machucando a mim e a elas, que são minha família também.

Isso bastou para Adrion. Ele retirou uma faca do cinto e lançou perpendicular a ele, em direção à irmã. A lâmina passou como um borrão aos olhos de Eulália, levantado alguns fios de cabelo perto da bochecha – e fincando em algo sólido atrás dela. O que sentiu em seguida foi uma leve ardência na ponta da orelha; ele havia cortado sua orelha de propósito? Mas aquele assunto podia ficar para depois, considerando a cara de fúria com a qual o irmão a encarava. Ele se aproximou novamente, dessa vez com o rosto ainda mais próximo do dela.

Família? É ISSO QUE VOCÊ AS CHAMA? FAMÍLIA? – Eulália teve que se encolher na cadeira onde estava para não cair. – Elas perseguiram e mataram nossa mãe. Por causa delas crescemos sem nossos pais... E você tem a audácia de chama-las de família?

Eulália respirava funda e rapidamente, o coração acelerado; assim como o irmão. Embora ambos não estivessem nem um pouco cansados, fisicamente.

— Nossa mãe só foi morta porque violou as regras. Como uma amazona, ela sabia que o que fez era errado, e fez mesmo assim, aceitando esse risco.

‘’O que elas fizeram foi horrível, eu sei. Afinal, ela era nossa mãe, mas eram as regras. Elas não tinham outra escolha. E não é como se não tivéssemos nos vingado. Todas as amazonas responsáveis estão mortas. Minhas irmãs de agora não tiveram nada a ver com essa história.

Elas me acolheram, aceitaram e me tornaram uma delas. Eu sou uma amazona, está no meu sangue. É meu dever protegê-las. Então por favor, irmão, pare com isso e siga em frente. Eu já fiz isso. ’’

Adrion a encarava com os olhos vermelhos de raiva. Ele parecia estar se segurando para não esmagar o pescoço de Eulália ali mesmo. Mas, ao invés disso, só a olhava e apertava os dedos sobre os braços da cadeira, como se não valesse a pena fazer aquilo.

— Você diz que elas a aceitam, que a veem como uma delas, mas eu me pergunto se continuariam com isso se soubessem a verdade. – Nesse momento, o coração de Eulália parou. E Adrion deve ter percebido, pois logo um sorriso frio despontou em seu rosto. – Por que não conta a verdade a elas, irmã? Porque não conta como nós dois arquitetamos o plano de mata-las, de destruir toda a aldeia. Por que não fala como trabalhou, perfeitamente, de espiã todo aquele tempo? Dando-me informações valiosas sobre elas? Porque não confessa tudo de uma vez, Hã? SE ela se dizem tão suas amigas assim, com certeza te perdoariam, certo?

O tom seco e cínico de Adrion só contribuiu ainda mais no desespero de Eulália. Ela sabia que nunca a perdoariam. Quase a metade das amazonas morreram, e a culpa era toda dela; mesmo nem cogitando, na época, em se tornar uma verdadeira guerreira amazona. Naquele tempo, tudo que havia em sua cabeça era a vingança, sua mente estava centrada nisso. Depois aceitou e compreendeu a honra com a qual ela havia nascido. Mas já era tarde demais. O erro já estava feito.

— Eu tenho um último acordo para fazer com você. – Disse Adrion. – Você volta para aquela aldeiazinha e conta as suas amiguinhas toda a verdade. Tudo, sem nenhum detalhe sangrento e traidor a menos. – Ele foi até onde a faca estava fincada e a puxou de volta, guardando-a no cinto. Eulália retomou a forças nas pernas e se levantou, virando para trás na direção do irmão. – Depois, quando elas tentarem te matar e te deixar em pedacinhos – e elas vão fazer isso –, você volta correndo até aqui e me pede desculpas. Talvez eu te aceite de volta.

Ele a encarou de cima, os olhos cerrados e a postura ereta.

— Acordo?

*******

— Você está mentindo. – Apontou uma garota de cara amassada e cabelo encaracolado que Gabrielle não conseguia lembrar o nome. Falyse, que estava ao lado da garota, não mostrava nem entendimento e nem discórdia. Apenas encarava Gabrielle, confusa. – Eulália jamais nos trairia – continuou a garota – ainda mais com uma história maluca como essa.

Gabrielle conseguira reunir, no pouco tempo que tivera, um total de quinze amazonas, todas exprimidas em sua cabana – e entre elas estava Falyse, a menina de cara chupada e algumas guardas.

Rapidamente, contou tudo que sabia sobre a ligação de Eulália com Adrion, e que sim, o Senhor da Guerra tinha um nome. Quando terminou, a reação de todas foi a mesma: estavam pasmas.

— E como foi que ‘’descobriu’’ tudo isso? – Perguntou outra amazona sarcasticamente, apontando o dedo para Gabrielle.

Roxane, que estava ao seu lado no centro da cabana, estremeceu. Então Gabrielle continuou:

— Eu posso ter ido escondida até a cabana de Eulália e ouvido por mim mesma... MAS ISSO NÃO VEM AO CASO. – Complementou rapidamente quando recebeu o olhar amargo das guarda que Gabrielle havia encontrado mais cedo. – A questão é que devemos agir rápido. Eulália foi até o irmão e pelo tempo que ela já está fora, não deve demorar muito para voltar. – Fez uma pausa cruzando os braços sobre o peito, pensativa. – Precisamos de um plano.

— Isso tudo é besteira – Disse a garota com a cara chupada. Ela jogou os braços para cima e andou até a saída da cabana. Foi quando o braço de Falyse parou-a. A cara lambida encarou-a incrédula, enquanto tentava se soltar, mas o aperto de Falyse era forte. – Não me diga que está acreditando nela. Falyse. – Gemeu em frustração quando percebeu o olhar fixo de Falyse em Gabrielle.

— Está mesmo dizendo a verdade? – Perguntou Falyse com um nó na garganta. Dito aquilo, algumas amazonas prenderam a respiração, enquanto outras se mexeram inquietas. Parecia que metade estava dividida entre acreditar ou não, e Gabrielle rezava ao deuses para que o resto da tribo aceitasse melhor.

— Você sabe que eu jamais mentiria sobre isso. – Então Gabrielle virou para o outro lado. – Sou como vocês. Uma amazona. Uma irmã. Tudo o que eu quero é o bem, para todas nós. Acredito que já tenham ouvido sobre meus feitos com outras tribos amazonas – e dessa vez, recebeu olhares acolhedores, de todas as partes. – Já fui uma rainha amazona um dia, e sei o que é proteger suas irmãs com a própria vida.

‘’Eu sei que o que estou contando e pedindo a vocês pode parecer loucura, mas não é. Infelizmente não é.’’

Então se virou para Falyse novamente. A garota ao seu lado havia parado de tentar se desvencilhar dos braços de Falyse, e encarava Gabrielle com um olhar de inocência estampado no rosto. Ela conseguira fazer um discurso de efeito, afinal.

— Estão comigo, ou não?

Dez minutos depois Falyse encontrava-se no centro da tribo, agora rodeada por todas as amazonas. Ela falava um pouco alto e gesticulava com as mãos enquanto andava pelo pequeno espaço que tinha. Gabrielle observava tudo de dentro da sua tenda. Ela havia achado melhor que Falyse contasse a elas toda a história, além do plano que haviam arquitetado. Elas a entenderiam melhor.

— Onde eu entro nisso tudo? – Perguntou a voz de Xena de dentro da tenda. Durante todo o discurso Xena não havia abrido a boca até que a ultima amazona tivesse saído da tenda. Depois se deitou na cama e puxou Roxane no seu colo.

— Você não entra em nada. – Respondeu Gabrielle. – Você não irá lutar. Ainda não está bem.

— Eu estou muito bem. Obrigada. – Respondeu Xena ofendida. – Na verdade, estou ótima.

— Não. Não está. – Gabrielle voltou a se sentar na cama, encarando a amiga. – Você está melhor do que antes, de fato, mas não está ótima.

E Gabrielle estava certa. Xena não estava mais com cara de defunta e nem caindo aos pedaços. A sopa milagrosa de Falyse havia funcionado, de fato. Mas ainda estava com o corpo delicado demais para lutar.

— Pare de frescura. Eu estou ótima, sim. E sabe por quê? Porque eu controlo o meu corpo. Se eu digo que ele está bem é porque ele está bem.

Gabrielle não respondeu, apenas revirou os olhos. Não valia a pena discutir por isso agora. Então viu Falyse se aproximando com um leve sorriso nos lábios.

— Elas aceitaram. Já podemos começar com o plano. – Informou ansiosa.

— Ótimo. – Respondeu Gabrielle, orgulhosa de si mesma. – Vamos começar.

*******

Um trio de pássaros voava ao longe, próximo aos raios do Sol que já começava a dar sinais de que iria se pôr. Além do canto dos pássaros, nada mais emitia qualquer som. Tudo parecia estar adormecido, esperando o sinal de perigo para entrar em ação.

Gabrielle esperava qualquer sinal de vida em frente à tribo amazona, calada atrás dela. A cada minuto trocava o peso do corpo de um pé para o outro. Segurava, em cada mão, seu par de sai pacificamente.

Então Eulália entrou em seu campo de visão. Gabrielle deu um longo suspiro, aguardando enquanto a amazona se aproximava.

— Onde estava? – Perguntou Gabrielle quando Eulália parou em sua frente.

— Não te interessa. – Respondeu ríspida, já contornando Gabrielle.

Com um braço, Gabrielle tocou o tronco de Eulália, a fazendo parar e encara-la de volta. – Dada as circunstâncias, sim, interessa.

Eulália não disse nada.

— Você estava com ele. Não estava? – Continuou Gabrielle – Seu irmão, Adrion.

— Não sei do que está falando.

— É claro que sabe. Você torturou aquele garoto até ele dizer onde estava o acampamento. E era onde você estava até agora. Não minta. Eu sei que você estava lá.

Eulália tirou um punhal da cintura e atacou. Gabrielle desviou rápido para o lado, por pouco a lâmina não raspando sua orelha.

— Sei que elas não a encontraram por acaso na floresta. Foi tudo planejado. Encontrariam a pobre garota órfã e cuidariam dela, tornando-a uma amazona. Ganhando confiança. Muito esperta. Admito.

Eulália atacou novamente. Dessa vez, Gabrielle devolveu o ataque com um de seu sai, fazendo a adaga de Eulália rodopiar de sua mão e fincar no chão. Rapidamente, ela pegou outra.

— Onde está o garoto?

— A salvo. De você. Mas continuando... Você ajudou seu irmão a dizimar todas as amazonas, não foi? Tudo pela mãe de vocês, que desobedeceu ao código amazona.

Eulália urrou de raiva e fez uma tentativa de ataque, mas Gabrielle chutou e ela caiu de costas no chão.

— Elas nunca irão acreditar em você. – Sussurrou ameaçadoramente.

— Será? – Então Gabrielle fez um sinal com a mão. No mesmo instante as amazonas saíram das duas primeiras cabanas da tribo, se aproximando e formando um círculo ao redor de Gabrielle e Eulália.

Eulália não fez nada se não arregalar os olhos em descrença e medo.

— Vamos mata-la. – Sugeriu uma garota. – Ela merece pena de morte depois do que fez.

— Não. – Interveio Gabrielle. – Deixem-na ir.

Dito isso, Eulália se levantou e saiu em disparada, empurrando duas amazonas no caminho.

A menina de cara chupada se virou para Gabrielle.

—POR QUE FEZ ISSO? – Perguntou. Gabrielle olhou através dela, onde Eulália já era um ser pequeno naquela imensidão verde.

— Porque ela vai nos trazer Adrion. Então podemos acabar com tudo isso. – Disse e se virou para Falyse, que se controlava para não chorar. Gabrielle a entendia. Confiar tanto em alguém e essa pessoa a trair doía. Não pensou duas vezes. Deu um passo em direção a Falyse e a abraçou.

*******

Adrion acariciava os cabelos dourados da irmã, reconfortando-a em seus braços enquanto Eulália se segurava para não começar a chorar outra vez. No fundo, ela sabia que ele não estava comovido com aquilo. Aliás, ele estava era se divertindo. Muito. Ela quase podia sentir seu sorriso enquanto ele desembaraçava seu cabelo por entre os dedos.

‘’Eu te avisei, não foi?’’ Ela havia dito, com um ar de superioridade, quando ela chegou desesperada no acampamento. ‘’Eu disse que elas não são sua família. Nunca foram. E nunca serão. ’’ E aquilo continuou até anoitecer.

— Tenho um presente para você - Adrion sussurrou em seu ouvido, antes de solta-la e fazer um sinal com a cabeça.

Eulália mal teve tempo de se virar e um guarda logo entrou segurando um prisioneiro. Então Eulália perdeu o fôlego. Era Thyia. Definitivamente era ela. Estava jogada no chão com um pano cobrindo a boca, prendendo seus pés e mãos. Tirando o estado de seu cabelo (que mais parecia um ninho de passarinho), ela parecia estar bem – dada as circunstâncias.

— O que ela está fazendo aqui?

— O que acha que eu fazia com as amazonas capturadas? – Perguntou seu irmão divertido.

O guarda se retirou, deixando os três sozinhos na tenda. Adrion foi até Thyia e a levantou aos tropeços, jogando-a na cadeira logo em seguida. Enquanto ele desfazia o nó do pano que a amordaçava, Eulália notou algo que gelou até sua espinha. O olhar de Thyia estava cravado nela. E não era um olhar de saudade, nem de medo ou pena. Era um olhar de ódio. Ódio e nada mais.

Quando o pedaço de pano caiu no chão, Thyia tentou se levantar. Foi quando Adrion a empurrou de volta, fazendo a cadeira quase cair para trás.

— Calminha. – Disse Adrion com um risinho cínico. – Vamos conversar primeiro.

— Como pôde? – Acusou Thyia com a voz raivosa. – Confiávamos em você. Eu confiava em você.

Eulália estava sem fala. Até ela. É claro que ela te odeia, idiota, você foi a culpada por destruir a casa de suas irmãs. É claro que ela quer o que todas as outras também querem: Eu morta.

Adrion tirou uma adaga do cinto e se posicionou atrás de Eulália, então pôs a lâmina em sua mão.

— O que está esperando? – Ele falou ao pé de seu ouvido. – Se dependesse dela, agora, você já estaria morta. Faça isso por mim e eu saberei que posso confiar em você outra vez. Faça.

Eulália fechou os olhos e apertou-os com força. Seu irmão estava certo, não estava? Thyia a queria morta, por isso o olhar de ódio. ‘’Se dependesse dela, agora, você já estaria morta. Se dependesse dela, agora, você já estaria morta. Se dependesse... ’’

Ela apertou a cabo da faca com força e lançou um olhar determinado a Thyia, que agora parecia tensa. Ela se aproximou com passos lentos e firmes, até ficar frente a frente com a garota.

— Eulália... – Disse Thyia com a voz enroscada na garganta. – O que vai fazer?

— Se dependesse de você, agora, eu já estaria morta, não é? – E ergueu a faca no alto. Thyia não teve nem tempo de responder quando Eulália desceu a lâmina e desferiu o golpe. No segundo seguinte, Thyia caiu morta no chão com uma faca emperrada no coração. Uma linha tênue, escarlate, se formando no chão à sua frente.

Adrion se aproximou da irmã, ficando lado a lado com ela e depositando um beijo em sua testa.

— Vamos atacar amanhã? – Perguntou Eulália, ainda encarando Thyia sem expressão.

— Sim querida. – Respondeu Adrion, contemplando a própria irmã. Nós vamos.

*******

O dia amanheceu calado e gélido, como se já previsse algo ruim acontecer.

Gabrielle polia um de seus sais em silêncio, enquanto Xena e Roxane, ambas deitada na cama improvisada, encaravam o nada.

— Quando iremos? – Perguntou Xena.

Nós não vamos a lugar algum. Eu vou lutar contra Eulália e Adrion. Você vai ficar aqui com Roxane.

— Mas eu não vou mesmo. – Retrucou Xena. – Eu já disse. Estou melhor.

— Está melhor, mas ainda não está totalmente bem. – Gabrielle guardou uma lâmina já brilhante e começou a polir a outra.

— Deixe de besteira. – Xena empurrou Roxane e se levantou depressa, quase tombando de tontura. – Viu?

— Vi que quase caiu. – Respondeu Gabrielle com uma sobrancelha levantada. – Não insista, por favor.

— Eu já disse que estou bem. – E foi em direção a saída.

Foi quando Gabrielle a interrompeu com um braço.

— Desculpe por isso.

— Isso oq...

Sem hesitar, Gabrielle cerrou o punho e socou Xena no rosto. A morena rodopiou e caiu, em cima de Roxane.

— Hei! – Reclamou Roxane, jogando um braço de Xena para o lado. – Eu preciso respirar, sabia?

— Desculpe. – Gabrielle guardou seu par de sai na cintura e passou a mão no cabelo. – Eu volto logo.

— Sei, sei. – Roxane fez um sinal sem importância com a mão. – Só... Só tenta não ser morta.

Gabrielle segurou um risinho.

— Pode deixar.

Falyse já se encontrava em formação em frente à tribo. Arqueiras, amazonas com espadas, lanças e machados. Todas prontas.

Ela foi para a primeira linha, ao lado de Falyse.

— Eles já devem estar chegando. – Ela informou sem tirar os olhos do horizonte. Portava uma espada de dois gumes, junto com várias facas espalhadas pelo corpo. Gabrielle sorriu e assentiu.

Então eles surgiram.

Caminhavam em linha reta. Eulália e Adrion na linha de frente, ambos empunhando espadas. Gabrielle notou que nenhum soldado montava um cavalo. Deviam tê-los deixado na floresta. Eles se aproximaram mais um pouco a pararam, cinco metros dividindo um grupo do outro.

Então atacaram.

O som das arqueiras disparando suas flechas foi o ultimo som que Gabrielle ouviu antes de tudo ficar mudo. Tudo que ela conseguia ver e ouvir era o soldado bem a sua frente, o qual dizimou com dois golpes certeiros. Mais vieram, e Gabrielle defendia tudo com seu par inseparável de sai.

Num determinado instante, Gabrielle se virou e viu Falyse e Adrion, e sentiu seus dedos vibrarem quando Adrion caiu no chão, morto, com a espadas de Falyse cravada em seu crânio. O próximo som foi de um grito animalesco. Gabrielle olhou para gente e viu Eulália vindo em sua direção. Ela havia visto o irmão morto. Gabrielle sabia disso.

Eulália jogou uma de suas espadas em direção a Gabrielle, que se abaixou em defesa. Então se levantou para desviar do outro golpe de Eulália, bem em sua cabeça.

As duas loiras se desviavam dos outros combatentes enquanto uma tentava achar o ponto fraco da outra. Gabrielle continuava a defender, enquanto Eulália apenas atacava. Até que seu braço fraquejou e Gabrielle conseguiu desviar sua espada e jogá-la longe. Foi quando juntou todas as forças e socou Eulália com os dois braços, terminando com uma voadora no meio do peito. Eulália caiu no chão, inconsciente.

Foi quando Gabrielle ouviu aplausos e gritos de animação. Olhou em volta e tudo que viu foram as amazonas em pé. Sujas de sangue e algumas machucadas, mas em pé. A batalha havia sido ganha.

Gabrielle ameaçou dar o primeiro passo quando sentiu um par de mãos segurarem seus dois tornozelos e puxarem bruscamente. Gabrielle caiu no chão e se virou para ver Eulália encarando-a com um olhar raivoso. Ela segurava uma adaga na mão, e estava próxima ao coração de Gabrielle.

Gabrielle tentou alcançar o sai que havia caído ao longe, mas não dava tempo. Eulália estava muito perto.

Foi quando um borrão prateado passou cortando o ar em frente aos olhos de Gabrielle, tirano a lâmina de Eulália de sua mão. Era agora. Gabrielle deu um impulso com o braço acima dela e alcançou o sai. Antes que Eulália pudesse pegar outra adaga, Gabrielle enfiou sua lâmina na teta de Eulália, que caiu dura ao seu lado, uma mancha vermelha se formando em seu rosto.

Foi quando olhou para trás e viu Xena na entrada na aldeia, com seu chakram na mão. Gabrielle estava mais do que aliviada naquele momento.

— Eu disse que estava bem. – Berrou Xena para que escutassem.

*******

O funeral foi à tarde.

Poucas amazonas haviam sido mortas em combate, então a fumaça dos corpos queimados não incomodava tanto Gabrielle quando ela esperava.

Xena se aproximou dela. Já vestida com a armadura e armas.

— Se me socar de novo igual você fez - Disse, tentando soar brava. - Eu faço pior.

Gabrielle tentou conter o sorriso, mas falhou. Percebendo que a amiga ria, Xena sorriu, abraçando-a logo em seguida.

— Que bom que estão bem. – Disse uma voz atrás delas.

Gabrielle e Xena se viraram e viram Falyse trás delas, sorrindo.

— Sim, nós estamos. – Respondeu Gabrielle, e se aproximou. As duas se abraçaram forte, até que Falyse quebrou o abraço e ergueu o antebraço na altura no rosto, na diagonal. Gabrielle entendeu, e sorriu logo em seguida, fazendo o mesmo.

As duas uniram os antebraços, formando um X. O símbolo das amazonas.

— Uma forte nação amazona. – Disse Falyse.

— Uma forte nação amazona. – Repetiu Gabrielle.


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Notas finais do capítulo

Então??? Gostaram? Odiaram? COMENTEM, PLEEEASE.
A importância desse capítulo são os personagens, ok? Já que essas amazonas aparecerão mais vezes, achei bom já ir apresentando-as à vocês.
Próximo capítulo teremos: Eve, Virgil, Afrodite, Cupido, Callisto, Ares (sim, sim sim) e uma surpresa para quem shippa Xena e Gabrielle... Ansiosos? Eu também. Hahahahaha. Até o próximo capítulo. Beijos.



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