Meu Vizinho é Um Vampiro escrita por Sawatari


Capítulo 1
Do outro lado do Muro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/52667/chapter/1

 O sol estava a pino naquele céu sem nuvens, uma tarde comum de verão. Não havia pessoas nas ruas, pois as aulas ainda não tinham acabado, me modo que apenas as crianças menores, cujas férias ainda não tinham acabado, eram vistas. Essas crianças aproveitavam aquela hora, sem pais ou irmãos olhando, para suas costumeiras “artes”. Havia um pequeno grupo, cinco ou seis crianças, reunidas na frente de uma casa.
Era uma casa grande e antiga, de tijolos escuros e janelas de madeira entalhadas, porém desgastadas. Seus vários tetos terminavam em pontas afiadas, semelhantes a torres, e um imenso muro escondia o primeiro andar e o jardim da vista alheia. As crianças estavam reunidas diante de um canto do muro, onde o tempo abrira um pequeno buraco no concreto, pequeno para que somente um deles pudesse passar, se encolhendo.

 - Vai lá, Max! – gritou um dos garotos, rindo. – Ou você ta com medo?
 - Eu não tenho medo de nada! – gritou o outro irritado.

 Era mentira, pois mal conseguia impedir que seus joelhos tremessem enquanto olhava para as janelas vazias e as torres que pareciam cortar o sol. Seu cabelo castanho e claro caía sobre os olhos cor de chocolate, o que o fez levantar a mão para tirá-los, antes de quase deitar no chão. Entrou na fenda com mais facilidade do que esperava, e em pouco tempo havia passado os quase dois metros de espessura do muro.
 Levantou-se, espanando a poeira de suas roupas antes de olhar a volta. Um jardim enorme se estendia por todos os cantos, a grama alta batendo em seu peito e árvores com algumas poucas folhas balançando. Ignorou o arrepio ao ver um cenário tão degradante e foi em direção a casa.
 Vários minutos depois, Max chegou a porta principal, que também era feita de madeira escura e a empurrou o suficiente para conseguir entrar. A casa era ainda pior que o quintal, com paredes cheias de quadros e fotografias que pareciam observá-lo e móveis antigos já cobertos de poeira. Deu as costas ao hall, sem querer ficar ali mais um segundo, quando algo o fez parar. Era um barulho abafado, vindo de algum lugar longe.
 Mas como? A única pessoa que morava naquela casa decrépita era um velho padre aposentado, que fazia questão de manter distância de qualquer morador. Ainda se lembrava de como ele parecia uma gárgula irritada quando seus pais tentaram dar-lhe boas vindas. Fora o primeiro e último contato daquele homem com alguém. E sabia que ele tinha saído, porque senão não estaria ali.
 Antes que se desse conta, já estava atravessando um longo corredor cheio de portas e quadros em direção ao último portal, a origem do ruído. Logo ele chegou tão perto que reconheceu o som de madeira batendo contra madeira com força. Parou na frente da porta e girou a maçaneta devagar.

 A sala era grande, mas estava vazia, exceto por uma cadeira que também era feita de madeira escura e grossa. Nela estava um jovem, de no máximo dezesseis anos, com cabelos loiros desalinhados, e olhos castanho claro emoldurados por olheiras. Seus pulsos estavam atados aos braços da cadeira com cordas, e um círculo com vários símbolos fora desenhado abaixo de onde estava. O jovem ficou olhando estupefato para Max, que também estava chocado, mas logo se recompôs.

 - Me solte. – pediu em tom calmo, apesar de estar arfando pelo esforço em sair dali.
 - Mas eu não sei... – começou o garoto, apontando para os complicados nós das cordas.
 - No último corredor a esquerda do hall, terceira porta da direita, fica a cozinha. – interrompeu o rapaz. – Todas as facas estão afiadas, é só pegar qualquer uma. E água.

 Max concordou com um rápido aceno e disparou para fora da sala, seguindo as direções que o outro lhe  dera. De fato chegou a cozinha, o único aposento que não era feito de madeira e sim de piso. Correu entre as intermináveis gavetas e armários a procura de facas. Para um homem que vivia sozinho, o Sr. Mondrake tinha uma cozinha bem equipada.
 Bem, não tão sozinho assim, pois aquele rapaz parecia conhecer a casa, e pelo tom de pele pálido que tinha, não devia sair de lá de dentro fazia um longo tempo.
 O garoto estremeceu e quase deixou a faca que achara cair no chão. Será que se o Sr. Mondrake o pegasse em sua casa, também o deixaria trancado numa sala ou amarrado a uma cadeira? Afastou o pensamento enquanto corria até a pia para encher um copo com água e voltava para a sala no fim do corredor.
 O rapaz ainda o esperava, se bem que não sairia mesmo que quisesse. Seu rosto, que mostrava preocupação, ficou aliviado e calmo. Por um torturante momento, pensou que o garoto iria simplesmente fugir e deixá-lo ali sozinho. Era muito bom saber que estava enganado. Max se aproximou dele e começou a cortar as cordas que prendiam sua mão direita de modo desajeitado, mas ele, com uma impressionante habilidade, puxou a lâmina com os dedos longos e começou a cortá-las sozinho.

 Em poucos minutos as cordas caíram em pedaços no chão, e ele não levou mais tempo para soltar a outra mão. Levantou-se, esfregando os pulsos que tinha adquirido o tom avermelhado, e olhou para o copo que Max trazia. O garoto entregou-o, mas não esperava que o rapaz fosse jogar o líquido no chão, fazendo com que a tinta do círculo aos seus pés se dissolvesse.

 - Obrigado. – disse, dando um passo a frente.
 - Eu sou Max. – respondeu o garoto, seguindo seu passo rápido para fora da sala.
 - Danion. – respondeu o outro, lançando um rápido olhar em sua direção.

 Um nome muito estranho, aqueles nomes de avós, pensou Max. Danion andava cada vez mais rápido, seguindo para o hall, enquanto ele quase corria para acompanhá-lo. Para sua surpresa, foi o rapaz quem fez a primeira pergunta.

 - Como você entrou aqui? – seu tom não era hostil ou irritado, mas sim calmo.
 - Tem um buraco no muro, pequeno, mas do meu tamanho. – respondeu Max, e antes que se refreasse, perguntou: - Mas porque você estava preso?

 Danion parou de andar tão abruptamente que o garoto deu vários passos antes de parar também, ficando finalmente a sua frente. O rapaz o mirava com aqueles olhos fundos e castanhos claro... Não, não eram castanhos, eram amarelos, um amarelo claro demais para ser confundido com qualquer outra cor. Ele abriu um sorriso desanimado, expondo as duas presas que definitivamente não estavam lá antes.

 - Porque eu sou um vampiro.

 O choque foi sua primeira reação, seguida pelo medo. Teve vontade de gritar por socorro, mas sua voz tinha sumido. Seus pais e seus irmãos diziam que vampiros não existiam, e no entanto, acabara de provar que eles estavam errados. Queria correr, atravessar a rua e ir para a casa a frente, deitar na sua cama e se esconder debaixo do cobertor. Suas mãos voaram para o pescoço, temendo que o vampiro tentasse atacá-lo.

 - Não precisa ter medo. – disse Danion no mesmo tom calmo. – Eu não caço pessoas...

 Mas ele cometeu o erro de estender a mão na sua direção. Max deu um grito agudo e virou-lhe as costas, correndo para abrir a porta de entrada. Foi então que notaram, tarde demais, que ela já havia sido aberta. Um homem de cerca de quarenta anos, magro e de cabelos pretos já quase tomados pelos fios brancos estava parado, a sua mão ainda pousada sobre a maçaneta e o olhar tão chocado quanto os dois.

 - Você... – foi a única coisa que o homem disse, seu choque dando lugar à fúria. Abaixou a mão até o bolso e puxou uma pequena garrafa circular e escura.
 - Max, saia daqui! – disse Danion, sem olhar para o garoto.

 No momento seguinte ele havia avançado sobre o Sr. Mondrake, com tal velocidade que não pode ver quando aconteceu. O homem foi de encontro a porta, empurrando-a e abrindo o portal totalmente, antes de cair na sarjeta que, como tudo naquela casa, era decrépita. Danion expôs as presas, com a mão apertando seu pescoço, o que o fez parecer muito com uma pantera atacando.
 Max passou pela porta o mais rápido que suas curtas pernas permitiam, olhando sobre o ombro enquanto passava pela grama. O vampiro parecia prestes a dar um golpe final, mas deu um salto para longe, protegendo o rosto do sol quente de verão. Seus braços brancos estavam ficando cada vez mais vermelhos, e em alguns pontos pareciam despender uma fina fumaça. Mas é claro, lembrou-se o garoto, vampiros queimavam no sol!

 Mondrake se levantou com certa dificuldade, e dessa vez jogou-se contra Danion, que ainda tentava fugir do sol, derrubando-o no solo e ficando sobre ele. Segurou seu rosto, fazendo o rapaz abrir a boca enquanto tirava a tampa da garrafa e despejava seu líquido escuro. Max pensou em voltar e ajudá-lo, pois o que quer que fosse aquele líquido, tinha deixado os movimentos do vampiro letárgicos, de modo que o homem tinha conseguido erguê-lo e já começava a arrastá-lo de volta para a casa.
Mas o buraco no muro surgiu logo a sua frente, e seu lado covarde o dominou. Atirou-se no chão e se arrastou de volta a calçada, onde o grupo de crianças ainda o esperava. Voltara para o mundo real, de onde nunca deveria ter saído.
 Porém sentia-se culpado por ter deixado Danion com o Sr. Mondrake. O homem não parecia ter problemas em dominar um vampiro, e provavelmente cuidaria para que ele não tentasse fugir outra vez. Mas não podia ser culpado, tinha apenas nove anos, não tinha força ou autoridade para ajudar ninguém. Ignorando as palavras das crianças a sua volta, passou no meio delas e correu para a casa.
 Estava com medo demais para continuar ali.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Meu Vizinho é Um Vampiro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.