Essência escrita por monachopsis


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Essa foi uma oneshot experimental, minha escrita saiu bem diferente nela, então... Apenas apreciem :)



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Essência

Liam respirou fundo, vendo a sua respiração se condensar à sua frente. Não sabia se aquilo daria muito certo, mas ele tinha que fazer algo e a primeira coisa que veio à sua mente foi a Cunnington Bridge, que sempre era tão deserta às sete horas da manhã. Quem dera ele fosse uma pessoa mais bem prevenida e que planejasse tudo com antecedência, mas aquele ato final viera tão espontaneamente em sua mente que sabia não necessitar de muitos arranjos. Aquele dia, que amanhecia nublado e friorento como de costume do outono, parecia sim ser bom para cometer um suicídio.

Antes de sair de casa nem lembrou se deveria ter escrito alguma espécie de carta-testamento ou coisa parecida, ou qualquer nota explicando seus motivos. Agora, parado em frente à marquise, com as mãos no bolso do casaco, pensava se não iria chocar demais a todos com aquele ato. Afinal, Liam Wayne era um garoto bom. Exemplar, tirando boas notas, praticando aulas de canto e cultivando uma boa amizade com as irmãs. Mas era exatamente aquela a causa de tudo. Começara simplesmente com uma sensação esquisita no estômago, durante o almoço no colégio, no inicío das aulas do terceiro ano. Em uma semana se desenvolvera em uma insônia que o perturbou. O que poderia mantê-lo acordado se evitasse sempre o estresse, fazendo apenas as melhores coisas e tudo com antecedência? Então o vazio cresceu a um ponto absurdo, em que se perguntava qual o significado, o motivo daquilo? Porque ele se esforçava tanto em ser bom? O que era realmente ser bom?

Só de lembrar a angústia que o consumiu durante dois meses, franzia a cara. Wolverhampton estava tão calma que só encontrariam seu corpo por volta das 9 ou 10 horas da manhã. Até lá, se a queda não o matasse de cara, esperava ter morrido de hipotermia por causa da água gelada do rio. Pelo menos aí o suicídio teria sido com sucesso. Imagina ficar paraplégico ou em estado vegetativo, mas ainda vivo? Aí sim a vida seria mais inútil ainda, isso seria mesmo viver por viver. Então, seguro de seu futuro, ou melhor, da ausência dele, subiu no parapeito quase com dificuldade – não pusera as luvas e seus dedos estavam enrijecidos de frio. Pelo menos ele poderia ter colocado-as com o cachecol, morreria de forma mais confortável.

Infelizmente ele sabia nadar. Olhou para a superfície negra do largo rio. O sol ainda aparecia e o vento gelado adorava farfalhar seu casaco desabotoado, o que lhe lembrou de abotoá-lo. Ouvira dizer que ali havia algumas pedras. Por favor, que ele batesse a cabeça em uma e morresse na hora, não sabia se conseguira morrer afogado sabendo nadar.

Não precisara de uma dose de coragem, na verdade. Muitas pessoas não cometem suicídio por serem bastante covardes, mas aquele não era o problema de Liam. No instante em que acordara, às cinco da manhã, depois de apenas três horas de sono, pensara na ponte. Ela poderia trazer um sentido naquilo tudo. E precisou apenas de andar pelo quarto doze vezes e vestir o casaco sobre o pijama. Tudo bem simples, sem muito drama. Andou um pouco, saindo do bairro aonde vivia, em direção à ponte que já ficava nos limites da cidade. Havia poucas casa ali, muitas árvores já nuas, seria um lugar interessante para morrer. Sim, tudo estava pronto.

Fechou os olhos, imaginando a queda do seu corpo contra a água. Seu rosto franziu de novo. O choque com a água gelada poderia doer. Mas seria melhor que pular de um prédio, talvez. Levantou a perna direita, ameaçando-a contra o vazio.

– O que você está fazendo?! – o grito o chocou tanto que Liam desequilibrou, agitando os braços no ar e indo para trás, batendo a bunda com força no chão.

Meio zonzo, conseguiu ver uma garota vestida em um casaco vermelho do outro lado da ponte. Conseguiu focar melhor a visão e percebeu outros detalhes. Ela era baixa, parecia ter uma idade indefinida, talvez quase a mesma da dele, e não usava luvas e cachecol também. O cabelo era preto, a pele bem pálida e suas pernas estavam nuas. O engraçado era que estava descalça. Pelo menos ele se lembrara de por um tênis antes de sair.

Demorou um pouco para cair sua ficha, mas então se perguntou como ela agüentava o frio só com aquele casaco. Ela andou rapidamente até ficar a dois metros de distância, o observando com uma expressão furiosa.

– E o que você pensa estar fazendo interrompendo um suicídio? – Liam não queria ter sido tão cortante, não era de sua natureza, mas se descobriu meio zangado com aquela garota desconhecida. Aquilo a fez franzir mais as sobrancelhas.

– E você não pode se suicidar! – e aquilo o atiçou um pouco mais.

– Todo ser humano tem o direito de se suicidar. – declarou, se levantando e massageando as nádegas doloridas. Agora a dor irradiava para sua coluna, o que piorou seu humor, imaginando ter que morrer com mais dor ainda.

– Todos sim, quando há um motivo por trás. – ela cruzou os braços, com certa arrogância.

– É óbvio que eu tenho um motivo. – sua voz pareceu ter falhado naquela última palavra e ela percebera, pois sua sobrancelha arqueou. Liam ficou mais frustrado. Ele tinha um bom motivo, quem seria aquela garota que ousava lhe impedir de suicidar?

– E qual seria? – perguntou, sorrindo um leve sorriso sarcástico. Percebeu, meio tarde, que os olhos dela também eram negros e que o sorriso, mesmo irônico, lhe caía bem.

– A vida não possui sentido. Pelo menos não para mim. – se sentiu vitorioso. Esse sim era um bom motivo. A risada dela o chocou tanto que Liam ficou sem saber o que fazer. Olhou ao redor, vendo que agora o sol nascera por completo e que tudo continuava vazio naquela região.

– Como assim a vida não possui sentido? – pareceu um pouco curiosa por seu resposta.

– Não parece haver motivo ou sentido em ser bom. Em ser um ótimo filho e aluno. – acabou declarando. – Assim como também não haveria em ser um péssimo filho.

– Qual o sentido que você busca, Liam? – sua expressão havia suavizado e aquilo o deixou mais confortável.

– Não sei exatamente. – ela não pareceu acreditar. – Talvez... Sinceramente, não sei.

– Como você pode desejar um sentido se nem você sabe qual você quer? – até sua voz parecia mais calma. – Creio que... a vida tem o sentido que damos a ela. – aquilo lhe surpreendeu.

– Mas... – ela levantou o indicador, silenciando-o. A garota andou de forma calma até poder sentar no parapeito da ponte. Seus pés nus balançaram sem encostar o chão. Ele apenas imitou sua ação, mantendo a distância entre eles.

– Qual poderia ser o sentido da sua vida? – a pergunta o deixou pensativo. – Diga em voz alta, não adivinho pensamentos. – ela deu aquele sorriso irônico novamente. Ele ficou sem graça.

– Não sei qual sentido ela poderia ter. Tornar-me algum advogado de sucesso? Casar e ter uma família bonita? – ele deu de ombros, olhando o céu cinzento.

– Esses seriam sentidos muitos materiais, Liam. Sua vida é tão material assim? Pensar apenas no que está aqui, nesse planeta, no que foi criado pelos humanos? Pensar apenas em conseguir riquezas, bens, uma reputação para agradar os outros olhos, viver sua vida em função disso? Esse seria um sentido realmente vazio, se quer saber. – ela também olhou o céu, despreocupada.

– Materiais... Mas então... qual sentido dar à minha vida? – perguntou com firmeza, encarando-a. Ela demorou a mudar o olhar para ele, o que deixou um pouco impaciente.

– Sabe, livros de auto-ajuda não deveriam ser tão subestimados assim. Alguns realmente são inúteis, mas podem ser encontradas algumas pérolas em alguns. – até o sorriso dela se tornara mais suave. – Conselhos para buscar a felicidade e o amor são bobeiras com certeza, afinal, somos nós quem definimos tudo em nossa vida. Qual será o nível de felicidade que alcançaremos, qual o nível de amor que receberemos ou daremos... – ela olhou para os próprios pés. – Qual o nível de felicidade que deseja alcançar, Liam? Sem falar um nível perfeito, pois tem que haver um certo equilíbrio em tudo. – ela avisou.

– Nem eu desejaria um nível perfeito. – ele comentou. Ela pareceu um pouco intrigada. – É que... eu já sei que não dá para ter uma vida completamente feliz, apenas momentos de felicidade. E você disse que...Eu posso definir isso...

– As pessoas gostam de culpar os outros por sua infelicidade, por todas as mazelas de suas vidas. Sim, não podemos escolher em qual família nasceremos, quais pessoas conheceremos e conviveremos , quais os problemas que nasceremos com... Mas podemos decidir depois o que faremos em relação a isso. Ou se tornar algum fracassado apático às possibilidades da vida ou lutar para torná-la melhor. Lutar para definir qual o nível de felicidade dará à ela. – os sorrisos dela eram tão mutáveis, agora se tornara misterioso, parecendo conter algum tipo de mistério divertido que ele nunca descobriria. – Não ouse ficar culpando os outros, Liam.

Ele encarou novamente os pés dela, que dessa vez se mexiam rapidamente, para baixo e para cima. Eles estavam sujos e ela continuava não demonstrando nenhum tipo de frio. Pelo visto ela não possuía apenas um sorriso misterioso...

– Pense nas infinitas possibilidades da vida, Liam. Não defina completamente seu futuro. Muitas pessoas pensam que, fazendo isso, terão um sentido bom para viverem.

– Seria nada desafiador já ter um caminho certo e único a se seguir. – ele se viu dizendo. Aquilo o surpreendeu. O sorriso dela se alargou. Aquilo pareceu acender alguma luz nele. – Ir por outros caminhos...

– Ousar ir por outros caminhos. Pegue um desvio. Faça coisas que não estavam nos planos. Apenas ouse viver. – ela olhou novamente para o céu. – A vida é algo realmente invejável. Ela possui seu próprio sentido, significado. Pare de buscar objetividade de algo tão subjetivo. – aquilo soou quase como uma bronca. - Não deixe que ela perca sua essência.

Liam ficou pensando em nada e em tudo ao mesmo tempo. Quando olhou novamente para ela, a garota se levantava, batendo no casaco para retirar alguma sujeira invisível.

– Qual seria essa essência? – havia um quê de desespero em sua voz.

– O que você imagina como essência da vida, Liam? – ela o instigou.

– Viver? – ele fez uma expressão confusa.

– O que eu disse antes?

– A vida tem o sentido que damos a ela.

– Essa é a essência. Lhe dar todas as cartas, todas as possibilidades. Não a desperdice tão fácil enquanto há tantos querendo vivê-la. – algo passou por seu rosto que ele não soube identificar, havia algum tipo de batalha interna dentro de si. – Olha. – ela apontou para seu outro lado e ele olhou.

O sol já aprecia por entre as árvores, iluminando bem melhor aquele lugar. O ambiente parecia ter esquentado apenas com um pouco daquela luz, ele percebeu que seus dedos já não doíam tanto. Mesmo com aquela paisagem morta de fim de outono, a luz dera vivacidade às árvores sem folhas e ao rio escuro, mostrando que sua verdadeira cor era meio verde. Mesmo as pedras cinzentas da ponte, havia alguns pontos de musgos e pequenas plantas crescendo por entre as fissuras. E mesmo aquela vegetação pálida parecia se arquear de encontro àquela luz.

Ela se virou e foi andando para o início da ponte, o deixando ali, aguentando aquela luta interior e encarando aquela paisagem... Aquela luz anterior piscou novamente dentro dele. Ao invés do vazio havia aquela luta, que era melhor do nada. Esperava poder se acalmar e analisar tudo com mais calma, analisar melhor suas possibilidades. Algo parecia pular ali dentro. Se ele pudesse dar um nome, poderia ser vontade.

Quando se deu conta, ao repetir melhor aquela conversa, o sol já estava mais alto e a garota não estava ali mais.

Como ela sabia o seu nome?


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Notas finais do capítulo

Fuck the logic :DHoho, foi feita pra dar tapinhas na cara de certas pessoas e para inspirar reflexão. Sei lá se consegui isso mesmo, mas o que vale é a intenção ;-;Obrigada por ter lido :)



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